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Narrativa histórica, decolonialidade e polifonia nos estudos em gestão: uma abordagem teórico-metodológica

RESUMO

Este artigo tem como objetivo propor a abordagem histórica decolonial polifônica para os estudos em gestão, justapondo o aporte teórico-metodológico da perspectiva histórica à luz da opção decolonial. Com a estrutura de artigo conceitual, propomos um encontro entre a abordagem historiográfica e os estudos em gestão, com o intuito de refletir sobre as possibilidades de aprimoramento da teoria das organizações, ressaltando a preocupação metodológica com a polifonia nos estudos históricos. Como resultado, reconhecemos as limitações epistemológicas no uso da história quando associado às pesquisas em gestão que precisam ser superadas, ao mesmo tempo em que firmamos o posicionamento de reconhecer a história composta por narrativas entendidas como representações fragmentadas do passado. Além disso, articulamos a opção ético-política da decolonialidade para embasar a co-construção de narrativas históricas sobre saberes-práticos translocais em gestão rumo à transmodernidade pluriversal. O artigo contribui com (re)orientações epistêmicas e metodológicas engajadas em domínios mais amplos da (1) pesquisa-ensino local/regional (2) mediante a teoria e prática da gestão em (3) resgate da identidade sociocultural.

PALAVRAS-CHAVE
Epistemologia; Historiografia; Organizações; Opção decolonial; Estudos Polifônicos

ABSTRACT

This article aims to propose a polyphonic decolonial historical approach to Management and Organization Studies (MOS), relating the theoretical-methodological aspects of the historical perspective with the decolonial option. We suggest a conceptual dialogue between the historiographical approach and MOS. We aimed to reflect on the possibilities for improving the organization theory, emphasizing the methodological concern with polyphony in historical studies. As a result, epistemological limitations in the use of history are presented when associated with MOS that is necessary to be overcome. We assume a position of understanding the history composed of narratives as fragmented representations of the past. Also, we articulate the ethical-political option of decoloniality for the co-construction of historical narratives about translocal practical-knowledge in management - towards pluriversal transmodernity. The article contributes to epistemic and methodological (re)orientations engaged in the context of (1) local/regional research-teaching (2) through the theory and practice of management in (3) rescuing the sociocultural identity.

KEYWORDS
Epistemology; Historiography; Organizations; Decolonial option; Polyphonic studies

1. INTRODUÇÃO

Argumentos em torno de posições epistemológicas e metodológicas têm suscitado discussões emblemáticas nos estudos em gestão (Adorisio & Mutch, 2013Adorisio, A. L. M., & Mutch, A. (2013). In search of historical methods. Management & Organization al History, 8(2), 105-110.; Geoffrey & Friedman; 2017Geoffrey, J., & Friedman, W. (2017). Debating Methodology in Business History. The Business History Review, 91, 443-455.; Pozzebon & Bido, 2019Pozzebon, M., & Bido, D. S. (2019). “Research methods in management: advances and applications”. RAUSP Management Journal, 54(4), 366-370.), indicando a variedade de correntes teóricas que embasam o estado da arte atual em gestão/administração (Serva, 2017Serva, M. (2017). Epistemologia da administração no Brasil: o estado da arte. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 741-750. https://dx.doi.org/10.1590/1679-395173209
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). Diante desse debate, se o argumento de Clark e Rowlinson (2004Clark, P., & Rowlinson, M. (2004). The Treatment of History in Organisation Studies: Towards an ‘Historic Turn’? Business History, 46(3), 331-352.) de que o conhecimento produzido nos estudos em gestão possui tendência a ser “universal” e “presentista” é válido, parece então que o envolvimento teórico-epistemológico com os estudos históricos é uma possibilidade factível que pode ajudar a melhor compreender as organizações e seus fenômenos ao fundamentar a teoria das organizações.

A sub-representação da abordagem histórica para o aprimoramento da teoria das organizações passa pela incompreensão aprofundada do porquê de a história poder ser debatida nos estudos em gestão (Maclean, Harvey, & Clegg, 2016Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing Historical Organization Studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-632.). Por vezes, o papel da história não está representado nos livros didáticos de métodos e prática de pesquisa em gestão (Bell & Taylor, 2013Bell, E., & Taylor, S. (2013). Writing history into management research. Management & Organization al History, 8(2), 127-136.), o que implica um apego à geração de teorias absolutistas, deterministas e categóricas (Weatherbee, 2012Weatherbee, T. G. (2012) Caution! This historiography makes wide turns: Historic turns and breaks in management and organization studies. Management & Organization al History, 7(3), 203-218.). Acreditamos que a história enquanto teoria ajuda a compreender os usos anacrônicos de símbolos e narrativas descontextualizadas sobre as organizações (Popp & Fellman, 2016Popp, A., & Fellman, S. (2016). Writing business history: Creating narratives. Business History, 59(8), 1242-1260.; Lara, Vizeu, & Alves, 2019Lara, L. G., Vizeu, F., & Alves, E. B. (2019). The instrumentalization of metaphors in the management field: reflections from the use of the book “the art of war”. Brazilian Business Review, 16(5), 416-430. https://doi.org/10.15728/bbr.2019.16.5.1
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).

A história enquanto método e prática de pesquisa fornece uma contribuição empírica para aprimorar a teoria organizacional (Van Lent & Durepos, 2019Van Lent, W., & Durepos, G. (2019). “Nurturing the historic turn: “history as theory” versus “history as method”. Journal of Management History, 25(4), 429-443. https://doi.org/10.1108/JMH-03-2019-0017
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). Assim, se a história importa para melhor teorizar as organizações (Rowlinson, Hassard, & Decker, 2014Rowlinson, M., & Hassard, J, Decker, S. (2014). Research Strategies for Organization al History: A Dialogue Between Historical Theory and Organization Theory. The Academy of Management Review, 39(4), 250-374.), é preciso refletir a importância da “virada histórica” nos estudos em gestão (Mills et. al., 2016Mills, A. J., Suddaby, R., Foster, W. M., & Durepos, G. (2016). Re-visiting the historic turn 10 years later: current debates in management and organizational history - an introduction. Management & Organization al History, 11(2), 67-76.), para enfim praticarmos o que foi proposto (Maclean, Harvey, & Clegg, 2017Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. (2017). Organization Theory in Business and Management History: Present Status and Future Prospects. Business History Review, 91(3), 457-481.; Van Lent & Durepos, 2019Van Lent, W., & Durepos, G. (2019). “Nurturing the historic turn: “history as theory” versus “history as method”. Journal of Management History, 25(4), 429-443. https://doi.org/10.1108/JMH-03-2019-0017
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), mas também refletir sobre a origem ocidental dessa “virada histórica”, com o intuito de construir possibilidades mais autênticas para pesquisas feitas no Sul Global. Assumimos o entendimento de que a história é construída por narrativas na relação entre pessoas, ações e contextos (Decker, Kipping, & Wadhwani, 2015Decker, S., Kipping, M, & Wadhwani, R. D. (2015). New business histories! Plurality in business history research methods. Business History, 57(1), 30-40.) e que, consequentemente, é uma forma fragmentada de representação do passado (Mordhorst & Schwarzkopf, 2017Mordhorst, M. & Schwarzkopf, S. (2017). Theorising narrative in business history. Business History, 59(8), 1155-1175.).

Ora, se existe mais envolvimento dos estudos em gestão com a história (Rowlinson, 2013Rowlinson, M. (2013). Management & Organization al History: the continuing historic turn. Management & Organization al History, 8(4), 327-328.), parece que tal envolvimento fez com que esses estudos fossem “torturados” por uma preponderância das ideias “corporativas norte-americanas” (Maclean, Harvey, & Clegg, 2017Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. (2017). Organization Theory in Business and Management History: Present Status and Future Prospects. Business History Review, 91(3), 457-481., p. 459) que constituem certo imperialismo narrativo histórico de um padrão de gestão (Mollan, 2019Mollan, S. (2019). Imperialism and coloniality in management and organization history. Management & Organization al History, 14(1), 1-9.). Nesse ponto, reconhecemos o apelo pela abordagem historiográfica polifônica ao buscar não por narrativas históricas já consolidadas no campo de estudo, mas por fragmentos narrativos dispersos ou silenciados que mostram a abertura para outras questões, espaço para possibilidades ou perguntas as quais permanecem sem resposta na história (Adorisio, 2014Adorisio, A. L. M. (2014). Organizational remembering as narrative: ‘Storying’ the past in banking. Organization, 21(4), 463-476. https://doi.org/10.1177/1350508414527248
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), além de reconhecer a importância de estudar as experiências e ideias de uma variedade de pessoas, ações e eventos nas organizações (Smith & Russel, 2015Smith, A., & Russell, J. (2015). Toward polyphonic constitutive historicism: a new research agenda for management historians. Management & Organization al History, 11(2), 236-251.) a partir de diferentes documentos, artefatos e fontes históricas (Kaul, Sandhu, & Alam, 2019Kaul, S C.., Sandhu, M., & Alam, Q. (2019). Researching the history of marginalized issues in management research: A proposed interpretive framework. Journal of Management History, 25(2), 237-256. https://doi.org/10.1108/JMH-06-2018-0030
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).

De fato, é preciso se atentar não só para tornar os estudos em gestão “mais históricos”, como também considerar o tratamento da história nas organizações que estão sendo contadas ou silenciadas sob influência da narrativa da gestão capitalista, moderna e neoliberal (Decker, 2013Decker, S. (2013). The silence of the archives: business history, postcolonialism, and archival ethnography. Management & Organization al History, 8(2), 155-173.; Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.; Lage; 2019Lage, V. C. (2019). Interpretations of Brazil and Global Capitalism. Latin American Perspectives, 46(4), 137-153.). Logo, a alegação de Wanderley e Barros (2018Wanderley, S., & Barros, A. (2018). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: towards a Latin American agenda. Management & Organization al History, 14(1), 79-97.) de que a gestão e o conhecimento organizacional precisam ser descolonizados através do giro histórico é válida. A opção decolonial, portanto, é mobilizada neste artigo por possibilitar a co-construção de narrativas históricas em gestão translocais, transmodernas e pluriversais (Dussel & Ibarra-Colado, 2006Dussel, E., & Ibarra-Colado, E. (2006). Globalization, Organization, and the Ethics of Liberation. Organization, 13(4), 489-508. https://doi.org/10.1177/1350508406065852
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; Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.).

