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Pragas, patógenos e plantas na história dos sistemas agroecológicos

Pest crops, pathogens, and plants in the history of agroecological systems

Resumo

Este trabalho aborda a longa história da agricultura do ponto de vista das pragas agrícolas e doenças vegetais. Mostra como os insetos e patógenos coevoluíram com as plantas domesticadas, adequando-se à tendência observada na agricultura desde as suas origens de simplificação dos ecossistemas. Acompanharam os cultivos na unificação biológica proporcionada pela colonização do Novo Mundo e se tornaram fenômenos estreitamente associados às grandes monoculturas em virtude das intervenções radicais operadas nas paisagens e ecologias. O capitalismo nos sistemas agroecológicos conferiu importância econômica às doenças e pragas, fator que modelou os conhecimentos que se desenvolveram para compreender e controlar os insetos e microrganismos danosos às lavouras. Fitopatologia e entomologia agrícola integraram os saberes que constituíram o perfil industrial de agricultura, baseada nas monoculturas, na mecanização intensiva e no uso de agroquímicos. As consequências do emprego generalizado de pesticidas para os ambientes e corpos estimularam a crítica ecológica contemporânea. Ao mesmo tempo, provocaram a origem ou fortalecimento dos métodos biológicos de controle de pragas e práticas agrícolas alternativas ao padrão industrial. Tanto o manejo integrado de pragas quanto a agroecologia basearam-se no reconhecimento das pragas e doenças como fenômenos relacionados ao desequilíbrio ecológico dos sistemas convencionais de cultivo.

Palavras-chave
Pragas agrícolas; Doenças vegetais; História da agricultura; Entomologia; Fitopatologia; Ecologia

Abstract

This work addresses the deep history of pest crops and plant diseases in historical agriculture development. It explores how insects and pathogens co-evolved with domesticated plants, adapting themselves to the trend observed in agriculture since its origins of simplifying ecosystems. They accompanied the crops in the biological unification provided by the colonization of the New World. They became phenomena closely associated with large monocultures, favored by radical interventions performed into landscapes and ecologies. The capitalistic system in agriculture gave economic importance to diseases and pests so that the knowledge developed to understand and control insects and harmful microorganisms to crops had to deal with economic interests. Phytopathology and agricultural entomology integrated the knowledge that constituted industrial agriculture, based on monocultures, intensive mechanization, and agrochemicals use. The consequences of the widespread use of pesticides for environments and bodies have stimulated contemporary ecological criticism. At the same time, they originated or strengthened biological methods of pest control and agricultural practices alternative to the industrial standard. Both integrated pest management and agroecology were based on recognizing pests and diseases as phenomena related to the ecological imbalance of conventional cultivation systems.

Keywords
Pest crops; Plant diseases; Agricultural history; Entomology; Phytopathology; Ecology

“Não colhemos o que semeamos e o que cultivamos, porém, apenas as sobras do que os inimigos das plantas nos deixam. . . ”, declarou o célebre entomologista alemão Karl Escherich ao visitar o Brasil em 1926 (Escherich, 1926Escherich, K. (1926, março 30). A Entomologia Applicada. O Estado de São Paulo., p. 4). Ele sublinhava com isso o enorme tributo que os lavradores e as economias baseadas na agricultura – como era a brasileira à época – pagavam às pragas e doenças vegetais. Segundo relatório da FAO e da Convenção Internacional de Proteção de Plantas (International Plant Protection Convention, 2021International Plant Protection Convention. (2021). Scientific review of the impact of climate change on plant pests. FAO on behalf of the IPPC Secretariat. https://doi.org/10.4060/cb4769en
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), de 10 a 28% da produção global atual são perdidos para pragas e doenças, com custos de mais de 220 bilhões de dólares. Junto com as ervas daninhas, elas causam perdas de mais de 40% do fornecimento mundial de comida, uma vez que 21,5% do trigo, 30% do arroz, 22,6% do milho, 17,2% da batata e 21,4% da soja são consumidos por insetos e patógenos, comprometendo este conjunto de cultivo que perfaz metade da ingestão global de calorias pelos humanos (Carvajal-Yepes et al., 2019Carvajal-Yepes, M., Cardwell, K., Nelson, A., Garret, K. A., Giovani, B., Saunders, D. G. O., . . . Tohme, J. (2019). A global surveillance system for crop diseases. Science, 364(6447), 1237-1239. https://doi.org/10.1126/science.aaw1572
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). Insetos e patógenos prejudicam todos os componentes da segurança alimentar, desde a produção até a distribuição, bem como a qualidade e o valor nutritivo dos alimentos (Savary et al., 2019Savary, S., Willocquet, L., Pethybridge, S. J., Esker, P., McRoberts, N., & Nelson, A. (2019). The global burden of pathogens and pests on major food crops. Nature Ecology & Evolution, 3, 430–439. https://doi.org/10.1038/s41559-018-0793-y
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). Este impacto ameaça tornar-se ainda mais severo com as mudanças climáticas. O Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change, 2019Intergovernmental Panel on Climate Change. (2019). Climate change and land: An IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems. https://www.ipcc.ch/srccl-report-download-page/
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) afirma não só que pragas e patógenos já estão sofrendo modificações em função das mudanças climáticas, como também que cerca de metade dos insetos que atuam frequentemente como pragas e vetores de doenças passará por alterações em sua fisiologia, comportamento, distribuição e ecologia mediante os atuais níveis de emissão de gases estufa, o que acarretará aumento das perdas na lavoura provocadas por esses agentes. São diversos os mecanismos através dos quais as mudanças climáticas afetam as pragas e os patógenos, mas eles incluem maior susceptibilidade do hospedeiro devido às transformações no clima e ao aumento do nível de CO2; às mudanças na reprodução e em dinâmicas evolutivas dos insetos; às modificações na sobrevivência e na persistência de pragas e patógenos; às incompatibilidades na interação dos insetos e seus inimigos naturais, entre outros fatores (Intergovernmental Panel on Climate Change, 2019Intergovernmental Panel on Climate Change. (2019). Climate change and land: An IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems. https://www.ipcc.ch/srccl-report-download-page/
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; Vanbergen et al., 2020Vanbergen, A., Aizen, M., Cordeau, S., Garibaldi, L. A., Garratt, M. P. D., Kovács-Hostyánszki, A., Lecuyer, L., Ngo, H. T., Potts, S. G. (2020). Transformation of agricultural landscapes in the Anthropocene: Nature’s contributions to people, agriculture and food security. In D. Bohan & Vanbergen, A. (Eds.), Advances in ecological research: The future of agricultural landscapes (Part I, Vol. 63). Academic Press, p. 193-253).

O enfrentamento das pragas e doenças da lavoura tem papel relevante nos modos pelos quais a prática agrícola vem contribuindo para as modificações planetárias que caracterizam o Antropoceno. A contaminação do ar, do solo e das águas por componentes químicos, com consequências ecológicas locais e globais, deve-se em parte significativa ao uso intensivo de pesticidas, um elemento que integra o conjunto de transformações da prática agrícola acentuada desde os anos 1950 no contexto da Grande Aceleração, mas principalmente com a Revolução Verde (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press.; McKittrick, 2012McKittrick, M. (2012). Industrial agriculture. In J. R. McNeill & E. S. Mauldin (Eds.), Willey-Blackwell Companion to environmental history (pp. 411-432). Wiley-Blackwell.). A agricultura de perfil industrial tornou-se o padrão da produção alimentar no mundo do capitalismo globalizado. Baseia-se na gestão industrializada de monoculturas, em mecanização e em alto aporte externo de energias e recursos como forma de contornar os limites do ecossistema à produção. Se, desde 1970, a produção agrícola global triplicou em função da intensa aplicação de tecnologias aos cultivos, isto se deu sob o custo de um alto nível de uso de agroquímicos, de homogeneização de paisagens e de produção de ecossistemas simplificados, com consequentes perdas da biodiversidade (Vanbergen et al., 2020Vanbergen, A., Aizen, M., Cordeau, S., Garibaldi, L. A., Garratt, M. P. D., Kovács-Hostyánszki, A., Lecuyer, L., Ngo, H. T., Potts, S. G. (2020). Transformation of agricultural landscapes in the Anthropocene: Nature’s contributions to people, agriculture and food security. In D. Bohan & Vanbergen, A. (Eds.), Advances in ecological research: The future of agricultural landscapes (Part I, Vol. 63). Academic Press, p. 193-253). Mais da metade dos efeitos negativos da simplificação dos ecossistemas deve-se a esta perda de biodiversidade, inclusive a maior incidência de pragas e doenças. Estima-se que o declínio no número de vertebrados, invertebrados e plantas em consequência da transformação de habitats em plantações e áreas de pastagens seja entre 20 e 50%. O uso generalizado dos pesticidas também afeta a biodiversidade, além dos já mencionados efeitos na qualidade da água, na saúde humana e em serviços de ecossistemas, como a polinização e o controle de pragas (Turcotte et al., 2016Turcotte, M. M., Araki H., Karp, D. S., Poveda, K., & Whitehead, S. R. (2016). The eco-evolutionary impacts of domestication and agricultural practices on wild species. Philosophical Transactions B, 372(1712), 1-9. https://doi.org/10.1098/rstb.2016.0033
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). O impacto na biodiversidade representa um dos principais efeitos da prática agrícola para o Antropoceno, com consequências, inclusive, para o surgimento e a difusão de patologias humanas. A ‘causa última’ da sequência de pandemias globais de origem zoonótica, como a Covid-19, pode ser atribuída a este fator, como o fez Worster (2020)Worster, D. (2020). Otra primavera silenciosa. In D. M. Sá, G. Sanglard, G. Hochman & K. Kodama (Orgs.), Diário da pandemia: O olhar dos historiadores (pp. 78-90). Hucitec..

Este reconhecimento do papel fundamental da agricultura nas transformações ecológicas tem ganhado atenção crescente da historiografia, sobretudo da história ambiental, dedicada a enfatizar os entrelaçamentos das sociedades humanas com o mundo biofísico. Além de atividade econômica, a agricultura constitui um ecossistema antrópico que gera uma cadeia alimentar “. . . da qual somos parte integral e sem a qual a maioria de nós não pode sobreviver. . .”, afirma Perkins (1997, p. 4)Perkins, J. H. (1997). Geopolitics and the green revolution: Wheat, genes, and the cold war. Oxford University Press.. Para Worster (2003, p. 27)Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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, a prática agrícola é a “. . . forma mais vital, constante e concreta” de conexão com a biosfera, razão pela qual ele defende uma perspectiva agroecológica na escrita da história agrária. Em seu trabalho fundamental sobre a história ecológica da borracha, Dean (1989)Dean, W. (1989). A Luta pela borracha no Brasil: Um estudo de história ecológica. Nobel. censura como os relatos da história da agricultura tropical encaram a prática agrícola como um processo industrial ao invés de biológico, sem a atuação das “. . . condições ecológicas de produção” (Dean, 1989Dean, W. (1989). A Luta pela borracha no Brasil: Um estudo de história ecológica. Nobel., p. 27).

Apesar dos avanços observados na historiografia ambiental da agricultura, as pragas e doenças da lavoura não têm em geral recebido atenção desses estudos na proporção de sua relevância. Elas têm sido habitualmente compreendidas como eventos da história econômica ou como objetos da história das ciências e da tecnologia, com análises sobre os conhecimentos mobilizados para compreendê-las e combatê-las; os métodos utilizados no seu controle; as instituições e campanhas envolvidas nesses esforços (A. Silva, 2006Silva, A. F. C. (2006). A campanha contra a broca-do-café em São Paulo (1924-1927). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 13(4), 957-993. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702006000400010
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; Rangel, 2006Rangel, M. F. (2006). Um entomólogo chamado Costa Lima: A consolidação de um saber e a construção de um patrimônio científico [Tese de doutorado, Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz].; Klanovicz, 2010Klanovicz, J. (2010). Toxicidade e produção de maçãs no Sul do Brasil. História, Ciências, Saúde-Manguinhos,17(1), 67-85. https://doi.org/10.1590/S0104-59702010000100005
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; V. M. Silva, 2010Silva, V. M. (2010). O Brasil contra a saúva: Considerações sobre a Campanha Nacional de 1935. Cadernos de Pesquisa CDHIS, 23(2), 563-580.; V. Silva, 2019Silva, V. S. (2019). A Moléstia da cana-de-açúcar no Recôncavo Baiano: Política, saberes, práticas e polêmicas científicas (1865-1904) [Tese de doutorado, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro].; Gomes et al., 2019Gomes, I., Queiroz, A. I., & Alves, D. (2019). Iberians against locusts: Fighting cross-border bio-invaders (1898-1947). Historia Agraria: Revista de Agricultura e Historia Rural, 78, 127-159. http://doi.org/10.26882/histagrar.078e05g
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; Fernandes, 2020Fernandes, V. D. (2020). La lucha contra la langosta: Relações biossociais na América do Sul, Argentina, Uruguai e Brasil, 1896-1952 [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro].). São mais escassos os trabalhos que examinam as pragas e doenças na articulação entre essas dinâmicas de produção do conhecimento com processos ecológicos, econômicos, políticos e culturais. Merecem ênfase, nesse aspecto, os estudos de McCook (2019)McCook, S. (2019). Coffee is not forever: A global history of the coffee leaf rust. Ohio University Press., Marquardt (2001)Marquardt, S. (2001). Green havoc: Panama disease and labor process in the Central American banana industry. The American Historical Review, 106(1), 49-80. https://doi.org/10.2307/2652224
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e Soluri (2002Soluri, J. (2002). Accounting for taste: Export bananas, mass markets, and Panama disease. Environmental History, 7(3), 386-410. https://doi.org/10.2307/3985915
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, 2006)Soluri, J. (2006). Banana cultures: Agriculture, consumption, and environmental change in Honduras and the United States. University of Texas Press., assim como os de Cabral (2014aCabral, D. C. (2014a). ‘O Brasil é um grande formigueiro’: território, ecologia e a história ambiental da América portuguesa, parte 1. Revista da HALAC (Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña), 3(2), 467-489,, 2014bCabral, D. C. (2014b). ‘O Brasil é um grande formigueiro’: território, ecologia e a história ambiental da América portuguesa, parte 2. Revista da HALAC (Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña), 4, 87-113., 2015)Cabral, D. C. (2015). Into the bowels of tropical earth: Leaf-cutting ants and the colonial making of agrarian Brazil. Journal of Historical Geography, 50, 92-105. https://doi.org/10.1016/j.jhg.2015.06.014
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sobre o papel das formigas cortadeiras na formação inicial do território brasileiro, pela participação ativa nos consórcios intraespecíficos que redundaram na implantação da economia agrícola colonial.

O objetivo deste trabalho é examinar o encontro multiespecífico entre plantas, insetos, patógenos e sociedades na perspectiva de uma história agroecológica e do conhecimento científico, tendo em mira argumentar como as pragas e doenças representam eixos privilegiados de análise do histórico de conformação da chamada ‘agricultura industrial’ como prática hegemônica no Ocidente, tanto do ponto de vista das consequências ecológicas da simplificação de ecossistemas em direção a uma menor biodiversidade, quanto do ponto de vista do acervo de saberes dedicados a conhecer e intensificar a prática agrícola. Como um dos fenômenos mais visíveis e persistentes das sinergias que conformam os sistemas agroecológicos baseados na monocultura, as pragas e doenças compuseram as paisagens agrárias desde os primórdios da agricultura, em um histórico de coevolução com as plantas domesticadas. Ao mesmo tempo, espraiaram-se com o intercâmbio transcontinental de espécies; ganharam expressão econômica nos marcos do capitalismo e aperfeiçoaram-se com a radicalização dessa simplificação ecológica acarretada pelas monoculturas estabelecidas sob o sistema de plantation. Tornaram-se objetos de saberes específicos que ocuparam posição de destaque no conjunto de conhecimentos agrupados sob a categoria de ‘ciências agrícolas’, não como distinção disciplinar, “. . . mas como descrição do tipo de problemas para os quais outras áreas científicas são orientadas. . .” (Fitzgerald, 1997Fitzgerald, D. (1997). Mastering nature and Yeoman. Agricultural sciênce in the twentisth csntury. ln J. Krige & D. Pestre (Eds.), Science in the twentieth century (pp. 701-713). Routledge., p. 701). Fitopatologistas e entomologistas ‘agrícolas’ ou ‘econômicos’ pontificaram em instituições como estações experimentais, universidades e escolas de agricultura. Os protocolos preconizados por esses especialistas variaram segundo o contexto institucional e geográfico em que tais conhecimentos foram formulados, mas, desde as primeiras décadas do século XX, forjou-secrescente consenso em torno do controle químico, consenso que atingiu o ápice nas décadas após a Segunda Guerra e que arrefeceu com a divulgação dos efeitos ambientais do uso indiscriminado daqueles compostos, muito embora eles tenham continuado a ser amplamente utilizados na prática agrícola (Davis, 2014Davis, F. R. (2014). Banned: A history of pesticides and the science of toxicology. Yale University Press, 2019; Bertomeu-Sánchez, 2019Bertomeu-Sánchez, J. R. (2019). Introduction – pesticides: past and present. Host: Journal of History of Science and Technology, 13(1), 1-27. https://doi.org/10.2478/host-2019-0001
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). A aplicação dos enunciados científicos e de aportes tecnológicos ao controle das pragas e doenças modificou o padrão da agricultura, com crescente incursão de produtos químicos e de variedades resultantes de seleções genéticas.

Os danosos efeitos do uso generalizado dos pesticidas estiveram na base da crítica ambiental contemporânea, como bem exposto no caso do best-seller de Carson (1962)Carson, R. (1962). Silent spring (1 ed.). Houghton Mifflin., “Silent spring”. Por outro lado, o conhecimento especializado também abordou as pragas e doenças como fenômenos associados às dinâmicas ecológicas dos agrossistemas, ou seja, como consequências da modificação das cadeias tróficas e da simplificação ecológica. Metodologias como o controle biológico surgiram da tentativa de aplicar os princípios do parasitismo e da predação ao controle de pragas, mas ocuparam posição secundária em relação aos métodos químicos. Ganharam novo alento quando a crítica ambiental e saberes como a toxicologia evidenciaram seus efeitos sobre ambientes e corpos (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press.). A investigação dos mecanismos envolvidos nos métodos biológicos contribuiu para a formação da ecologia como ciência individualizada ‘consciente de si mesma’ (Deléage, 1993Deléage, J. P. (1993). História da Ecologia: Uma ciência do homem e da natureza. Dom Quixote.) no decorrer do século XX. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de práticas agrícolas alternativas teve por finalidade contrabalançar a tendência da agricultura capitalista industrializada “. . . em apostar alto contra a natureza, em elevar as apostas constantemente num esforço febril para evitar o insucesso. . .” (Worster, 2003Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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, p. 38). Essas práticas alternativas – rótulo generalista que abrange uma variedade de padrões de agricultura – vêm promovendo rotinas agrícolas mais integradas às dinâmicas do ecossistema, incluindo metodologias de controle de pragas ou doenças que dispensam o uso de pesticidas. Em termos gerais, a abordagem consiste em evitar a incidência desses fenômenos pela manutenção de cultivos em sistemas mais atentos à biodiversidade e menos danosos às dinâmicas ecológicas locais.

