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Religião e política: embate de sentidos sobre a fé evangélica em posts de pastores no Instagram

RESUMO

Este trabalho visa refletir sobre possíveis sentidos para a fé evangélica a partir de enunciados produzidos por três pastores evangélicos em suas redes sociais ao enunciarem sobre temas que se vinculam, direta ou indiretamente, a pautas políticas. Fundamentados no escopo teórico dos estudos em Linguística Aplicada e em concepções bakhtinianas de linguagem, nossas análises apontam três sentidos predominantes, os quais significam a fé evangélica como: i) reafirmação da identidade; ii) exercício da alteridade e respeito ao outro; e iii) prática política. Tais sentidos demonstram que há contradições no interior da discursividade religiosa, o que permite o batimento entre discursos de ódio e de respeito e empatia no âmbito da fé evangélica. Assim, buscar as fissuras no discurso religioso que se contraponham a discursos fundamentalistas e autoritários é um dever ético de um líder religioso que reconheça o seu papel social e discursivo como influente nas tomadas de posição e, por conseguinte, na vida dos membros de sua congregação.

PALAVRAS-CHAVE:
Discursos; Evangélicos; Ética

ABSTRACT

This work aims to reflect on possible meanings for the evangelical faith based on utterances produced by three evangelical ministers in their social networks when they enunciate on themes that are linked, directly or indirectly, to political agendas. Based on the theoretical scope of studies in Applied Linguistics and on Bakhtinian conceptions of language, our analyzes point to three predominant meanings, which mean the evangelical faith as: i) reaffirmation of identity; ii) exercise of otherness and respect to the other; and iii) political practice. Such meanings demonstrate that there are contradictions within the religious discursivity, which allows the beating between hate speeches and respect and empathy ones within the realm of the evangelical faith. Thus, looking for cracks in religious discourse that oppose fundamentalist and authoritarian discourses is an ethical duty of a religious leader who recognizes his social and discursive role as influential in taking positions and, therefore, in the lives of the members of their congregation.

KEYWORDS:
Discourse; Evangelicals; Ethics

De fato, é possível encarar a religião como se ela não passasse de um discurso sem sentido, como o fizeram os empiricistas/positivistas. Mas, como Camus observou, não é possível ignorar que as pessoas encontram razões para viver e morrer em suas esperanças religiosas, lançando-se em empresas grandiosas e atrevendo-se a gestos loucos, compondo poemas e canções, marcando o lugar onde os mortos amados foram enterrados e, se necessário, entregando-se mesmo ao martírio.

Rubem Alves

Introdução

Dentre os assuntos que, segundo a sabedoria popular, não devem ser discutidos, aqui nos atrevemos a refletir sobre dois: religião e política. Mais especificamente, interessa-nos pensar alguns sentidos que se produzem para a fé evangélica no atravessamento entre política e religião.

Segundo o Dicionário Michaelis online, religião pode ser definida como

1. Convicção da existência de um ser superior ou de forças sobrenaturais que controlam o destino do indivíduo, da natureza e da humanidade, a quem se deve obediência e submissão. 2. serviço ou culto a esse ser superior ou forças sobrenaturais que se realiza por meio de ritos, preces e observância do que se considera mandamentos divinos, geralmente expressos em escritos sagrados (...)1 1 Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/religi%C3%A3o/. Acesso em: 27 jan. 2024. .

Da perspectiva das ciências da religião, Santos (2021SANTOS, Valter Borges dos. A religião como forma de conhecimento. In: SILVA, Itala Daniela da; et al. Ciências da Religião e Teologia. Porto Alegre: SAGAH, 2021. p. 33-50. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556901275/. Acesso em: 09 dez. 2023.
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, p. 34) afirma que esta é “uma forma de conhecimento” que “tem como objetos o mundo e a vida, buscando soluções e interpretações da realidade, porém com distinções de origem”2 2 Para uma discussão sobre a religião do ponto de vista sociológico e antropológico, sugerimos a leitura de Durkheim (2000). Nosso interesse aqui é pensar a religião como discurso que produz efeitos nas práticas linguageiras dos sujeitos. . Tais definições nos esclarecem pouco acerca da complexidade das crenças, interações sociais, rituais e visões do sujeito religioso. Aliás, pouco nos diz acerca da dinamicidade das práticas religiosas, tendo em vista a diversidade destas e as inúmeras possibilidades de se professar a fé.

Nessa esteira, o título deste artigo aponta para a nossa compreensão de que a discussão sobre a fé evangélica precisa ser situada em um universo marcado pela pluralidade de visões, crenças e práticas, por tensões, contradições e dissensos entre sujeitos. Em outras palavras, de que fé evangélica falamos? Integrando 31% da população3 3 Conforme publicação no site de notícias G1, a partir de dados do Datafolha, 50% dos brasileiros são católicos, 31%, evangélicos, e 10% não têm religião. Quanto às mulheres, a pesquisa aponta que elas representam 58% dos evangélicos e 51% entre os católicos. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml. Acesso em: 8 dez. 2023. , e em crescimento significativo no Brasil, o número de evangélicos provavelmente ultrapassará o de católicos até o ano de 20324 4 O estudo foi realizado pelo demógrafo José Eustáquio Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, e publicado no site: https://veja.abril.com.br/brasil/evangelicos-devem-ultrapassar-catolicos-no-brasil-a-partir-de-2032 pela jornalista Zylberkan (2020). . Todavia, Spyer (2020SPYER, Juliano. Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020.) nos chama a atenção para a diversidade que o termo evangélico contempla. Em suas palavras,

(…) a interpretação corrente posiciona o cristão evangélico - inclusive o pentecostal e o neopentecostal - dentro da tradição do protestantismo. Mas se por um lado o evangélico é também um protestante, por outro, dentro do uso cotidiano, ser evangélico pode ter um significado diferente de ser protestante (Spyer, 2020SPYER, Juliano. Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020., p. 51).

Assim, poder-se-ia distinguir entre os “protestantes históricos” e os “protestantes evangélicos”. Os primeiros dizem respeito “aos cristãos pertencentes a igrejas surgidas como desdobramento mais imediato da Reforma Protestante a partir do século XVI, como é o caso das igrejas Luterana, Batista, Presbiteriana, Metodista, Episcopal e outras” (Spyer, 2020SPYER, Juliano. Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020., p. 51). Os segundos, por sua vez, contemplam grupos mais recentes, como os pentecostais e os neopentecostais, representando, na maioria dos casos, igrejas surgidas no século XX. Fazendo coro com Spyer, usaremos o termo “evangélico” para abarcar ambos os grupos por entendermos que as fronteiras entre eles são fluidas e a distinção terminológica insuficiente para demarcar a complexidade identitária que agrega os sujeitos religiosos.

Nos últimos anos, vivenciamos o acirramento de tensões no cenário político, marcado por confrontos discursivos, polarizações ideológicas, bem como pela circulação de discursos de ódio e fake news (Butler, 2021BUTLER, Judith. Discurso de ódio - uma política do performativo. Tradução de Roberta Fabbri Viscardi. São Paulo: Editora Unesp, 2021.; Trindade, 2022TRINDADE, Luiz Valério. Discurso de ódio nas redes sociais. São Paulo: Jandaíra, 2022.; Mercuri; Lima-Lopes, 2020MERCURI, Karen Tank; LIMA-LOPES, Rodrigo Esteves. de. Discurso de ódio em mídias sociais como estratégia de persuasão popular. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 59, n. 2, p. 1216-1238, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/01031813760991620200723. Acesso em: 14 ago. 2023.
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; Silva, 2021SILVA, Izabel da. “Bota fogo nesses vagabundos!”: entextualizações de xenofobia na trajetória textual de uma fake news. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 59, n. 3, p. 2123-2161, 2021. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8659789 . Acesso em 15 ago. 2023.
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). Nesse cenário, o discurso religioso parece ter desempenhado papel fundamental ao operar como catalisador de tensões e posições políticas de diversas naturezas. Perini (2023PERINI, Rudá da Costa. Discurso político, discurso religioso: uma análise do discurso bíblico em falas públicas presidenciais. Leitura, v. 1, n. 76, p. 178-193, 2023. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/revistaleitura/article/view/14282. Acesso em: 11 jul. 2023.
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), por exemplo, ao investigar discursos do ex-presidente do Brasil (2019-2022) endereçados a evangélicos, ressalta como, ao se imbricar ao discurso político, o apoderamento do discurso bíblico reforça a manutenção de um projeto de poder. Em suas palavras, “o discurso bíblico, ao ser cooptado pelo discurso político, tanto funciona como um instrumento, usado com cinismo e hipocrisia, a serviço de um projeto político de poder, como um modo de dizer que convoca o sujeito cristão evangélico a se identificar” (Perini, 2023, p. 192).

À luz dessas considerações, inscrevemo-nos no escopo teórico dos estudos em Linguística Aplicada (LA) e em concepções bakhtinianas de linguagem para refletir sobre possíveis sentidos para a fé evangélica a partir de enunciados produzidos pelos pastores evangélicos André Valadão, Henrique Vieira e Ed René Kivitz. A escolha desses pastores deve-se a sua significativa representação no meio evangélico e repercussão em redes sociais.

André Machado Valadão, nascido em 1978, é um pastor evangélico de Minas Gerais, cantor e compositor de música cristã contemporânea. É um homem branco de 45 anos, apresenta-se como figura pública e tem, no Instagram, cerca de 5,8 milhões de seguidores e quase 1,4 milhão de seguidores no Twitter (atual X).