A opção decolonial é uma possibilidade de intervir no sistema de produção disciplinar do conhecimento em gestão, pautado no gerencialismo e na racionalidade instrumental, buscando resgatar historicamente formas de gestão, saberes e conhecimentos insurgentes, ressurgentes e libertadores (Misoczky, Flores, & Goulart, 2015Misoczky, M. C., Flores, R. K., & Goulart, S. (2015). An anti-management statement in dialogue with critical brazilian authors. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 130-138.; Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., & Walsh, C. E. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, and praxis. Raleigh, NC: Duke University Press.). Por essa razão, identificamos a necessidade apontada por Abdalla e Faria (2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.), diante da escassez de pesquisas empíricas informadas pela modernidade/colonialidade, de maior engajamento entre os teóricos em gestão e a discussão da metodologia científica, com a pretensão de elaborar alternativas teórico-metodológicas informadas pela decolonialidade sob uma perspectiva transmoderna e pluriversal.

Nesse contexto, é prudente “afirmar que a construção das narrativas históricas sobre a administração no Brasil ainda é tímida” (Barros & Carrieri, 2015Barros, A., & Carrieri, A. de P. (2015). O cotidiano e a história: construindo novos olhares na Administração. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 151-161., p. 158); a reconhecer que as organizações “não acompanham modelos genéricos, neutros e supostamente universais, [e que] elas podem e devem ser capturadas na [sua] localidade” (Couto, Honorato, & Silva, 2019Couto, F. F., Honorato, B. E. F., & Silva, E. R. (2019). Organizações Outras: Diálogos Entre a Teoria da Prática e a Abordagem Decolonial de Dussel. Revista de Administração Contemporânea, 23(2), 249-267., p. 251); e que existe ausência de uma definição na literatura de “como realizar uma análise histórica crítica decolonial” (Wanderley, 2015Wanderley, S. (2015). Estudos organizacionais, (des)colonialidade e estudos da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, 13(2), 237-255., p. 241). Este artigo, portanto, tem como objetivo central propor uma abordagem histórica decolonial polifônica para os estudos em gestão, justapondo o aporte teórico-metodológico da perspectiva histórica à luz da opção decolonial. Partimos do pressuposto de que os estudos em gestão precisam ainda assumir as exigências conceituais e empíricas nas quais a pesquisa histórica se embasa e assim ampliar o conhecimento sobre as organizações de modo relacional, contextual e polifônico.

Através da abordagem aqui proposta, acreditamos que o envolvimento da teoria das organizações com a perspectiva histórica polifônica à luz da opção decolonial pode contribuir para os estudos em gestão em, pelo menos, três domínios amplos: (a) o da pesquisa e ensino - com a elaboração de projetos de pesquisa engajados em compreender a realidade da gestão histórica local/regional que instrua o ensino mais autêntico, identitário e peculiar; (b) o da gestão - no reconhecimento sobre a diversidades das relações, práticas e modos de organização que possam subsidiar a teoria e prática da administração coerente com as demandas de cada localidade; e (c) o sociocultural - por meio do resgaste histórico dos saberes-práticos em gestão como estratégias libertadoras na organização da vida social.

2. A ABORDAGEM HISTÓRICA NOS ESTUDOS EM GESTÃO

O engajamento com a história nos estudos de gestão tem proporcionado discutir questões sobre a teoria das organizações com base em abordagens variadas da história e da lógica historiográfica propriamente dita (Clark & Rowlinson, 2004Clark, P., & Rowlinson, M. (2004). The Treatment of History in Organisation Studies: Towards an ‘Historic Turn’? Business History, 46(3), 331-352.; Rowlinson, 2013). Tem proporcionado, também, questionar a marginalidade e a retórica cientificista do uso da história como variável nas interpretações distorcidas e deterministas tão presentes no mainstream das pesquisas em gestão (Clark & Rowlinson, 2004Clark, P., & Rowlinson, M. (2004). The Treatment of History in Organisation Studies: Towards an ‘Historic Turn’? Business History, 46(3), 331-352.; Weatherbee, 2012Weatherbee, T. G. (2012) Caution! This historiography makes wide turns: Historic turns and breaks in management and organization studies. Management & Organization al History, 7(3), 203-218.). “Até que ponto as organizações e a pesquisa organizacional precisam ser historicizados?” é o questionamento levantado por Booth e Rowlinson (2006Booth, C., & Rowlinson, M. (2006). Management and organizational history: Prospects. Management & Organization al History, 1(1), 5-30., p. 7) logo após a chamada emblemática para a “virada histórica” nos estudos em gestão feita por Clark e Rowlinson (2004Clark, P., & Rowlinson, M. (2004). The Treatment of History in Organisation Studies: Towards an ‘Historic Turn’? Business History, 46(3), 331-352.). Tal questionamento buscou confluir vias de um relacionamento mais autêntico, verídico e reflexivo da teoria das organizações com o uso da abordagem histórica (Maclean, Harvey, & Clegg, 2016Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing Historical Organization Studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-632.).

O termo história carrega certa ambiguidade de sentidos. Ora se referindo à completude das ações humanas no passado, ora fazendo referência às narrativas contadas que construímos sobre o passado (Clark & Rowlinson, 2004Clark, P., & Rowlinson, M. (2004). The Treatment of History in Organisation Studies: Towards an ‘Historic Turn’? Business History, 46(3), 331-352.). Em todo caso, parece que a história costuma ser tratada sob crenças empiristas, objetivistas e documentárias (Jenkins, 1997Jenkins, K. (1997). Introduction: On Being Open about our Closures. In: Jenkins, K. (org.). The Postmodern History Reader. New York: Routledge .) ao ponto de supor que esforços para compreender a história fossem direcionados no sentido de enxergar a história como “reprodução fiel do passado” (Weatherbee, 2012Weatherbee, T. G. (2012) Caution! This historiography makes wide turns: Historic turns and breaks in management and organization studies. Management & Organization al History, 7(3), 203-218.), no qual os acontecimentos históricos são supostamente “descobertos” ou “revelados” através da verificação de “fatos” passados (Munslow, 2000Munslow, A. (2000). The Routledge Companion to Historical Studies. London: Routledge.). Esse é um posicionamento adotado de forma recorrente nos estudos históricos em gestão e decididamente rejeitado neste artigo, nomeados por alguns autores de “realismo histórico” (Clark & Rowlinson, 2004Clark, P., & Rowlinson, M. (2004). The Treatment of History in Organisation Studies: Towards an ‘Historic Turn’? Business History, 46(3), 331-352.; Weatherbee, 2012Weatherbee, T. G. (2012) Caution! This historiography makes wide turns: Historic turns and breaks in management and organization studies. Management & Organization al History, 7(3), 203-218.).

Isso decorre do problema onto-epistemológico ao tratar história e passado como sinônimos no momento em que se deduz ser a história a “realidade passada verdadeira” determinada pela correlação entre “fatos” e passado (Weatherbee, 2012Weatherbee, T. G. (2012) Caution! This historiography makes wide turns: Historic turns and breaks in management and organization studies. Management & Organization al History, 7(3), 203-218.). A confusão e a ilusão referencial derivada dessa correlação entre fatos, passado e história já foi apontada por Bhaskar (1997Bhaskar, R. (1997). A Realist Theory of Science. 2nd Edn. London: Verso., 2009) como falácia epistêmica na qual o conhecimento empírico do mundo não deve ser considerado a totalidade dele (Weatherbee, 2012Weatherbee, T. G. (2012) Caution! This historiography makes wide turns: Historic turns and breaks in management and organization studies. Management & Organization al History, 7(3), 203-218.). Assim, assumimos o entendimento de que história e passado possuem status ontológicos diferentes (Jenkins, 1995Jenkins, K. (1995). On ‘What Is History? From Carr and Elton to Rorty and White. Routledge: London.), uma vez que passado sugere realidade vivida, enquanto a história, sua representação fragmentada (Van Maanen, Sorensen, & Mitchell, 2007Van Maanen, J., Sorensen, J., & Mitchell, T. (2007), “The interplay between theory and method”. Academy of Management Review, 32(4). 1145-1154.; Van Lent & Durepos, 2019Van Lent, W., & Durepos, G. (2019). “Nurturing the historic turn: “history as theory” versus “history as method”. Journal of Management History, 25(4), 429-443. https://doi.org/10.1108/JMH-03-2019-0017
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).

Sobre essa relação, Costa e Saraiva (2011Costa, A. M., & Saraiva, L. A. S. (2011). Memória e a formalização social do passado nas organizações. Revista Brasileira de Administração Pública, 45, 1761-1780.) discutem o comum resgate objetivo do passado e sua formalização por meio de memórias tidas como oficiais, com o fim de construção de histórias únicas, por vezes romantizadas e de caráter ideológico. Essa seria uma utilização gerencialista da memória organizacional, reificando o passado, para fins de melhoria de performance. Tal prática parece evidenciar que os Organizational Memory Studies têm se limitado, por vezes, às “memórias coletadas”, em detrimento das “memórias coletivas” (Rowlinson et. al., 2009Rowlinson, M., Booth, C, Clark, P., Delahaye, A, & Procter, S. (2010). Social remembering and organizational memory. Organization Studies, London, 31(1), 69-87.).

Desse modo, ressaltamos aqui que compreendemos a existência de uma relação forte entre história, passado e memória, entretanto ambos não se confundem. Particularmente a memória é entendida não somente como o acúmulo de memórias individuais (Rowlinson et al., 2010Rowlinson, M., Booth, C, Clark, P., Delahaye, A, & Procter, S. (2010). Social remembering and organizational memory. Organization Studies, London, 31(1), 69-87.), mas também um fenômeno construído, “um elemento constituinte do sentimento de identidade”, sendo ambos (memória e identidade social) valores disputados (Pollak, 1992Pollak, M. (1992). Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 5(10), p. 200-212., p. 204). Assim, há sempre conflitos entre memórias oficiais e organizadas, e aquelas clandestinas e inaudíveis, capazes de contestar e reivindicar, e passíveis de enquadramentos, com fins de garantir a “perenidade do tecido social e das estruturas institucionais de uma sociedade” (Pollak, 1989Pollak, M. (1989). Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 2(3), 3-15., p. 11).