As pragas e doenças vegetais são excelentes indicadores de como os cultivos agrícolas resultam de fluxos globais que convergem e se organizam sob condições locais de ordem material e simbólica. Nesse encontro interespecífico que ocorre nos sistemas agroecológicos, insetos e micróbios assumem a condição de ‘pragas’ e ‘doenças’, em função da forma como afetam os coletivos humanos, ou seja, são categorias antropocêntricas que seriam estranhas a uma classificação que ignorasse seus efeitos na obtenção pelos humanos de ‘plantas úteis’.

Em defesa de uma história global das plantations, Uekötter (2014)Uekötter, F. (2014). Rise, fall, and permanence: Issues in the environmental history of the global plantation. In Autor (Ed.), Comparing apples, oranges and cotton: Environmental perspectives on the global plantation (pp. 7-25). Campus Verlag. coloca as pragas e doenças entre os fatores ecológicos compartilhados por estes agrossistemas, os quais atuam de forma independente de fronteiras nacionais ou de regimes específicos de exploração da terra, tais como os desafios de provisão de água e os riscos de exaustação do solo. A vinculação com a circulação transnacional de patógenos, insetos e plantas faz das pragas e doenças pontos de partida ideais para acessarmos o caráter móvel e, ao mesmo tempo, fixo dos cultivares, além de chamarem atenção para a dimensão material dos mesmos; para o papel dos não humanos na conformação das paisagens agrárias, para o dinamismo da ecologia dessas paisagens e para os fatores que limitam as possibilidades de as plantações se movimentarem, se estabelecerem e prosperarem. Esses fenômenos mostram como as lavouras representam uma conjunção entre humanos e não humanos enredados em ecologias em constante movimento. Como afirmam Bray et al. (2019, p. 25)Bray, F., Hahn, B., Lourdusamy, J. B., & Saraiva, T. (2019). Cropscapes and history: Reflections on rootedness and mobility. Transfers, 9(1), 20-41. https://doi.org/10.3167/TRANS.2019.090103
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, no decorrer de toda a história humana, o movimento de cultivos rumo a novos nichos foi constantemente efetuado “. . . para assegurar a subsistência, expandir impérios, gerar riqueza ou apoiar o crescimento de cidades, Estados, indústrias e instituições”. Ao radicarem-se em ecologias locais, as paisagens agrícolas congregam essas forças e movimentos heterogêneos, bem como reúnem uma diversidade de elementos e atores – plantas, pessoas, ideias, habilidades, gostos, ambientes, equipamentos, trabalho, pragas, mercados etc. (Bray et al., 2019Bray, F., Hahn, B., Lourdusamy, J. B., & Saraiva, T. (2019). Cropscapes and history: Reflections on rootedness and mobility. Transfers, 9(1), 20-41. https://doi.org/10.3167/TRANS.2019.090103
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, p. 27).

Tenciona-se percorrer aqui essa trajetória de longa duração da história agrícola sob o aspecto das pragas e doenças, reunindo bibliografia que congrega a história agrária, a história ambiental, da tecnologia e das ciências. Menos do que uma análise exaustiva, impossível nos limites de um artigo para intervalo temporal tão extenso e processos tão complexos, tenciona-se sublinhar os principais marcos desse histórico e alguns estudos de caso, enfatizando como as pragas e doenças iluminam a interdependência ecológica dos sistemas agrários, o alto nível de mobilidade de plantas, patógenos e animais, bem como o histórico dos saberes e das metodologias dedicado a compreendê-las e enfrentá-las. Percorre, ainda, as iniciativas voltadas a superar os impasses do padrão agrícola centrado na simplificação ecológica e no alto nível de mobilização de agroquímicos, tecnologias, capital e energia. Desta forma, a intenção é evidenciar como a associação histórica entre ciência e capitalismo na promoção da agricultura industrializada modelou a abordagem das pragas e doenças agrícolas, concorrendo para o foco nos agroquímicos como formas de criar, difundir e sustentar as monoculturas.

AS PRAGAS E AS DOENÇAS, DA DOMESTICAÇÃO ÀS PLANTATIONS

A agricultura originou-se em vários centros independentes nos últimos 12 mil anos a partir de diversos processos de domesticação de plantas, transcorridos em intervalos de milênios (Scott, 2017Scott, J. C. (2017). Against the Grain: A deep history of the earliest states. Yale University Press.). Como argumenta Scott (2017, p. 10)Scott, J. C. (2017). Against the Grain: A deep history of the earliest states. Yale University Press., a transição da caça e coleta para a agricultura foi “lenta, hesitante, reversível e, por vezes, incompleta – e implicou pelo menos tantos riscos quanto benefícios”. Houve um longo período de produção de alimentos em baixa intensidade, em um estágio em que os vegetais nem eram plenamente selvagens, nem domesticados. Enquanto no sudeste da Ásia, na América do Sul e no norte da China estima-se em cerca de 12 mil anos o início desta atividade, na região do Yangtzé e da América Central tal início teria ocorrido entre 6 e 8 mil anos e na África, Índia, sudeste asiático e nas áreas de pradaria da América do Norte em cerca de 4 a 5 mil anos.

A diversidade de ecossistemas, de plantas cultivadas e de culturas e sociedades envolvidas na prática agrícola resultou na constituição de sistemas agroecológicos muito variados (Mazoyer & Roudart, 2010Mazoyer, M., & Roudart, L. (2010). História das agriculturas no mundo: Do neolítico à crise contemporânea (C. F. F. B. Ferreira, Trad.). Editora Unesp.). Menos do que um processo retilíneo e unilateral pressuposto nas narrativas canônicas da chamada ‘revolução neolítica’, a domesticação implicou transformações recíprocas das plantas e das populações humanas que com elas interagiram. Tanto as plantas se tornaram dependentes dos humanos, para a sua reprodução e difusão, quanto os humanos ficaram mais dependentes delas, para comer, se vestir, se abrigar e fabricar seus utensílios (Santonieri, 2018Santonieri, L. (2018). Política científica agronômica e sistemas agrícolas tradicionais: Conflitos conceituais e práticos em torno da conservação da agrobiodiversidade. In A. G. M. Lima, I. Scaramuzzi, J. C. Oliveira, L. Santonieri, M. A. A. Campos & T. M. Cardoso (Eds.), Práticas e saberes sobre agrobiodiversidade: A contribuição de povos tradicionais (pp. 29-57). IEB Mil Folhas., p. 32). Nesse sentido, a domesticação pode ser compreendida como a coevolução de humanos, vegetais e dos demais agentes envolvidos na formação, manutenção e reprodução dos agrossistemas, coevolução que extravasou a dimensão puramente biológica. Ao mesmo tempo em que se modificaram nessas relações com os humanos, as plantas também estabeleceram uma gama de outras relações com não humanos (Van Dooren, 2012Van Dooren, T. (2012). Wild seed, domesticated seed: Companion species and the emergence of agriculture. Philosophy Activism Nature, (9), 22-28. https://doi.org/10.4225/03/585201285c714
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). As plantas reunidas junto aos humanos e animais não humanos no domus constituído pelos cultivares sofreram novas pressões seletivas neste ambiente biocultural (Scott, 2017Scott, J. C. (2017). Against the Grain: A deep history of the earliest states. Yale University Press.).

A seleção das variedades com perfil desejável para os interesses humanos aos poucos modificou as características das plantas, sendo que nem sempre foram escolhidas com base em critérios de utilidade prática, mas também pelo papel dos vegetais nos rituais, com seleções baseadas em aspectos estéticos, afetivos e filosóficos (Santonieri, 2018Santonieri, L. (2018). Política científica agronômica e sistemas agrícolas tradicionais: Conflitos conceituais e práticos em torno da conservação da agrobiodiversidade. In A. G. M. Lima, I. Scaramuzzi, J. C. Oliveira, L. Santonieri, M. A. A. Campos & T. M. Cardoso (Eds.), Práticas e saberes sobre agrobiodiversidade: A contribuição de povos tradicionais (pp. 29-57). IEB Mil Folhas., p. 34). No tocante às plantas voltadas para a alimentação, as porções comestíveis se desenvolveram, ao passo que a capacidade de reprodução autônoma se reduziu (Mazoyer & Roudart, 2010Mazoyer, M., & Roudart, L. (2010). História das agriculturas no mundo: Do neolítico à crise contemporânea (C. F. F. B. Ferreira, Trad.). Editora Unesp.; Spier, 2010Spier, F. (2010). Big history and the future of humankind. Wiley-Blackwell.). Além de identificarem e selecionarem as plantas com base em seus interesses, os grupos humanos procuraram as difundir pelo território e as adaptar às circunstâncias locais.

Em que pese as diferentes práticas que acompanharam o desenvolvimento da agricultura em seus primórdios, ela envolveu a substituição de biomas mais diversos por sistemas ecologicamente mais simples e especializados (Mazoyer & Roudart, 2010Mazoyer, M., & Roudart, L. (2010). História das agriculturas no mundo: Do neolítico à crise contemporânea (C. F. F. B. Ferreira, Trad.). Editora Unesp.; Scott, 2017Scott, J. C. (2017). Against the Grain: A deep history of the earliest states. Yale University Press.; Christian, 2018Christian, D. (2018). Origin story: A big history of everything. Little, Brown and Company.). Processos tróficos se reestruturaram, tornando os cultivares “. . . uma versão truncada de algum sistema natural original [com] menor número de espécies interagindo em seu interior e com linhas de interação abreviadas e orientadas rumo a uma única direção” (Worster, 2003Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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, p. 29). Segundo Spier (2010, p. 143)Spier, F. (2010). Big history and the future of humankind. Wiley-Blackwell., “os pioneiros da agricultura começaram a reestruturar toda a cadeia alimentar segundo seus próprios desígnios. Ao mesmo tempo, também começaram a modificar o resto da pirâmide trófica de forma involuntária, ao menos parcialmente”. Beneficiaram, nessa reestruturação, ervas daninhas, roedores, predadores, pragas e pestes, com modificações na pirâmide trófica dos seres não domesticados. “Em consequência, os humanos tiveram de despender esforços incansáveis para manter esses organismos predatórios à distância, um processo que continua até os dias de hoje”, complementa Spier (2010, p. 143)Spier, F. (2010). Big history and the future of humankind. Wiley-Blackwell..

Neste longo processo que levou ao desenvolvimento da agricultura, os coletivos humanos tiveram de lidar com os organismos que passaram a competir pela biomassa das plantas cultivadas (Sprenger, 2015Sprenger, J. (2015). An ocean of locusts: The perception and control of insect pests in Prussian Brandenburg (1700–1850). Environment and History, 21(4), 513-536. http://dx.doi.org/10.3197/096734015X14414683716208
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). O cultivo sistemático das espécies que se mostraram úteis e convenientes para alimentação, vestuário, cultos e habitação propiciou a coevolução de insetos e microrganismos com hospedeiros que foram selecionados para a lavoura, com resultante especialização no parasitismo dessas plantas. No entanto, a interferência desses agentes comprometia os esforços de concentrar os biocoletores da energia solar dentro de áreas determinadas, prática que forneceu o fluxo de energia necessário para constituir, manter ou aperfeiçoar sociedades com níveis diferenciados de complexidade (Spier, 2010Spier, F. (2010). Big history and the future of humankind. Wiley-Blackwell.; Scott, 2017Scott, J. C. (2017). Against the Grain: A deep history of the earliest states. Yale University Press.).

Patógenos e insetos que parasitavam as linhagens ‘selvagens’, em muitos casos, adaptaram-se às variedades cultivadas, tendo sido bastante beneficiados pela disponibilidade concentrada de alimento. Se a concentração das plantas propiciava esta reprodução de comensais indesejáveis aos humanos, por outro lado, dificultava o ataque por pragas e predadores que haviam coevoluído com os progenitores selvagens das espécies selecionadas para cultivo, dentre outras razões, porque esses ‘proto-agricultores’ praticavam a hibridização (Dean, 1989Dean, W. (1989). A Luta pela borracha no Brasil: Um estudo de história ecológica. Nobel., p. 98). Cereais que caracterizaram a chamada ‘revolução agrícola’, como o trigo e o milho, resultavam desse processo de hibridização, que assegurava melhores colheitas (Mazoyer & Roudart, 2010Mazoyer, M., & Roudart, L. (2010). História das agriculturas no mundo: Do neolítico à crise contemporânea (C. F. F. B. Ferreira, Trad.). Editora Unesp.).

Assim, desde que as primeiras plantas foram domesticadas na transição para o regime agrícola, os lavradores enfrentaram o desafio gerado por pragas e doenças (Stukenbrock & McDonald, 2008Stukenbrock, E. H., & McDonald, B. A. (2008). The origins of plant pathogens in agro-ecosystems. Annual Review of Phytopathology, 46, 75-100. https://doi.org/10.1146/annurev.phyto.010708.154114
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). A homogeneidade genética atingida no desenvolvimento da agricultura levou ao surgimento de novos patógenos, com modificações nas populações que parasitavam os ancestrais selvagens das plantas cultivadas. Além do fator genético, a proximidade espacial das plantas, o solo arado, a adubação e os esquemas de irrigação forneceram a estabilidade ambiental que assegurou a seleção, a reprodução e a especialização de patógenos e insetos nos hospedeiros cultivados. O maior número de ciclos reprodutivos de patógenos e pragas, em decorrência da transmissão facilitada entre plantas próximas, espacialmente e geneticamente, acarretou maior virulência. Em extensões maiores de cultivo, populações mais densas de patógenos passam por mais mutações e, assim, apresentam uma diversidade genética que pode facilitar a capacidade de driblar as medidas de controle. Segundo Scott (2017)Scott, J. C. (2017). Against the Grain: A deep history of the earliest states. Yale University Press., os parasitas de plantas, humanos e animais não humanos surgiram das aglomerações promovidas pela domesticação, que concentrou em um mesmo espaço cultivos, rebanhos e multidões.

Estudos de biologia molecular, biologia evolutiva, genética populacional e arqueobotânica têm mostrado que, em muitos casos, o centro de origem do patógeno coincide com o centro de origem do hospedeiro vegetal. A difusão geográfica das plantas foi diversas vezes acompanhada do espraiamento desses companheiros de longa data. Em outros casos, a introdução e o cultivo de espécies exóticas fizeram com que organismos locais passassem a parasitá-las. Há pesquisas que mostram, por exemplo, que o carvão-do-milho (Ustilago maydis) desenvolveu homogeneidade genética depois da coevolução com o milho no processo de domesticação. Outros patógenos de cereais, como o do oídio-do-trigo (Blumeria graminis) e da mancha salpicada (Mycosphaerella graminicola), desenvolveram-se no mesmo centro de irradiação da domesticação do seu hospedeiro – o trigo –, conforme sugerem estudos de genética populacional. Também há evidências de que o agente do brusone-do-arroz evoluiu na mesma região de domesticação do seu hospedeiro, na região do Himalaia, e seguiu a trilha da difusão desse cereal por outras áreas (Stukenbrock & McDonald, 2008Stukenbrock, E. H., & McDonald, B. A. (2008). The origins of plant pathogens in agro-ecosystems. Annual Review of Phytopathology, 46, 75-100. https://doi.org/10.1146/annurev.phyto.010708.154114
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). Protagonista de uma das mais célebres crises fitossanitárias da história, o agente do míldio-da-batateira ou requeima, Phytophthora infestans, também coevoluiu com a planta hospedeira no processo de domesticação ocorrido no continente americano há cerca de 7.000 anos A.C.

No caso dos insetos, há vestígios de que os lavradores dispunham nos primórdios de ferramentas restritas de controle e, em muitos casos, consumiram os grãos e cereais praguejados. Uma das táticas consistiu em restringir o movimento, selecionando linhagens de cereais que não dispersam suas sementes ou segregando espacialmente as plantas (Bray et al., 2019Bray, F., Hahn, B., Lourdusamy, J. B., & Saraiva, T. (2019). Cropscapes and history: Reflections on rootedness and mobility. Transfers, 9(1), 20-41. https://doi.org/10.3167/TRANS.2019.090103
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). A dificuldade de transferência das pragas para longas distâncias nesses períodos mais recuados fez com que permanecessem eventos basicamente locais. A introdução de espécies parasitas em lavouras tornou-se um fenômeno de séculos mais recentes, propiciado pela própria circulação de plantas (Antolín & Schäfer, 2020Antolín, F., & Schäfer, M. (2020). Insect pests of pulse crops and their management in neolithic europe. Environmental Archaeology. https://doi.org/10.1080/14614103.2020.1713602
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).

Vestígios mostram que algumas civilizações antigas procuraram lidar com as pragas. Um dos primeiros tratados médicos que se conhece, o Papiro Ebers, de cerca de 1.500 A.C., indica esterco de gazela queimado para controlar os insetos que danificam os cultivos. Autor de tratados agronômicos na Roma Antiga, Columella também preconizou algumas medidas para combater as pragas. Ele e outros autores fazem menção à ferrugem do trigo, que, de tão temida pelos efeitos no abastecimento das populações, era cultuada na forma de um(a) deus(a) (Robigus/Robigo), para quem se dedicavam sacrifícios, devoções, procissões e festas (Santini et al., 2018Santini, A., Liebhold, A., Migliorini, D., & Woodward, S. (2018). Tracing the role of human civilization in the globalization of plant pathogens. The ISME Journal, 12(3), 647–652. https://doi.org/10.1038/s41396-017-0013-9
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).