O pastor batista Henrique dos Santos Vieira Lima, nascido em 1987, é conhecido como Henrique Vieira, tem 771 mil seguidores no Instagram e quase 52 mil seguidores em seu canal do Youtube. Ele é ator, poeta, professor e deputado federal do Partido Socialismo e Liberdade. Em 2022, foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro com 53.933 votos. É formado em teologia, ciências sociais e história, estuda a arte da palhaçaria e é membro do conselho deliberativo do Instituto Wladimir Herzog5 5 Informação disponível no site: https://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=06015 . Está presente em várias mídias, inclusive televisiva, e é autor do livro O amor como revolução (Vieira, 2019).

Pastor na Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, Ed René Kivitz, nascido em 1963, tem 340 mil seguidores no Instagram, 151 mil inscritos em seu canal do Youtube e 123,6 mil seguidores no Twitter. Segundo o Instituto CPFL6 6 O Instituto CPFL é uma plataforma de investimento social privado do Grupo CPFL Energia. , o pastor possui mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, é teólogo, conferencista e escritor, tendo publicado os seguintes livros: Vivendo com propósitos: a resposta cristã para o sentido da vida (Kivitz, 2003), Outra espiritualidade: fé, graça e resistência (Kivitz, 2014a), O livro mais mal-humorado da Bíblia: a acidez da vida e a sabedoria do Eclesiastes (Kivitz, 2014b) e Talmidim: o passo a passo de Jesus (Kivitz, 2012)7 7 Informação disponível no site: https://institutocpfl.org.br/play/palestrante/ed-rene-kivitz/ .

Mais especificamente, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa e interpretativista, a fim de analisar os sentidos que emergem quando, a partir de determinadas tomadas de posição, esses pastores enunciam em suas redes sociais sobre temas que se vinculam, direta ou indiretamente, a pautas políticas.

Ainda com Spyer (2020SPYER, Juliano. Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020.), atentamo-nos para o risco das visões simplistas e redutoras, comumente empregadas para definir os evangélicos. Segundo o antropólogo,

Os estereótipos mais comuns descrevem o evangélico como mercador da fé que se aproveita da superstição de um povo ingênuo e ignorante. Ele é também conservador, contra o aborto e percebe a homossexualidade como uma doença que pode ser tratada e curada. Ele é fanático por rejeitar a ciência, especialmente o evolucionismo darwinista, em favor de uma leitura literal da Bíblia. E como intolerante, ele combate “infiéis”, que no Brasil são especialmente aqueles que pertencem às religiões de matriz afro (Spyer, 2020SPYER, Juliano. Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020., p. 94-95).

Desse modo, investigar discursos colocados em cena por pastores de diferentes posições político-partidárias8 8 Como explicitaremos, ao longo das análises, André Valadão identifica-se com uma posição política de direita/conservadora, enquanto Henrique Vieira e Ed Renê filiam-se a posições políticas de esquerda/progressistas. - ainda que sob o “rótulo” da mesma religião - pode contribuir para a compreensão dos matizes de sentido que constituem certas práticas religiosas, bem como para se discutir a representação de evangélico que opera como corrente na sociedade brasileira, principalmente pelos não evangélicos.

Em termos de organização, além desta introdução e das considerações finais, discutimos, na próxima seção, a relação entre religião, linguagem e política, a partir da LA e dos estudos bakhtinianos; posteriormente, apresentamos nossos gestos de análise.

1 Religião, linguagem e política

Para que possamos analisar e compreender como se dá a produção dos discursos e dos sentidos possíveis da fé evangélica nas postagens dos pastores André Valadão, Henrique Vieira e Ed René Kivitz, situamos nosso trabalho no âmbito dos estudos trans/indisciplinares em Linguística Aplicada (LA) (Moita Lopes, 2006MOITA LOPES, Luiz Paulo da (org.). Por uma Linguística Aplicada INdisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.; Kleiman, 2013KLEIMAN, Angela Bustos. Agenda de pesquisa e ação em Linguística Aplicada: problematizações. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da (org.). Linguística Aplicada na modernidade recente. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. p. 39-58.), para os quais a linguagem é uma prática social constitutiva e constituinte dos sujeitos. A LA toma como objeto de estudo a língua(gem) em sua concretude socio-histórica, política, cultural e ideológica e instala possibilidades de interfaces teórico-metodológicas e analíticas que sejam responsivas à vida social e que contribuam para a compreensão do “papel do discurso na constituição do sujeito, do sujeito como múltiplo e conflitante, da necessidade de reflexividade na produção do conhecimento” (Pennycook, 2006PENNYCOOK, Alastair. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da (org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 67-84., p. 78).

O sujeito social, nesse sentido, reconhecidamente multifacetado em suas práticas linguageiras, representa um importante interesse de investigação para uma LA cada vez mais implicada eticamente com a vida cotidiana e com uma recusa política de pensamentos acadêmicos que pouco dizem a/sobre sujeitos corporificados ou àqueles que historicamente foram colocados à margem dos processos de produção de conhecimento acadêmico-científico. Entendemos que essa tomada de posição nos aproxima dos estudos bakhtinianos, para os quais, como reforçam Molon e Vianna (2012MOLON, Newton Duarte; VIANNA, Rodolfo. O Círculo de Bakhtin e a Linguística Aplicada. Bakhtiniana, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 142-165, 2012., p. 155), “compreender a linguagem como uma prática social remete, sem mediação alguma, à afirmação do Círculo de que a realidade fundamental da língua é a interação verbal (ou interação discursiva) e que ela se dá entre sujeitos socio-historicamente situados”.

Nesse sentido, pensar a religião pelo viés discursivo representa reconhecer que o discurso religioso não é imune, por exemplo, ao atravessamento de ideologias político-partidárias, de tal modo que também os sujeitos que se inscrevem nesse lugar discursivo devem ser tomados como constituídos por um amálgama identitário (Moita Lopes, 2006MOITA LOPES, Luiz Paulo da (org.). Por uma Linguística Aplicada INdisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.) e que, por isso, enunciam sob a égide de um atravessamento de vozes, de pontos de vista e de visões de mundo que implicam, como reforça Bakhtin (2016BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: 34, 2016. p. 11-70.) no ensaio Os gêneros do discurso, uma diversidade de atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas.

Em consequência desse posicionamento, inscrevemo-nos na filosofia da linguagem do Círculo de Bakhtin, para a qual o processo de enunciação e os enunciados concretos que emergem dela funcionam como o produto da interação entre indivíduos socialmente organizados e materializa discursos plenos de tonalidades dialógicas, o que, a nosso ver, se mostra convergente com a agenda da LA mencionada acima. Assim, ao tomarmos discurso como a língua em funcionamento em um determinado momento sócio-histórico-ideológico, retomamos Bakhtin (2012), ao defender a concepção de um sujeito sempre social, com um posicionamento axiológico no mundo. Nesse contexto, vale reforçar que “todo enunciado emerge sempre e necessariamente num contexto cultural saturado de significados e valores e é sempre um ato responsivo, isto é uma tomada de posição” (Faraco, 2009FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009., p. 25).

Dessa forma, compreendemos que esse sujeito sempre social, ativamente responsivo, “consegue imprimir traços de autonomia e singularidade ao seu dizer e as suas ações” (Santos; Lima, 2013SANTOS, Lúcia de Fátima; LIMA, Antônio Carlos Santos de. Dialogismo e produções responsivas ativas: analisando práticas discursivas em aulas de língua portuguesa. Letras & Letras, v. 29, n. 2, p. 1-11, 2013., p. 4) nos diversos contextos de inserção social (político, econômico, religioso, cultural, entre outros). O que nos permite reconhecer que a concepção de sentido nos estudos bakhtinianos se relaciona ao diálogo com o outro e às relações que se instauram entre a história e a linguagem, em que os sujeitos em devir, “enunciam, evocando vozes de um passado que lhes constitui e de um futuro que está a se realizar” (Guilherme, 2013GUILHERME, Maria de Fátima Fonseca. Bakhtin e Pêcheux: atravessamentos teóricos. In: STAFUZZA, Grenissa.; PAULA, Luciane de (orgs). Círculo de Bakhtin. Campinas: Mercado das Letras, 2013., p. 273).

Ainda, para analisarmos as vozes postas em diálogo nos enunciados concretos dos pastores, mobilizamos o conceito de referencialidade polifônica, engendrado por Santos (2000SANTOS, João Bosco Cabral dos. Por uma teoria do discurso universitário institucional. 2000. 236f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.; 2012), como uma extensão do pensamento bakhtiniano e que representa a “heterogeneidade subjacente às bases discursivas do imaginário sociodiscursivo dos sujeitos (...) transpassada por discursos distintos, [em que] as vozes dos sujeitos são entrecortadas por várias outras vozes e por vários outros discursos” (Santos, 2000, p. 231). Para o autor, essa extensão conceitual contribui para pensarmos sobre como as bases discursivas que balizam o imaginário dos sujeitos são constituídas por elementos de natureza “histórica, social, cultural, filosófica, psicológica, política e linguística” (Santos, 2012, p. 109-110), os quais incidem e são constitutivos das inscrições sociais e, consequentemente, de seus dizeres, funcionando como vozes em confronto e em confluência.

Considerando, nesse sentido, os dizeres dos pastores sob a ótica de uma referencialidade polifônica, faz-se necessário reforçar que todo “enunciado ocupa uma posição definida em uma dada esfera da comunicação, em uma dada questão, em um dado assunto etc. É impossível alguém definir sua posição sem correlacioná-la com outras posições” (Bakhtin, 2016BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: 34, 2016. p. 11-70., p. 57; grifo no original). Assim, compreender a linguagem na esteira do que preconiza o Círculo de Bakhtin pressupõe a recusa de qualquer neutralidade na tomada da palavra ou de uma palavra “não tocada” pelo humano. Ainda que seja muito sedutora a ideia, em algumas vertentes do cristianismo, de que “Deus fala” independentemente das condições histórico-sociais, culturais e ideológicas desse dizer, os estudos bakhtinianos nos convidam a considerar que, nos processos enunciativos, a palavra é colocada em cena a partir da produção linguageira de sujeitos concretos e socialmente situados.