Tais confusões conceituais demonstram que a relação teórica embasada entre história e os estudos em gestão passa pela compreensão do que exatamente é história (Lente & Durepos, 2019), como ela comumente vem sendo usada e o que ela representa. O que percebemos é que a história como disciplina tem sido amplamente criticada por sua falta de envolvimento reflexivo com a teoria, epistemologia e método (Bell & Taylor, 2013Bell, E., & Taylor, S. (2013). Writing history into management research. Management & Organization al History, 8(2), 127-136.).

Nesse sentido, alguns estudos recentes tentaram definir o uso da história quando incorporada nos estudos em gestão, na tentativa de suprir essa lacuna, o qual sintetizamos na tabela 1. O estudo de Maclean, Harvey, & Clegg (2016Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing Historical Organization Studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-632.) categoriza o uso da história como avaliação, explicação, conceito e narrativa. A categorização identifica o uso da história como forma de validar a teoria, transitando pelas generalizações de modelos analíticos específicos e interpretações do passado, até construções de narrativas com alta sensibilidade ao contexto de criação das evidências empíricas.

Tabela 1.
O emprego da abordagem histórica nos estudos em gestão

Neste artigo, adotamos o entendimento que “não há história sem narrativas e não há narrativas sem história” (Mordhorst & Schwarzkopf, 2017Mordhorst, M. & Schwarzkopf, S. (2017). Theorising narrative in business history. Business History, 59(8), 1155-1175., p. 1158), uma vez que é possível embasar a teoria das organizações mediante conhecimento contextual, relacional e histórico, quando pesquisados os fenômenos organizacionais. A narrativa parece ser o gênero mais utilizado por historiadores e nos estudos históricos em gestão (Mordhorst & Schwarzkopf, 2017Mordhorst, M. & Schwarzkopf, S. (2017). Theorising narrative in business history. Business History, 59(8), 1155-1175.), assumindo até status de discussão epistemológica (Czarniawska, 2000Czarniawska, B. (2000). The uses of narrative in organization research. Gothenburg Research Institute Report, 5, 1-39.). Dessa maneira, é válida a compreensão de que a história pode ser descrita mediante narrativas ao passo que, na tentativa de lidar com a organização do passado, a história é construída mediante a relação entre eventos, pessoas e ações a partir de associações que nada têm a ver com sequência cronológica do tempo (Clark & Rowlinson, 2004Clark, P., & Rowlinson, M. (2004). The Treatment of History in Organisation Studies: Towards an ‘Historic Turn’? Business History, 46(3), 331-352.; Adorisio, 2014Adorisio, A. L. M. (2014). Organizational remembering as narrative: ‘Storying’ the past in banking. Organization, 21(4), 463-476. https://doi.org/10.1177/1350508414527248
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).

Se a pesquisa histórica é narrativa na relação entre pessoas, ações e contextos como afirmam Decker, Kipping e Wadhwani (2015Decker, S., Kipping, M, & Wadhwani, R. D. (2015). New business histories! Plurality in business history research methods. Business History, 57(1), 30-40.), as narrativas históricas são, por conseguinte, uma forma fragmentada de representar o passado (Mordhorst & Schwarzkopf, 2017Mordhorst, M. & Schwarzkopf, S. (2017). Theorising narrative in business history. Business History, 59(8), 1155-1175.), ao mesmo tempo em que possibilita o embasamento da teoria das organizações ao acessar o passado na produção do conhecimento, de maneira teórica e epistemológica. Esse é o entendimento aqui optado para o uso da abordagem histórica, compreendendo história constituída por narrativas que ajudam a analisar os fatos e fenômenos organizacionais investigados. Tal alinhamento teórico é adotado no sentido de garantir a autenticidade e reflexividade da abordagem teórica da história ao aprimorar o conhecimento em gestão. Além disso, parece que a forma narrativa do historiador, quando atrelada aos estudos em gestão, tem tornado possível um modo de explicação teórica (Maclean, Harvey, & Clegg, 2017Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. (2017). Organization Theory in Business and Management History: Present Status and Future Prospects. Business History Review, 91(3), 457-481.).

Destacamos ainda que essa compreensão sobre o que é história está atrelada à ideia da “Nova História”, fortemente influenciada pelos estudos de Michel Foucault, que questiona as diversas verdades produzidas pela análise historiográfica (Carneiro, 2016Carneiro, A. T. (2016). Pode a área de Estudos Organizacionais ser historiográfica? Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, Belo Horizonte, 3(8), 1019-1049.). Essa necessidade de deixar claro o posicionamento relativo à perspectiva histórica, compreendendo seu impacto em termos epistemológicos e metodológicos, tem por objetivo superar um dos obstáculos dos estudos organizacionais que buscam utilizar essa perspectiva: “a dificuldade de identificação e de adaptação de pesquisas para a análise de organizações coerentes com as particularidades correspondentes à pesquisa histórica” (Carneiro, 2016Carneiro, A. T. (2016). Pode a área de Estudos Organizacionais ser historiográfica? Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, Belo Horizonte, 3(8), 1019-1049., p. 1033). Acreditamos que ter clareza sobre as especificidades da perspectiva histórica torna possível propor um encontro entre esta e os estudos em gestão, sem incorrer no risco de instrumentalizar a história para a área de administração (Wanderley et. al., 2016Wanderley, S., Barros, A., Costa, A. S. M., & Carrieri, A. P. (2016). Caminhos e percursos da História em Administração: um chamado à reflexão sobre o tempo e a construção do presente. Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, Belo Horizonte, 3(8), 832-851.).

Em referência à Tabela 1, é possível ainda perceber, como apresentado por Rowlinson, Hassard e Decker (2014Rowlinson, M., & Hassard, J, Decker, S. (2014). Research Strategies for Organization al History: A Dialogue Between Historical Theory and Organization Theory. The Academy of Management Review, 39(4), 250-374.), as temáticas afinadas ao uso da história nos estudos em gestão. É habitual se escrever sobre os feitos das grandes corporações, privilegiando a visão objetivista diante de narrativa em fontes e periodizações das próprias entidades. É comum também o desenvolvimento de estruturas analíticas mediante os arquivos investigados, bem como a concentração de análise em fatos repetíveis de ordem cronológica, gerando valor quantitativo de dados para descrever os fenômenos estudados. E, mais recentemente, a etnografia da micro-história é acionada nos arquivos, por vezes silenciados e revisitados nas construções de narrativas em gestão, considerando questões do cotidiano (Wanderley et. al., 2016Wanderley, S., Barros, A., Costa, A. S. M., & Carrieri, A. P. (2016). Caminhos e percursos da História em Administração: um chamado à reflexão sobre o tempo e a construção do presente. Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, Belo Horizonte, 3(8), 832-851.).

A bem da verdade, é necessário ter um posicionamento claro de que tipo de história se quer escrever nos estudos em gestão ao ponto de questionar que histórias estão sendo escritas e lidas até o momento, e como se pode reorientar os alinhamentos teóricos-metodológicos já postos. Para Smith e Russel (2015Smith, A., & Russell, J. (2015). Toward polyphonic constitutive historicism: a new research agenda for management historians. Management & Organization al History, 11(2), 236-251.), a história não pode ser simplesmente “inventada” na qual o passado “age como teste empírico”, além de ser recorrente o foco desproporcional dos estudos em gestão em grandes corporações, particularmente, as multinacionais. Diante do exposto, fica clara a necessidade de pensar possíveis articulações da abordagem histórica com a teoria das organizações em termos de diversificação de teorias, métodos e objetos de pesquisa, sem, no entanto, instrumentalizar a história, ou reproduzir enganos comuns - mas não sem propósitos - que confundem história, passado e memória.

Nesse sentido, Bell e Taylor (2013Bell, E., & Taylor, S. (2013). Writing history into management research. Management & Organization al History, 8(2), 127-136.) argumentam que a história precisa ser pensada tanto em termos epistemológicos, quanto em termos metodológicos, no tocante às técnicas de coleta e análise de dados. Pensar na história como método é ampliar e flexibilizar a teoria com maior embasamento para a prática integrada de coleta e análise dos dados históricos (Van Lent & Durepos, 2019Van Lent, W., & Durepos, G. (2019). “Nurturing the historic turn: “history as theory” versus “history as method”. Journal of Management History, 25(4), 429-443. https://doi.org/10.1108/JMH-03-2019-0017
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). Desse modo, tal como pontua Carneiro (2016Carneiro, A. T. (2016). Pode a área de Estudos Organizacionais ser historiográfica? Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, Belo Horizonte, 3(8), 1019-1049., p. 1034), não se defende um determinismo rígido entre epistemologia e método, “mas sim o discernimento do impacto da epistemologia ponderada na escolha e no desenvolvimento do método e do nível de análise de um trabalho”. Acreditamos, então, que a escolha de métodos coerentes na construção das narrativas históricas pode ajudar a atenuar a comum tendência às narrativas lineares e abordagens tradicionais da historiografia (Andorisio, 2014Adorisio, A. L. M. (2014). Organizational remembering as narrative: ‘Storying’ the past in banking. Organization, 21(4), 463-476. https://doi.org/10.1177/1350508414527248
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) já bastante consolidadas no campo dos estudos em gestão.