O nível de especialização patógeno-hospedeiro que ocorre nos sistemas agroecológicos estabelecidos pela ação humana raramente é observado em ecossistemas selvagens. Tampouco ocorre com a mesma intensidade em policultivos, que foi a tendência presente em muitos sistemas agroecológicos ancestrais, que alternavam as espécies cultivadas em uma mesma plantação ou praticavam a rotação de culturas nos ciclos agrários (Stukenbrock & McDonald, 2008Stukenbrock, E. H., & McDonald, B. A. (2008). The origins of plant pathogens in agro-ecosystems. Annual Review of Phytopathology, 46, 75-100. https://doi.org/10.1146/annurev.phyto.010708.154114
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; Mazoyer & Roudart, 2010Mazoyer, M., & Roudart, L. (2010). História das agriculturas no mundo: Do neolítico à crise contemporânea (C. F. F. B. Ferreira, Trad.). Editora Unesp.). A agrobiodiversidade de sistemas agrícolas tradicionais não só ajudou a restringir a ação de pragas e doenças, como também propiciou maior eficácia no uso de luz e de água e maior manutenção de nutrientes no solo pela estrutura de forragem e cobertura vegetal. Isto garantiu a estabilidade desses sistemas, não obstante oscilações climáticas, guerras e outros fenômenos (Worster, 2003Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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).

A ascensão do capitalismo, a expansão colonial europeia e o consequente estabelecimento dos monocultivos como padrão de uma prática agrícola orientada ao lucro foram os grandes responsáveis pela conformação das pragas e doenças como fenômenos de relevância histórica, a um só tempo ecológicos, sociais, econômicos e culturais. Nos marcos do capitalismo, “Todas as forças e interações complexas, seres e processos que designamos como ‘‘natureza’’ (às vezes até elevada ao status honorífico de uma ‘Natureza’ capitalizada), foram reduzidas a uma simplificada abstração, ‘terra’. . .” (Worster, 2003Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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, p. 34). As pragas e doenças vegetais ganharam proeminência no contexto das transformações instauradas pelo capitalismo, porque o comprometimento de plantas passou a representar danos econômicos, mas também porque se intensificaram na esteira da tendência apresentada pelos sistemas agroecológicos de simplificação dos ecossistemas e redução das conexões entre seus componentes.

As plantations monocultoras são epítomes dessas ecologias simplificadas a partir das demandas do capitalismo e estão na gênese da expansão capitalista ensejada pelo empreendimento colonial. Suas ecologias se combinam a “. . . tecnologias industriais, projetos de governança estatais e imperiais e modos capitalistas de acumulação. . .”, componentes que, combinados, “. . . movimentaram mais terra do que as geleiras e mudaram o clima da Terra. . .”, afirma Tsing (2019, p. 228)Tsing, A. L. (2019). Uma ameaça para a ressurgência holocênica é uma ameaça à habitabilidade. In Autor (Ed.), Viver nas ruínas: Paisagens multiespécies no Antropoceno (pp. 225-239). IEB Mil Folhas.. Para Tsing (2019, p. 235)Tsing, A. L. (2019). Uma ameaça para a ressurgência holocênica é uma ameaça à habitabilidade. In Autor (Ed.), Viver nas ruínas: Paisagens multiespécies no Antropoceno (pp. 225-239). IEB Mil Folhas., as plantations são máquinas replicadoras:

As plantations disciplinam os organismos como recursos, removendo-os de seus mundos de vida. Os investidores simplificam as ecologias para padronizar seus produtos e maximizar a velocidade e a eficiência da replicação. Os organismos são removidos de suas ecologias nativas para impedi-los de interagir com espécies companheiras; eles são feitos para coordenar apenas com réplicas – e com o tempo do mercado. A simplificação intencional das plantations priva os organismos de seus parceiros ecológicos comuns, já que estes últimos são considerados como obstáculos à produção de ativo. Por um lado, então, organismos quase idênticos são empacotados juntos; por outro lado, eles são alienados de todos os outros.

Os corpos vegetais ‘purificados e idênticos’, alinhados em sequências regulares, tornam as plantations “. . . incubadoras para pragas e doenças. . .” (Tsing, 2019Tsing, A. L. (2019). Uma ameaça para a ressurgência holocênica é uma ameaça à habitabilidade. In Autor (Ed.), Viver nas ruínas: Paisagens multiespécies no Antropoceno (pp. 225-239). IEB Mil Folhas., p. 235). Suas ecologias não só disseminam, como criam patógenos e pragas, com virulência e patogenicidade ampliada e modificada por este acúmulo de plantas geneticamente homogêneas. Se em sistemas agrobiodiversos a virulência é modulada pela própria dinâmica populacional dos grupos vegetais e animais, nas plantations a atualização da ‘oferta de corpos’ as potencializa.

Como as plantations estabelecidas nas regiões sob domínio colonial foram as engrenagens dos impérios, a transferência e a aclimatação de espécies exóticas e suas respectivas ‘espécies-companheiras’ ocasionaram a oportunidade de patógenos e pragas encontrarem novos hospedeiros em seus novos territórios. A intensa circulação de plantas, animais e microrganismos ocorrida nos circuitos do ‘intercâmbio colombiano’ acarretou a ‘unificação microbiana do mundo’, como mostram os trabalhos seminais de Crosby (1972Crosby, A. W. (1972). The Columbian exchange: Biological and cultural consequences of 1492. Greenwood Publishing Co., 2011)Crosby, A. W. (2011). Imperialismo ecológico: A expansão biológica da Europa, 900-1900 (J. A. Ribeiro & C. A. Malferrari, Trads.). Companhia da Letras.. Segundo Crosby (1972Crosby, A. W. (1972). The Columbian exchange: Biological and cultural consequences of 1492. Greenwood Publishing Co., 2011)Crosby, A. W. (2011). Imperialismo ecológico: A expansão biológica da Europa, 900-1900 (J. A. Ribeiro & C. A. Malferrari, Trads.). Companhia da Letras., a ocupação do Novo Mundo pelos europeus foi acompanhada do transporte e estabelecimento de espécies vegetais, animais e microbianas que modificaram paisagens, relações interespécies e padrões culturais de alimentação, lazer e vestuário, entre outras práticas. A partir daí, a transferência de plantas tornou-se a base do desenvolvimento agrícola moderno (Beinart & Middleton, 2009Beinart, W., & Midleton, K. (2009). Transferências de plantas em uma perspectiva histórica: O estado da discussão. Topoi, 10(19), 160-180. https://doi.org/10.1590/2237-101X010019010
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).

Logo, a globalização, associada ao colonialismo, foi um processo político, cultural e econômico, como também ecológico. Nos territórios coloniais, a cobertura vegetal nativa foi desflorestada para dar lugar aos grandes monocultivos, que se tornaram a base econômica das metrópoles europeias. Espécies de interesse econômico foram transplantadas para as regiões tropicais, ao passo que espécies do Novo Mundo também viajaram para outras áreas. Nos novos ambientes, constituíram presas fáceis de patógenos locais ou que seguiram em seu rastro. Plantas tropicais e temperadas não apresentaram a mesma versatilidade nessa circulação global – se a espécie a ser cultivada nos trópicos fosse local, corria maior risco de ser acometida por doenças, pela presença do patógeno. As espécies exóticas haviam sido afastadas dos parasitas com os quais coevoluíram em seus locais de origem, o que é bem exemplificado no caso da borracha. Diferentemente dos produtos das zonas temperadas, os vegetais tropicais: “. . . beneficiavam-se especialmente com a transferência devido ao fato de seus habitats nativos conterem predadores e parasitos mais especializados e clima que facilitava sua rápida reprodução e adaptação” (Dean, 1989Dean, W. (1989). A Luta pela borracha no Brasil: Um estudo de história ecológica. Nobel., p. 97). Nas regiões transplantadas, esses vegetais, em grande parte exóticos, concorreram para uma radical diminuição da fauna, decorrente da retirada da cobertura vegetal para dar lugar às plantações, ao passo que prosperou uma nova fauna, associada aos sistemas agroecológicos estabelecidos. Entre esse tipo de fauna está o grupo de microrganismos e insetos que se alimentam das plantas cultivadas. Logo, as características botânicas das commodities coloniais e as interações multiespécies criadas em seu entorno foram tão relevantes para os impérios que se estabeleceram na América tropical quanto o poder marítimo e o tráfico de escravos (Beinart & Middleton, 2009Beinart, W., & Midleton, K. (2009). Transferências de plantas em uma perspectiva histórica: O estado da discussão. Topoi, 10(19), 160-180. https://doi.org/10.1590/2237-101X010019010
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).

As plantations monocultoras instaladas nos territórios coloniais – no continente americano e, nos séculos seguintes, na África e na Ásia – representaram uma simplificação ainda mais radical dos ecossistemas. Em função disso, as monoculturas “envolveram um intercâmbio entre a produtividade econômica e vulnerabilidade ecológica” (McCook, 2019McCook, S. (2019). Coffee is not forever: A global history of the coffee leaf rust. Ohio University Press., p. 32). A prática agrícola orientada pela racionalidade capitalista ampliou as pressões seletivas sobre os sistemas agroecológicos, com a reestruturação dos fluxos tróficos sendo reorientados para abastecimento de coletivos situados em latitudes distantes. Os sistemas tradicionais baseados na subsistência haviam interferido nos fluxos ecológicos, mas preservaram parte da diversidade e da complexidade observada nas formações vegetais nativas. Os cultivos feitos em baixa densidade, em condições praticamente semisselvagens e mais integrados a ecossistemas com maior diversidade de flora e fauna, gradualmente cederam lugar a grandes plantações de monoculturas. No caso dos monocultivos, o destino da biomassa cultivada foram os portos exportadores, dedicados a assegurar o envio da produção agrária para as metrópoles coloniais ou, posteriormente, os países industrializados, com os quais as formações sociais agroexportadoras mantiveram intercâmbios comerciais assimétricos.

Sobretudo a partir dos séculos XVIII e XIX, observou-se enorme transformação ecológica e no uso da terra, ocasionada pela difusão de sistemas agroecológicos orientados para abastecer essas engrenagens do mercado global (Worster, 2003Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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). A reformulação dos ecossistemas passou a ser direcionada pelo imperativo de acúmulo de capital, com aprofundamento da tendência de simplificação dos fluxos interativos entre organismos e fatores abióticos:

O que certa vez havia sido uma comunidade biológica de plantas e animais tão complexa que os cientistas dificilmente poderiam compreender, o que havia sido mudado pelos agricultores tradicionais para um sistema ainda altamente diversificado para a plantação de produtos alimentícios locais e outros materiais, agora se tornou cada vez mais um aparato rigidamente restrito para competir em mercados ampliados para se obter o sucesso econômico

(Worster, 2003Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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, p. 35).

A ideia de disponibilidade praticamente infinita de terras estimulou a devastação das zonas sob domínio imperial formal ou informal e o avanço célere da fronteira agrícola, impelida, por sua vez, pela valorização econômica de produtos primários. Esta tendência se aprofundou no decorrer do século XIX com o desenvolvimento industrial, a urbanização e o crescimento populacional, processos que intensificaram a demanda global por commodities para produção manufatureira ou para alimentação do contingente que migrou para as cidades.

Transformações no sistema de transportes, com as ferrovias e a navegação a vapor, otimizaram a circulação intercontinental de mercadorias, o que acarretou, por sua vez, a especialização geográfica de regiões dedicadas à produção agrícola. Nas zonas sob domínio imperialista ou nos territórios recém-libertos do jugo colonial, como os países latino-americanos, o estímulo para avanço da fronteira agrícola ganhou fôlego ainda maior (McCook, 2002McCook, S. (2002). Las epidemias liberales: Agricultura, ambiente y globalización en Ecuador (1790-1930). In B. G. Martinez & M. Prieto (Orgs.), Estudios sobre Historia y Ambiente en America II. Instituto Panamericano de Geografia e Historia El Colégio de México.). As trocas biológicas estabelecidas desde a colonização do continente americano tornaram-se mais intensas com o encurtamento das viagens, com nova vaga de circulação de plantas, animais e microrganismos, junto com o afluxo igualmente ampliado de pessoas, no que foi uma das maiores vagas migratórias da história. Não só patógenos de plantas e pragas agrícolas, mas também causadores de doenças humanas e vetores circularam amplamente, beneficiados pela maior mobilidade das redes de transporte.

No continente americano, a integração ao mercado global pela exportação de commodities tropicais representou, segundo McCook (2002, p. 224)McCook, S. (2002). Las epidemias liberales: Agricultura, ambiente y globalización en Ecuador (1790-1930). In B. G. Martinez & M. Prieto (Orgs.), Estudios sobre Historia y Ambiente en America II. Instituto Panamericano de Geografia e Historia El Colégio de México., “o maior processo de mudança ambiental desde a primeira conquista”, o qual ele chama de ‘intercâmbio neo-colombiano’, proporcionado por esta circulação intensificada de plantas, animais e microrganismos. A fronteira agrícola avançou ainda mais intensamente sobre os interiores, embalada pela valorização das ‘commodities tropicais’ no mercado mundial – café, cana-de-açúcar, algodão, cacau, tabaco, chá etc.

A opção pelos monocultivos direcionados para exportação favoreceu a incidência de pragas agrícolas e epidemias vegetais, ao criar as próprias circunstâncias ecológicas para seu surgimento e expansão (McCook, 2002McCook, S. (2002). Las epidemias liberales: Agricultura, ambiente y globalización en Ecuador (1790-1930). In B. G. Martinez & M. Prieto (Orgs.), Estudios sobre Historia y Ambiente en America II. Instituto Panamericano de Geografia e Historia El Colégio de México., 2019; Soluri, 2006Soluri, J. (2006). Banana cultures: Agriculture, consumption, and environmental change in Honduras and the United States. University of Texas Press.). Ao substituírem ecossistemas biologicamente mais diversos ou sistemas agroecológicos menos exclusivistas, as plantations tornaram-se suscetíveis aos ‘inimigos da lavoura’, por se constituírem de uma única espécie de planta, em geral com a mesma composição genética, estando concentradas em um mesmo espaço, de modo diferente da configuração de seus ambientes de origem. Esta prática de cultivo intensivo da mesma espécie provocou o esgotamento do solo, ocasionando o enfraquecimento das plantas e, por extensão, fazendo-as mais débeis e suscetíveis aos patógenos. Os hospedeiros vegetais atraíram nos seus novos ambientes insetos e microrganismos locais ou foram atacados por pragas igualmente exóticas, beneficiadas, neste caso, por estarem distantes dos inimigos naturais atuantes em suas zonas de origem.

A relação entre transformações ecológicas nas zonas tropicais induzidas pelo cultivo de commodities e a deflagração de pragas e doenças foi identificada na historiografia de forma praticamente pioneira por Dean (1989)Dean, W. (1989). A Luta pela borracha no Brasil: Um estudo de história ecológica. Nobel.. Ele analisou em perspectiva ecológica o histórico da extração da borracha na Amazônia e as tentativas de cultivo intensivo da seringueira. A transferência e a aclimatação bem-sucedida da Hevea brasiliensis no sudeste asiático representam um dos casos mais conhecidos na história de prejuízo econômico por oportunismo colonialista e dinâmicas ecológicas. Como espécie da floresta tropical úmida, a seringueira estabeleceu-se bem em meio à variedade que constituía a vegetação da bacia amazônica. Apesar de ser vitimada por fungos, estes não comprometiam o desenvolvimento e a produtividade das árvores. No entanto, ao ser cultivada em série e grandes extensões, a seringueira mostrou-se presa fácil do mal-das-folhas, principalmente na fase inicial de crescimento. Conforme explica Dean (1989)Dean, W. (1989). A Luta pela borracha no Brasil: Um estudo de história ecológica. Nobel., por ser uma espécie-clímax da floresta tropical, a seringueira ‘defendia-se’ desses patógenos ao se mesclar às demais ‘espécies-companheiras’ na hileia amazônica. Em plantações seriadas, estava claramente exposta ao fungo responsável pela doença. As plantas que resistiram apresentaram produtividade muito baixa para serem exploradas comercialmente. Nas plantações do sudeste asiático, a ausência do fungo permitiu que tivessem alta produtividade. Os efeitos econômicos dessa concorrência são bem conhecidos: o Brasil perdeu a primazia no mercado internacional da borracha e a região amazônica, que havia testemunhado um surto de crescimento econômico, sofreu uma debacle. Com a Segunda Guerra, os norte-americanos tentaram novamente o cultivo intensivo da seringueira na Amazônia brasileira, mas novamente sofreram os efeitos da ecologia tropical na forma de ataque do mal-das-folhas (Grandin, 2010Grandin, G. (2010). Fordlândia: Ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva. Rocco.).

Analisando períodos mais recuados da história brasileira – o período de estabelecimento da agricultura mercantil exportadora durante a colonização – Cabral (2014aCabral, D. C. (2014a). ‘O Brasil é um grande formigueiro’: território, ecologia e a história ambiental da América portuguesa, parte 1. Revista da HALAC (Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña), 3(2), 467-489,, 2014bCabral, D. C. (2014b). ‘O Brasil é um grande formigueiro’: território, ecologia e a história ambiental da América portuguesa, parte 2. Revista da HALAC (Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña), 4, 87-113., 2015)Cabral, D. C. (2015). Into the bowels of tropical earth: Leaf-cutting ants and the colonial making of agrarian Brazil. Journal of Historical Geography, 50, 92-105. https://doi.org/10.1016/j.jhg.2015.06.014
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argumenta como as formigas cortadeiras, também conhecidas como ‘saúvas’, proliferaram em consequência do desmatamento e da fragmentação florestal, ocasionados para dar lugar às plantações e pastagens.

McCook (2002)McCook, S. (2002). Las epidemias liberales: Agricultura, ambiente y globalización en Ecuador (1790-1930). In B. G. Martinez & M. Prieto (Orgs.), Estudios sobre Historia y Ambiente en America II. Instituto Panamericano de Geografia e Historia El Colégio de México. examina as epidemias vegetais que acometeram o cultivo do cacau na América do Sul, sobretudo no Suriname, na Colômbia e no Equador. No caso do Equador, ele demonstra como os produtores modificaram a forma de cultivo em termos espaciais e ecológicos de maneira a atender à demanda crescente do mercado internacional e ampliar os lucros. Como consequência, os cacaueiros ficaram mais vulneráveis às pragas e doenças, mais frequentes a partir do final do século XIX. Como mostra McCook (2002)McCook, S. (2002). Las epidemias liberales: Agricultura, ambiente y globalización en Ecuador (1790-1930). In B. G. Martinez & M. Prieto (Orgs.), Estudios sobre Historia y Ambiente en America II. Instituto Panamericano de Geografia e Historia El Colégio de México., a primeira delas foi a ‘la mancha’, seguida da ‘monilia’, que grassou em 1914, e da vassoura de Bruxa, em 1922. Tais crises fitossanitárias decorrentes de fatores socioecológicos tiveram efeitos econômicos: os países afetados perderam a primazia no mercado global (McCook, 2002McCook, S. (2002). Las epidemias liberales: Agricultura, ambiente y globalización en Ecuador (1790-1930). In B. G. Martinez & M. Prieto (Orgs.), Estudios sobre Historia y Ambiente en America II. Instituto Panamericano de Geografia e Historia El Colégio de México.). Os efeitos econômicos e ecológicos das pragas se retroalimentaram, já que os lavradores ficaram privados de capital para investir nas plantações. Isto comprometeu a manutenção dos cultivares, a qual incluía as medidas de controle de pragas e doenças.