Há ainda de se salientar que pensar a religião é sobretudo refletir sobre a questão da língua. Trata-se, por exemplo, de questionar que concepções de língua(gem) podem sustentar uma fé ancorada em um “discurso bíblico”9 9 Optamos pela definição de Perini (2023, p. 179) que, em seu estudo sob a perspectiva da Análise de Discurso materialista, compreende o discurso bíblico como aquele que “toma como base material a Bíblia Sagrada, tem funcionamento particular ao ser instrumentalizado pelo discurso político presidencial, noutras palavras, ao ser reproduzido/atualizado a serviço de certo projeto político”. Entendemos que essa definição dialoga com a perspectiva de análise dos atravessamentos ideológicos entre a religião e a política aqui empreendida. . O que é o sentido? O que é o texto? O que é o texto sagrado? Que status têm os falantes? Esses são alguns questionamentos cujas respostas, implícita ou explicitamente, balizam as crenças e práticas religiosas, bem como os modos de leitura da Bíblia (livro que contém a revelação de Deus para os cristãos).

Questionar os sentidos cristalizados que alicerçam as crenças e as práticas religiosas é, de certa forma, reconhecer que “a situação social mais próxima e o ambiente social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, de dentro, a estrutura do enunciado” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, Valentin Nikoláievitch. Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 206; grifo no original). Assim, nossa investigação sobre os sentidos da fé evangélica em dizeres de pastores parte da percepção de que suas tomadas de posição e seus argumentos refletem e refratam os “interesses sociais multidirecionados nos limites de uma coletividade sígnica” (Volóchinov, 2017, p. 112) e, por isso, não são imunes aos discursos e atravessamentos ideológicos, econômicos, sociais, políticos que ressoam em seu momento histórico.

Passemos, pois, à discussão analítica.

2 Gestos de análise

Conforme dito anteriormente, desenvolvemos uma pesquisa qualitativo-interpretativista no intuito de compreender sentidos possíveis para a fé evangélica que se deixam (des)velar em postagens dos três pastores mencionados. Tal escolha se dá em função de eles aparecerem como figuras públicas no Instagram, serem bastante presentes e influentes nas redes sociais, bem como enunciarem a partir de diferentes orientações políticas, a saber: pastor André Valadão, de orientação mais conservadora, geralmente associada a um pensamento de aversão à diversidade de ideias que tendem a reforçar posicionamentos preconceituosos; e pastores Henrique Vieira e Ed René Kivitz, tidos como mais progressistas, geralmente associados a um debate que contempla a reflexão sobre preconceitos e desigualdades dentro e fora da comunidade religiosa10 10 Apesar da complexidade que os termos ‘conservador’ e ‘progressista’ apresentam, são-nos suficientes, para o escopo deste artigo, as distinções apresentadas no Dicionário de conceitos políticos (Ortega; Silva, 2020). Segundo este, ‘conservadorismo’ refere-se a uma “filosofia social que designa um sistema de crenças que visa a manutenção das políticas e padrões de ordem vigentes. Apoia-se no apego à tradição e nos antigos costumes em opisição [sic] às mudanças ou inivações [sic]” (Ortega; Silva, 2020, p. 24). Quanto aos progressistas, entende-se que estes historicamente são identificados como aqueles que “lutam contra as desigualdades, as injustiças sociais, pela inclusão e reconhecimento da diversidade: social, étnica, de gênero, raça etc. Lutam pela mudança social com suas práticas e demandas, participam da construção da cultura político-social de uma nação, e contribuem para a conscientização da sociedade, a exemplo do movimento das mulheres na atualidade” (Ortega; Silva, 2020, p. 103). . Nosso recorte consiste na análise de cinco posts no Instagram do pastor André Valadão; cinco posts no Instagram do pastor Henrique Vieira; e um breve vídeo de pregação postado pelo pastor Ed René em seu Instagram.

Ressaltamos que os dizeres dos pastores representam uma parcela significativa dos discursos que constituem a fé evangélica, de modo que seus posicionamentos reverberam socio-historicamente, engendrando subjetividades e produzindo efeitos (i)materiais. Salientamos ainda que não temos a pretensão de esgotar os sentidos, antes, interessa-nos pensar como alguns enunciados que emergem nos dizeres dos sujeitos em análise circulam no âmbito da esfera religiosa evangélica. Assim, considerando que as palavras significam a partir de retomada de já-ditos, buscamos analisar como os enunciados das postagens configuram a produção de sentidos possíveis sobre e da fé evangélica.

Passemos, então, à análise dos posts do pastor André Valadão.

2.1 A fé evangélica como reafirmação da identidade

André Valadão é um pastor bastante presente nas redes sociais, destacando-se pelo uso de uma linguagem jovial e descontraída. Ficou bastante conhecido pelo uso do bordão “cê num é crente não”, dado em resposta às perguntas feitas pelos internautas sobre os mais diversos assuntos11 11 O pastor André Valadão publicou inclusive o livro Faça sua pergunta! (Valadão, 2021) com base nas interações em seu Instagram. .

Em seu site, pode-se ler, na aba ‘biografia’ (http://www.andrevaladao.com/biografia), que ele é pastor voluntário na Igreja Batista da Lagoinha, localizada em Belo Horizonte-MG, há 17 anos, e fundador da Lagoinha Orlando Church, na Flórida, desde 2017. Mencionam-se os inúmeros lançamentos musicais do pastor, os vários países em que já esteve “rompendo fronteiras” com sua música. Destacam-se as várias redes sociais que possui, além dos diversos prêmios em reconhecimento por seu trabalho. O site ressalta que André Valadão é “um grande empreendedor”, tendo criado a marca ‘Fé’, a qual “a princípio era algo que ele mesmo desenvolveu dentro de sua igreja local, mas, a partir do lançamento do álbum homônimo (2009), tornou-se uma das marcas mais conhecidas do Brasil”.

André Valadão possui uma expressiva representatividade no contexto da fé evangélica no Brasil e no exterior. Apoiador do ex-presidente do País (2019-2022), o pastor se posicionou ativamente durante as eleições presidenciais de 2022, por meio de postagens com conteúdos contra os movimentos políticos tidos de esquerda e suas (re)conhecidas plataformas políticas e pautas de defesa. Interessa-nos aqui compreender os discursos por ele produzidos, problematizando em que medida seus enunciados encontram eco em discursos outros, “já-ditos” e que adquirem, a partir da concretude das práticas de linguagem, status de novidade.

Dentre as mais de dez mil postagens no Instagram, destacam-se: pregações, fotos pessoais e relacionadas a eventos religiosos, interação com os internautas, dentre outras. Tendo em vista nosso objetivo, selecionamos cinco postagens - derivadas do formato caixa de perguntas - publicadas entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, em que o pastor responde a questionamentos de seus seguidores e que remetem mais explicitamente a alguma relação com a política. Vale reforçar que ele é o dono da conta que seleciona quais perguntas vão ser respondidas e, eventualmente, divulgadas em seus stories do Instagram.

Apresentamos, em quadros, a transcrição dos posts do Instagram com a pergunta e a resposta dada pelo pastor, em formato de vídeo. Vejamos.

Quadro 1
Transcrição Post 1 AV.
Quadro 2
Transcrição Post 2 AV. Fonte:

Os dois primeiros posts selecionados datam respectivamente de 02 de fevereiro e 23 de agosto de 2022. No primeiro, André Valadão aparece em pé, usando uma camiseta preta e ao fundo se vê uma televisão na parede com uma placa acima escrita kitchen. O post é acompanhado do seguinte comentário do pastor: “Abram os olhos gente! Olhem a mídia hoje, grande parte dos professores, reitores, reportagens … 👀”. No segundo, ele responde sentado no banco de um carro em movimento e usa um boné com a logo da marca Mercedes, sendo o post acompanhado do comentário: “A igreja é voz sim!”.

As perguntas levantadas pelos internautas apontam explicitamente para a relação entre política e religião. Observa-se que, em ambos, o pastor estabelece uma ruptura temporal que marca um antes e depois para a igreja: o passado não demandava posicionamento político da igreja como o presente. Contudo, “hoje mais do que nunca” é preciso que a igreja se posicione politicamente.

Mas que acontecimento instaura a necessidade de um posicionamento político da igreja na atualidade? A resposta, segundo ele, estaria nas ideologias que contaminam escolas e faculdades. Retomando enunciados sobre “ideologias que contaminam” produzidos pelo próprio pastor André Valadão, os quais podem ser vistos como recorrentes no interior dos discursos que veiculam a fé cristã, entende-se que o pastor faz referência a posicionamentos políticos tidos como de esquerda, os quais adquirem, em sua fala, sentidos como os de “sujeira”. A fé evangélica seria, então, um exercício de pureza, resguardado pela filiação a ideologias políticas de direita, o que lhe conferiria o dever de “se meter” nessa pauta.

As expressões “guerra ideológica” e “filosofias mundanas” circunscrevem a resposta em um âmbito moral. A necessidade de proteger as crianças e a própria vida de tais ideologias e filosofias justificaria, portanto, o que o questionamento chama de propaganda eleitoral dentro das igrejas, as quais agora são voz “sim”. Interessante o uso do termo “guerra”, situando o argumento no campo bélico, de modo que haveria uma disputa contra um inimigo, materializado, nesse caso, em conceitos e ideias perversas. Trata-se de uma advertência reforçada, no comentário do primeiro post, pela conclamação a “abrir os olhos” e pela referência a “professores, reitores, reportagens”. Cria-se discursivamente uma oposição entre um mundo exterior (representado por tudo aquilo que contaminaria e deturparia as verdades da fé) e a igreja (local de proteção por apoiar-se na verdade).