Mais recentemente, estudiosos têm se esforçado para buscar tornar os estudos históricos em gestão mais polifônicos na tentativa de construir narrativas nas quais várias histórias e diferentes contextos possam ser compreendidos (Sliwa, 2013Śliwa, M. (2013). Learning to listen: an organizational researcher›s reflections on ‘doing oral history’. Management & Organization al History, 8(2), 185-196.; Decker, 2013Decker, S. (2013). The silence of the archives: business history, postcolonialism, and archival ethnography. Management & Organization al History, 8(2), 155-173.; Smith & Russel, 2015Smith, A., & Russell, J. (2015). Toward polyphonic constitutive historicism: a new research agenda for management historians. Management & Organization al History, 11(2), 236-251.; Barros & Carrieri, 2015Barros, A., & Carrieri, A. de P. (2015). O cotidiano e a história: construindo novos olhares na Administração. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 151-161.; Kaul, Sandhu, & Alam, 2019Kaul, S C.., Sandhu, M., & Alam, Q. (2019). Researching the history of marginalized issues in management research: A proposed interpretive framework. Journal of Management History, 25(2), 237-256. https://doi.org/10.1108/JMH-06-2018-0030
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). Para Smith e Russell (2015Smith, A., & Russell, J. (2015). Toward polyphonic constitutive historicism: a new research agenda for management historians. Management & Organization al History, 11(2), 236-251.), a polifonia nos estudos históricos é a tentativa de investigar como interpretações concorrentes do passado são desenvolvidas e utilizadas por diferentes conjuntos de atores e instituições na construção de narrativas. Esse posicionamento procura apreender versões alternativas, singulares, às vezes insurgentes e ressurgentes das histórias dentro (e em torno) das organizações.

A polifonia como preocupação metodológica nos estudos históricos recorre à tentativa de “aprender a ouvir/investigar/questionar”, pois “o passado fala” e o silêncio implica o discernimento de que existem versões da história que nem sempre foram ouvidas e escritas (Sliwa, 2013Śliwa, M. (2013). Learning to listen: an organizational researcher›s reflections on ‘doing oral history’. Management & Organization al History, 8(2), 185-196.; Decker, 2013Decker, S. (2013). The silence of the archives: business history, postcolonialism, and archival ethnography. Management & Organization al History, 8(2), 155-173.). Para os estudos históricos polifônicos, é significativo que muitas vozes sejam compreendidas juntas, “em vez de apenas uma única voz ou apenas as vozes de algumas pessoas de elite dentro de uma organização” (Smith & Russel, 2015Smith, A., & Russell, J. (2015). Toward polyphonic constitutive historicism: a new research agenda for management historians. Management & Organization al History, 11(2), 236-251., p. 6). “Vozes”, nesses termos, diz respeito a perceber que as narrativas podem ser apreendidas em diversas fontes e artefatos históricos produzidos por variadas pessoas, ações e eventos em diferentes contextos e interpretações de determinado fenômeno a ser estudado. Ou seja, o emprego de multimétodos para estudos históricos pode enriquecer a contribuição metodológica para diversificação teórica e de fontes importantes para o cenário contextual da investigação e prática de pesquisa em gestão (Kaul, Sandhu, & Alam, 2019Kaul, S C.., Sandhu, M., & Alam, Q. (2019). Researching the history of marginalized issues in management research: A proposed interpretive framework. Journal of Management History, 25(2), 237-256. https://doi.org/10.1108/JMH-06-2018-0030
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).

As narrativas históricas quando polifônicas são, assim, a tentativa de superar as barreiras práticas de captar, confluir e analisar diversas narrativas (Smith & Russel, 2015Smith, A., & Russell, J. (2015). Toward polyphonic constitutive historicism: a new research agenda for management historians. Management & Organization al History, 11(2), 236-251.) para melhor desenvolver o conhecimento e a teoria das organizações. Por vezes, é questionar a “história oficial” comumente aceita, contando uma nova história ou uma história diferente. As análises dos fatos e fenômenos organizacionais precisam captar o contexto e as relações situadas na pretensão de romper com o anacronismo e as interpretações descontextualizadas que são disseminadas como estratégia de interpretações seletivas dos discursos proferidos na literatura recorrente do mainstream em gestão (Lara, Vizeu & Alves, 2019Lara, L. G., Vizeu, F., & Alves, E. B. (2019). The instrumentalization of metaphors in the management field: reflections from the use of the book “the art of war”. Brazilian Business Review, 16(5), 416-430. https://doi.org/10.15728/bbr.2019.16.5.1
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).

A polifonia dos estudos históricos para os estudos em gestão aqui abordada é mais do que triangular métodos de pesquisas, sendo na verdade a maneira de tornar, necessariamente, o processo de pesquisa mais reflexivo, que permita ao pesquisador compreender e analisar múltiplas narrativas para entender a complexidade dos fatos/fenômenos organizacionais (Barros, Carneiro e Wanderley, 2019Barros, A., Carneiro, A., & Wanderley, S. (2019). Organization al archives and historical narratives: Practicing reflexivity in (re)constructing the past from memories and silences. Qualitative Research in Organization s and Management, 14(3), 280-294. https://doi.org/10.1108/QROM-01-2018-1604
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). Para isso, é premente acionar as diversas possibilidades teórico-metodológica que desmistificam as interpretações anacrônicas, descontextualizadas e simplistas da história (Adorisio & Mutch, 2013Adorisio, A. L. M., & Mutch, A. (2013). In search of historical methods. Management & Organization al History, 8(2), 105-110.; Lara, Vizeu & Alves, 2019Lara, L. G., Vizeu, F., & Alves, E. B. (2019). The instrumentalization of metaphors in the management field: reflections from the use of the book “the art of war”. Brazilian Business Review, 16(5), 416-430. https://doi.org/10.15728/bbr.2019.16.5.1
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; Van Lent & Durepos, 2019Van Lent, W., & Durepos, G. (2019). “Nurturing the historic turn: “history as theory” versus “history as method”. Journal of Management History, 25(4), 429-443. https://doi.org/10.1108/JMH-03-2019-0017
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), e assim avançar no envolvimento da teoria da história com a teoria das organizações.

3. A OPÇÃO DECOLONIAL

O constructo decolonialidade tem sido desenvolvido por um grupo formado inicialmente por pesquisadores sul-americanos que discutem a relação entre modernidade, colonialidade e eurocentrismo (Wanderley, 2015Wanderley, S. (2015). Estudos organizacionais, (des)colonialidade e estudos da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, 13(2), 237-255.). O conceito de “colonialidade” foi primeiramente introduzido por Quijano (1993Quijano, A. (1993). América Latina en la economía mundial. Problemas del desarrollo, 24(95), 43-59.; 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander, E (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Colección Sur.), no final dos anos 1980 e no início dos anos 1990 (Mignolo, 2017Mignolo, W. D. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(94), 1-18.). No começo da década de 1990, o grupo Modernidade/Colonialidade foi formulado por pesquisadores sul-americanos que atuavam como acadêmicos tanto nos EUA quanto na América Latina. Posteriormente, o constructo decolonialidade foi desenvolvido pelos pesquisadores do grupo que conjugou os termos modernidade, colonialidade e decolonialidade como conceitos inter-relacionados. Assim, o grupo foi denominado de Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade (MCD) (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.). Os principais conceitos usados pelos pesquisadores desse grupo são: a ética da libertação e transmodernidade pluriversal (Dussel, 1993Dussel, E. (1993). O encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Petrópolis, RJ: Vozes.); a geopolítica do conhecimento (Mignolo & Tlostanova, 2006Mignolo, W. D., & Tlostanova, M. V. (2006). Theorizing from the Borders: Shifting to Geo- and Body-Politics of Knowledge. European Journal of Social Theory, 9(2), 205-221.); a retórica da modernidade e desobediência epistêmica (Mignolo, 2007Mignolo, W. D. (2007). Delinking: The rhetoric of modernity, the logic of coloniality, and the grammar of de-coloniality. Cultural Studies, 21(2-3), 449-514.; 2009Mignolo, W. D. (2009). Epistemic Disobedience, Independent Thought, and Decolonial Freedom. Theory, Culture & Society, 26(7-8), 159-181.); a colonialidade do poder (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander, E (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Colección Sur.); e a práxis decolonial (Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., & Walsh, C. E. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, and praxis. Raleigh, NC: Duke University Press.).

Destacamos aqui que os estudos decoloniais possuem, em sua origem, pressupostos epistemológicos influenciados pelos escritos marxianos e marxistas, sendo o “capitalismo, colonialismo e imperialismo [...] três processos sobre os quais diversos autores latino-americanos debruçaram-se” (Ballestrin, 2017Ballestrin, L. M. A. (2017). Modernidade/Colonialidade sem “Imperialidade”? O Elo Perdido do Giro Decolonial. Revista de Ciências Sociais, 60(2), 505-540. p. 514). Particularmente o Grupo de Estudos Subalternos, anterior ao grupo MCD, dirige duras críticas a autores pós-estruturalistas como Foucault e Deleuze, por eles desconsiderarem a divisão internacional do trabalho e a violência epistêmica produzidas pelo imperialismo, colocando-se como “sujeitos transparentes”, autorizados a falar pelos sujeitos subalternizados (Spivak, 2010Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa. Belo horizonte: Editora UFMG.).

Neste artigo, cientes das críticas necessárias à perspectiva pós-estruturalista, e às críticas feitas pelos próprios autores decoloniais às teorias marxistas (como a teoria eurocêntrica sobre classes sociais, problematizada por Quijano (2009Quijano, A. (2009). Colonialidade do Poder e Classificação Social. In: Santos, B. S. & Menezes, M. P. Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina S. A.)), acreditamos ser possível articular a perspectiva histórica aqui empregada aos estudos decoloniais, considerando que a colonialidade tem, cada vez mais, assumido certa nebulosidade, por meio de diferentes práticas, discursos, arranjos, níveis, escalas, e não somente pela ação do Estado-nação (Ballestrin, 2017Ballestrin, L. M. A. (2017). Modernidade/Colonialidade sem “Imperialidade”? O Elo Perdido do Giro Decolonial. Revista de Ciências Sociais, 60(2), 505-540.). Acreditamos, inclusive, que a opção decolonial é útil para problematizar a própria perspectiva histórica aqui adotada, uma vez que esta é contada por estudiosos europeus e reproduzida por latino-americanos. Atentos a essa problematização que a opção decolonial coloca em nosso horizonte, reforçamos a importância de atrelar a “nova história” às preocupações decoloniais, no sentido de reconstruir a própria concepção sobre história, e criar concepções mais autênticas (Wanderley & Barros, 2018Wanderley, S., & Barros, A. (2018). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: towards a Latin American agenda. Management & Organization al History, 14(1), 79-97.).