As plantações de banana da América Central e do Caribe que proporcionaram a riqueza de companhias transnacionais, como a United Fruit Company, também sofreram os efeitos das pragas e doenças, em consequência de conformações nos sistemas agroecológicos (Marquardt, 2001Marquardt, S. (2001). Green havoc: Panama disease and labor process in the Central American banana industry. The American Historical Review, 106(1), 49-80. https://doi.org/10.2307/2652224
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; Soluri, 2002Soluri, J. (2002). Accounting for taste: Export bananas, mass markets, and Panama disease. Environmental History, 7(3), 386-410. https://doi.org/10.2307/3985915
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, 2006Soluri, J. (2006). Banana cultures: Agriculture, consumption, and environmental change in Honduras and the United States. University of Texas Press.). Ao substituírem a floresta tropical úmida das terras baixas pela monocultura da banana, a United Fruit Company e as demais companhias agroexportadoras proporcionaram a rápida difusão do fungo responsável pela ‘doença do Panamá’, o Fusarium oxysporum. O clima quente e úmido beneficiou o espraiamento dos esporos do patógeno nas décadas de 1910 e 1920, ao passo que a prática do plantio por meio de rizomas resultou em cultivos geneticamente uniformes (Marquardt, 2001Marquardt, S. (2001). Green havoc: Panama disease and labor process in the Central American banana industry. The American Historical Review, 106(1), 49-80. https://doi.org/10.2307/2652224
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; Soluri, 2006Soluri, J. (2006). Banana cultures: Agriculture, consumption, and environmental change in Honduras and the United States. University of Texas Press.). Enquanto os ecossistemas tropicais de maior biodiversidade impediam a reprodução massiva de agentes patogênicos específicos, o mesmo não ocorria nos agrossistemas estabelecidos nos domínios das corporações agroexportadoras. As plantações dos pequenos produtores, que cultivavam a banana junto com outras plantas, e que se mantiveram distantes das extensas monoculturas da United Fruit, foram menos vitimadas pela doença, como mostra Marquardt (2001)Marquardt, S. (2001). Green havoc: Panama disease and labor process in the Central American banana industry. The American Historical Review, 106(1), 49-80. https://doi.org/10.2307/2652224
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. No entanto, a multinacional estadunidense associou a incidência da doença em seus domínios a práticas atrasadas e devastadoras e modificou o regime de trabalho, de maneira a controlar sua difusão entre os bananais. A falta de sucesso neste esforço acarretou a perda do monopólio do comércio de bananas nos EUA pela companhia. A principal estratégia das corporações agroexportadoras para lidar com a doença consistiu em abandonar os plantéis contaminados e expandi-los para novas áreas, o que foi possível por facilidades na concessão de terras, capital e infraestrutura pelos governos locais (Soluri, 2006Soluri, J. (2006). Banana cultures: Agriculture, consumption, and environmental change in Honduras and the United States. University of Texas Press.). Com isso, as perdas pela doença puderam ser compensadas com as novas colheitas, às expensas de amplas porções de florestas que deram lugar aos monocultivos de banana.

Soluri (2002Soluri, J. (2002). Accounting for taste: Export bananas, mass markets, and Panama disease. Environmental History, 7(3), 386-410. https://doi.org/10.2307/3985915
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, 2006)Soluri, J. (2006). Banana cultures: Agriculture, consumption, and environmental change in Honduras and the United States. University of Texas Press. acrescenta as dinâmicas do mercado consumidor à perspectiva ecológica de Marquardt (2001)Marquardt, S. (2001). Green havoc: Panama disease and labor process in the Central American banana industry. The American Historical Review, 106(1), 49-80. https://doi.org/10.2307/2652224
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, na análise das complexas interações biossociais dos bananais do Caribe. Neste caso, o mercado norte-americano passou a consumir massivamente a banana, sendo responsável pelas transformações na ecologia das plantations do Caribe. Segundo Soluri (2006)Soluri, J. (2006). Banana cultures: Agriculture, consumption, and environmental change in Honduras and the United States. University of Texas Press., as exigências estéticas e de qualidade ligadas aos intermediários comerciais e consumidores, aliadas às características biológicas das frutas, circunscreveram as formas de lidar com a doença do Panamá. As tentativas de substituir as variedades de bananas ou de desenvolver novos híbridos pelos cientistas esbarraram nos padrões do mercado, adaptados à variedade que havia conquistado seus olhos, paladares e apetites. Nova doença acometeu os bananais da América Central nos anos 1930, a Sigatoka, também provocada por um fungo, contra o qual a United Fruit e outras companhias agroexportadoras estabeleceram um amplo sistema de aspersão de produtos químicos que demandaram investimento de capital e mão de obra. Com isso, a doença prejudicou os pequenos produtores, incapazes de implantar o mesmo aparato de controle, sendo obrigados a substituir os cultivos por outros produtos ou a se tornarem dependentes das corporações (Soluri, 2006Soluri, J. (2006). Banana cultures: Agriculture, consumption, and environmental change in Honduras and the United States. University of Texas Press.). Segundo Soluri (2006, p. 15)Soluri, J. (2006). Banana cultures: Agriculture, consumption, and environmental change in Honduras and the United States. University of Texas Press., o controle da Sigatoka por fungicidas “antecipou a tendência da agricultura do século XX rumo a uma maior confiança nos compostos químicos para controle de processos agroecológicos que diminuíam os rendimentos dos frutos qualificados para exportação”.

Nos territórios do continente africano e asiático as epidemias e pragas vegetais irromperam em função das plantations de commodities coloniais que se expandiam nos marcos do imperialismo. O papel das intervenções ambientais provocadas pela expansão colonial na deflagração das pestes fica bem evidente no caso da ferrugem do café, soberbamente analisado por McCook (2019)McCook, S. (2019). Coffee is not forever: A global history of the coffee leaf rust. Ohio University Press.. Ele mostra que a doença provocada pelo fungo Hemileia vastatrix influenciou o predomínio da América Latina na exportação daquela que foi uma das primeiras ‘commodities tropicais’. O desenvolvimento do fungo como epidemia vegetal foi facilitado pela atividade britânica na região da Arábia, na África, na Índia e no Ceilão. McCook (2019)McCook, S. (2019). Coffee is not forever: A global history of the coffee leaf rust. Ohio University Press. aponta como a baixa intensidade do cultivo em condições climáticas favoráveis, mantendo o sombreamento dos cafeeiros e sem perturbar de forma muito significativa a biodiversidade das formações vegetais, preveniu que o parasitismo pela Hemileia se difundisse em suas zonas de origem. A intensificação do cultivo em grandes extensões de terra pelos colonizadores europeus em condições ecológicas diferentes – sem sombreamento, sem a barreira física dos arvoredos circundantes, em climas mais propícios ao fungo – desencadeou epidemias de ferrugem, que provocaram redução acentuada das plantações de café da variedade arábica no velho continente, seguida de queda nos preços globais do produto.

A primeira epidemia da ferrugem assolou as plantações do Ceilão em 1869. Os efeitos desastrosos da enfermidade sobre a produção cafeeira contribuíram para o predomínio do café brasileiro no mercado global. Os extensos cafezais implantados predominantemente no Sudeste do Brasil também foram afetados por pragas e doenças cuja difusão foi muito facilitada pela circulação de mercadorias, plantas e pessoas no decorrer dos Oitocentos. Quase simultaneamente à ferrugem no Ceilão, os cafeeiros do Vale do Paraíba fluminense e paulista foram acometidos pela lagarta das folhas (Leucoptera coffeella), praga que contribuiu para enfraquecer a produção daquela região, dando lugar à predominância de outras zonas cafeicultoras. Espraiando-se pelos cafezais nos anos de 1860, a gravidade da lagarta levou o governo imperial a formar uma comissão científica, liderada pelo célebre botânico Francisco Freire Allemão, que recomendou a substituição das plantas por mudas da variedade Mokka e a adubação do solo para corrigir deficiências nutricionais (Domingues, 1996Domingues, H. M. B. (1996). Ciência, um caso de política: As relações entre as ciências naturais e a agricultura no Brasil império [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo].; A. Silva, 2006Silva, A. F. C. (2006). A campanha contra a broca-do-café em São Paulo (1924-1927). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 13(4), 957-993. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702006000400010
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; Bediaga, 2012Bediaga, B. (2012). A moléstia da cana-de-açúcar na década de 1860: a lavoura em busca das ciências. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 19(4), 1255-1273. https://doi.org/10.1590/S0104-59702012005000003
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). Em 1880, a mesma região foi acometida de uma doença que ataca as raízes dos cafeeiros. O zoólogo suíço Emílio Goeldi, que então trabalhava no Museu Nacional e havia se dedicado ao combate à filoxera em seu país natal, atribuiu a doença a um nematódeo, a Meloidogyne exigua, o que gerou controvérsias, já que a ortodoxia científica então vigente tendia a encarar os microrganismos como partes de uma ampla cadeia de causas e efeitos da doença, mais do que fator único na deflagração das disfunções fisiológicas das plantas.

Nos anos 1920, praticamente todo o estado de São Paulo foi acometido pela broca-dos-cafeeiros (Hypothenemus hampei), praga que já havia assolado os cafezais de Java e Sumatra desde 1909. O Departamento Central de Agricultura e as estações experimentais dedicaram-se ao combate da praga, mas, em muitos casos, as plantações tiveram de ser abandonadas. Originário de Uganda, o minúsculo besouro adentrou o Brasil no início dos anos 1910 pela importação de mudas provenientes do continente africano. Na então colônia inglesa, o enfrentamento da praga teve início nos anos 1920 e envolveu um rígido esquema de fiscalização de transporte de plantas, sementes, grãos e trabalhadores. No mesmo período, chuvas extemporâneas provocaram floração e frutificação precoces nos cafezais de São Paulo, o que propiciou o desenvolvimento do inseto, dependente do fruto para completar seu ciclo de vida. A continuidade das plantações no interior paulista, formando um imenso ‘oceano verde’, e o intenso tráfego proporcionado pela rede de transportes fizeram com que rapidamente a praga se difundisse. Como o café era responsável por cerca de 70% das exportações brasileiras e pelo esteio econômico do desenvolvimento material paulista, o governo de São Paulo formou uma comissão científica e realizou ampla campanha de controle da praga, baseado em métodos culturais, como a catação de frutos remanescentes da colheita, bem como a fiscalização sanitária. Apesar do vigor da campanha, a broca alcançou os estados vizinhos. Nos anos 1940, passou a ser controlada com os potentes inseticidas orgânicos, como o BHC, depois do fracasso do esforço de controle biológico com um inimigo natural importado de Uganda na década anterior. Apesar de assegurar o controle da praga, ela ainda permanece como um desafio para os cafeicultores brasileiros (A. Silva, 2006Silva, A. F. C. (2006). A campanha contra a broca-do-café em São Paulo (1924-1927). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 13(4), 957-993. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702006000400010
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).

Assim como o café, a cana-de-açúcar, a mais tradicional das commodities coloniais, tendo sido o vetor do empreendimento colonizador nas Américas e no Caribe, sofreu o impacto de pragas e doenças. Se, desde o século XVI, os canaviais foram atacados por insetos e patógenos, a partir do século XIX, os efeitos econômicos desses ataques ganharam vulto. No Rio de Janeiro e em Santa Catarina, as plantações de cana foram acometidas por um inseto broqueador do lenho da planta, que já havia acometido o Ceilão e as Ilhas Maurício. Espraiou-se depois pela Austrália e pelas possessões europeias no Caribe, atingindo o Brasil ainda na década de 1840. O método de combate à praga consistiu na destruição das plantas acometidas, queima dos restos inúteis da cana e substituição da variedade cultivada. Intenso intercâmbio de variedades circulou entre as zonas açucareiras da América do Sul, Antilhas, Indonésia, Guianas e Austrália. Em 1866, a doença, mais tarde denominada gomose-da-cana-de-açúcar, foi identificada nos canaviais do Recôncavo Baiano, já tendo atingido a região produtora do estado do Rio de Janeiro, em torno de Campos, Macaé e Quissamã. Da Bahia, a doença espraiou-se para Sergipe e Pernambuco. O governo imperial mobilizou os homens de ciência e as instituições de pesquisa para compreender e controlar a moléstia. Sem um consenso sobre as causas do mal, preconizaram medidas como substituição de mudas, enxerto, adubação do solo para corrigir deficiências nutricionais e destruição de partes infectadas das plantas. Assim como o Brasil, outras regiões produtoras do globo estavam lidando com a doença, como aponta V. Silva (2019)Silva, V. S. (2019). A Moléstia da cana-de-açúcar no Recôncavo Baiano: Política, saberes, práticas e polêmicas científicas (1865-1904) [Tese de doutorado, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro].: as Ilhas Reunião, as Ilhas Maurício, Java, Martinica e Guadalupe. Em contraposição aos renomados cientistas do Império, o alemão naturalizado brasileiro Frederico Maurício Draenert correlacionou a doença da cana a um microrganismo que categorizou como um fungo. Divulgou seus resultados em uma revista local, de pouca circulação, mas por este trabalho atribui-se a ele a primeira descrição de uma doença vegetal de natureza bacteriana, pioneirismo geralmente conferido ao norte-americano Thomas Jonathan Burrill (V. Silva, 2019Silva, V. S. (2019). A Moléstia da cana-de-açúcar no Recôncavo Baiano: Política, saberes, práticas e polêmicas científicas (1865-1904) [Tese de doutorado, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro].).

Na década de 1920, os canaviais de São Paulo foram acometidos pelo mosaico-da-cana, uma das principais doenças daquele cultivo, o qual chegou a reduzir a produção de açúcar do estado em 93% e de álcool em 90%. Os canaviais só se recuperaram com a importação de variedades resistentes à doença, provenientes de Java. A crise fitossanitária resultou na criação de uma Estação Experimental de Cana (Oliver, 2001Oliver, G. S. (2001). José Vizioli e o início da modernização tecnológica da agroindústria canavieira paulista, 1919-1989 [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas].). Na Austrália, as plantações de cana também foram vitimadas por doenças e pragas, como a lagarta-da-cana (Lepidiota franchi), o besouro-da-cana e o besouro-negro-africano (Heteronychus arator). O controle dessas pragas demandou pesquisas de especialistas, que recomendaram medidas como aplicações de compostos químicos, como arsenicais e sulfureto de carbono no solo, além do controle biológico. A mais célebre iniciativa nesse aspecto foi a introdução do sapo-cururu contra o besouro-da-cana, seguindo o que havia sido feito no Havaí e nas Filipinas (Griggs, 2011Griggs, P. D. (2011). Global industry, local innovation: The history of cane sugar production in Australia, 1820-1995. Peter Lang.).

O algodão também foi outra commodity global constantemente afetada por pragas e doenças, assim como o tabaco e o cacau. A incidência de pragas e plantas nas plantations coloniais enfatizou o papel dos insetos e dos saberes devotados ao seu estudo na construção e legitimação das engrenagens imperialistas, ao evidenciar como eles comprometiam os projetos coloniais. Esse aspecto ficou ainda mais claro quando eles passaram a ser correlacionados, na virada do século XIX para o XX, com as principais doenças que afetavam aqueles empreendimentos (Sleigh, 2001Sleigh, C. (2001). The empire of the ants – H. G. Wells and tropical entomology. Science as Culture, 10(1), 33-71. https://doi.org/10.1080/09505430020025492
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). Departamentos específicos ao redor do globo dedicados a questões de trabalho e da lavoura lidaram com as pragas. Seu staff incluiu especialistas que atuavam como entomologistas, apesar de nem sempre serem treinados nela. Em 1909, o império britânico criou um Comitê de Pesquisa Entomológica (Entomological Research Committee) voltado para lidar com os inimigos da lavoura na África Tropical. Para alguns desses especialistas, o sucesso da empresa colonial no continente dependia do controle das pragas agrícolas, ainda mais mediante à diversidade e à densidade populacional dos insetos nas latitudes tropicais. Assim, a entomologia teve participação ativa no ‘imperialismo construtivo’ e na ‘missão civilizatória’ brandida pelos franceses (Buj Buj, 1995Buj Buj, A. (1995). International experimentation and control of the cocust plague – Africa in the first half of the 20th century. In Y. Chatelin & C. Bonneuil (Eds.), Nature et environnement. Vol. 3, Les sciences hors d’Occident au XXe siècle (pp. 93-105). ORSTOM.).

As plantações nas regiões de domínio colonial foram frequentemente vitimadas pelo que talvez seja a mais antiga, célebre e persistente das pragas da lavoura: os gafanhotos (Gomes et al., 2019Gomes, I., Queiroz, A. I., & Alves, D. (2019). Iberians against locusts: Fighting cross-border bio-invaders (1898-1947). Historia Agraria: Revista de Agricultura e Historia Rural, 78, 127-159. http://doi.org/10.26882/histagrar.078e05g
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). A Argélia sediou a primeira intervenção organizada dos europeus em uma colônia africana para combate dos gafanhotos, que, desde 1864, passou a atacar as lavouras em surtos recorrentes que se estenderam até 1875 (Buj Buj, 1995Buj Buj, A. (1995). International experimentation and control of the cocust plague – Africa in the first half of the 20th century. In Y. Chatelin & C. Bonneuil (Eds.), Nature et environnement. Vol. 3, Les sciences hors d’Occident au XXe siècle (pp. 93-105). ORSTOM.). A preocupação em compreender e solucionar as infestações desses insetos nas colônias africanas mobilizou iniciativas de escopo internacional voltadas a intercambiar conhecimentos e experiências. Desta forma, as principais metrópoles coloniais esperavam ações concertadas contra aqueles agentes cujo deslocamento e comportamento não obedeciam às fronteiras políticas, mas desenvolveram territorialidades próprias, proporcionadas por suas características biológicas, em sinergia com fatores ecológicos (Fernandes, 2020Fernandes, V. D. (2020). La lucha contra la langosta: Relações biossociais na América do Sul, Argentina, Uruguai e Brasil, 1896-1952 [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro].). Um dos núcleos institucionais desse intercâmbio foi o Instituto Agrícola Internacional, sediado em Roma. Em 1916, eles publicaram um panfleto sobre o combate ao gafanhoto em diversos países. A partir daí, este instituto promoveu uma série de conferências internacionais, nas quais especialistas e autoridades compartilharam e sistematizaram os conhecimentos disponíveis sobre os gafanhotos: seu ciclo de vida, ecologia e formas de combatê-los (Buj Buj, 1995Buj Buj, A. (1995). International experimentation and control of the cocust plague – Africa in the first half of the 20th century. In Y. Chatelin & C. Bonneuil (Eds.), Nature et environnement. Vol. 3, Les sciences hors d’Occident au XXe siècle (pp. 93-105). ORSTOM.; Gomes et al., 2019Gomes, I., Queiroz, A. I., & Alves, D. (2019). Iberians against locusts: Fighting cross-border bio-invaders (1898-1947). Historia Agraria: Revista de Agricultura e Historia Rural, 78, 127-159. http://doi.org/10.26882/histagrar.078e05g
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).