Considerando que, para Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, Valentin Nikoláievitch. Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.), a existência é refletida e refratada no signo ideológico, sendo que a refração se apresenta a partir do cruzamento de interesses sociais multidirecionados, o signo “inimigo”, no espaço religioso cristão evangélico, se encadeia a uma rede de significações que alimentam a ideia de um confronto, de um ente a ser combatido, o que é corroborado por um versículo, na carta do apóstolo Paulo aos Efésios, comumente mobilizado em pregações: “pois a nossa luta não é contra pessoas, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais” (Efésios 6:12). Pela lógica binária que fundamenta o cristianismo, pode se inferir que, no contexto enunciativo em análise, se os princípios ideológicos que regem a esquerda política são mundanos e seculares, os da direita parecem ser alçados ao status do divino e sagrado.

Não se trata aqui de defender a neutralidade política das igrejas ou de recusar o direito de ministros se posicionarem e apoiarem candidatos à eleição, uma vez que, para a concepção de linguagem do Círculo, todo enunciado é sempre ideológico. Antes, interessa-nos compreender o funcionamento discursivo que permite a formulação e circulação de sentidos que, ao produzirem efeitos de verdade, trazem implicações materiais que afetam as condições de existência dos sujeitos. Posicionar-se contra ou a favor de uma ideologia em um espaço em que se assegura e reconhece a referencialidade polifônica dos sujeitos sociais pela sua diversidade de vozes equipolentes e equivalentes poderia ser um exercício de cidadania e respeito, ou seja, saudável à democracia. Todavia, ao se demonizar a esquerda e se enaltecer a direita (ou vice-versa), a partir de uma inscrição em um lugar discursivo constituído por lógicas binárias de disputa e conflito (mal x bem; Deus x diabo; céu x inferno; mundo x igreja), produz-se uma visão redutora e maniqueísta de sociedade e de mundo.

Quadro 3
Transcrição Post 3 AV.

Ao ser indagado sobre “quem votou no ladrão”, no dia 10 de novembro de 2022, André Valadão, ainda que não mencione o nome do atual presidente da república, eleito pelo Partido dos Trabalhadores, assume o posicionamento ideológico de julgamento feito pelo internauta ao associar a pergunta a um partido de esquerda. Em sua resposta, ele é incisivo em dizer que “quem acredita na filosofia da esquerda não entende mesmo ou não é crente não”. A partir do intuito de estabilização dos sentidos sobre “ser crente”, os dizeres do pastor produzem sentidos que direcionam a uma percepção de que aqueles que possuem a fé evangélica “legítima” devem estar filiados a ideologias políticas de direita, sendo a afiliação a ideologias de esquerda indício de ignorância ou a ausência de fé evangélica/cristã. Nota-se que a resposta não se limita apenas à defesa de um candidato à presidência, mas retoma o enunciado “não é crente não”, um já-dito com entonação expressiva que opera como um bordão do pastor (“cê num é crente não”), o que discursivamente circunscreve o que é aceitável (ou não) para um cristão.

Assim, ao considerarmos que os sentidos sobre a fé evangélica, produzidos por um sujeito que ocupa lugar de autoridade espiritual, abrem pouco - ou nenhum espaço - para o dissenso, reforçamos que parece existir um desejo de estabilização que silencie possibilidades desviantes de inscrição ideológica dos fiéis. Assim, “ser crente de esquerda” seria um enunciado da ordem da impossibilidade, já que ou se é crente ou se vota em um partido de esquerda.

De Almeida (2023DE ALMEIDA, João Paulo Martins. (Neo)pentecostalismo e (neo)fascismo: sentidos em comunhão nos discursos religioso e político. Leitura, v. 1, n. 76, p. 194-218, 2023. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/revistaleitura/article/view/13701. Acesso em: 11 jul. 2023.
https://www.seer.ufal.br/index.php/revis...
), a partir do enunciado “Deus, pátria, família” (lema do Integralismo12 12 Em termos gerais, no Brasil o Integralismo tem como premissas ideológicas a defesa à propriedade privada e ao liberalismo econômico, o resgate da cultura nacional, os valores morais cristãos e o combate ao comunismo. usado pelo ex-presidente do Brasil - 2019-2022), discute as contradições do discurso religioso, que, na contemporaneidade, reforça discursos fascistas. Para o autor,

Na esfera política, uma leitura conservadora da religião, autoritária dos dizeres e dos sentidos por eles engendrados, ganham representação em discursos igualmente autoritários e/ou fascistas. É preciso considerar, ademais, que autoritarismos geralmente são expressões do próprio sistema econômico que nos organiza socialmente - o autoritarismo é a maneira pela qual se expressam vontades, desejos e ambições no sentido de se obter mais poder, e este poder não se dá senão na materialidade de base econômica, que comporta a superestrutura marxiana do poder jurídico que se lhe acopla e a retroalimenta (De Almeida, 2023DE ALMEIDA, João Paulo Martins. (Neo)pentecostalismo e (neo)fascismo: sentidos em comunhão nos discursos religioso e político. Leitura, v. 1, n. 76, p. 194-218, 2023. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/revistaleitura/article/view/13701. Acesso em: 11 jul. 2023.
https://www.seer.ufal.br/index.php/revis...
, p. 202).

Na esteira do que discute De Almeida (2023DE ALMEIDA, João Paulo Martins. (Neo)pentecostalismo e (neo)fascismo: sentidos em comunhão nos discursos religioso e político. Leitura, v. 1, n. 76, p. 194-218, 2023. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/revistaleitura/article/view/13701. Acesso em: 11 jul. 2023.
https://www.seer.ufal.br/index.php/revis...
), observamos um tom autoritário na postagem do pastor André Valadão ao associar a ideia de “espiritualidade saudável aceitável” ao posicionamento político de direita. Em diálogo com Bakhtin (2010BAKHTIN, Mikhail. O discurso no romance. In: BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 6.ed. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Hucitec/UNESP, 2010. p. 71-362.) no texto O discurso no romance, compreendemos um enunciado autoritário a partir de uma característica hierárquica bem-marcada, que busca se impor em relação aos demais, sem espaço para questionamentos e negociação de sentidos. Trata-se, pois, do fechamento dos sentidos, da recusa da polissemia e da polifonia (da fé, de visões, de modos de se praticar a relação com o transcendental). O que, de certa forma, produz efeitos de contradição, uma vez que, em prol de uma agenda neoliberal de mercado - continuamente reiterada por discursos de prosperidade material -, emergem sentidos sobre a existência de uma única forma de se experienciar a fé cristã.

Quadro 4
Transcrição Post 4 AV.

Em 28 de dezembro de 2022, ao ser questionado sobre as “igrejas progressistas”, André Valadão, em um vídeo no qual aparece seu rosto em um cômodo com um abajur ao fundo, dá uma resposta que corrobora os sentidos produzidos na postagem anterior. Associadas a ideologias de esquerda, as igrejas consideradas progressistas são vistas, por ele, como não genuínas, estando na ordem da efemeridade. Uma igreja progressista não seria nada mais que uma “onda”, estranha à palavra de Deus, já que esta sim permanece. À “palavra de Deus” agregam-se sentidos de permanência (“nós não somos a primeira geração”), verdade (“de forma genuína”) e estabilidade (“vai continuar assim”). A reivindicação para si do lugar de conhecedor da “palavra de Deus” se ancora em uma visão fundamentalista da própria palavra: haveria uma verdade (revelação) dada a priori, de caráter imutável (que prevalece) e intocável, já que não “tem futuro”. Desse modo, a fé é tida como a-histórica e independente dos sujeitos e de seu entorno social.

Além disso, se considerarmos o discurso neoliberal como um atravessamento constitutivo do que é enunciado por Valadão, sua fala de descredibilização de novas igrejas progressistas também produz sentidos sobre a defesa de uma espécie de reserva de mercado da fé. Assim, novas igrejas com pensamentos dissonantes podem produzir desestabilizações que causariam prejuízos no quantitativo de fiéis, de seguidores e, por conseguinte, nas camadas de prosperidade financeira que gravitam em torno de uma igreja. Esse sentido é reforçado pelo comentário do pastor ao post, em que se lê: “Ai ai ai né crente MESMO! 😯”. A linguagem informal, o uso de emoji e o advérbio em letras maiúsculas, ao mesmo tempo que podem contribuir para gerar identificação com o interlocutor, por meio de um efeito de proximidade, funcionam também para conter quaisquer sentidos contrários à linha argumentativa da postagem.

Afinal, ainda que o discurso empresarial de mercado pareça estranho aos princípios religiosos mais ortodoxos, devemos levar em conta que “as condições de comunicação discursiva, as suas formas e os meios de diferenciação são determinados pelas premissas socioeconômicas da época” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, Valentin Nikoláievitch. Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p. 262), de modo que são essas condições mutáveis inerentes à comunicação sociodiscursiva que permitem rearranjos ideológicos em determinados contextos socio-históricos. Inclusive a Igreja Católica tem promovido reformulações de seus princípios em função de uma perda considerável de fiéis no mundo todo, o que reforça que há no discurso religioso de base cristã do século XXI um diálogo com os valores ideológicos do neoliberalismo.

Quadro 5
Transcrição Post 5 AV.