Ao optarmos pela opção decolonial, acolhemos a tese básica adotada pelo grupo MCD de que a “modernidade” nasce em 1492 com a conquista/dominação da América, e que para resolver os problemas da universalidade por ela imposta é preciso ir rumo à transmodernidade pluriversal de modo geral (Dussel, 2005Dussel, E. (2005). Europa, Modernidade e Eurocentrismo. In: Lander, E. (org.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. 2nd. ed. Buenos Aires: Clacso.; 2012Dussel, E. (2012). Transmodernity and interculturality: an Interpretation from the perspective of philosophy of liberation. Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World, 1(3), 1-26.), e no âmbito dos estudos em gestão de maneira específica (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.). Diante disso, Escobar (2007Escobar, A. (2007). Worlds and knowledges otherwise: The Latin American modernity/coloniality research program. Cultural Studies, 21(2-3), 179-210.) argumenta que o conceito de modernidade guarda relação direta com conceito de colonialidade elaborado no sentido de demonstrar: (1) a construção do sistema capitalista mundial como constitutivo da modernidade em atenção persistente ao colonialismo; (2) a dominação de outros povos fora do núcleo europeu como dimensão necessária da modernidade, subalternizando seus conhecimentos e culturas; e (3) a concepção da história da Europa como centro que reivindica a universalidade e hegemonia mundial para si.

Dessa maneira, a ideia de modernidade, unilateral e unidirecional, como racionalidade superior e caminho para o progresso/salvação/missão/renascimento é uma concepção essencialmente europeia, importada para outros povos, culturas e territórios com a pretensão de ser universal e homogênea (Mignolo, 2017Mignolo, W. D. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(94), 1-18.). Atrelado a esse entendimento, Quijano (1993Quijano, A. (1993). América Latina en la economía mundial. Problemas del desarrollo, 24(95), 43-59.; 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander, E (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Colección Sur.) apontou para a colonialidade do conhecimento, do poder e do ser - visível a partir da análise histórico-socioeconômica da colonização e de seus impactos na percepção distorcida de que a modernidade e racionalidade são fenômenos e experiências exclusivamente europeias. Logo, ao se falar de modernidade, é preciso falar também da colonialidade que a acompanha, e as mazelas da igualdade/desigualdade, riqueza/pobreza produzidas por esse sistema de poder (Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., & Walsh, C. E. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, and praxis. Raleigh, NC: Duke University Press.; Lage, 2019Lage, V. C. (2019). Interpretations of Brazil and Global Capitalism. Latin American Perspectives, 46(4), 137-153.; Simões, 2019Simões, P. (2019). Brazil’s Crisis of Memory: Embracing Myths and Forgetting History. Latin American Perspectives, 46(4), 4-14. https://doi.org/10.1177/0094582X19843843
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).

Analisar a história com base na retórica da modernidade é denotar que a macronarrativa do progresso assimilada dentro do próprio capitalismo é responsável por impor uma modernidade seletiva, monolítica e uníssona que pouco ou nada convence (Chumbita, 2015Chumbita, H. (2015). Fundamentos para los estudios organizacionales: aportes del pensamiento crítico suramericano. Cadernos EBAPE.BR , 13(2), 390-401.; Lage, 2019Lage, V. C. (2019). Interpretations of Brazil and Global Capitalism. Latin American Perspectives, 46(4), 137-153.; Simões, 2019Simões, P. (2019). Brazil’s Crisis of Memory: Embracing Myths and Forgetting History. Latin American Perspectives, 46(4), 4-14. https://doi.org/10.1177/0094582X19843843
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). Nesse ponto, decolonialidade é perceber os efeitos da colonialidade que persistem e desvendar seu funcionamento diante da miragem da modernidade e suas promessas não cumpridas (Mignolo, 2017Mignolo, W. D. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(94), 1-18.; Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., & Walsh, C. E. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, and praxis. Raleigh, NC: Duke University Press.). Para isso, adotamos a opção pela transmodernidade pluriversal como possibilidade de superação da modernidade universal até então imposta, na busca: (1) da autovalorização dos povos e culturas desvalorizadas pela modernidade que ainda permanecem fora dessa ostensiva e destrutiva cultura moderna universal; (2) dos valores tradicionais ignorados pela modernidade como ponto de partida para construção da crítica; (3) e por entender as “fronteiras” da modernidade na criação do pensamento crítico (Dussel, 2012Dussel, E. (2012). Transmodernity and interculturality: an Interpretation from the perspective of philosophy of liberation. Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World, 1(3), 1-26.).

De todo modo, Dussel (2012Dussel, E. (2012). Transmodernity and interculturality: an Interpretation from the perspective of philosophy of liberation. Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World, 1(3), 1-26.) entende que a transmodernidade é a busca pelo diálogo entre culturas, povos e identidades compreendendo as limitações e aspectos positivos da modernidade já imposta numa construção intercultural autêntica entre nações, sem ignorar as assimetrias relacionais existentes. Assim, é possível seguir em direção à transmodernidade pluriversal em que a identidade cultural de um povo possa ser conservada e ao mesmo tempo assimilar o desenvolvimento dessa modernidade globalizada na co-construção de um mundo mais inclusivo e diverso, incentivando os povos a viverem juntos em detrimento do lucro excessivo, apropriações privadas e benefícios pessoais (Dussel & Ibarra-Colado, 2006Dussel, E., & Ibarra-Colado, E. (2006). Globalization, Organization, and the Ethics of Liberation. Organization, 13(4), 489-508. https://doi.org/10.1177/1350508406065852
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).

Neste artigo, entendemos que a noção de modernidade/colonialidade é passível de ser empregada no conhecimento gerado nos estudos em gestão que refletem ou enfrentam constantemente as mazelas propagadas pela lógica da gestão gerencial euro-estadunidense (gerencialismo) e da racionalidade instrumental tão comum no mainstream das pesquisas (Misoczky, 2011Misoczky, M. C. (2011). World visions in dispute in contemporary Latin America: development x harmonic life. Organization, 18(3), 345-363.). A ideia de “modernização”, “desenvolvimento” e “racionalidade técnica” aparenta ser a propagação universal da ideologia gerencial em gestão historicamente disseminada na área, o que Dussel e Ibarra-Colado (2006Dussel, E., & Ibarra-Colado, E. (2006). Globalization, Organization, and the Ethics of Liberation. Organization, 13(4), 489-508. https://doi.org/10.1177/1350508406065852
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) apontam como facilitadores da lógica da eficiência e viabilidade tecnológica associadas à utilidade econômica e à administração, relacionadas à produção e ao comércio num sistema mundial capitalista.

Isso muito tem a ver com a naturalização da razão instrumental que garantiu - no campo particular do conhecimento em gestão - o controle e disciplina respaldado pela divisão do trabalho, o desenvolvimento tecnológico e a supremacia econômica que, segundo Dussel e Ibarra-Colado (2006Dussel, E., & Ibarra-Colado, E. (2006). Globalization, Organization, and the Ethics of Liberation. Organization, 13(4), 489-508. https://doi.org/10.1177/1350508406065852
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), sofreu forte influência dos pensamentos de Adam Smith, aperfeiçoado mais tarde por Frederick Taylor e Henry Ford, no que ficou conhecido como “administração científica”. Tal processo de “racionalização” entrelaçada à lógica da modernidade ajudou a institucionalizar a organização burocrática, tecnicista e hierarquizada com forte influência do pensamento weberiano. Ademais, Misoczky e Camara (2015Misoczky, M. C., & Camara, G. D. (2015). Enrique Dussel: contribuições para a crítica ética e radical nos Estudos Organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 13(2), 286-314.) nos lembram que o gerencialismo moderno fortemente disseminado por Peter Drucker preserva e aprimora o discurso de “uma ideologia neocapitalista”, que tinha como função legitimar o status quo da gestão enquanto uma “tecnologia neutra, única, passível e desejável”.

Esse entendimento fez com que Wanderley e Barros (2018Wanderley, S., & Barros, A. (2018). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: towards a Latin American agenda. Management & Organization al History, 14(1), 79-97.) afirmassem que o conhecimento organizacional é uma expressão da modernidade/colonialidade reproduzido e reforçado institucionalmente pela gestão gerencial euro-estadunidense. Para Couto e Carrieri (2018Couto, F. F., & Carrieri, A. (2018). Enrique Dussel e a Filosofia da Libertação nos Estudos Organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 16(4), 631-641.), é preciso enxergar a colonialidade no campo de gestão por uma consciência crítica da administração pela leitura das mídias populares de negócios, pela retórica da consultoria e pela crença do livre mercado que institui a naturalização da ideologia neoliberal do lucro natural à economia. Isso parece corroborar o posicionamento de Couto, Honorato e Silva (2019Couto, F. F., Honorato, B. E. F., & Silva, E. R. (2019). Organizações Outras: Diálogos Entre a Teoria da Prática e a Abordagem Decolonial de Dussel. Revista de Administração Contemporânea, 23(2), 249-267.) ao reiterarem que a gestão gerencial está relacionada aos interesses político-econômicos de países europeus e norte-americanos que naturalizaram e disseminaram a ideologia neoliberal para outros países do eixo sul ocidental e oriental do mundo.

Nesse ponto, argumentamos que a modernidade/colonialidade é, para o conhecimento produzido na área de gestão, expressão ancorada no discurso capitalista neoliberal radical, disseminado de maneira universal através da legitimação da racionalidade instrumental e da gestão gerencial euro-estadunidense. Essa gestão, portanto, é vista como uma ferramenta neutra de modernização das organizações, garantidora da eficácia organizacional e da produção lucrativa (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.; Misoczky, 2019Misoczky, M. C. (2019). Populism/people/popular: Reflections from a Latin American perspective. Organization, 1-9. https://doi.org/10.1177/1350508419870893
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). Para superar esse quadro de assimetria entre os modos de gestão desvalorizados por essa “modernidade”, concordamos com Abdalla e Faria (2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.) quanto à necessidade de co-construção de um mundo transmoderno pluriversal que resgata, legitima e dissemina outros saberes descoloniais, ressurgentes e insurgentes em gestão numa perspectiva transcosmopolita na qual diversos mundos, conhecimentos e histórias possam coexistir.