São numerosas e diversas as espécies de gafanhotos caracterizadas como inimigos da lavoura, com perfis peculiares relacionados aos ambientes nos quais ocorrem. A ampla distribuição por ecossistemas variados, o comportamento gregário e o apetite versátil pelos mais diferentes cultivos os tornam a principal praga de muitas lavouras (Gomes et al., 2019Gomes, I., Queiroz, A. I., & Alves, D. (2019). Iberians against locusts: Fighting cross-border bio-invaders (1898-1947). Historia Agraria: Revista de Agricultura e Historia Rural, 78, 127-159. http://doi.org/10.26882/histagrar.078e05g
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). Muito embora os registros da ‘invasão’ dessas pragas sejam muito antigos, elas se configuraram como fenômenos globais com a intensificação da atividade agrícola e pecuária a partir da segunda metade do século XIX, não só nas zonas sob domínio colonial, como também em outros territórios, caracterizados pelo avanço célere da fronteira agrícola, sobretudo em zonas modificadas para cultivos de cereais. A consequente modificação ecológica dos biomas, geralmente marcados por formações vegetais mais esparsas e rasteiras, com climas mais secos, facilitou a incidência dos gafanhotos. O desmatamento de regiões como pampas e savanas, com a introdução de cultivos exóticos, como trigo, cevada, milho e outros cereais, ou para estabelecimento de pastagens, tornou áreas como as hinterlândias da Austrália, Argentina, Uruguai, EUA, Canadá, Argélia, África do Sul, entre outros, alvos frequentes de infestações. O abandono de terras cultivadas ou modificações nos regimes hídricos devido à instalação de sistemas de irrigação também se associou à irrupção de enxames. Além disso, fatores climáticos somaram-se às mudanças nos padrões de uso do solo, dois elementos aos quais os gafanhotos são bastante sensíveis (Devenson & Martinez, 2016Devenson, E., & Martinez, A. (2016). Locusts in southern Settler Societies: Argentine and Australian experience and responses, 1880–1940. In C. J. Melo, E. Vaze & L. M. C. Pinto (Eds.), Enviromental history in the making. Volume II: Acting (pp. 259-288). Springer International Publishing.).

No rastro dos enxames, observaram-se, em muitos casos, crises de fome, responsáveis por migrações em massa dos camponeses afetados. No entanto, a mobilização das autoridades nacionais e imperiais contra a praga deveu-se em sua maior parte ao fato de afetarem as culturas agroexportadoras e, por extensão, os grandes proprietários. Em função disso, os respectivos departamentos e ministérios agrícolas organizaram comissões de especialistas, decretaram leis ou organizaram campanhas coletivas de combate ao gafanhoto, apesar do caráter desse engajamento coletivo ter variado segundo os contextos implicados (Devenson & Martinez, 2016Devenson, E., & Martinez, A. (2016). Locusts in southern Settler Societies: Argentine and Australian experience and responses, 1880–1940. In C. J. Melo, E. Vaze & L. M. C. Pinto (Eds.), Enviromental history in the making. Volume II: Acting (pp. 259-288). Springer International Publishing.). As ações também incluíram o fortalecimento da vigilância da circulação de plantas e sementes, robustecendo os sistemas de defesa sanitária vegetal, baseados na inspeção, nas quarentenas e nos cordões sanitários. Em linhas gerais, até por volta dos anos 1940 o repertório de combate concentrou-se em medidas como a coleta manual ou mecânica dos insetos, queima ou dessecação de ovos, utilização de barreiras físicas, como folhas de zinco ou construção de valas, para onde eram atraídos e depois queimados ou enterrados. O controle biológico chegou a ser ensaiado em algumas ocasiões, mas sem resultados muito promissores, como o fungo parasita inoculado nos gafanhotos da África do Sul ou as tentativas feitas na Argentina na década de 1910. Os inseticidas manufaturados integraram as medidas de controle a partir dos anos 1940. Em países anglófonos, como Austrália e África do Sul, inseticidas como os arsenicais foram muito utilizados desde o início do século XX. O BHC foi largamente aplicado contra os gafanhotos. A disponibilidade de aspersão aérea desses compostos representou um fator importante no declínio dessa praga na segunda metade do século XX, muito embora ela persista incidindo sobre os cultivos, como tem ocorrido recentemente na África e na América do Sul.

Apesar de registros anteriores de ocorrência dos gafanhotos, eles despontaram como ameaças às plantações em níveis dramáticos nas décadas de 1870 e de 1890. No início do século XX, surgiram em infestações periódicas em diferentes regiões em vagas que mobilizaram a resposta dos governos e dos lavradores. A Argentina destacou-se dos demais países acometidos pela intensidade das iniciativas de pesquisa e controle, argumenta Fernandes (2020)Fernandes, V. D. (2020). La lucha contra la langosta: Relações biossociais na América do Sul, Argentina, Uruguai e Brasil, 1896-1952 [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro].. O país sul-americano contratou especialistas de diferentes países, estabeleceu comissões e fez parte de ações multilaterais regionais da América Latina, compostas por conferências, reunidas em 1913, 1934 e 1946, das quais resultaram um comitê – o Comitê Interamericano Permanente Antiacridiano (CIPA) –, que atuou de 1948 a 1952 (Fernandes, 2020Fernandes, V. D. (2020). La lucha contra la langosta: Relações biossociais na América do Sul, Argentina, Uruguai e Brasil, 1896-1952 [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro].). Da mesma forma que a territorialidade do gafanhoto fomentou negociações e projetos internacionais na América do Sul, conforme analisa Fernandes (2020)Fernandes, V. D. (2020). La lucha contra la langosta: Relações biossociais na América do Sul, Argentina, Uruguai e Brasil, 1896-1952 [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]., na região do Cáucaso e nas regiões limítrofes da então União Soviética com o Irã e a Ásia Central, os esforços de criar espaços comuns para o enfrentamento conjunto da praga contribuíram para estreitar os laços do país comunista com os vizinhos, ampliando sua esfera de influência dos anos 1920 em diante. Ao mesmo tempo, ajudou a legitimar internamente o regime bolchevique, reforçando a ‘sovietização’ das repúblicas recém-incorporadas à União, como Azerbaijão, Cazaquistão e Geórgia (Forestier-Peyrat, 2014Forestier-Peyrat, E. (2014). Fighting locusts together: Pest control and the birth of soviet development Aid, 1920-1939. Global Environment, 7(2), 536-571. https://doi.org/10.3197/ge.2014.070211
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). Isto se deu pela incorporação do gafanhoto à retórica da ideologia comunista e de guerra e pela associação com o projeto de modernizar e transformar o interior do país. Os soviéticos buscaram criar uma rede epistêmica de saberes e experiências sobre o gafanhoto, alternativa àquela que gravitava em torno do Instituto Internacional de Agricultura, umbilicalmente ligado aos países colonialistas, com hegemonia dos ingleses e seu Bureau Imperial de Entomologia. Tentaram obter influência sobre as articulações que envolviam os países do Oriente Médio, como aquelas que redundaram na criação do Escritório Internacional de Informações Referentes aos Gafanhotos (International Office for Information Regarding Locusts), criado em 1931 e sediado em Damas (Forestier-Peyrat, 2014Forestier-Peyrat, E. (2014). Fighting locusts together: Pest control and the birth of soviet development Aid, 1920-1939. Global Environment, 7(2), 536-571. https://doi.org/10.3197/ge.2014.070211
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). Em algumas zonas que compartilharam do problema dos gafanhotos, não houve a mesma ação concertada, como mostram Gomes et al. (2019)Gomes, I., Queiroz, A. I., & Alves, D. (2019). Iberians against locusts: Fighting cross-border bio-invaders (1898-1947). Historia Agraria: Revista de Agricultura e Historia Rural, 78, 127-159. http://doi.org/10.26882/histagrar.078e05g
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para o caso da Península Ibérica.

O intercâmbio internacional de conhecimentos e experiências no âmbito dessas organizações de âmbito regional, mas também em escopo global, conferiu certa similitude no perfil das respostas aos gafanhotos, não obstante as peculiaridades biológicas, econômicas e socioculturais das espécies e formações socioambientais envolvidas. Algumas dessas experiências se sobressaíram e influenciaram outras campanhas. Uma delas foi o enfrentamento, por uma comissão de destacados entomologistas nos anos 1870, dos gafanhotos das Montanhas Rochosas nos EUA, o ‘evento mais dramático na história da entomologia americana’ (Egerton, 2013Egerton, F. N. (2013). History of ecological sciences – Part 45: Ecological aspects of entomology during the 1800s. Bulletin of Ecological Society of America, 94(1), 36-88. https://doi.org/10.1890/0012-9623-94.1.36
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). Outra foi a campanha baseada em medidas manuais de combate na Argélia e no Chipre (Buj Buj, 1995Buj Buj, A. (1995). International experimentation and control of the cocust plague – Africa in the first half of the 20th century. In Y. Chatelin & C. Bonneuil (Eds.), Nature et environnement. Vol. 3, Les sciences hors d’Occident au XXe siècle (pp. 93-105). ORSTOM.). De influência e repercussão bem mais ampla na compreensão e no combate do gafanhoto foram os achados do entomologista russo emigrado para a Inglaterra, Boris Uvarov. Com base em intensas pesquisas sobre a taxonomia, a distribuição e a migração dos gafanhotos, Uvarov estabeleceu que estes insetos possuem uma fase solitária e uma fase gregária, sendo que a passagem de uma para outra ocorre em locais específicos, em decorrência de fatores ecológicos, como clima e disposição de comida. O efeito prático deste enunciado consistiu em ‘fornecer um fundamento para estratégias preventivas’ (Devenson & Martinez, 2016Devenson, E., & Martinez, A. (2016). Locusts in southern Settler Societies: Argentine and Australian experience and responses, 1880–1940. In C. J. Melo, E. Vaze & L. M. C. Pinto (Eds.), Enviromental history in the making. Volume II: Acting (pp. 259-288). Springer International Publishing.): bastaria identificar as zonas onde os gafanhotos se agregavam formando os enxames, combatendo-os ainda em sua fase solitária. Expedições de especialistas saíram em busca dessas regiões para observarem o inseto, seu habitat e as variáveis ecológicas sob as quais se tornavam gregários, bem como os fluxos migratórios dos enxames. Na Austrália, realizou-se aspersão aérea de inseticidas sobre algumas dessas áreas (Devenson & Martinez, 2016Devenson, E., & Martinez, A. (2016). Locusts in southern Settler Societies: Argentine and Australian experience and responses, 1880–1940. In C. J. Melo, E. Vaze & L. M. C. Pinto (Eds.), Enviromental history in the making. Volume II: Acting (pp. 259-288). Springer International Publishing.). As frequentes conferências internacionais reunidas nos anos 1930 contribuíram para sedimentar o consenso em torno dos enunciados de Uvarov, que liderou a agência inglesa devotada à entomologia, renomeada como Centro de Pesquisa Anti-Gafanhoto (Anti-Locust Research Centre) (Buj Buj, 1995Buj Buj, A. (1995). International experimentation and control of the cocust plague – Africa in the first half of the 20th century. In Y. Chatelin & C. Bonneuil (Eds.), Nature et environnement. Vol. 3, Les sciences hors d’Occident au XXe siècle (pp. 93-105). ORSTOM.).

A circulação global de plantas, animais e pessoas, intensificada nos marcos do capitalismo e do intercâmbio biológico transcontinental, não afetou somente o Novo Mundo e as commodities coloniais. Os padrões alimentares e os sistemas agroecológicos europeus também se modificaram nessas trocas biológicas, tendo à disposição novas plantas, como o milho, a batata e o fumo. Exatamente uma dessas culturas introduzidas, a batata, foi alvo de uma das maiores crises fitossanitárias da história, com profundas consequências para a história social das regiões envolvidas. Trata-se da epidemia de requeima da batata, doença causada pelo fungo Phytophthora infestans, que acometeu a Irlanda, provocando, entre 1845 e 1952, um surto de fome, que ocasionou a emigração de mais de 2 milhões de irlandeses, com decréscimo populacional estimado entre 25 a 27%. De origem no México, o fungo apareceu nos EUA em 1843 e em 1845 alcançou a Bélgica, de onde logo se difundiu para outros países europeus.

Fatores sociais e ecológicos da Irlanda fizeram com que a doença causasse uma crise humanitária de enormes proporções. Nas décadas anteriores, muitos irlandeses haviam convertido suas áreas de cultivo para zonas de criação de gado, em vistas do aumento da demanda externa por carne e produtos animais. Além disso, o desenvolvimento industrial na Inglaterra atraíra muitos artesãos que praticavam tecelagem em suas casas, causando um decréscimo nesse tipo de atividade, a qual assegurava a autonomia financeira de muitas famílias na Irlanda. Os camponeses que não puderam emigrar ou criar gado passaram a praticar agricultura de subsistência e se viram obrigados a mudar suas dietas. A batata, geralmente empregada na alimentação dos rebanhos, tornou-se a base da alimentação, servindo como fonte predominante de calorias, proteínas e minerais. Cerca de 1/3 das terras agriculturáveis da Irlanda passou a ser devotada à plantação de batatas. O cultivo intensivo do tubérculo em porções degradadas de terra nas quais ele prosperou facilitou a difusão do agente da doença. Condições ambientais particulares facilitaram essa difusão: o inverno rigoroso de 1846-1847, com atraso nas plantações da primavera; a seca no verão, seguida de chuvas fortes, comprometeu as safras e beneficiou o espraiamento dos esporos entre as plantas. De 1847, o ano mais dramático, a 1849, a produção caiu vertiginosamente, provocando a fome entre populações já debilitadas pela doença e pobreza. Os que tinham alguma condição, emigraram. Muitos afluíram para os EUA. A doença destruiu cerca de 50 milhões de toneladas de batata e a Irlanda perdeu cerca de 1/5 de sua população, perda com efeitos duradouros na história subsequente do país (Penna & Rivers, 2013Penna, A. N., & Rivers, J. S. (2013). Natural disasters in a global environment. Wiley-Blackwell., pp. 245-262).

Outro caso bastante emblemático de efeitos econômicos em consequência da introdução de espécies exóticas, ainda que menos dramático em termos humanitários, foi a crise da filoxera, que afetou os vinhedos da Europa desde a década de 1860 e se espraiou para os cinco continentes nas décadas seguintes. O professor da Universidade de Montpellier, Jules-Emile Planchon, identificou o inseto na região próxima ao Languedoc, em 1863. De origem estadunidense, a praga atingiu a Europa pela introdução de variedades americanas de videiras desde o final da década de 1850, possibilitada pela navegação a vapor entre os dois continentes. Cerca de 40% das vinhas foram atacados até 1870. Uma série de medidas locais foram executadas na tentativa de deter a praga, mas uma ampla colaboração franco-americana teve lugar, envolvendo Planchon e o célebre entomologista Charles Valentine Riley, de grande relevo na institucionalização da entomologia nos EUA (Howard, 1930Howard, L. O. (1930). A history of applied entomology. Smithsonian Institution.; Essig, 1931Essig, E. O. (1931). A sketch history of entomology. Osiris, 2, 80-123.). Em 1873, eles tentaram controlar a filoxera com um inimigo natural, um ácaro proveniente dos EUA, mas a tentativa não deu certo (Hagen & Franz, 1973Hagen, K. S., & Franz, J. M. (1973). A history of biological control. In R. F. Smith, T. E. Mittler & C. Smith (Eds.), History of entomology (pp. 433–476). Annual Reviews Inc.). No ano seguinte, Louis Pasteur sugeriu utilizar a pebrina, agente que parasita o bicho-da-seda, ou identificar um fungo que desempenhasse a mesma função (Cameron, 1973Cameron, J. W. M. (1973). Insect pathology. In R. F. Smith, T. E. Mittler & C. Smith (Eds.), History of Entomology, pp. 285–306Annual Reviews Inc., p. 289). Porém, a solução encontrada foi o enxerto das vinhas europeias com porta-enxertos norte-americanos de variedades resistentes à praga. Segundo Gale (2011, p. 4)Gale, G. (2011). Dying on the wine: How phylloxera transformed wine. University of California Press., a colonização dos vinhedos europeus pela filoxera “foi o primeiro e até hoje o pior exemplo de uma espécie invasora intercontinental”. Ainda de acordo com Gale (2011, p. 4)Gale, G. (2011). Dying on the wine: How phylloxera transformed wine. University of California Press., em consequência desta praga, “milhões de pessoas foram desalojadas, economias nacionais foram arruinadas, sistemas agrícolas destruídos, e cientistas, produtores, políticos e pessoas comuns de todos os níveis da sociedade lançaram-se em uma ação frenética contra o desconhecido e perverso inimigo das vinhas”. Para Howard (1930)Howard, L. O. (1930). A history of applied entomology. Smithsonian Institution., a crise da filoxera marca o início da entomologia econômica mundial.