Finalmente, trazemos aqui uma postagem do dia 11 de fevereiro de 2023. Apesar de não haver explicitamente menção à questão político-partidária no post acima, o enunciado remete às discussões atuais sobre o uso da linguagem neutra, ao ironizar o uso de um termo relacionado a essa agenda identitária (o pronome ‘todes’). A alusão ao uso da linguagem neutra na postagem funciona como uma estratégia de embate com algumas agendas políticas da atual esquerda brasileira, a saber, as identidades de gênero, fortemente combatidas pelo governo anterior.

Poder-se-ia argumentar que o enunciado ridiculariza uma questão meramente linguística. Todavia, o atravessamento entre língua(gem) e sexualidade é reforçado pela menção a especialidades médicas voltadas para áreas de sexualidade: urologistas para indivíduos do sexo masculino (“todos”) e ginecologistas para pessoas do sexo feminino (“todas”). O signo ideológico “todes”, por sua vez, ao ser associado à área da psiquiatria, é colocado no âmbito de distúrbio mental. Em outras palavras, é a partir de uma estratégia de crítica purista de acusação a um desvio da norma culta da língua portuguesa, ou seja, uma flexão de gênero não estabelecida pela gramática, que o sujeito ironiza posicionamentos que questionam o discurso da heteronormatividade também no âmbito linguístico.

Ao recusar o “todes” (e não apenas o uso deste termo), que inclusive é grafado em letras minúsculas, é possível reconhecer que se configura uma imagem discursiva da fé evangélica como um exercício de disciplina dos corpos e das subjetividades. Sob essa perspectiva, não haveria espaço para discursos dissonantes e diferenças no que tange a outras possibilidades de vivência da sexualidade; acolhem-se todos e todas (desde que bem circunscritos em seus lugares); mas não há espaço para “todes”.

É importante mencionar que há, ao lado do post, um comentário publicado por André Valadão, em que se lê:

Fatos são estes. Centenas de anos depois de nós mortos se os nossos ossos forem encontrados será determinante o saber quem era homem e quem era mulher. Os próprios ossos 🦴 apontam para este fato. CONTRA FATOS NÃO HÁ ARGUMENTOS. NÃO É SOBRE LIBERDADE. É SOBRE UMA AGENDA IDEOLÓGICA INFERNAL DETURPADORA E JÁ FALIDA QUE NO DEPENDER DE TODO O QUE CRÊ EM DEUS NÃO VENCERÁ NUNCA A VERDADE DO AMOR DE JESUS.

Parece haver uma tentativa de agregar, à posição moral-cristã, sentidos de cientificidade por meio da defesa de que se trata de fatos. Todavia, tal argumento cede logo espaço ao aspecto religioso com a afirmação, de modo categórico expresso pelo uso da grafia em letras maiúsculas, de que há uma verdade (a do “amor de Jesus”). Apenas essa verdade seria suficiente para combater “uma agenda ideológica infernal deturpadora e já falida”, que procura apresentar-se como “liberdade”. Dessa forma, deixa-se clara a ideia de que a identificação ou a prática de uma sexualidade fora dos padrões heteronormativos não coadunam com a fé evangélica e estão fadadas à perdição eterna.

Cumpre ressaltar que o padrão de interação com o público frequentemente usado pelo pastor, em sua rede social, também produz (novos) efeitos de sentido sobre a fé evangélica. Ao se valer da estratégia de interação discursiva da caixa de perguntas do Instagram, e responder questões sobre política, fé, comportamento, relacionamentos, sexualidade dentre outras, o pastor não apenas constrói a imagem de alguém acessível, próximo dos que o seguem, aberto ao diálogo. Considerando que o teor de suas respostas é predominantemente marcado por formulações incisivas, revestidas de autoritarismo, sem espaço para questionamentos, próprio de discursos monológicos e autoritários, pode-se dizer que o pastor se projeta como guardião do saber e da moral; como aquele habilitado para definir normas de boas condutas. Consequentemente, seu discurso busca cristalizar uma representação do “fiel ideal” como alguém que, não tendo autonomia para tomar as próprias decisões, busca o discurso autoritário e chancelado daquele que pode conduzi-lo ao “bom caminho”. Assim, reforça-se o sentido de que a fé evangélica, nesse caso, é constituída e atravessada por discursos que implicam práticas normativas de cunho moral.

Compreendendo a verdade como preceitos revelados por Deus e registrados em um livro sagrado, possíveis de serem vivenciados pelos fiéis, independentemente de seu contexto socio-histórico, cultural e ideológico, a fé se traduziria como reafirmação de identidades (de classe, de gênero, de papeis sociais dentre outras) dadas de antemão. Ao religioso caberia aceitar e professar tal verdade, praticando-a sem deturpá-la ou questioná-la. Dessa perspectiva, parece haver pouco espaço para o dissenso ou ressignificações discursivas.

Passemos, agora, à análise das postagens do pastor Henrique Vieira.

2.2 A fé evangélica como exercício de alteridade e respeito ao outro

Além de pastor da Igreja Batista do Caminho e deputado federal pelo Rio de Janeiro, o pastor Henrique Vieira está presente em várias mídias e tem 617 mil seguidores no Instagram. Além disso, entendemos que o fato de o pastor Henrique Vieira concorrer, à época das publicações aqui analisadas, ao cargo de deputado federal pelo PSOL, reveste seus dizeres de um teor político, ainda que o conteúdo pareça meramente religioso.

Quadro 6
Transcrição Postagem 1 HV.

Nesta postagem, publicada em 17 de outubro de 2022, o pastor Henrique defende o estado laico e se dirige ao deputado federal, e também pastor, Marco Feliciano, conhecido por seus posicionamentos conservadores e frequentemente polêmicos. Sendo pastor e deputado federal, a tentativa de separar discursivamente religião e política produz sentidos que se sobrepõem, o que inclusive se marca na própria nomeação de “pastor” e “deputado”. No enunciado em questão, a política, e não a religião, seria o campo de disputa e do confronto discursivo, o que é corroborado pelo comentário do próprio pastor sobre seu post: “Pra cima do fundamentalismo! Fé não é projeto de poder, mas testemunho de amor. 5033! Bora pra cima!”.

Vale reforçar que, atualmente, tem-se usado com certa frequência o termo ‘polarização’ para designar um modelo de comunicação alicerçado no acirramento de pontos de vista, geralmente associados a questões políticas e/ou identitárias. Sendo assim, o pastor se inscreve no âmbito da polarização e dos corriqueiros confrontos discursivos com visibilidade nas mídias sociais para mandar uma mensagem ao seu outro, Feliciano, o qual, pelo que se pode supor pela postagem, questiona o ponto de vista ideológico defendido pelo pastor Henrique: o Estado laico.

Dessa forma, ao se projetar como alguém que, pautado na Constituição e não na Bíblia, defende a igualdade de direitos, o pastor desloca já-ditos sobre posicionamentos que apoiam uma maior incidência do discurso religioso no funcionamento do Estado, o que faz emergir uma proposta discursiva de fé evangélica revestida de condutas que respeitam a individualidade dos cidadãos. Assim, é possível compreender que, ainda que o pastor Henrique ocupe um lugar discursivo de líder religioso, sua enunciação ativa efeitos de sentido sobre uma concepção de fé que, exercida em um Estado laico, não pode ser confundida com o espaço público de tomadas de decisão.

Quadro 7
Transcrição Postagem 2 HV. - Postagem 2 HV.
Quadro 8
Transcrição Postagem 3 HV.

Nos posts acima, publicados, respectivamente, nos dias 08 e 22 de outubro de 2022, e, portanto, após o primeiro turno das eleições presidenciais brasileiras, o pastor Henrique Vieira comenta sobre a comunidade cristã da qual faz parte. Os comentários aos posts trazem informações sobre o horário das cerimônias, a saber: “Amanhã é dia de culto na comunidade de fé que participo, @ibcaminho. Com a presença do Pastor @vlad_oliveira27” e “De portas e coração abertos, @ibcaminho. AMANHÃ (09/10), às 09:30, tem o nosso café compartilhado e as 10:30 começa o culto. 📍Rua Sacadura Cabral 60, Centro. Culto às 10h30. Café às 09h30. 📍O culto começa às 10:30h e será na Rua Sacadura Cabral, 60”, respectivamente.

“Amor”, “comunhão”, “celebração”, “diversidade”, “servir”, “orar”, “paz” e “consolar” são palavras que circunscrevem a fé a sentidos de pluralidade e abertura. Ainda, é possível inferir que o enunciado “portas e corações abertos”, em certa medida, se contrapõe à premissa bíblica de que “muitos são chamados, mas poucos são escolhidos” (Mateus 22:14), o que corrobora sentidos de separação entre crentes e não crentes. Assim, o enunciado “portas e corações abertos” reforça não somente que a sua igreja está disponível para os fiéis interessados, como também a associa a uma postura ética de empatia e aceitação do diverso.

A referência à política se nota no uso da negativa em “nossa fé não é projeto de poder”, que retoma, sobretudo, o embate com políticos cristãos cujas propostas desconsideram a laicidade do Estado. Além disso, o enunciado “simples assim” põe em cena - para refutar - discursos religiosos fundamentalistas, os quais se pautam em regras e costumes de caráter moral. Assim, ainda que não haja mudança no paradigma - continua-se, por exemplo, ancorado na crença de que há um ser superior e transcendental -, cremos que haja, nos recortes acima, um deslocamento nas possibilidades de enunciar a fé e, portanto, de experienciá-la.

Quadro 9
Transcrição Postagem 4 HV.

Também publicado no dia 08 de outubro de 2022, o post em tela apresenta um enunciado que explicitamente dialoga com o slogan da campanha do ex-presidente do Brasil, a saber: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Ao retomar uma premissa cristã - “Ele está no meio de nós” -, o pastor dialoga com o discurso bíblico13 13 Como os versículos no evangelho de Lucas, em que se lê: “O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: ‘Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está entre vocês” (Lucas 17:20-21). para referendar seu confronto discursivo com o enunciado que remete aos dizeres do ex-presidente, o que é ainda reforçado por seu comentário ao post: “no meio de nós!”.