É preciso concordar com Misoczky e Camara (2015Misoczky, M. C., & Camara, G. D. (2015). Enrique Dussel: contribuições para a crítica ética e radical nos Estudos Organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 13(2), 286-314.) sobre a necessidade de libertar pelo menos parte dos estudos em gestão, inclusive os estudos críticos, da hegemonia da gestão gerencial euro-estadunidense (gerencialismo), abrindo-se para possibilidades de múltiplos diálogos interdisciplinares e interculturais. Assim, parece que o uso dos estudos históricos polifônicos nas pesquisas em gestão é uma opção decolonial ao articular alternativas por meio de dinâmicas de co-construção de narrativas em torno de saberes e práticas de gestão desvalorizadas historicamente, e defender a promoção e legitimação da pluriversalidade desses conhecimentos e saberes de modo que se construam condições de possibilidade de coexistência transmoderna (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.).

Portanto, acreditamos que a “virada histórica” nos estudos em gestão é mais do que simplesmente articular a perspectiva histórica à teoria das organizações em termos epistemológicos, teóricos ou metodológicos. É preciso também promover um giro histórico no conhecimento organizacional de maneira crítica atrelada à opção decolonial (Wanderley & Barros, 2018Wanderley, S., & Barros, A. (2018). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: towards a Latin American agenda. Management & Organization al History, 14(1), 79-97.). Isso requer a promoção da transmodernidade pluriversal em oposição à universalidade hipermoderna euro-estadunidense, permitindo a co-construção de narrativas históricas nas pesquisas em gestão (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.). Requer suprir ainda a devida “ausência de diálogo entre o mundo da metodologia científica e a decolonialidade” (Abdalla & Farias, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929., p. 924) através de uma abordagem histórica decolonial polifônica exposta a seguir, onde unimos o aporte teórico-metodológico da perspectiva histórica à luz da opção decolonial.

4. A ABORDAGEM HISTÓRICA DECOLONIAL POLIFÔNICA PARA OS ESTUDOS EM GESTÃO

Ao mobilizar os aspectos teóricos-metodológicos da abordagem histórica, propomos repensar o modo de estudar a complexidade dos fenômenos organizacionais, na tentativa de ponderar o próprio processo de fazer ciência na área em particular dos estudos em gestão. Ora, se a pretensão é aprimorar a teoria das organizações como caminho para compreender os processos, estruturas e pessoas nas organizações, é necessário questionar, por conseguinte, o emprego das teorias, métodos de pesquisa adotados e objetos de estudo até então predominantes na área. Tal crítica recai na forma como os pesquisadores refletem sobre seus anseios de pesquisa e na maneira como projetam e compreendem a realidade organizacional. Isso envolve ainda refletir sobre predisposições ontológicas bastante consolidadas na área, por vezes, suficientemente objetivas e deterministas.

Acreditamos fortemente que a história pode ser uma opção potente para embasar as pesquisas em gestão ao predispor que as organizações são constituídas com base em uma formulação sócio-histórica. Assim, entendemos que o envolvimento da teoria das organizações com a abordagem historiográfica requer alta sensibilidade contextual em respeito à percepção de narrativas históricas como representação fragmentada do passado captadas ao longo da pesquisa, como demostramos na Figura 1.

Figura 1.
Relação entre história e teoria organizacional.

A partir disso, algumas inferências são pertinentes de explicação. Entendemos que a relação teórico-metodológico entre a prática de pesquisa historiográfica e os estudos em gestão precisam levar em consideração o contexto nos quais os fenômenos e fatos organizacionais investigados estão situados. Se ao buscarmos responder “como” e “por que” as narrativas históricas sobre o passado na área particular dos estudos em gestão são contadas e repassadas a partir de uma única perspectiva, então incorremos no processo de desnaturalização da história entendida como linear, homogênea e sem conflitos. A sensibilidade contextual é, dessa maneira, a capacidade de duvidar das narrativas históricas uníssonas que descredencia versões concorrentes da história, comumente, fragmentada e heterogênea do passado. Essa percepção é uma opção por analisar as narrativas históricas de maneira relacional mediante pessoas, eventos e ações passadas em alternativa às crenças empiristas e objetivistas tradicionais da historiografia quando associada às pesquisas em gestão.

Esse entendimento, disposto em formato de figura, busca o alcance de certa autenticidade e reflexividade que, acreditamos, serem fundamentais no embasamento teórico-empírico de estudos que buscam compreender as organizações mediante diálogo com a história. Entretanto, atentos à necessidade de construção de histórias autênticas, considerando a colonialidade do poder e do saber, característica de contextos periféricos, relacionamos história, polifonia e opção decolonial, com a pretensão de advogar além da necessidade de inserir a perspectiva histórica nos estudos em gestão, pois observamos que em alguma medida isso já está sendo feito - mesmo que de forma parcial e uníssona. Nesse sentido, nosso intuito é reconhecer os efeitos da modernidade/colonialidade imposta pela gestão gerencial euro-estadunidense que se mantém através das narrativas corporativistas ou seriais de maneira presentistas e (ir)realista. Tal reconhecimento possibilita a nós, pesquisadores, repensar o conhecimento em gestão a partir de uma perspectiva transmoderna pluriversal que valoriza a coexistência de saberes decoloniais e formas de gestão insurgentes nas práticas administrativas habituais, por vezes, deslegitimadas.

Em todo caso, entendemos que os estudos históricos em organizações ampliam o conhecimento em gestão a partir dos fatos históricos embasados em métodos e fontes passíveis de verificação empírica e conceitual (Maclean, Harvey, & Clegg, 2016Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing Historical Organization Studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-632.). É de fato o aprimoramento da prática de pesquisa em gestão que busca convergir os campos de conhecimentos da história e gestão em respeito às predisposições epistêmicas e ao envolvimento imprescindível com as narrativas e interpretações concorrentes do passado, fontes históricas e métodos historiográficos, ao avançar na compreensão dos fenômenos organizacionais (Van Lent & Durepos, 2019Van Lent, W., & Durepos, G. (2019). “Nurturing the historic turn: “history as theory” versus “history as method”. Journal of Management History, 25(4), 429-443. https://doi.org/10.1108/JMH-03-2019-0017
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). Assim, Maclean, Harvey, & Clegg (2017Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. (2017). Organization Theory in Business and Management History: Present Status and Future Prospects. Business History Review, 91(3), 457-481.) reconhecem que o campo de estudos em gestão é um pouco introspectivo, excessivamente estreito e bastante fragmentado, negligenciando numerosos temas, questões e objetos de estudo dentro do que seria o alcance natural do campo.

Dessa maneira, parece que é prudente repensar o que entendemos por organização, saberes e práticas em gestão, com o intuito de promover diálogos críticos translocais ao reconhecer os problemas modernos/coloniais herdados pela visão universal disseminada através da gestão gerencial e instrumental. Esse reconhecimento, por si só, é uma posição ético-política decolonial na procura por interpretar a variedade de organizações da vida social que lidam com modos de fazer gestão peculiares, em resposta às demandas e necessidades inerentes que perturbam a totalidade na qual o universal e o “moderno” são percebidos com mais dissonância e frequência.

Assim, o envolvimento entre a opção decolonial e os estudos históricos ajudam a ampliar o conhecimento organizacional em pelo menos dois pontos: (1) alarga a base epistemológica nos estudos em gestão, ao passo que se preocupa em analisar as organizações com base em teorias que compreendam a heterogeneidade dos diferentes modos de gestão e organização da vida social e, portanto, provoca a descontinuidade da matriz modernidade/colonialidade uníssona da gestão gerencialista fundada no “mito da racionalidade instrumental” da administração “moderna”; e (2) chama a atenção dos pesquisadores para diversificar os métodos de coleta e análise do material empírico ao construir narrativas históricas polifónicas mediante várias fontes arquivistas e artefatos.

Esse entendimento faz confluir níveis de análises concêntricas ao colocar em diálogo a pesquisa em gestão, mediante o aprimoramento da teoria das organizações; a pesquisa histórica e suas exigências conceituais e empíricas, que possuem forte caráter relacional, contextual e polifônico; e a opção decolonial, com forte valorização de conhecimentos, saberes e práticas translocais em gestão insurgentes e ressurgentes que (co)existem em defesa da transmodernidade pluriversal. Tal proposição de articulação entre esses três níveis pode ser mais bem visualizado na Figura 2.

Figura 2.
Níveis concêntricos de análise.

No nível inicial de análise apresentada na Figura 2, mobilizamos a teoria das organizações com a pretensão de ampliar o conceito de organização como concepção a priori na prática das pesquisas em gestão. Dessa maneira, partimos do pressuposto de compreender o conceito de organização como formas sui generis e diversificadas de organização da vida social situada em diferentes (trans)localidades, e que enfrentam, corriqueiramente, os problemas herdados pela visão moderno/colonial/universal imposta pelo padrão de gestão gerencialista euro-estadunidense. O que nos faz (re)pensar em diálogos críticos os quais promovam uma visão de gestão decolonial, constituindo “bases legítimas para a co-construção de uma academia global pluriversal” (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929., p. 921).

Em resposta a essas assimetrias histórico-contextuais, acionamos a abordagem historiográfica polifônica para co-construir narrativas históricas em gestão que informe as singularidades presentes nas formas de organização coerentes com as histórias e problemas locais. Para isso, é preciso estar atento aos saberes-práticos em gestão que cruzam localizações geopolíticas e diferenças coloniais (Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., & Walsh, C. E. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, and praxis. Raleigh, NC: Duke University Press.), os quais influenciam e reverberam em outras organizações, práticas, saberes, narrativas e modos de gestão em oposição à ordem colonial moderna. A opção decolonial ilustrada como um círculo mais amplo, que envolve a abordagem histórica e os estudos em gestão é útil, na Figura 2, pois nos permite questionar a própria concepção de história adotada, incentivando reflexões sobre a história para além do que dizem autores euro-estadunidense, e ponderações sobre as teorias em gestão.