Na América do Norte, a deflagração de pragas e doenças vegetais a partir dos anos 1870 ocorreu, em grande medida, em consequência da colonização interna, ou seja, da ocupação dos territórios a oeste, ocasionada pelo avanço da fronteira agrícola e o célere espraiamento das ferrovias. Uma série de insetos locais e exóticos invadiu os cultivos a partir das redes de transporte recém-estabelecidas, provocando pragas severas, como a mosca-da-groselha (Nematus ribesii); a lagarta-militar ou lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda); o gorgulho-das-ameixas (Conotrachelus nenuphar); o gafanhoto-das-montanhas-rochosas (Melanoplus spretus); o besouro-da-batata (Leptinotarsa decemlineata), o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis); o piolho-de-são-josé (Quadraspidiotus perniciosus), entre muitos outros. Os cultivos de macieiras no Canadá também se tornaram presas fáceis de pragas, bem como os citros da Califórnia e da Flórida. A extensão dessas pragas impulsionou o desenvolvimento de nichos institucionais devotados a conhecê-las e controlá-las, contribuindo para sedimentar um padrão de ciências agrícolas que ganhou influência global no século XX e foi decisivo para a generalização do perfil de agricultura industrial observado sobretudo após a Segunda Guerra.

AS PRAGAS E DOENÇAS NA MIRA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Segundo Worster (2003, p. 36), a revolução agrícola iniciada na Inglaterra no século XVIII foi um processo ‘dual’ – “. . . uma de suas metades foi capitalista; a outra científica, e as duas metades nunca foram completamente compatíveis”. Enquanto o sistema capitalista privilegiou a monocultura e a lucratividade, as ciências se estabeleceram como chaves privilegiadas de leitura dos processos do mundo biofísico. Em suas várias interfaces e saberes, dedicaram-se do ponto de vista prático e teórico à resolução das questões agrícolas, mas o princípio de maior sinergia entre plantas e animais advogado pelos cientistas não ganhou o imaginário dos fazendeiros, de maneira que as lógicas científica e capitalista, segundo Worster (2003)Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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, pouco se harmonizaram.

Na história dos saberes sobre as pragas e doenças vegetais, isto é verdadeiro apenas em parte. Os conhecimentos sobre os agentes microbianos e invertebrados em áreas do saber não voltadas inicialmente ao domínio da agricultura fizeram dos estudiosos parceiros eventuais de proprietários cada vez mais afetados por afecções em suas lavouras. De campos como a história natural, a botânica e a química, individualizaram-se a entomologia e a fitopatologia, sendo que, a partir do final do século XIX, a primeira cindiu-se em outras subespecialidades. Seguiram a princípio trajetórias distintas, mas que em parte convergiram nos variados aparatos institucionais implantados para pesquisa e assistência à agricultura. O crescimento da atividade agrícola nas formações sociais dos Estados-nação e sua maior expressividade nas economias nacionais e coloniais exigiram o suporte crescente dos Estados na formação desses arcabouços institucionais. Nem todos os instituíram no mesmo nível. Em muitos casos, setores privados se adiantaram às iniciativas estatais, impelidos por crises como as provocadas por pragas e doenças, mas também desastres climáticos e de outras naturezas, os quais nem sempre frutificaram em estruturas duradouras. Em outras tantas constelações, as elites agrárias de envergadura regional e nacional dispuseram de poder e influência suficientes para que as ações estatais em ‘defesa da agricultura’ atendessem e resguardassem seus interesses.

Assim, o desenvolvimento e a institucionalização das ciências agrárias, e particularmente da entomologia econômica e da fitopatologia, obedeceram a imperativos locais. Conforme argumenta Fitzgerald (1997)Fitzgerald, D. (1997). Mastering nature and Yeoman. Agricultural sciênce in the twentisth csntury. ln J. Krige & D. Pestre (Eds.), Science in the twentieth century (pp. 701-713). Routledge., as ciências agrárias articularam o laboratório e o campo na produção do conhecimento e, em função disso, integraram um conjunto expressivo de localidades e identidades, sendo que cada uma delas se desenvolveu em ritmos e motivações próprias. No interior desse processo, o conhecimento tácito, empírico, detido pelos fazendeiros e lavradores que lidavam com a prática agrícola cotidianamente no campo, cedeu lugar à hegemonia do conhecimento especializado, que ‘capturou’ esses saberes empíricos, de forma que os especialistas os “codificaram, testaram, retificaram e remodelaram em conhecimento científico” (Fitzgerald, 1997Fitzgerald, D. (1997). Mastering nature and Yeoman. Agricultural sciênce in the twentisth csntury. ln J. Krige & D. Pestre (Eds.), Science in the twentieth century (pp. 701-713). Routledge., p. 703).

Não cabe aqui um histórico geral desses campos do conhecimento, complexos e particulares em seus arranjos cognitivos e socioculturais, como também em suas trajetórias, mas apenas destacar alguns eventos, personagens e instituições que contribuíram para que tais ciências assumissem a frente na abordagem das doenças e pragas dos agrossistemas desde o último quartel do século XIX, mas principalmente no decorrer do século XX. No contexto dessas abordagens, ganhou centralidade, no século XX, a utilização de compostos químicos no controle de patógenos e insetos, de maneira que se tornaram uma parte fundamental da agricultura industrial, com as consequências ecológicas já mencionadas. Ao mesmo tempo, os próprios saberes científicos acomodaram espaço para o surgimento e o debate de estratégias alternativas, menos dependentes de insumos tecnológicos, mais próximas de sistemas agrários com maior agrobiodiversidade ou atentas aos mecanismos ecológicos que subjazem à emergência e à difusão de doenças e pragas nos cultivos.

A compreensão da hegemonia assumida pelos agroquímicos no controle de pragas e patógenos requer uma atenção especial ao que ocorreu nos Estados Unidos, tornados o modelo de avanço nas ciências agrárias, pelos resultados obtidos na promoção da expansão agrícola, mas também pela dimensão geopolítica assumida pelo país, através da qual ‘exportou’ globalmente o receituário tecnológico baseado no alto aporte de energia, tecnologia e capital nos campos cultivados. Segundo Davis (2019)Davis, F. R. (2019). Pesticides and the perils of synecdoche in the history of science and environmental history. History of Science, 57(4), 469-492. https://doi.org/10.1177/0073275319848964
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, os inseticidas químicos tornaram-se centrais na agricultura industrial, tal como praticada nos EUA e em todos os espaços que a adotaram, ou seja, a maior parte do mundo desenvolvido. O sistema de organização da pesquisa e do ensino agrícolas nos EUA favoreceu a proximidade dos especialistas com os setores empresariais, permitindo que atores ligados às corporações imprimissem uma mentalidade cada vez mais industrial na agricultura (Fitzgerald, 1997Fitzgerald, D. (1997). Mastering nature and Yeoman. Agricultural sciênce in the twentisth csntury. ln J. Krige & D. Pestre (Eds.), Science in the twentieth century (pp. 701-713). Routledge.).

O que podemos chamar coletivamente de ‘ciências agrícolas’ não contemplou a agricultura de forma indistinta: elas privilegiaram os cultivos de maior relevância econômica, organizados em grandes propriedades monocultoras, em detrimento dos pequenos produtores. Isto é particularmente notável no caso da fitopatologia e da entomologia agrícola, saberes que se mobilizaram frequentemente para resolver as ‘crises’ que acometeram as produções economicamente relevantes, com alinhamento circunstancial das investigações com o imperativo econômico.

Nem por isso a tensão entre as lógicas científica e capitalista mencionada por Worster (2003)Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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ficou eliminada: ela não só se tornou constitutiva da própria demarcação desses saberes agrícolas, como circunscreveu a esfera de manobra dos especialistas com maior ou menor intensidade segundo as configurações sociais locais. Abordagem mais teórica ou prática do problema das pragas e doenças, com agendas mais aprofundadas de estudo ou respostas imediatas às demandas da lavoura, dependeu do poder de pressão das classes produtoras sobre as instituições científicas. Palladino (1996)Palladino, P. (1996). Entomology, ecology and agriculture: The making of science careers in North America, 1885-1985. Routledge. ilustra isso em estudo comparativo sobre a entomologia agrícola nos EUA e no Canadá. Enquanto nos EUA estruturas mais regionalizadas e próximas da influência dos produtores locais condicionaram respostas mais rápidas, resultando na hegemonia da abordagem química no estudo e controle das pragas, no Canadá, arranjo mais centralizado e coordenado pelo Estado favoreceu o desenvolvimento de abordagens menos imediatistas e agendas de pesquisa que desaguaram em reflexões teóricas da ecologia. Harwood (2005)Harwood, J. (2005). Technology’s dilemma: Agricultural colleges between science and practice in Germany, 1860–1934. Peter Lang. identificou fenômeno semelhante no perfil das instituições de ensino agrícola da Alemanha, mais orientadas em direção a questões práticas e teóricas, de acordo com as relações estabelecidas com os setores agrários e as burocracias estatais da região em que se encontravam.

Não é casual que as disciplinas dedicadas à compreensão e ao controle das pragas e doenças tenham ganhado relevo nesses contextos de crise para a lavoura. No caso da fitopatologia, um dos marcos para a configuração que assumiu foi a ocorrência da requeima da batata, cujo papel causal do fungo Phytophthora infestans foi firmado em 1853 pelo inglês Heinrich Anton De Bary. O envolvimento deste fungo na doença já fora apontado pelo inglês Miles Joseph Berkeley, mas suas evidências não foram conclusivas. Na obra de 1853, “Investigações sobre os fungos e sobre as doenças vegetais causadas por eles”, de Bary (1853)De Bary, H. A. (1853). Untersuchungen über die Brandpilze und die durch sie verursachten Krankheiten der Pflanzen mit Rücksicht auf das Getreide und andere Nutzpflanzen. G. W. F. Müller, não só estabeleceu a natureza fúngica da requeima das batatas, como mostrou o modo de germinação dos esporos de outras moléstias, sua capacidade infectiva, o caráter hereditário dos fungos e a associação com os estômatos das plantas infectadas, os órgãos responsáveis pela respiração. Para o laboratório de Anton de Bary, na Alemanha, afluíram vários estudiosos interessados em se aprofundar na pesquisa dos fungos e das doenças vegetais. Este foi o caso, por exemplo, do norte-americano Thomas Jonathan Burrill (1839-1916), considerado o ‘pai’ da fitopatologia estadunidense, por a ter introduzido em seus cursos, identificando agentes patogênicos de uma série de doenças vegetais e formando discípulos que seguiram adiante os estudos das moléstias vegetais.

Microrganismos como algas e fungos já vinham sendo correlacionados desde o início do século XIX a moléstias de plantas, mas havia um debate se eles seriam as causas das desordens fisiológicas ou produtos do enfraquecimento dos tecidos, hipótese ventilada pela teoria da geração espontânea. Eles eram considerados, em muitos casos, consequências da degeneração das plantas por fatores climáticos, fisiológicos ou nutricionais; neste caso, devido à pobreza e a desordens do solo.

O arcabouço conceitual da teoria microbiana, sobretudo a partir dos postulados de Robert Koch, alavancou a descrição de uma série de agentes de doenças de natureza fúngica, como oídios, míldios, ferrugens e carvões. Ao mesmo tempo em que os enunciados e técnicas aprimoraram o estudo dos microrganismos e de seu papel nas doenças infecciosas, vegetais, animais e humanas, ocorriam avanços importantes na compreensão da fisiologia vegetal. O inglês Harry Marshall Ward investigou as patologias vegetais do ponto de vista fisiológico, distinguindo entre os patógenos biotrópicos, como as ferrugens, que crescem no interior das paredes celulares das plantas, e os necrotrópicos, que liberam enzimas que desfazem as células vegetais, aniquilando o hospedeiro com mais rapidez. Ward (1888)Ward, H. M. (1888). A lily disease. Annals of Botany, 2, 319-378. identificou o agente da ferrugem do café no Ceilão, mas seu trabalho mais célebre foi “Uma doença do lírio”, em que preconizou formas de controle de uma moléstia vegetal pela interação entre parasitas, hospedeiro e ambiente (Egerton, 2012Egerton, F. N. (2012). History of ecological sciences – Part 44: Part 44: Phytopathology during the 1800s. Bulletin of Ecological Society of America, 93(4), 303-339. https://doi.org/10.1890/0012-9623-93.4.303
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). O papel dos fatores ambientais nas doenças de plantas foi crescentemente integrado à análise desses fenômenos, compreendidos como resultantes da intersecção entre o patógeno, o hospedeiro suscetível e o ambiente (McCook, 2019McCook, S. (2019). Coffee is not forever: A global history of the coffee leaf rust. Ohio University Press., pp. 2-3).

Além das bactérias e dos fungos, outros microrganismos foram correlacionados a afecções de plantas, como nematódeos e protozoários. Exemplo dos primeiros foi o Meloidogyne exigua, identificado pelo naturalista Emílio Goeldi, em 1887, na já mencionada moléstia que afetou os cafezais do Vale do Paraíba fluminense. Já é sabido como a definição e a compreensão moderna dos vírus derivou em grande medida de uma doença vegetal – o mosaico do tabaco1. Outras doenças vegetais cujos patógenos não haviam sido isolados pelos métodos canônicos da bacteriologia passaram a ser associadas aos vírus. A confirmação dessas etiologias dependeu do avanço das técnicas que permitiram melhor conhecimento dos vírus, as quais, por sua vez, modificaram o próprio conceito desses agentes. Para o propósito do presente artigo, cabe apenas ressaltar que, além das doenças humanas, as vegetais também foram temáticas que contribuíram para a decolagem de tais investigações.

Outro marco no desenvolvimento da fitopatologia foi a proposição, pelo inglês Rowland Harry Biffen (1874-1949), em 1905, de que a resistência do trigo à ferrugem amarela era um traço genético que obedecia aos princípios mendelianos e que os genes resistentes poderiam ser transferidos pelo cruzamento entre variedades. Ele próprio dedicou-se a desenvolver variedades de trigo resistentes a doenças, uma das bases tecnológicas que propulsionaram a Revolução Verde (Perkins, 1997Perkins, J. H. (1997). Geopolitics and the green revolution: Wheat, genes, and the cold war. Oxford University Press.). Um dos ícones da Revolução Verde, o fitopatologista Norman Borlaug, laureado com o Nobel da Paz, destacou-se por criar variedades anãs de trigo altamente resistentes a doenças e adaptadas a climas quentes (Gay, 2012Gay, H. (2012). Before and after silent spring: From chemical pesticides to biological control and integrated pest management — Britain, 1945–1980. Ambix, 59(2), 88-108. https://doi.org/10.1179/174582312X13345259995930
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).

A compreensão genética da hibridização de plantas, prática empírica que tinha larga difusão, abriu caminho para a intervenção deliberada e direcionada no desenvolvimento de variedades vegetais, resistentes não só a patógenos, mas a fatores climáticos, do solo e de maior produtividade. Em função disso, Perkins (1997, p. 58)Perkins, J. H. (1997). Geopolitics and the green revolution: Wheat, genes, and the cold war. Oxford University Press. afirma que Biffen “foi um profeta por trazer a revolução industrial à agricultura”. A produção de variedades resistentes a doenças por cruzamento entre plantas fez deste procedimento um protocolo fundamental no controle de doenças vegetais, com consequências ecológicas, sociais e econômicas, como mostra McCook (2002McCook, S. (2002). Las epidemias liberales: Agricultura, ambiente y globalización en Ecuador (1790-1930). In B. G. Martinez & M. Prieto (Orgs.), Estudios sobre Historia y Ambiente en America II. Instituto Panamericano de Geografia e Historia El Colégio de México., 2014McCook, S. (2014). Ephemeral plantations: The rise and fall of Liberian coffee, 1870-1900. In F. Uekötter (Ed.), Comparing apples, oranges, and cotton: Environmental histories of the global plantation (pp. 85–112). Campus Verlag., 2019)McCook, S. (2019). Coffee is not forever: A global history of the coffee leaf rust. Ohio University Press., no caso das variedades de café que circularam e se estabeleceram nos distintos territórios, em grande medida, em consequência da ferrugem e como forma de garantir cultivos mais adaptados às regiões.

Os métodos de controle das moléstias vegetais antecederam a compreensão de sua etiologia e patogenia. Muitos compostos foram tradicionalmente empregados a partir de observações empíricas. Soluções à base de enxofre e cobre, princípio dos fungicidas modernos, foram muito utilizadas no século XIX. Em 1913, surgiram os fungicidas mercuriais orgânicos para tratar as sementes; em 1934, Tisdale e Williams introduziram os fungicidas orgânicos da categoria tiocarbamatos, com poder de ação muito superior às soluções até então utilizadas, e, em 1960, vieram a lume os fungicidas sistêmicos.

O papel da fitopatologia na compreensão e no enfrentamento das moléstias vegetais fez com que ela assumisse papel significativo no quadro das ciências agrícolas, compondo os currículos das escolas agronômicas e as investigações dos centros de pesquisa agrária. Em função disso, teve grande desenvolvimento nos EUA, tornado paradigma desse conjunto de saberes a partir do último quartel do século XIX e início do século XX2. O enorme crescimento da agricultura no país de plantas predominantemente exóticas durante os Oitocentos acarretou o aumento da incidência de pragas e doenças, como comentado no item anterior, e a maior demanda de conhecimentos especializados. A marcha para o Oeste, avançada pela fronteira agrícola que estendeu os monocultivos, a mecanização da lavoura e a maior integração pela malha de transportes ferroviários e navegação a vapor criaram as condições propícias para a difusão de insetos nativos e exóticos. As incursões das pragas ficaram mais visíveis com a especialização da economia agrícola, com os fazendeiros dedicados a lavouras comerciais mais sensibilizados sobre o perigo daqueles agentes e sobre a importância do saber especializado para combatê-los (Dunlap, 1980Dunlap, T. R. (1980). Farmers, scientists, and insects. Agricultural History, 54(1), 93–107.). O período entre 1870 e 1887 é referenciado por isso como era da ‘emergência dos insetos’ (Essig, 1931Essig, E. O. (1931). A sketch history of entomology. Osiris, 2, 80-123.; Palladino, 1996Palladino, P. (1996). Entomology, ecology and agriculture: The making of science careers in North America, 1885-1985. Routledge.; Cook, 1998Cook, G. M. (1998). “Spray, spray, spray!”: Insecticides and the making of applied entomology in Canada, 1871-1914. Scientia Canadensis, 22-23, 7–50. https://doi.org/10.7202/800406ar
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).