Assim, ao retomar “Ele está no meio de nós”, produz-se um efeito de proximidade na relação entre Deus e o fiel, recusando-se a crença de relações hierárquicas, como se Deus estivesse no nível dos humanos. Ademais, novamente reverbera-se o embate com posicionamentos discursivos que intentam colocar a Bíblia acima da Constituição e, consequentemente, justificar leis “em nome de Deus”. Desse modo, é possível também supor que as relações entre pessoas estariam na ordem da horizontalidade.

Quadro 10
Transcrição Postagem 5 HV.

O último post analisado do pastor Henrique Vieira, publicado no dia 19 de novembro de 2022PASTOR HENRIQUE VIEIRA. [Sem título]. Brasil. 22 de outubro de 2022. Instagram: @pastorhenriquevieira. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CkCTAA6Jbtg/. Acesso em: 12 dez. 2023.
https://www.instagram.com/p/CkCTAA6Jbtg...
, faz menção ao tema da mensagem a ser compartilhada por ele em sua comunidade, o que é enfatizado no comentário: “Vamos celebrar o Jesus Negro, Deus no meio de nós! @ibcaminho . O culto amanhã começa 10h. Rua Sacadura Cabral, 60”.

Ao trazer à tona a questão do racismo, tema comumente silenciado no âmbito da fé evangélica, o pastor assume o teor político da religião que segue e reafirma o enunciado “Deus no meio de nós”, ao colocar em cena a imagem de um “Jesus Negro” em contraposição à imagem do Cristo branco, de olhos azuis, herança do eurocentrismo. “Jesus Negro”, grafado como um nome próprio, evoca (e refuta) não apenas a visão eurocêntrica de cristianismo, mas a matriz colonial de poder, ser, saber que subjugou/subjuga corpos e subjetividades ao longo dos séculos.

Assim, ao questionar uma representação discursiva de um Jesus de exceção, constrói-se a imagem de uma forma de fé como fenômeno que deve dialogar com discursos que se articulem a questões sociais, sendo urgente a pauta do racismo. Trata-se, pois, de uma concepção discursiva de fé que se corporifica e não se exime de abordar pautas sociais extremamente sensíveis e urgentes.

A fé como exercício de alteridade e respeito ao outro recusa a ideia de que há uma verdade sagrada a ser seguida e praticada em detrimento dos sujeitos, isto é, sem considerar suas singularidades, orientações sexuais, classe social, raça e quaisquer outros aspectos que constituam o humano. Dito de outro modo, a fé constituir-se-ia como experiência que se constrói no ato mesmo de exercê-la e vivenciá-la por meio das relações interpessoais marcadas pela diversidade e inevitável estranhamento que os (des)encontros com o outro provocam.

Passemos à análise da postagem do pastor Ed René Kivitz.

2.3 A fé evangélica como prática política

Pastor e teólogo, Ed René Kivitz é presidente da Igreja Batista de Água Branca e presidente do Conselho Diretor da Visão Mundial do Brasil. Conhecido por suas críticas à ascensão conservadora no Brasil, o pastor Kivitz chegou a ser expulso da Ordem dos Pastores da Convenção Batista do Estado de São Paulo por defender atualizações das releituras dos textos da Bíblia.

Para o escopo deste trabalho, selecionamos o fragmento de uma fala publicada pelo pastor em seu Instagram, no dia 02 de junho de 2022, a qual transcrevemos abaixo14 14 Em itálico, marcamos expressões e palavras que melhor explicitam os sentidos produzidos no fragmento em questão, conforme nosso gesto de análise. . O vídeo postado é acompanhado de um comentário que reforça sua linha argumentativa, além de apresentar informações sobre o evento realizado pela igreja: “‘Não há nada mais político do que dizer que religião e política não se misturam.’ [Desmond Tutu] ‘Pastoral Política para um Ano de Eleição’ é o tema do @conversaspastorais em 2022. Assista o primeiro encontro na íntegra em https://www.youtube.com/conversaspastorais . Próximo encontro: 23 de junho, às 10h, na @oficialibab (aberto a todos e todas)”.

Quadro 5
Postagem ER.

A fala do pastor Ed René Kivitz aponta para sua crença na impossibilidade de separar a fé da política. Ao refutar a voz de que se deveria pregar “só o Evangelho”, o pastor recusa concepções de uma fé neutra, imparcial, restrita ao âmbito de doutrinas meramente transcendentais: “o evangelho não se destina a espíritos desencarnados”, mas se relaciona com “pessoas de carne e osso, historificadas, determinadas histórica-cultural-social-economicamente, politicamente”. Rejeita-se, portanto, a crença em uma verdade estabelecida a priori, estática e independente de seu entorno social. O Evangelho, a partir do posicionamento discursivo apresentado nos dizeres do pastor, só se realiza na concretude, no existir-evento (Bakhtin, 2012BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2012.) dos sujeitos.

E é nessa esteira argumentativa que, inscrito no discurso bíblico, Ed René utiliza a figura de Cristo para validar seu argumento em função de uma forma de fé que é necessariamente atravessada e constituída por um discurso político: “Jesus morreu como um prisioneiro político”, “ele foi morto politicamente”, o que funciona como mecanismo enunciativo que produz o efeito de neutralizar posições contrárias: afinal, que cristão poderia questionar o próprio Cristo?

Assim como o pastor André Valadão, Ed René defende a necessidade de posicionamento político da igreja. Contudo, diferentemente deste, a visão de política aqui se distancia da questão partidária - ou de uma orientação binária marcada entre direita/esquerda. Política, em seu dizer, seria tudo o que envolve relação entre sujeitos, pessoas. Ademais, novamente trazendo uma voz de autoridade, o pastor cita Martin Luther King para corroborar sua visão de que espírito e corpo devem se imbricar na vivência da fé. Nessa perspectiva, a fé ganha sentido quando se mostra sensível às desigualdades sociais que incidem na existência social e política das pessoas de carne e osso, fora disso se torna “uma religião espiritualmente moribunda”, virtualmente pensada para espíritos desencarnados. Vale ainda reforçarmos que o pastor Ed René se vale do discurso bíblico na construção de seus argumentos, o que demonstra que o argumento bíblico participa do embate de posicionamentos ao ser mobilizado por sujeitos que se inscrevem em propostas antagônicas de presença do discurso político na fé evangélica.

Vê-se ainda, em seus dizeres, o atravessamento do discurso econômico no religioso, marcado no embate com a visão de uma concepção de fé progressista e humanista que “incomoda os que pretendem ser donos desse mundo”. Nesse aspecto, pode-se observar o alinhamento ideológico de Ed René com os posicionamentos que emergem dos dizeres do pastor Henrique Vieira, ao estabelecer igualmente uma concepção de fé evangélica que se alinha a uma imprescindibilidade coletiva e política, ao trazer à baila as minorias e o olhar aos menos favorecidos.

Entendida como prática política, a fé consistiria em um contínuo movimento de busca e compreensão de si e do(s) outro(s), já que se refuta a ideia de uma verdade pronta e engessada. Entende-se que exercer a fé é posicionar-se no mundo, a partir de uma visão concreta e singular, impossível de ser universalizada. A fé é política, porque sempre envolverá tomadas de posição e decisões por parte de sujeitos historicamente situados, os quais precisam ser responsivos às demandas de seu tempo.

Considerações finais

Segundo Bakhtin (2016BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: 34, 2016. p. 11-70., p. 54), “em cada época, em cada círculo social, em cada micromundo familiar, de amigos e conhecidos, de colegas, em que o homem cresce e vive, sempre existem enunciados investidos de autoridade que dão o tom”. Dessa forma, se considerarmos que na contemporaneidade o discurso religioso também precisa operar nas mídias e redes sociais, é necessário reconhecermos a importância de os dizeres dos pastores serem revestidos por uma responsabilidade ética, uma vez que, como nos cultos, seus ditos são recebidos, na maioria das vezes, como verdades que incidem na responsividade dos fiéis evangélicos sobre a fé.

Os enunciados produzidos pelos pastores foram aqui analisados sob a ótica de uma teia discursiva, isto é, de uma rede de relações de sentido que significam sempre dialogicamente, nunca “em si”. Nos dizeres dos três pastores, identificamos a fé evangélica como:

  • i) reafirmação da identidade: ancorada na “Palavra de Deus”, a fé se fundamentaria na prática de preceitos imutáveis, o que reforça sentidos de passividade e conformismo;

  • ii) exercício de alteridade e respeito ao outro: preconiza o acolhimento da diversidade; a fé é, pois, concebida como prática de resistência e questionamento;

  • iii) prática política: situa as práticas religiosas e os fiéis socio-historicamente e se mostra sensível às demandas de sua época.

Importante salientar que, uma vez publicados, tais enunciados circulam nas redes e adquirem sentidos outros, sendo interpretados a partir das posições ideológicas dos interlocutores, bem como das relações que estabelecem com outros enunciados produzidos em diferentes instâncias enunciativas. Se, por um lado, os recortes metodológicos e analíticos que aqui empreendemos correm o inevitável risco de simplificações dos dizeres, por outro, compreendemos com Bakhtin que a inconclusibilidade é constitutiva da tomada da palavra, sendo o acabamento dos dizeres não mais do que um efeito.

Aliás, com o Círculo de Bakhtin aprendemos que não são palavras que ouvimos, são verdades, mentiras, ofensas… Sendo a palavra o signo ideológico por excelência, a produção e circulação desses discursos têm efeitos materiais e, por vezes, se deixam sentir no corpo, sobretudo quando contribuem para o acirramento de discursos de ódio e intolerância (religiosa ou não).