Como consequência, acreditamos que o uso da polifonia na narrativa histórica exige do pesquisador o cuidado no momento de tratar as fontes históricas, necessitando de reflexividade no processo de coleta e ordenamento do material empírico para posterior análise. Assim, parece imprescindível o registro e comparação das ideias históricas de diferentes de atores e instituições (Smith & Russell, 2015Smith, A., & Russell, J. (2015). Toward polyphonic constitutive historicism: a new research agenda for management historians. Management & Organization al History, 11(2), 236-251.), e a elaboração de narrativas embasadas nas múltiplas visões do fato/fenômeno estudado. A noção de arquivo como fonte-base para viabilizar a pesquisa histórica vem sendo debatida para além dos documentos oficiais escritos (Barros, Carneiro, & Wanderley, 2018Wanderley, S., & Barros, A. (2018). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: towards a Latin American agenda. Management & Organization al History, 14(1), 79-97.).

Por isso, polifonia, nesses termos, é perceber que as narrativas históricas podem ser apreendidas em diversas fontes e artefatos passíveis de questionamento quanto à natureza de produção, manutenção e guarda ao longo do tempo. Assim, entendemos como fonte histórica: ilustrações, imagens, quadros de artes, pinturas artesanais, esculturas, fotografias, livros, histórias em quadrinhos, jornais, panfletos, literatura popular, filmes, cordéis, propagandas televisivas e radiofônicas, contos, ditados e histórias populares, músicas, depoimentos, entre outras fontes que ajudem a elucidar a polifonia nas versões concorrentes do passado e que esclareçam as narrativas históricas em gestão.

Essa percepção das fontes historiográficas passa pelo posicionamento dos próprios pesquisadores que precisam lidar com a reconstrução da visão do campo de estudo. Dessa maneira, as fontes históricas assumem o papel central na (re)construção das narrativas históricas, demonstrando evidências de desigualdade, multiplicidade, confusão e complexidade mediante arcabouço intelectual dos pesquisadores, além do silenciamento provocado em algumas fontes e narrativas dissonantes sobre o passado que precisam ser resgatadas (Decker, 2013Decker, S. (2013). The silence of the archives: business history, postcolonialism, and archival ethnography. Management & Organization al History, 8(2), 155-173.).

Para Barros, Carneiro, e Wanderley (2018Wanderley, S., & Barros, A. (2018). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: towards a Latin American agenda. Management & Organization al History, 14(1), 79-97.), ao adotarem a perspectiva histórica, os pesquisadores precisam questionar a natureza dos documentos e artefatos históricos, o porquê de eles terem sido criados, e como a facilidade de acesso a essas fontes influenciam as narrativas históricas. Para os autores, a construção da história é entendida sob diversos pontos de vista sobre o passado, em um processo de pesquisa crítico e reflexivo. Nessa mesma linha de pensamento, Kaul, Sandhu, & Alam (2019Kaul, S C.., Sandhu, M., & Alam, Q. (2019). Researching the history of marginalized issues in management research: A proposed interpretive framework. Journal of Management History, 25(2), 237-256. https://doi.org/10.1108/JMH-06-2018-0030
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) afirmam que, para garantir a validade e confiabilidade das fontes históricas, é aconselhável comparar arquivos os quais ofereçam informações semelhantes, identificar autor, data e local de criação do documento, e contextualizar quando e onde os eventos em estudo ocorreram.

Desse modo, narrativas são construídas mediante, por exemplo, as fontes primárias na forma de propriedades particulares ou coleções como arquivos de família e pessoais, diários, boletins, livros, cartas, relatórios anuais, biografias, palestras e campanhas de comunicação das organizações (Kaul, Sandhu, & Alam, 2019Kaul, S C.., Sandhu, M., & Alam, Q. (2019). Researching the history of marginalized issues in management research: A proposed interpretive framework. Journal of Management History, 25(2), 237-256. https://doi.org/10.1108/JMH-06-2018-0030
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). Quanto à escrita da narrativa histórica, ela passa pela alta sensibilidade epistêmica e metodológica que exige do pesquisador um deslocamento na análise e conclusões dos vestígios a partir das versões variadas do passado.

Por isso, é possível optar por técnicas de análises que permitam cobrir a polifonia das narrativas históricas. Como exemplo, Sliwa (2013Śliwa, M. (2013). Learning to listen: an organizational researcher›s reflections on ‘doing oral history’. Management & Organization al History, 8(2), 185-196.) e Joaquim & Carrieri (2018Joaquim, N. F., & Carrieri, A. P. (2018). Construção e Desenvolvimento de um Projeto de História Oral em Estudos sobre Gestão. Organizações & Sociedade, 25(85), 303-319.) fazem uso da história oral para acessar memórias e narrativas que formulam a noção de organização como lugares de existência, práticas e saberes que constroem identidades grupais. Já Bowie (2019Bowie, D. (2019). Contextual analysis and newspaper archives in management history research”. Journal of Management History, 25(4), 516-532. https://doi.org/10.1108/JMH-01-2018-0007
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) e Tumbe (2019Tumbe, C. (2019), “Corpus linguistics, newspaper archives, and historical research methods”. Journal of Management History, 25(4), 533-549. https://doi.org/10.1108/JMH-01-2018-0009
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) mostram como as narrativas contadas em jornais, filmes, propagandas e na imprensa de maneira geral são analisadas e podem contextualizar a pesquisa histórica.

As imagens, charges, histórias em quadrinhos, fotografias e anúncios, por exemplo, podem ser utilizados por pesquisadores como fontes históricas imagéticas em que são analisadas “imagens como se fossem discursos” na proposta de Godoi & Uchôa (2019Godoi, C. K., Uchôa, A. G. F. (2019). Metodologia de Análise Sociológica Discursivo-imagética: possibilidades aos estudos organizacionais. Organizações e Sociedade, 26(91), 776-794., p. 777), ampliando o escopo de técnicas metodológicas que tornem a pesquisa mais polifônica. A etnografia arquivistas, outro exemplo, possibilita analisar arquivos e se concentrar no silenciamento que ocorre à medida que os registros são criados e mantidos (Decker, 2013Decker, S. (2013). The silence of the archives: business history, postcolonialism, and archival ethnography. Management & Organization al History, 8(2), 155-173.).

Essas possibilidades apontadas pela literatura nos fazem acreditar ser possível a articulação interdisciplinar que propomos entre a teoria das organizações, a abordagem histórica polifônica e a opção ético-político da decolonialidade. É preciso que tornemos visível que as teorias e os modelos teóricos, enquanto conhecimento, são situados social, histórico e culturalmente. Perceber isso já é um primeiro passo para buscarmos perspectivas teóricas e práticas de pesquisa em oposição à pretensão da universalidade racional-moderna da ciência enquanto “fazer pesquisa” na área de gestão em específico. Logo, é possível optarmos pelos conhecimentos que estão ressurgindo e insurgindo de baixo, outrora invisibilizados ou negligenciados, rumo às visões de um mundo transmoderno e pluriversal (Dussel, 2012Dussel, E. (2012). Transmodernity and interculturality: an Interpretation from the perspective of philosophy of liberation. Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World, 1(3), 1-26.; Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., & Walsh, C. E. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, and praxis. Raleigh, NC: Duke University Press.). Ressaltamos que a abordagem proposta se refere tão somente a uma possível articulação entre as três áreas de estudos discutidas, sem caráter de prescrição teórica ou metodológica, e sem a pretensão de servir como modelo universal, uma vez que o propósito da reflexão aqui empreendida é promover um encontro entre as diferentes perspectivas, para o estudo dos mais variados fenômenos da gestão.

5. CONTRIBUIÇÕES REFLEXIVAS PARA A PRÁTICA DE PESQUISA

Neste artigo, a nossa pretensão foi propor uma abordagem histórica decolonial polifônica para os estudos em gestão, justapondo o aporte teórico-metodológico da perspectiva histórica à luz da opção decolonial. Reconhecemos as limitações epistemológicas no uso da história quando associado à teoria das organizações que precisam ser superadas, ao mesmo tempo em que firmamos o posicionamento de reconhecer a história composta por narrativas que são, em essência, representações fragmentadas do passado.

Afirmamos, ainda, a necessidade de recorrer a construções de narrativas históricas polifônicas como preocupação metodológica do uso da história para informar um conhecimento em gestão mais autêntico, inclusivo e diverso. Tais entendimentos assumem a opção decolonial como ato político-ético ao defendermos a necessidade de compreender as formas sui generis de organização da vida social em reflexo aos problemas decorrentes da visão moderno/colonial existentes no campo de conhecimento em gestão. E, portanto, valorizar e co-construir conhecimentos, saberes e práticas decoloniais translocais rumo à transmodernidade pluriversal em que diversos mundos, pessoas, organizações e formas de gestão da vida em comunidade possam coexistir.

Dessa maneira, compreendemos o pressuposto decolonial de que a teoria e prática estão inter-relacionadas no desafio de pesquisar com (e não simplesmente sobre) as pessoas, saberes, práticas e modo de gestão (Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., & Walsh, C. E. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, and praxis. Raleigh, NC: Duke University Press.). Com isso, a relação entre história, teoria das organizações e decolonialidade que sugerirmos tem o intuito de contribuir em pelo menos três domínios amplos interconectados por uma prática de pesquisa mais reflexiva e crítica.

No domínio da pesquisa e ensino, em primeiro lugar, estamos preocupados em promover reflexões epistemológicas, teóricas e metodológicas que façam os pesquisadores repensarem a contribuição significativa de suas pesquisas para campo de gestão. Questões como: “de onde vem meu interesse por desenvolver essa pesquisa?” e “em que ponto as teorias usadas obscurecem as narrativas que posso construir?” são bem sugeridas por Barros, Carneiro, & Wanderley (2018Wanderley, S., & Barros, A. (2018). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: towards a Latin American agenda. Management & Organization al History, 14(1), 79-97.).

Reflexões sobre a escrita acadêmica no campo da gestão também são proporcionadas por essa abordagem. Afinal, a forma como construímos o argumento acadêmico pretensamente científico também pode ser entendida como um mecanismo de imperialismo epistêmico vindo do eixo anglo-saxônico do conhecimento do Management. A partir dessa reflexão, questões pertinentes precisam ser realizadas, como: seria possível questionar nossa prosa acadêmica colonizada ou até mesmo a forma como nos colocamos quando optamos por participar dessa conversa sobre ciência? É possível construirmos conhecimento racional sem que tenhamos de nos render ao protocolo do academicismo anglo-saxônico imposto?