Uma infraestrutura de pesquisa e assistência aos produtores foi estabelecida pelo Estado em 1862, quando foram instituídos land grant colleges em todas as unidades da federação. Em 1887, estações agrícolas experimentais foram anexadas àquelas escolas, tornando-se as bases institucionais da pesquisa agrícola estadunidense, responsáveis por assegurar a primazia do país nessa área (Howard, 1930Howard, L. O. (1930). A history of applied entomology. Smithsonian Institution.; Essig, 1931Essig, E. O. (1931). A sketch history of entomology. Osiris, 2, 80-123.; Dunlap, 1980Dunlap, T. R. (1980). Farmers, scientists, and insects. Agricultural History, 54(1), 93–107.; Palladino, 1996Palladino, P. (1996). Entomology, ecology and agriculture: The making of science careers in North America, 1885-1985. Routledge.; Fitzgerald, 1997Fitzgerald, D. (1997). Mastering nature and Yeoman. Agricultural sciênce in the twentisth csntury. ln J. Krige & D. Pestre (Eds.), Science in the twentieth century (pp. 701-713). Routledge.).

Além da fitopatologia, os norte-americanos também ganharam destaque na entomologia agrícola. Conhecida como ‘entomologia aplicada’ ou ‘econômica’, esta subespecialidade da pesquisa entomológica conferiu enorme relevância e legitimidade ao estudo dos insetos, até então considerado atividade de amadores e eruditos de gabinete. Antes do reconhecimento público do papel da entomologia no controle de pragas e doenças, seus praticantes eram vistos como “colecionadores um tanto excêntricos de besouros e borboletas, escondendo-se em museus com seus besouros em garrafas quando não estavam no campo em calções de golfe agitando descontroladamente suas redes de caçar borboletas” (Palladino, 1996Palladino, P. (1996). Entomology, ecology and agriculture: The making of science careers in North America, 1885-1985. Routledge., p. 2).

O interesse por esses invertebrados esteve inicialmente ligado ao esforço catalográfico característico da história natural, mas, em muitos casos, autores dedicados à coleta e à sistemática das espécies abordaram aquelas que eram associadas a pragas vegetais. O imperativo prático caminhou ao lado do esforço de compreender os insetos em sua taxonomia, biologia e ecologia. Muitas vezes, naturalistas alocados em museus foram mobilizados para o estudo das pragas. Este foi o caminho de institucionalização da especialidade no Brasil, por exemplo. Muito embora as instituições agrícolas implantadas durante o Império tenham se dedicado ao estudo e ao controle dos insetos que atacavam as lavouras, o primeiro laboratório especializado em entomologia aplicada surgiu no Museu Nacional, em 1911, liderado pelo entomologista Carlos Moreira (A. Silva, 2006Silva, A. F. C. (2006). A campanha contra a broca-do-café em São Paulo (1924-1927). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 13(4), 957-993. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702006000400010
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; Rangel, 2006Rangel, M. F. (2006). Um entomólogo chamado Costa Lima: A consolidação de um saber e a construção de um patrimônio científico [Tese de doutorado, Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz].). Dez anos depois, o laboratório integrou o arcabouço de defesa sanitária vegetal implementado no Ministério da Agricultura brasileiro, vindo a compor o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e o Serviço de Vigilância Sanitária Vegetal. Com isso, as pragas e doenças agrícolas ganharam bases institucionais e científicas mais orgânicas. Este arcabouço incluiu entomologistas e fitopatologistas dedicados não só a estudar e identificar pragas e moléstias vegetais, mas também em estabelecer a inspeção da circulação de plantas e partes vivas de plantas, um dos principais mecanismos de introdução de agentes nocivos aos cultivos (Rangel, 2006Rangel, M. F. (2006). Um entomólogo chamado Costa Lima: A consolidação de um saber e a construção de um patrimônio científico [Tese de doutorado, Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz].; A. Silva, 2006Silva, A. F. C. (2006). A campanha contra a broca-do-café em São Paulo (1924-1927). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 13(4), 957-993. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702006000400010
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).

Padrão semelhante observou-se na Europa. Na Inglaterra, estudiosos dedicados à entomologia coletaram insetos danosos e benéficos à agricultura britânica. Em 1912, foi criado o Escritório Imperial de Entomologia (Imperial Bureau of Entomology), voltado à identificação de pragas da lavoura nas colônias britânicas da África, Ásia e Américas. Os britânicos criaram um sólido aparato de defesa sanitária vegetal, com sistemas de expurgo de sementes e plantas nos portos e nas ferrovias, assim como medidas de prevenção e controle das pragas. Os franceses criaram um Departamento de Zoologia Agrícola, em 1894, e uma Estação Entomológica foi fundada em Paris, com sucursais em várias cidades da França. Na Alemanha, a área se desenvolveu atrelada à silvicultura. Em 1913, surgiu a Sociedade Alemã de Entomologia Aplicada, a qual ganhou relevo a partir da Primeira Guerra, com a introdução de várias pragas em decorrência da movimentação de tropas3.

Nos EUA, a frequência e a extensão dos ataques de pragas e a importância econômica das culturas acometidas alavancaram o desenvolvimento, a institucionalização e a profissionalização da entomologia econômica. Eles se sobressaíram frente aos europeus, em contraste com outras especialidades agrícolas, como a pedologia ou a química agrícola (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press., p. 248). Em “História da entomologia econômica”, o célebre entomologista norte-americano Leland O. Howard (1930)Howard, L. O. (1930). A history of applied entomology. Smithsonian Institution. enumera as razões pelas quais a disciplina teve menor desenvolvimento na Europa, comparado com os EUA: clima menos favorável à proliferação de pragas; maior familiaridade com os ciclos de vida dos insetos; maior diversidade de cultivos; menor dimensão das propriedades e das lavouras; disposição de maior quantidade de mão de obra barata e o fato de a agricultura europeia ser menos especializada e com menor concentração de capital do que a estadunidense.

Impelidos por pragas que grassaram em seus domínios, cada estado dos EUA instituiu o cargo de entomologista oficial, seguindo o exemplo de Nova Iorque, que nomeou o primeiro deles, Asa Fitch, em 1854. Pragas como o besouro-da-batata (Leptinotarsa decemlineata), a mariposa-cigana (Lymantria dispar), o gafanhoto-das-montanhas-rochosas (Melanoplus spretus), a broca-do-milho (Ostrinia nubilalis) e o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) impulsionaram ações como a formação de comissões científicas e a publicação de densos relatórios, que resultaram na nomeação de vários especialistas como entomologistas oficiais dos estados. As universidades e estações experimentais também passaram a adensar as investigações sobre os insetos relacionados à lavoura, resultando em enorme crescimento da entomologia econômica. A maior parte dos praticantes da disciplina estava, portanto, nos centros de ensino ou a serviço do Estado. Em 1889, surgiu a Associação Americana de Entomologistas Econômicos. A profissionalização para os entomologistas acompanhou a transformação socioeconômica da agricultura dos EUA, de maneira que a ascensão social e econômica dos lavradores repercutiu na elevação do status daqueles especialistas que se organizavam em associações e compunham uma rede cujos tentáculos se estendiam a acadêmicos, fazendeiros e parceiros no serviço civil (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press., p. 241). Os conhecimentos obtidos na prática do enfrentamento das pragas e o sucesso no controle destas gerou mais prestígio e recursos para os entomologistas, que também se sofisticaram na forma de mobilização da estrutura administrativa e burocrática para lidar com as crises de ‘invasões’ de pragas. De uma acanhada repartição ligada ao Departamento Federal de Agricultura, o escritório de entomologia logo se converteu em uma das agências mais poderosas na burocracia agrícola. Fundamentais para essa mudança foram as articulações do chefe da repartição por décadas (de 1894 a 1927), Leland Ossian Howard, bem como a constituição de um grupo cada vez mais numeroso e coeso de especialistas treinados nas universidades e a estrutura institucional e administrativa que os conectava diretamente aos fazendeiros, mais persuadidos do papel da ciência na prática agrícola graças aos avanços que ocorriam em vários campos (Dunlap, 1980Dunlap, T. R. (1980). Farmers, scientists, and insects. Agricultural History, 54(1), 93–107.).

O Escritório de Entomologia dos EUA figurou como modelo para todo o mundo, sendo responsável pelo destaque que os especialistas daquele país assumiram na disciplina. O renomado entomologista da Universidade de Munique, Karl Escherich, expressou isso em passagem pelo Brasil em 1926: “Nos Estados Unidos é onde a entomologia aplicada mais se tem desenvolvido. Os norte-americanos, práticos como são, bem cedo reconheceram a importância dessa ciência em relação à agricultura, e quantos prejuízos que podem ser por ela evitados” (Escherich, 1926Escherich, K. (1926, março 30). A Entomologia Applicada. O Estado de São Paulo., p. 4). E apontou a centralidade e influência internacional da repartição liderada por Howard: “Todos os entomólogos de todas as partes do mundo lá vão em romaria conhecer as suas instalações. Esse instituto mantém grande número de campos de experiências (field stations), verdadeiros laboratórios onde se estudam novas pragas. . .” (Escherich, 1926Escherich, K. (1926, março 30). A Entomologia Applicada. O Estado de São Paulo., p. 4). Os brasileiros também acorreram para o departamento de entomologia, que provocou enorme admiração em Oswaldo Cruz ao visitá-lo em Washington, pouco depois enviando para lá seu discípulo Arthur Neiva, para aprofundar seus estudos naquela ciência (“Benchimol & Sá, 2006Benchimol, J. L., & Sá, M. R. (2006). Obra completa de Adolpho Lutz - Entomologia (Vol. 2). Fiocruz.).

A maior inversão de capital na lavoura para a compra de máquinas, de fertilizantes e de sementes e mudas selecionadas, bem como para implantação de sistemas de irrigação e mudanças na infraestrutura avultou a expressão econômica das perdas por pragas ou por intempéries. Na entomologia dita econômica, as tensões e aproximações entre as lógicas científica e capitalista aludidas por Worster (2003)Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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foram particularmente agudas. Conforme argumenta Perkins (1982)Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press., o propósito dessa especialidade científica foi aliviar os danos provocados pelos insetos, cujo estatuto de peste era conferido pelo incômodo e prejuízo provocado aos humanos, e não pelo status taxonômico. “Peste, desta forma, tem sido um conceito completamente antropocêntrico, que requer de nós a compreensão de ideias das ciências humanas e comportamentais tanto quanto das ciências naturais” afirma Perkins (1982, p. 196)Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press.. Para este autor, a ironia da entomologia econômica é que os economistas prestaram pouca atenção a ela. Os cálculos de perdas econômicas provocadas pelos ‘inimigos da lavoura’ careciam de sofisticação nos termos da economia.

Mesmo grosseiros, esses cálculos deveriam justificar a observância das medidas de controle preconizadas pelos especialistas. Antes da disponibilidade generalizada dos compostos químicos, tais medidas concentravam-se em ‘métodos culturais’, como a captura manual de insetos, a queima do material que restava da colheita, entre outras medidas, e a aspersão de inseticidas baseados em plantas, como piretro, nicotina, rotenona e heléboro, assim como compostos à base de enxofre (Cook, 1998Cook, G. M. (1998). “Spray, spray, spray!”: Insecticides and the making of applied entomology in Canada, 1871-1914. Scientia Canadensis, 22-23, 7–50. https://doi.org/10.7202/800406ar
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). Essas substâncias tinham aplicação e efeito limitados em decorrência da instabilidade delas no ambiente (Bisesi, 2010Bisesi, M. S. (2010). 1939: Müller Discovers Insecticidal Properties of DDT. In R. K. Rasmussen (Ed.), Agriculture in History (pp. 713-717). Salem Press.). O Verde Paris, desenvolvido originalmente como corante de tintas, foi identificado como inseticida em 1868, sendo o primeiro composto depois do enxofre a ter sua fórmula química conhecida, a qual é baseada em arsênico. Junto com o arseniato de chumbo, era o inseticida mais comercializado em 1910 (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press.). Abriu caminho para os arseniatos, que tiveram ampla aplicação nas décadas seguintes, sobretudo após a Primeira Guerra, que otimizou a capacidade de produção desses compostos pela indústria química norte-americana. Eles mostraram eficácia contra uma das pragas mais devastadoras da história agrícola dos EUA: o bicudo-do-algodão. A Primeira Guerra também estimulou o surgimento dos inseticidas sintéticos, o que ocorreu a partir da interrupção do fornecimento de insumos químicos da indústria alemã, com o estímulo de produtores nos EUA. Compostos intermediários surgidos da fabricação desses produtos, que incluíam explosivos, resultaram nos inseticidas sintéticos (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press.).

Uma série de fórmulas de novos inseticidas orgânicos passou a ser fabricada e utilizada em ampla escala nas décadas de 1920 a 1940. Segundo Dunlap (1977)Dunlap, T. R. (1977). The triumph of chemical pesticides in insect control 1890-1920. Environmental Review, 2(5), 38-47. https://doi.org/10.2307/3984406
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, os anos 1920 foram o período de virada para o triunfo da abordagem química no controle de pragas, com o protesto de alguns que acreditavam que a confiança excessiva depositada nas soluções químicas estava alterando o perfil da entomologia econômica. Em 1924, o próprio presidente da Associação Americana de Entomologistas Econômicos, A. G. Ruggles, queixou-se que, ao invés de se dedicarem ao estudo minucioso dos insetos, os jovens entomologistas estavam privilegiando testes com compostos químicos, sem nem mesmo conhecer seus ciclos de vida (Lovely, 2010Lovely, R. (2010). 1917 - American farmers increase insecticide use. In R. K. Rasmussen (Ed.), Agriculture in history (pp. 614-621). Salem Press.). Os inseticidas químicos tinham a vantagem de serem mais eficientes e baratos do que métodos de controle mecânico ou biológicos. Além disso, eram mais aceitáveis pelos fazendeiros, que rejeitavam métodos de controle que modificavam em demasia a rotina da lavoura ou que demandavam pesquisas de longo prazo antes de resultarem em soluções eficientes. A urgência imposta pela dimensão econômica da agricultura norte-americana exigia respostas rápidas e mais individualizadas. Os programas de controle do bicudo-do-algodão e da mariposa-cigana já haviam mostrado como as preferências e os limites dos fazendeiros modelavam as recomendações para deter as pragas. A experiência da Divisão de Entomologia no controle dessas duas pragas e da cochonilha australiana por inseticidas químicos contribuiu para sedimentar o papel deles como estratégia privilegiada de ação (Lovely, 2010Lovely, R. (2010). 1917 - American farmers increase insecticide use. In R. K. Rasmussen (Ed.), Agriculture in history (pp. 614-621). Salem Press.). Do ponto de vista dos especialistas, os métodos químicos dispensavam estudos mais minuciosos e delongados sobre o ciclo de vida e a biologia dos insetos (Dunlap, 1977Dunlap, T. R. (1977). The triumph of chemical pesticides in insect control 1890-1920. Environmental Review, 2(5), 38-47. https://doi.org/10.2307/3984406
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).

Os inseticidas tiveram impacto profundo na rotina da prática agrícola, na indústria e nos protocolos de pesquisa da entomologia. As inspeções e quarentenas permaneceram praticamente os únicos dispositivos que se mantiveram os mesmos após a nova tecnologia. A intensificação das conexões por via aérea as tornou ainda mais indispensáveis (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press.). Segundo Palladino (1996)Palladino, P. (1996). Entomology, ecology and agriculture: The making of science careers in North America, 1885-1985. Routledge., sobretudo nos EUA, a entomologia econômica restringiu-se à busca de novos químicos e ao estudo de seus efeitos nos insetos que atacavam os cultivos. Eles se tornaram um novo paradigma na disciplina, segundo o qual “a principal ferramenta para controlar os insetos seria a aplicação de químicos tóxicos contra eles” (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press., p. 12).

A verificação dos efeitos residuais do DDT ainda durante a Segunda Guerra representou o ápice desse processo. Nos anos 1950, inseticidas sintéticos fizeram com que os entomologistas nos EUA mirassem o químico, ao invés do zoólogo ou botânico, como perfil de atuação profissional (Palladino, 1996Palladino, P. (1996). Entomology, ecology and agriculture: The making of science careers in North America, 1885-1985. Routledge., p. 11). As consequências para a agricultura, a indústria e a saúde pública são bem exploradas pela historiografia (Russell, 2001Russell, E. (2001). War and nature: Fighting humans and insects with chemicals from world war I to “silent spring”. Cambridge University Pres.; Kinkela, 2012Kinkela, D. (2012). DDT and the American Century: Global health, environmental politics, and the pesticide that changed the world. University of North Carolina Press.; Davis, 2014Davis, F. R. (2014). Banned: A history of pesticides and the science of toxicology. Yale University Press, 2019Davis, F. R. (2019). Pesticides and the perils of synecdoche in the history of science and environmental history. History of Science, 57(4), 469-492. https://doi.org/10.1177/0073275319848964
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). Igualmente bem conhecidas são as consequências ambientais e fisiológicas do uso disseminado dos inseticidas residuais, bem como o papel da denúncia dessas consequências para a deflagração do movimento ambientalista a partir da obra fundamental de Carson (1962)Carson, R. (1962). Silent spring (1 ed.). Houghton Mifflin., “Silent spring”. Entre os efeitos inesperados do DDT, esteve não apenas o impacto nas cadeias tróficas, mas também falhas em sua ação contra as pestes, com a observação de resistência dos insetos ao produto, além do surgimento de novas pragas decorrentes da destruição de seus inimigos naturais (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press.). Os inseticidas sintéticos também estimularam a reprodução das pragas pela alteração da composição química das plantas hospedeiras ou intensificaram sua ação pela eliminação de insetos competidores (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press.).

A conjunção desses efeitos reabilitou os métodos biológicos como alternativas pertinentes para o controle de pragas. O uso de inimigos naturais com esta finalidade é milenar, mas ganhou novos significados à luz da compreensão das dinâmicas envolvidas nas relações entre os organismos vivos; da busca e da classificação das pragas e seus predadores e parasitas, e do esforço sistemático de introdução desses inimigos nos cultivos praguejados. Para especialistas interessados em insetos, os métodos biológicos de controle respaldavam-se na ideia de restabelecer o equilíbrio das populações próprio da ordem da natureza, uma noção constitutiva da história natural desde o século XVIII. A monocultura foi por muitos naturalistas considerada uma transgressão desta ordem, por privilegiar a reprodução de uma única espécie vegetal, em contraste com a variedade das formas vivas e do equilíbrio nas formações naturais. O controle biológico seria, portanto, um remédio provindo da própria natureza (A. Silva, 2006Silva, A. F. C. (2006). A campanha contra a broca-do-café em São Paulo (1924-1927). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 13(4), 957-993. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702006000400010
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).