Não intentamos aqui estabelecer polarizações entre a fé evangélica progressista e a fé evangélica não progressista ou defender uma visão maniqueísta. Antes, entendemos que há nuances, ambivalências e contradições constitutivas e constituintes nos/dos discursos produzidos pelos pastores. Ademais, há de se ressaltar que, entre o enunciado de um pastor e aquilo a que o fiel efetivamente se afilia (e faz), não há garantias. Ao nos inscrevermos na LA, retomamos Moita Lopes (2006MOITA LOPES, Luiz Paulo da (org.). Por uma Linguística Aplicada INdisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006., p. 90) para relembrarmos que a “agenda ética de investigação para a LA envolve crucialmente um processo de renarração ou redescrição da vida social como se apresenta, o que está diretamente relacionado à necessidade de compreendê-la”.

Dessa forma, ao analisarmos os dizeres dos pastores, também buscamos reconhecer que há embates discursivos cristalizados sobre a fé evangélica que retomam já-ditos autoritários que nem sempre valorizam a diversidade de posicionamentos ideológicos. Assim, renarrar a concepção de fé evangélica a partir da presente pesquisa também significa demonstrar que há contradição no interior de toda discursividade, o que nos permite identificar discursos de ódio e discursos de respeito e empatia em uma mesma denominação religiosa.

Nossas análises nos convocam a pensar nos desdobramentos dos discursos religiosos para as práticas identitárias do sujeito e para a constituição de subjetividades no mundo contemporâneo. Todavia, nosso foco aqui é abrir espaço para refletirmos sobre como o atravessamento de política e religião pode incidir nas diversas esferas de interação social, posicionando os sujeitos em suas condições materiais de existência.

Assim como a filosofia da linguagem do Círculo considera os sujeitos não como instâncias abstratas, mas concretos, feitos de carne e osso, e que formulam a sua existência por meio de práticas de interação verbal, os discursos que direcionam tomadas de posição ética no âmbito da fé evangélica precisam também considerar os seus fiéis como sujeitos sempre sociais, constituídos por uma referencialidade polifônica que implica uma infinidade de posicionamentos ideológicos e políticos de diversas naturezas.

Quando o posicionamento político (partidário) de ministros da fé, no atravessamento com o discurso religioso, adquire status de verdade (ou “da” verdade), o questionamento de seus pressupostos equivale a uma descredibilização de uma autoridade/revelação divina. Assim, buscar as fissuras no discurso religioso que se contraponham a discursos fundamentalistas e autoritários é um dever ético de um líder religioso que reconheça o seu papel social e discursivo como influente nas tomadas de posição e, por conseguinte, na vida dos membros de sua congregação.

REFERÊNCIAS

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  • ANDRE VALADAO. [Sem título]. Estados Unidos. 02 de fevereiro de 2022. Instagram: @andrevaladao. Disponível em: https://www.instagram.com/reel/CZfbDLahVA9/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D Acesso em: 12 dez. 2023.
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  • ANDRE VALADAO. [Sem título]. Estados Unidos. 11 de fevereiro de 2023. Instagram: @andrevaladao. Disponível em: https://www.instagram.com/p/Cohuyn-rlZ6/. Acesso em: 12 dez. 2023.
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  • ANDRE VALADAO. [Sem título]. Estados Unidos. 23 de agosto de 2022. Instagram: @andrevaladao. Disponível em: https://www.instagram.com/reel/ChnjZZ6FiXE/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D Acesso em: 12 dez. 2023.
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  • ANDRE VALADAO. [Sem título]. Estados Unidos. 28 de dezembro de 2022. Instagram: @andrevaladao. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CmuhYO6h0XO/. Acesso em: 12 dez. 2023.
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  • BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: 34, 2016. p. 11-70.
  • BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2012.
  • BUTLER, Judith. Discurso de ódio - uma política do performativo. Tradução de Roberta Fabbri Viscardi. São Paulo: Editora Unesp, 2021.
  • DE ALMEIDA, João Paulo Martins. (Neo)pentecostalismo e (neo)fascismo: sentidos em comunhão nos discursos religioso e político. Leitura, v. 1, n. 76, p. 194-218, 2023. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/revistaleitura/article/view/13701 Acesso em: 11 jul. 2023.
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  • PASTOR HENRIQUE VIEIRA. [Sem título]. Brasil. 08 de outubro de 2022. Instagram: @pastorhenriquevieira. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CjeDXd0pud_/. Acesso em: 12 dez. 2023.
    » https://www.instagram.com/p/CjeDXd0pud
  • PASTOR HENRIQUE VIEIRA. [Sem título]. Brasil. 17 de outubro de 2022. Instagram: @pastorhenriquevieira. Disponível: em https://www.instagram.com/p/ChXtGsiJdHv/. Acesso em: 12 dez. 2023.
    » https://www.instagram.com/p/ChXtGsiJdHv
  • PASTOR HENRIQUE VIEIRA. [Sem título]. Brasil. 19 de novembro de 2022. Instagram: @pastorhenriquevieira. Disponível em: https://www.instagram.com/p/ClJYX9PrDM7/. Acesso em: 12 dez. 2023.
    » https://www.instagram.com/p/ClJYX9PrDM7
  • PASTOR HENRIQUE VIEIRA. [Sem título]. Brasil. 22 de outubro de 2022. Instagram: @pastorhenriquevieira. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CkCTAA6Jbtg/. Acesso em: 12 dez. 2023.
    » https://www.instagram.com/p/CkCTAA6Jbtg
  • PENNYCOOK, Alastair. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da (org.) Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 67-84.
  • PERINI, Rudá da Costa. Discurso político, discurso religioso: uma análise do discurso bíblico em falas públicas presidenciais. Leitura, v. 1, n. 76, p. 178-193, 2023. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/revistaleitura/article/view/14282 Acesso em: 11 jul. 2023.
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  • RELIGIÃO. In: MICHAELIS - Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2023. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/religi%C3%A3o/. Acesso em: 09 dez. 2023.
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  • SANTOS, João Bosco Cabral dos. Por uma teoria do discurso universitário institucional. 2000. 236f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
  • SANTOS, João Bosco Cabral dos. Referencialidade polifônica: uma extensão no pensamento bakhtiniano. In: STAFUZZA, Grenissa Bonvino (org.) Slovo: o Círculo de Bakhtin no Contexto dos Estudos Discursivos. Curitiba: Appris, 2012.
  • SANTOS, Lúcia de Fátima; LIMA, Antônio Carlos Santos de. Dialogismo e produções responsivas ativas: analisando práticas discursivas em aulas de língua portuguesa. Letras & Letras, v. 29, n. 2, p. 1-11, 2013.
  • SANTOS, Valter Borges dos. A religião como forma de conhecimento. In: SILVA, Itala Daniela da; et al. Ciências da Religião e Teologia. Porto Alegre: SAGAH, 2021. p. 33-50. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556901275/. Acesso em: 09 dez. 2023.
    » https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556901275
  • SILVA, Izabel da. “Bota fogo nesses vagabundos!”: entextualizações de xenofobia na trajetória textual de uma fake news. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 59, n. 3, p. 2123-2161, 2021. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8659789 Acesso em 15 ago. 2023.
    » https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8659789
  • SPYER, Juliano. Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020.
  • TRINDADE, Luiz Valério. Discurso de ódio nas redes sociais. São Paulo: Jandaíra, 2022.
  • VALADÃO, André. Faça sua pergunta! São Paulo: Buzz Editora, 2021.
  • VIEIRA, Henrique. O amor como revolução. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
  • VOLÓCHINOV, Valentin Nikoláievitch. Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.
  • ZYLBERKAN, Mariana. Evangélicos devem ultrapassar católicos no Brasil a partir de 2032. Veja, 04 fev. 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/evangelicos-devem-ultrapassar-catolicos-no-brasil-a-partir-de-2032 Acesso em: 09 dez. 2023.
    » https://veja.abril.com.br/brasil/evangelicos-devem-ultrapassar-catolicos-no-brasil-a-partir-de-2032
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
  • 2
    Para uma discussão sobre a religião do ponto de vista sociológico e antropológico, sugerimos a leitura de Durkheim (2000DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2000.). Nosso interesse aqui é pensar a religião como discurso que produz efeitos nas práticas linguageiras dos sujeitos.
  • 3
    Conforme publicação no site de notícias G1, a partir de dados do Datafolha, 50% dos brasileiros são católicos, 31%, evangélicos, e 10% não têm religião. Quanto às mulheres, a pesquisa aponta que elas representam 58% dos evangélicos e 51% entre os católicos. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml. Acesso em: 8 dez. 2023.
  • 4
    O estudo foi realizado pelo demógrafo José Eustáquio Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, e publicado no site: https://veja.abril.com.br/brasil/evangelicos-devem-ultrapassar-catolicos-no-brasil-a-partir-de-2032 pela jornalista Zylberkan (2020ZYLBERKAN, Mariana. Evangélicos devem ultrapassar católicos no Brasil a partir de 2032. Veja, 04 fev. 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/evangelicos-devem-ultrapassar-catolicos-no-brasil-a-partir-de-2032. Acesso em: 09 dez. 2023.
    https://veja.abril.com.br/brasil/evangel...
    ).
  • 5
  • 6
    O Instituto CPFL é uma plataforma de investimento social privado do Grupo CPFL Energia.
  • 7
  • 8
    Como explicitaremos, ao longo das análises, André Valadão identifica-se com uma posição política de direita/conservadora, enquanto Henrique Vieira e Ed Renê filiam-se a posições políticas de esquerda/progressistas.
  • 9
    Optamos pela definição de Perini (2023PERINI, Rudá da Costa. Discurso político, discurso religioso: uma análise do discurso bíblico em falas públicas presidenciais. Leitura, v. 1, n. 76, p. 178-193, 2023. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/revistaleitura/article/view/14282. Acesso em: 11 jul. 2023.
    https://www.seer.ufal.br/index.php/revis...
    , p. 179) que, em seu estudo sob a perspectiva da Análise de Discurso materialista, compreende o discurso bíblico como aquele que “toma como base material a Bíblia Sagrada, tem funcionamento particular ao ser instrumentalizado pelo discurso político presidencial, noutras palavras, ao ser reproduzido/atualizado a serviço de certo projeto político”. Entendemos que essa definição dialoga com a perspectiva de análise dos atravessamentos ideológicos entre a religião e a política aqui empreendida.
  • 10
    Apesar da complexidade que os termos ‘conservador’ e ‘progressista’ apresentam, são-nos suficientes, para o escopo deste artigo, as distinções apresentadas no Dicionário de conceitos políticos (Ortega; Silva, 2020ORTEGA, Any; SILVA, Stanley Plácido da Rosa (orgs). Dicionário de conceitos políticos. São Paulo: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2020.). Segundo este, ‘conservadorismo’ refere-se a uma “filosofia social que designa um sistema de crenças que visa a manutenção das políticas e padrões de ordem vigentes. Apoia-se no apego à tradição e nos antigos costumes em opisição [sic] às mudanças ou inivações [sic]” (Ortega; Silva, 2020, p. 24). Quanto aos progressistas, entende-se que estes historicamente são identificados como aqueles que “lutam contra as desigualdades, as injustiças sociais, pela inclusão e reconhecimento da diversidade: social, étnica, de gênero, raça etc. Lutam pela mudança social com suas práticas e demandas, participam da construção da cultura político-social de uma nação, e contribuem para a conscientização da sociedade, a exemplo do movimento das mulheres na atualidade” (Ortega; Silva, 2020, p. 103).
  • 11
    O pastor André Valadão publicou inclusive o livro Faça sua pergunta! (Valadão, 2021VALADÃO, André. Faça sua pergunta! São Paulo: Buzz Editora, 2021.) com base nas interações em seu Instagram.
  • 12
    Em termos gerais, no Brasil o Integralismo tem como premissas ideológicas a defesa à propriedade privada e ao liberalismo econômico, o resgate da cultura nacional, os valores morais cristãos e o combate ao comunismo.
  • 13
    Como os versículos no evangelho de Lucas, em que se lê: “O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: ‘Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está entre vocês” (Lucas 17:20-21).
  • 14
    Em itálico, marcamos expressões e palavras que melhor explicitam os sentidos produzidos no fragmento em questão, conforme nosso gesto de análise.
  • 15
    O pastor se refere, na verdade, a Martin Luther King Jr.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