Em segundo lugar, ter a preocupação de compreender diferentes grupos e coletivos subalternizados que (re)criam formas de gestão adaptadas às suas realidades. Bons exemplos de estudos atinentes a esse ponto foram desenvolvidos por Holanda (2011Holanda, L. A. (2011). Resistência e apropriação de práticas do management no organizar de coletivos da cultura popular (Tese de Doutorado). Departamento de Ciências Administrativas. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.) e Santos et al. (2019Santos, E. C., Silva, I. H. F. R., Dias, P. K., & Morais, W. M. (2019). Reflexões Acerca dos Saberes e Práticas Organizativas das Culturas Populares em Caruaru-PE. In: X Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD, 10, 1-10.) os quais mostram como os saberes decoloniais ancestrais em organizações populares locais embasam as práticas de gestão mantidas e repassadas historicamente. São formas de gestão insurgentes em criação, construção e intervenção em sentido contrário ao universal.

Em terceiro lugar, as contranarrativas e versões antagônicas de pessoas, ações e eventos do passado nas organizações são lócus para entender as contradições e conflitos nos estudos em gestão, permitindo co-construir narrativas dissonantes que informem alternativas para o aprimoramento de um conhecimento pluriversal e autêntico no campo da pesquisa em gestão. Assim, respostas que supram os questionamentos: para o que e para quem está sendo construído e disseminado o conhecimento em gestão preponderante na área? As pesquisas estão acolhendo outros conceitos, análises e práticas da gestão? Chamam a atenção do “ porquê, com quem e como” pensar de maneira decolonial e “engendrar libertações com respeito ao pensar, ser, saber, compreender e viver. Incentivar locais de reexistência e construir conexões entre regiões, territórios, lutas e povos” (Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., & Walsh, C. E. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, and praxis. Raleigh, NC: Duke University Press., p. 4).

Ademais, é necessário reconhecer crítica e reflexivamente o dilema de pesquisar em resposta às demandas e problemas modernos/coloniais sem deixar se levar pela visão distorcida da “organização moderna” e gestão instrumental euro-estadunidense que se pretende universal, além de escrever narrativas históricas em gestão sem se reinscrever e reproduzir a modernidade/colonialidade à qual se busca opor, em direção à transmodernidade pluriversal. Sendo assim, ao sugerirmos o encontro entre a história e os estudos em gestão, mobilizamos posicionamentos teórico-metodológicos preocupados em articular alternativas por meio das dinâmicas de co-construção de narrativas históricas sobre saberes, práticas e gestão decoloniais. Portanto, é preciso legitimar a pluriversalidade de outras formas de organização da vida social (trans)locais por meio da prática de pesquisa que possibilite um mundo de coexistência transmoderna (Dussel, 2012Dussel, E. (2012). Transmodernity and interculturality: an Interpretation from the perspective of philosophy of liberation. Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World, 1(3), 1-26.; Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.).

A esse respeito, Mignolo (2017Mignolo, W. D. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(94), 1-18.) analisa nós histórico-estruturais que se inter-relacionam, através da retorica da modernidade atrelada à lógica da colonialidade, com base na diferença colonial e imperial. Para o autor, tais inferências históricas reverberam no modo como podemos acionar a analítica da decolonialidade para conseguirmos enxergar:

  • Uma formação racial global que subjugou povos e culturas. Apontar para as desigualdades existentes nas práticas de gestão como resultado das hierarquias étnicas/raciais é um caminho para questionar o discurso da “diversidade” da força de trabalho nas organizações disseminadas pelas práticas “modernas” da gestão de pessoas como sutis maneiras de preservar a colonialidade. É preciso desmistificar tais discursos modernos/coloniais que também estão relacionados na hierarquia entre gênero, sexo e sexualidade.

  • Uma formação global de classe de trabalhadores que se organizaram em uma diversidade de formas de trabalho. O trabalho assalariado, a escravidão, a semisservidão, as trocas econômicas e cambiais, por exemplo, que coexistem e persistem com base no sistema capitalista moderno e financeiro precisam ser investigados. Ou seja, é necessário questionarmos o que de fato aconteceu no Sul Global quando o capitalismo aqui se estabelece ora pela escravidão, ora por outras formas de exploração de trabalho. Com respaldo na lógica do pacto colonial, das elites aristocráticas e a eugenia em relação aos povos tradicionais.

  • Para entender as formas de organização do trabalho é viável entender também a divisão internacional do trabalho constituída historicamente, que hierarquiza sociedades e Nações em dicotomias entre Centro/Periferia e Norte/Sul Global. A que preço relação entre capital-trabalho é responsável por estruturar a produção, venda e distribuição de mercadorias e serviços? Como o lucro dos mercados globais subjaz da fonte de produção da mais-valia, por vezes, impostos por sistemas sociopolíticos autoritários?

  • Sistema de organizações político-militares e administração colonial. Neste ponto, chamamos a atenção para a atuação do Estado e sua autoridade-coercitiva. Assumir a institucionalização de formas de gestão empregadas historicamente nas estruturas estatais por meio de modos de gestão colonial, burocrática, militar, ditatorial e totalitária para compreender a normalização da violência e coerção autorizadas pelo sistema opressivo do Estado. Ou seja, quais são as formas de administração do Sul Global que, mesmo tendo sido colonizada pela tradição anglo-saxônica em sua trajetória e violentada pela autoridade Estatal, constituiu-se a partir de uma realidade diversa do contexto histórico do hemisfério Norte Global? Ou ainda, quais as práticas de resistência que se consolidaram no tecido social dos contextos colonizados que podem servir de referência para a reconstrução dos processos organizativos na contemporaneidade?

  • Uma hierarquia epistêmica e linguística que privilegia a produção do conhecimento no eixo norte euro-estadunidense, negligenciando os contextos e histórias do eixo sul ocidental e oriental. Portanto, que outras formas de interpretação são possíveis sobre as práticas de organização e de administração econômica, política e social existentes nas práticas de ensino (trans)locais se debruçar-nos sobre o nosso passado, de forma a interpretar novamente os acontecimentos organizacionais sem o axioma dos conceitos já postos pela epistemologia do Norte Global da racionalidade instrumental, do capitalismo moderno, da burocracia weberiana, do taylorismo-fordismo e do gerencialismo?

Por meio dessas pesquisas, e particularmente em contextos periféricos, o ensino pode ser potencializado mediante reflexões, junto aos estudantes, sobre suas próprias comunidades, a partir das narrativas heterogêneas que contam suas histórias. Desse modo, acreditamos ser possível a formação de gestores(as) atentos(as) às questões históricas e políticas do seu contexto, questionadores(as) de premissas modernas e universais comuns na área da gestão, para uma ação consciente e transformadora sobre suas realidades.

No domínio da gestão, os projetos de pesquisas e a mudança na perspectiva do ensino podem oferecer respostas coerentes às necessidades de cada localidade na resolução de problemas econômicos-administrativos a partir do entendimento sobre as relações, práticas, saberes e modos de organizações peculiares que possam subsidiar a teoria/prática da gestão autêntica e identitária. Em outras palavras, é o reconhecimento, nos âmbitos acadêmicos, social e de gestão, dos conhecimentos e práticas produzidos no contexto local/regional que resolvem e dão conta dos problemas nesse contexto, no qual importa a compreensão de sistemas mais amplos da vida organizada em sociedade, considerando dimensões política, econômica, científicas, filosófica, ética, estética, religiosa, cultural e ambiental.

Cabe, por isso, considerar modos de gestão que não atendam unicamente à lógica moderna ocidental, como aqueles cujas bases são os saberes populares, ligados às ancestralidades, aos afetos, às tradições, unindo o saber ao fazer (Santos et al., 2019Santos, E. C., Silva, I. H. F. R., Dias, P. K., & Morais, W. M. (2019). Reflexões Acerca dos Saberes e Práticas Organizativas das Culturas Populares em Caruaru-PE. In: X Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD, 10, 1-10.); aqueles com base em sistemas econômicos de reciprocidade comunal, cujo foco está no objeto e no tempo de trabalho, e no bem-estar da comunidade (Mignolo, 2008Mignolo, W. (2008). Desobediência Epistêmica: A opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF. Dossiê: Literatura, língua e identidade, 34, 287-324;); ou aqueles com base nas relações de complementaridade entre os gêneros, existentes no mundo aldeia, em vez das relações com base nos binarismos do mundo moderno (Segato, 2012Segato, R. (2012). Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-Cadernos CES, 18, 18-37.); ou aqueles que nascem, de um lócus fraturado, ou seja, de um lugar de enunciação subalterno (Lugones, 2014Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, 22(3), 935-952.).

Essas implicações se relacionam e interferem no contexto sociocultural, considerando os processos de resgate, legitimação e disseminação dos saberes-práticos locais/regionais históricos, co-construídos por narrativas translocais, em particular no conhecimento em gestão, como estratégias libertadoras de coexistência. Em todo caso, buscamos embasar os estudos em gestão no sentido de apurar narrativas históricas polifônicas em organizações, que nos permitam acessar processos e práticas os quais perturbam, transgridem e constroem identidades, significados e formas pluriversais de coexistência transmoderna.

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  • INFORMAÇÃO ADICIONAL

    Ambos os autores contribuíram de maneira fundamental para a concretização do artigo e declaram que não há nenhum conflito de interesses. O autor 1 contribuiu na concepção e administração do projeto; fundamentação teórica do texto; levantamento e análise da literatura; redação original e revisão do texto; elaboração da representação gráfica das figuras. O autor 2 contribui na concepção do projeto; revisão de fundamentação teórica e análise da literatura; revisões reiteradas do texto; formulação analítica da representação gráfica das figuras. Os autores reconhecem as contribuições fundamentais dos avaliadores anônimos do VII Colóquio de Epistemologia e Sociologia da Ciência da Administração 2020 que, apesar da não ocorrência física do evento, apontaram considerações primordiais para o aprimoramento do rascunho inicial deste artigo. Também reconhecemos a importância dos comentários feitos pelos avaliadores anônimos da BBR, que permitiram maior aprofundamento e clareza sobre os conceitos abordados, contribuindo diretamente na redação do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2020
  • Revisado
    15 Jul 2020
  • Aceito
    22 Fev 2021
  • Publicado
    05 Nov 2021
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