No século XIX, a derivação prática deste princípio passou a ter lugar na entomologia agrícola, viabilizada pela celeridade assumida pelas viagens intercontinentais a partir do vapor e das ferrovias. Uma tentativa célebre neste sentido foi a do controle da filoxera, na França, com a importação de um inseto dos EUA, em 1873. O primeiro caso bem-sucedido foi o da introdução, em 1888, na Califórnia, da joaninha-australiana (Rodolia cardinalis) contra a cochonilha-australiana ou pulgão-branco (Icerya purchasi), que atacou as culturas de citros na Califórnia. Em dois anos, a praga estava sob controle. Segundo Howard (1930, p. 501)Howard, L. O. (1930). A history of applied entomology. Smithsonian Institution., tal episódio “tornou-se um clássico na história da entomologia aplicada”. A Universidade da Califórnia e a Estação Experimental do estado sobressaíram-se como importantes núcleos de estudo e experimentação do controle biológico. Assim como a Califórnia, o Havaí figurou como centro internacionalmente reconhecido de pesquisas e projetos bem-sucedidos de controle biológico, principalmente contra pragas dos canaviais. Uma sólida infraestrutura de investigações permitiu que tal método fosse a base do combate a estas pragas. Em termos gerais, uma série de experiências de introdução de inimigos naturais de pragas foi realizada entre 1900 e 1920, mostrando as limitações e capacidades da abordagem (Dunlap, 1980Dunlap, T. R. (1980). Farmers, scientists, and insects. Agricultural History, 54(1), 93–107.).

Em termos teóricos, a preocupação em examinar os mecanismos envolvidos no controle populacional e as expressões numéricas das populações de presas e predadores alinhou-se com agendas de investigação que ganhavam fôlego no âmbito da ecologia (Acot, 1990Acot, P. (1990). História da Ecologia. Rio de Janeiro: Campus.; Deléage, 1993Deléage, J. P. (1993). História da Ecologia: Uma ciência do homem e da natureza. Dom Quixote.). Os entomologistas foram pioneiros na representação gráfica das cadeias de relações entre os reinos animal e vegetal. Em 1912, especialistas estadunidenses apresentaram um diagrama da rede de interações tróficas estabelecidas a partir do bicudo-do-algodão (Deléage, 1993Deléage, J. P. (1993). História da Ecologia: Uma ciência do homem e da natureza. Dom Quixote.). Conceitos ecológicos de regulação e dinâmica de populações surgiram em parte significativa dessas pesquisas de entomologia econômica dedicadas a compreender de forma quantitativa e qualitativa as relações entre parasitas e hospedeiros (Acot, 1990Acot, P. (1990). História da Ecologia. Rio de Janeiro: Campus.; Deléage, 1993Deléage, J. P. (1993). História da Ecologia: Uma ciência do homem e da natureza. Dom Quixote.; Palladino, 1996Palladino, P. (1996). Entomology, ecology and agriculture: The making of science careers in North America, 1885-1985. Routledge.). O estudo das variações numéricas das populações de insetos confluiu nas complexas formulações de flutuações populacionais, as quais ganharam crescente formalização matemática e resultaram em novas representações para a ecologia (Deléage, 1993Deléage, J. P. (1993). História da Ecologia: Uma ciência do homem e da natureza. Dom Quixote.).

A priorização dos métodos químicos, em detrimento dos biológicos, a partir dos anos 1920 levou Howard (1930)Howard, L. O. (1930). A history of applied entomology. Smithsonian Institution. a mostrar desânimo com a viabilidade dos últimos, que perante à celeridade dos primeiros seriam muito mais complicados, levando-o a afirmar que o sucesso com a cochonilha-do-algodão teria sido um caso excepcional (Lovely, 2010Lovely, R. (2010). 1917 - American farmers increase insecticide use. In R. K. Rasmussen (Ed.), Agriculture in history (pp. 614-621). Salem Press.). Se o primado dos inseticidas no combate às pragas estabeleceu-se com o DDT e as demais fórmulas orgânicas, a falha dos mesmos e os efeitos para a saúde humana e ambiental contribuíram para a retomada dos métodos biológicos, integrados a outros métodos, na abordagem que é referida como manejo integrado de pragas (MIP) (Perkins, 1982Perkins, J. H. (1982). Insects, experts and the insecticide crisis. Plenum Press.; Palladino, 1996Palladino, P. (1996). Entomology, ecology and agriculture: The making of science careers in North America, 1885-1985. Routledge.). O reconhecido efeito da agricultura industrializada na perda da biodiversidade, principalmente em decorrência dos agroquímicos, tem destacado o MIP como método conveniente de controle de pragas.

A crítica à agricultura industrial deflagrada pela divulgação dos efeitos dos inseticidas e a busca de práticas mais consonantes com os fatores ecológicos e dinâmicas dos ecossistemas impeliram a constituição de metodologias encampadas sob o rótulo de ‘agricultura alternativa’. Guardadas as especificidades dos vários paradigmas que a categoria abriga, inclusive de alguns que antecederam em algumas décadas a organização da crítica ecológica contemporânea, em termos gerais, buscam bases epistemológicas diferentes da ciência ocidental, bem como métodos alternativos à agricultura industrial, com menos aportes energéticos externos, o que inclui redução da dependência dos combustíveis fósseis, proteção da biodiversidade, valorização de conhecimentos nativos não ocidentais e atenção aos aspectos socioculturais que envolvem a prática agrícola. Como contraponto à erosão do solo, aumento da incidência de pragas e doenças e redução da agrobiodiversidade, métodos mais atentos às dinâmicas locais dos ecossistemas passaram a valorizar a sinergia, a diversidade e a integração junto a processos sociais que valorizam o envolvimento de comunidades e grupos tradicionais (Altieri & Nicholls, 2017Altieri, M. A., & Nicholls, C. I. (2017). Agroecology: A brief account of its origins and currents of thought in Latin America. Agroecology and Sustainable Food Systems, 41(3-4), 231-237. http://dx.doi.org/10.1080/21683565.2017.1287147
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).

O manejo ecológico das pragas e doenças agrícolas constitui um ponto de convergência das distintas ‘escolas’, já que a recusa ao uso dos agroquímicos e a crítica à mecanização excessiva e à dependência de capital são aspectos compartilhados entre elas. O conjunto de saberes que enfeixa tais princípios é referido como agroecologia, “. . . que busca o entendimento do funcionamento dos agroecossistemas complexos, bem como das diferentes interações presente nestes, tendo como princípio a conservação e a manutenção da biodiversidade como base para produzir autorregulação e, consequentemente, sustentabilidade” (Assis & Romeiro, 2002Assis, R. L., & Romeiro, A. R. (2002). Agroecologia e agricultura orgânica: Controvérsias e tendências. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 6, 67-80. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v6i0.22129
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, p. 72). O desenvolvimento histórico dos conjuntos multidisciplinares e pluriepistêmicos que compõe a agroecologia obedeceu a ritmos diferenciados, segundo os contextos específicos nos quais ela se estabeleceu, articulando instâncias acadêmicas, movimentos sociais, trocas culturais e démarches políticas. Não cabe aqui um detalhamento dessas trajetórias, mas apenas assinalar como a busca por sistemas mais agrobiodiversos foi bastante tributária do padrão de controle dos patógenos e pragas, reconhecidos como fenômenos recorrentes exatamente pela eliminação da biodiversidade promovida pelos monocultivos4.

Segundo Sarandon e Marasas (2017, p. 252)Sarandon, S., & Marasas, M. E. (2017). Brief history of agroecology in Argentina: origins, evolution, and future prospects. Agroecology and Sustainable Food Systems, 41(3-4), 238-255. https://doi.org/10.1080/21683565.2017.1287808
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, “. . . um elemento fundamental no desenvolvimento da agroecologia é a consciência da população urbana acerca dos efeitos da aplicação dos pesticidas nos alimentos e a demanda crescente por alimentação saudável”. No Brasil, o conjunto heterogêneo de críticas à agricultura industrial a partir dos anos 1970 e 1980 apontou, entre outras coisas, a degradação dos recursos hídricos pelo uso indiscriminado de agroquímicos e os riscos à saúde dos consumidores pela contaminação de alimentos. Instituições públicas de pesquisa de São Paulo divulgaram, nos anos 1980, resultados que mostraram a alta concentração de pesticidas nos alimentos. O agrônomo e ambientalista gaúcho José Lutzenberger endereçou críticas ao modelo agrícola padrão pelo excesso de químicos, também denunciado em relatórios científicos, como o escrito pelo professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz/Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), Adilson Dias Paschoal (1979)Paschoal, A. (1979). Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções. Editora FGV., “Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções”, publicado pela FGV em 1979. Paschoal (1979)Paschoal, A. (1979). Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções. Editora FGV. incriminou os pesticidas como os agentes mais potentes em simplificar e desestabilizar ecossistemas devido ao impacto nas interações biológicas de humanos e não humanos com a água, o ar e o solo. Segundo ele, este uso abusivo de químicos estava promovendo o próprio aumento da incidência de pragas, devido à aniquilação dos inimigos naturais dos insetos (Luzzi, 2007Luzzi, N. (2007). O debate agroecológico no Brasil: Uma construção a partir de diferentes atores sociais [Tese de doutorado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro].; Costa et al., 2017Costa, M. B. B., Souza, M., Müller Júnio, V., Comin, J. J., & Lovato, P. E. (2017). Agroecology development in Brazil between 1970 and 2015. Agroecology and sustainable food systems, 41(3-4), 276-295. https://doi.org/10.1080/21683565.2017.1285382
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). Essas críticas ganharam vulto e contribuíram para o fortalecimento, nas décadas seguintes, da agroecologia como modelo agrícola, forma de conhecimento e movimento social.

A agroecologia, em suas diversas tendências, busca, portanto, contrabalançar a tendência histórica do desenvolvimento da agricultura de simplificação dos ecossistemas, homogeneização das paisagens, capitalização, mecanização e abuso do uso de agroquímicos, tendência na qual o enfrentamento das pragas e doenças teve um papel-chave. A partir da inspiração em vários modelos de agricultura tradicional, os partidários da agroecologia têm promovido diversificação de cultivos como forma de reintegrar a biodiversidade nos sistemas agrários, com consequente provisão de serviços ecológicos, como aumento da fertilidade dos solos, controle das pragas e doenças e polinização (Altieri & Nicholls, 2020Altieri, M. A., & Nicholls, C. I. (2020). Agroecology: Challenges and opportunities for farming in the Anthropocene. International Journal of Agriculture and Natural Resources, 47(3), 204-215. http://dx.doi.org/10.7764/ijanr.v47i3.2281
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). Muito embora não seja a prática predominante nos sistemas agrários, a agroecologia vem se difundindo cada vez mais em reação à insustentabilidade dos métodos-padrão da agricultura industrializada, principalmente no que concerne ao uso indiscriminado de pesticidas contra pragas e doenças da lavoura. Se o alto aporte de recursos energéticos exigidos por este padrão agrícola vem contribuindo para as modificações do Antropoceno, a agroecologia pode neutralizá-los, por meio da combinação entre o conhecimento agrícola tradicional, os enunciados da ecologia e das ciências agrárias aplicados a arranjos mais sensíveis às constelações sociais, ecológicas e culturais do local (Altieri & Nicholls, 2020Altieri, M. A., & Nicholls, C. I. (2020). Agroecology: Challenges and opportunities for farming in the Anthropocene. International Journal of Agriculture and Natural Resources, 47(3), 204-215. http://dx.doi.org/10.7764/ijanr.v47i3.2281
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).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As doenças e pragas acompanharam as sociedades humanas desde que estas começaram a se dedicar ao cultivo sistemático de plantas selecionadas, reorganizando ecossistemas para tal propósito. Resultantes da simplificação ecológica ocasionada pelos sistemas agrários, elas assumiram relevância econômica quando o sistema capitalista de produção provocou um conjunto de transformações na prática agrícola, “. . . tão revolucionárias e arrasadoras quanto as da Revolução Neolítica” (Worster, 2003Worster, D. (2003). Transformações da Terra: Para uma perspectiva agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, 5(2), 23-44. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2003000200003
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, p. 33).

Nos marcos do capitalismo, esta ordem ecológica sofreu simplificação ainda mais radical com as monoculturas instauradas pelas engrenagens do colonialismo e pelo intercâmbio colombiano de espécies (Crosby, 1972Crosby, A. W. (1972). The Columbian exchange: Biological and cultural consequences of 1492. Greenwood Publishing Co.). As plantations monocultoras firmaram-se na Era Moderna como pilares da produção global de alimentos, fornecendo ao mundo abundância de produtos baratos (Uekötter, 2014Uekötter, F. (2014). Rise, fall, and permanence: Issues in the environmental history of the global plantation. In Autor (Ed.), Comparing apples, oranges and cotton: Environmental perspectives on the global plantation (pp. 7-25). Campus Verlag.). Os efeitos econômicos crescentes das pragas e epifitias, ainda mais severos em função desta maior simplificação ecológica e pela circulação e transferência global de organismos, coincidiram com a organização da atividade científica como prática privilegiada de conhecimento, acesso e intervenção no mundo natural. Se, desde os primórdios da agricultura, os cultivadores desenvolveram práticas empíricas e intuitivas de controle dos ‘inimigos da lavoura’, com as ciências e o surgimento de especialidades acadêmicas, os mesmos se tornaram assuntos de disciplinas específicas, dedicadas a orientar os agricultores no controle desses comensais inoportunos. Os rumos de commodities globais e alimentos domésticos foram influenciados por esses fenômenos conformados na convergência entre dinâmicas ambientais, processos socioeconômicos e representações culturais.

O aumento do fluxo global de plantas e sementes, propiciado por novos meios de transporte e pelo avanço da fronteira agrícola a partir da segunda metade do século XIX, levou a uma difusão global de pragas e doenças vegetais. A tentativa de controlá-las fez parte da transformação da agricultura em atividade de perfil industrial, baseada em novas formas de propriedade de terra, produção mecanizada, sistemas azeitados de irrigação e técnicas de melhoramento vegetal. Por sua vez, especialidades científicas direcionadas para lidar com parasitas de plantas, como a fitopatologia ou a entomologia ‘aplicada’ ou ‘econômica’, passaram a orientar os discursos e as práticas de manejo desses organismos.

Não obstante a diversidade de abordagens e metodologias elaboradas pelos especialistas, ganhou vulto o controle de pragas e doenças por produtos químicos, um padrão que denuncia o imaginário de domínio da natureza, manifestado também por tecnologias de correção do solo, de prevenção dos fatores climáticos, de otimização dos regimes hídricos para uso humano e de manipulação dos caracteres hereditários das plantas cultivadas. As percepções das pestes refletiram em muitos casos essas representações das hierarquias sociais, já que a apreensão das relações entre humanos e outros animais impregnou-se dos valores culturais que marcaram a ordem social (Bertomeu-Sánchez, 2019Bertomeu-Sánchez, J. R. (2019). Introduction – pesticides: past and present. Host: Journal of History of Science and Technology, 13(1), 1-27. https://doi.org/10.2478/host-2019-0001
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). Nos contextos coloniais, as formigas, por exemplo, concentraram as ansiedades dos colonizadores, com projeções sobre as percepções acerca das populações nativas com as quais foram equiparadas. As enormes populações de insetos, mostra Sleigh (2001)Sleigh, C. (2001). The empire of the ants – H. G. Wells and tropical entomology. Science as Culture, 10(1), 33-71. https://doi.org/10.1080/09505430020025492
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, imprimiram nos europeus um senso de isolamento e de subjugação por uma natureza hostil, da mesma forma como se sentiam em relação às sociedades locais em seus enclaves coloniais.

Contudo, as próprias tecnologias desenvolvidas traíram esse esforço de domínio. Os pesticidas, por exemplo, revelaram-se ‘tecnologias rebeldes’ (Bertomeu-Sánchez, 2019Bertomeu-Sánchez, J. R. (2019). Introduction – pesticides: past and present. Host: Journal of History of Science and Technology, 13(1), 1-27. https://doi.org/10.2478/host-2019-0001
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, p. 25): ao serem lançados nos sistemas agroecológicos, passaram a atuar de forma transgressiva, ignorando fronteiras, alterando o ambiente, invadindo corpos e assumindo comportamentos imprevisíveis. O reconhecimento desse efeito transgressivo estimulou a busca de padrões agrícolas alternativos à agricultura industrial. A identificação desta agricultura industrial como fonte dos processos que provocam perda da biodiversidade e outras alterações que marcam o Antropoceno convoca a uma modificação dos pressupostos da produção agrícola. Desta maneira, será possível o desenvolvimento de formas sustentáveis de produção de alimentos, capazes de contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas globais e de atuar em maior sinergia com as dinâmicas ecológicas, minorando, por consequência, as perdas das safras para os patógenos e insetos, sem comprometer em demasia a saúde planetária.

  • 1
    Sobre a identificação do vírus do mosaico do tabaco (TMV, da sigla em inglês) e seu papel como modelo experimental na investigação de processos biológicos e desenvolvimento de técnicas, ver Creager (2002)Creager, A. N. H. (2002). The life of a virus: Tobacco mosaic virus as an experimental model, 1930–1965. University of Chicago Press..
  • 2
    Sobre o desenvolvimento das ciências agrárias nos EUA, ver Dunlap (1977)Dunlap, T. R. (1977). The triumph of chemical pesticides in insect control 1890-1920. Environmental Review, 2(5), 38-47. https://doi.org/10.2307/3984406
    https://doi.org/10.2307/3984406...
    .
  • 3
    Um panorama abrangente e detalhado da história da entomologia econômica nos quatro continentes encontra-se em Howard (1930)Howard, L. O. (1930). A history of applied entomology. Smithsonian Institution..
  • 4
    Sobre a agroecologia na América Latina, ver Altieri e Nicholls (2017)Altieri, M. A., & Nicholls, C. I. (2017). Agroecology: A brief account of its origins and currents of thought in Latin America. Agroecology and Sustainable Food Systems, 41(3-4), 231-237. http://dx.doi.org/10.1080/21683565.2017.1287147
    https://doi.org/10.1080/21683565.2017.12...
    ; no Brasil, ver Luzzi (2007)Luzzi, N. (2007). O debate agroecológico no Brasil: Uma construção a partir de diferentes atores sociais [Tese de doutorado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro]. e Costa et al. (2017)Costa, M. B. B., Souza, M., Müller Júnio, V., Comin, J. J., & Lovato, P. E. (2017). Agroecology development in Brazil between 1970 and 2015. Agroecology and sustainable food systems, 41(3-4), 276-295. https://doi.org/10.1080/21683565.2017.1285382
    https://doi.org/10.1080/21683565.2017.12...
    .
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Editado por

Responsabilidade editorial: Márcio Couto Henrique

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2021
  • Aceito
    16 Set 2021
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