Aprovo o artigo, por trazer tema relevante às discussões contemporâneas sobre religião e política suportado por referenciais teóricos adequados ao corpus analisado. Cabem, no entanto, algumas correções e atualizações conforme anotado abaixo.

Atualizar as Referências, visto não constarem nelas:

  • O autor PENNYCOOK.

  • O dicionário Michaelis.

  • Matéria do Datafolha.

  • Estudo de José Eustáquio Alves.

  • A versão bíblica NVI (Nova Versão Internacional).

  • A autora ORLANDI.

  • O livro “O amor como revolução”, de Henrique Vieira.

  • Os livros de Ed René Kivitz citados.

  • O endereço do site de onde foram retirados ditos de Ed René Kivitz.

É desejável que se atualize no artigo a informação de que Henrique Vieira é, atualmente, deputado federal. No último pr. da p. 15 corrigir a expressão: “pontos vista”. Na p. 20 o autor cita “Martin Luther King” quando, na realidade, deveria citar “Martin Luther King Jr.” APROVADO COM RESTRIÇÕES [Revisado]

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    03 Out 2023

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

O/A Autor/a propõe como objetivo “refletir sobre possíveis sentidos para a fé evangélica”. O corpus selecionado foram posts retirados da rede social Instagram de “três pastores evangélicos “sobre temas que se vinculam, direta ou indiretamente, a pautas políticas”. O/a autor/a estabeleceu como fundamentação teórica os estudos em Linguística Aplicada e concepções bakhtinianas de linguagem. No resumo, há indicação dos resultados de análises que indicam “três sentidos predominantes, os quais significam a fé evangélica como: i) reafirmação da identidade; ii) exercício de alteridade; e iii) prática política”. Partindo da pergunta norteadora “De que fé evangélica falamos?”, o artigo foi organizado nas seguintes seções: Introdução, 1 Religião, linguagem e política, 2 Gestos de análise, seção subdividida em 2.1 A fé evangélica como reafirmação da identidade, 2.2 A fé evangélica como exercício de alteridade, 2.3 A fé evangélica como prática política, Considerações finais, referências.

O título proposto reflete, parcialmente, o conteúdo do texto, uma vez que promete analisar os posts retirados da rede social Instagram de três pastores, o que não aparece no título.

Quanto à introdução, apresenta uma breve definição de religião, retirada do Dicionário Michaelis on-line, algumas breves informações do panorama brasileiro da “fé evangélica e as marcas de “pluralidade de visões, crenças e práticas, por tensões, contradições e dissensos entre sujeitos”. Creio que essa seção merece algumas revisões para esclarecer se a questão é “religião” ou “fé evangélica”. No arquivo do artigo, fiz várias sugestões quanto ao uso de dicionários mais especializados.

A metodologia carece de alguns esclarecimentos: Quais os critérios adotados para seleção dos três pastores evangélicos André Valadão, Henrique Vieira e Ed René Kivitz? Qual a relevância de selecionar posts da rede social Instagram? Qual a justificativa quanto à escolha do gênero digital “posts”? Não há indicação em torno do entendimento. É importante justificar a escolha desses pastores e não outros.

Quanto à primeira seção, é preciso esclarecer/aprofundar a afirmação anunciada: “a relação entre religião, linguagem e política, a partir da LA e da arquitetura bakhtiniana”. Quais os conceitos adotados da Linguística Aplicada? O que significa “arquitetura” bakhtiniana? Seria o conceito de “arquitetônica”? Essa proposta, no entanto, desaparece do artigo e outros conceitos como enunciado e signo ideológico são usados na análise sem nenhuma apresentação prévia.

Quanto à segunda seção, traz a apresentação dos três pontos a serem esclarecidos. O/A autor/a analisa os posts dos três pastores, considerando parcialmente os posts, sem levar em conta o entrelaçamento do texto verbo-visual, a composição entre a coluna da esquerda e da direita, os marcadores linguísticos digitais. Há um apagamento da esfera de digital, de como o texto foi produzido (questões históricas, sociais, culturais), os leitores da página de cada pastor, numa interação. É preciso explicitar na análise o confronto de diferentes discursos, de autoria, etc. A sugestão é redigir um estudo comparativo, o que foi feito de modo preliminar, e pode compor a seção de “Considerações finais”. Assim, diante de um tema relevante, trazer para o artigo os conflitos entre os discursos de cada pastor e entre eles, uma vez que os posicionamentos valorativos são todos tensos e constroem uma arena de vozes.

Para finalizar, o texto merece revisões (sintáticas, conceituais, analíticas), e uma cuidadosa revisão da bibliografia citada ao longo do artigo porque não algumas citações não aparecem nas referências.

Envio anexo o arquivo com comentários e sugestões que espero auxiliarem o/a autor/a na etapa de revisão do artigo.

O tema é relevante, mas alguns conceitos bakhtinianos merecem revisão e a análise apresentada merece uma cuidadosa revisão. APROVADO COM RESTRIÇÕES [Revisado]

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    16 Nov 2023

Parecer III

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer III

O trabalho está adequado à temática do número e contempla plenamente a proposta dessa chamada específica do periódico. O objetivo do artigo é claro e é perseguido de modo coerente ao longo do desenvolvimento do texto. Também destaco a conformidade com a teoria proposta, demonstrando conhecimento atualizado da bibliografia relevante, uma vez que o(a) autor(a) se propõe a trabalhar com noções provindas da Linguística Aplicada e da Filosofia da linguagem proveniente dos escritos do Círculo de Bakhtin. Chamo a atenção, contudo, para a necessidade de apresentar de forma mais ostensiva e clara um conceito mobilizado para a discussão, mas não efetiva e suficientemente desenvolvido, que é a noção de “referencialidade polifônica”, aparentemente desenvolvida no âmbito de uma pesquisa no campo da Semiolinguística. O trabalho apresenta originalidade quanto à reflexão e traz uma efetiva contribuição para o campo de conhecimento, uma vez que ainda há lacunas na investigação sobre as complexas relações entre o discurso religioso em interface com outros discursos, como é o caso do político. Por fim, destaco a clareza, a correção e adequação da linguagem a um trabalho científico, como poucos ajustes a serem feitos, conforme assinalei no corpo do trabalho. No mais, embora não constitua impedimento à aprovação do texto, recomendo o(a) autor(a) a proceder a algumas correções assinaladas na versão por mim avaliada e encaminhada para seu conhecimento.

Embora não constitua impedimento à aprovação do texto, recomendo o(a) autor(a) a proceder a algumas correções assinaladas na versão por mim avaliada e encaminhada para seu conhecimento, a fim de que o texto adquira maior precisão quanto aos aspectos apontados. APROVADO COM SUGESTÕES

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    29 Nov 2023

Parecer IV

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer IV

A revisão foi cuidadosa e atendeu às solicitações. De acordo com a publicação do texto. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    14 Dez 2023

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2023
  • Aceito
    31 Jan 2024
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
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