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Bebidas fermentadas brasileiras: considerações histórico-semânticas sobre aluás

Brazilian fermented beverages: historical-semantic considerations on aluás

Resumo

O presente artigo tem por objetivo tecer uma breve reflexão acerca da trajetória do termo ‘aluá’. Questiona-se como uma mesma denominação terminou por designar bebidas fermentadas brasileiras diferentes, apartadas por quesitos amplamente pactuados como fatores de distinção, notadamente os elementos de base postos a fermentar, no caso, o milho, o arroz ou o abacaxi, e as técnicas empregadas em sua feitura, que podem ou não, por exemplo, incluir o cozimento e a insalivação do mosto, entre outras variáveis. O que possivelmente se entremeou e como se deu esse processo para que a percepção e o vocabulário coletivos refletissem um pacto de adequação semântica em que uma só designação comportaria beberagens distintas? Para tentar responder à questão, realiza-se um mapeamento das não muito numerosas menções e descrições dessas bebidas, numa documentação variada em língua portuguesa que contempla um amplo recorte da história brasileira. Ulteriormente, argumenta-se que alcunhas de significações flexíveis, pareadas à falta de objetividade comum do que determinava a maneira como certas beberagens eram designadas, sofreram alterações de sentido na medida em que diferentes fermentados também eram desenvolvidos e trivializados no cotidiano brasileiro, terminando por serem ulteriormente referidos como aluás em razão de elementos comuns em seu preparo.

Palavras-chave
Aluá; Bebidas fermentadas; Semântica histórica; Brasil

Abstract

This article is a brief reflection on the trajectory of the term aluá, questioning how a single denomination was ultimately assigned to various unrelated Brazilian fermented beverages differentiated by several widely agreed factors such as the fermented base elements (corn, rice, or pineapple) and preparation techniques utilized (which may include simmering and insalivation of the must, for example). How did these elements become intertwined in the collective perception and vocabulary to reflect a pact of semantic adequacy in which a single term applied to distinct beverages? In an attempt to find an answer, we map the few mentions and descriptions of these fermented products which appear in a variety of Portuguese-language documents spanning a long period of Brazilian history. Ultimately, we maintain that different names with flexible definitions, coupled with a lack of common objectivity in determining how certain beverages were designated, underwent changes in meaning as different fermented products were also developed and became common parts of daily life in Brazil, and were ultimately referred to as aluás because of common elements in their preparation.

Keywords
Aluá ; Fermented beverages; Historical semantics; Brazil

“O milho demorado n’água, depois de três dias, dá a esta um sabor acre, de azedume, pela fermentação. Coa-se a água, adicionam-se pedaços de rapadura e, diluída esta, tem-se bebida agradável e refrigerante”1 1 Todas as citações tiveram, quando necessário, grafia e pontuação atualizadas para garantir maior fluidez à leitura. (Querino, 1957Querino, M. (1957). A arte culinária na Bahia (2. ed.). Livraria Progresso Editora., p. 36). É dessa forma que Manuel Querino, pioneiro na sistematização e divulgação, em formato textual, das principais balizas do repertório culinário baiano, descreve o procedimento de feitura tradicional em sua terra da beberagem conhecida como aluá. No mesmo livro, o seminal “A arte culinária na Bahia”, publicado postumamente em 1928, o autor acrescenta que “pelo mesmo processo se prepara o ‘aluá’, ou ‘aruá’, da casca do abacaxi” (Querino, 1957Querino, M. (1957). A arte culinária na Bahia (2. ed.). Livraria Progresso Editora., p. 36). À primeira vista, a variedade de produtos denominados pelo mesmo termo pode não provocar estranheza. Contudo, é certo que não apenas técnicas de preparo, mas também ingredientes de base são costumeiramente tomados como elementos de distinção entre cocções alimentares, incluindo-se aí as bebidas. Além disso, esse parece ter sido preceito do qual nenhuma das culturas que coexistiram no Brasil ao longo de sua formação2 2 Um bom apanhado sobre as bebidas na história do Brasil pode ser conferido em Carneiro (2011, pp. 131-156). pareciam discordar (Gurian, 2019Gurian, G. F. (2019). Bebidas e bebedores no Brasil Holandês, 1624-1654. Editora Unifesp., pp. 29-76). Assim, cabe a pergunta: quais foram os processos que terminaram com a pactuação do termo ‘aluá’ como designador de fermentados alcoólicos notadamente diferentes?

COMO EM ÁFRICA?

Em meados do século XVIII, por volta de 1749, segundo as “Notícias das taquaras, dos cipós e das muitas comidas que se fazem de milho nas Minas” (1999), compiladas no ‘Códice Costa Matoso’, do dito grão “se faz a bebida melhor para os pretos da Costa da Mina”, cujo preparo é descrito da seguinte maneira: molha-se o milho antes de colocá-lo em folhas de bananeira, até “que tiver nascido o grelho3 3 Processo conhecido como maltagem, bastante antigo e amplamente disseminado entre as culturas bebedoras de fermentados à base de cereais, do Crescente Fértil à Europa germânica (White, 1860, pp. 9-22). ”, que depois “seca-se ao sol”, quando então “vai ao pilão e peneira-se, e o fubá que sai bota-se em um tacho com água a ferver, e depois de cozido coa-se e botam em um barril até tomar seu azedume”, isto é, fermentar, “para melhor gustarem; este vinho na sua língua se chama aluá” (“Notícias das taquaras...”, 1999Notícias das taquaras, dos cipós e das muitas comidas que se fazem de milho nas Minas. (1999). In Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, Códice Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso [...] (Vol. I, pp. 782-786). Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais., p. 786). Além da detalhada explicação, o redator anônimo das “Notícias das taquaras...” (1999) afirma que a denominação para a bebida advinha do idioma nativo daqueles africanos, o que permite conjecturar que supusesse, conseguintemente, que o entendimento sobre a beberagem, sobre quais características deveria apresentar para que comportasse tal alcunha, também adviesse das terras de origem de tais escravizados, não sendo cunhado por eles quando já transplantados no Brasil.

Figura 1
Detalhe de Jean-Baptiste Debret. “Negresses marchandes, de sonhos, manoé, aloá” (1835).

Não só o nome, mas também os modos de preparo deviam vir de África, já que muitos povos de lá tradicionalmente fermentavam cereais nativos, como o sorgo, e passaram a fermentar espécies congêneres oriundas de outras partes do mundo, que foram trazidas e introduzidas pelos europeus4 4 Sobre a questão, com enfoque na contribuição portuguesa, ver Ferrão (1993). , entre elas o milho americano (Maestri Filho, 1978Maestri Filho, M. J. (1978). A agricultura africana nos séculos XVI e XVII no litoral angolano. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul., p. 107; pp. 114-116), sobre o qual era possível aplicar técnicas já praticadas. Vale pontuar que esses gêneros apresentavam variações significativas, enquanto ainda retinham características unificadoras que respaldavam a compreensão dos coetâneos de que eram representantes de um mesmo tipo de alimento, sendo beneficiados e consumidos de maneiras análogas. Havia, na América portuguesa, por exemplo, milhos diversos, duros ou moles, geralmente de cor “branca”, havendo os de cor “almecegada, outro preto, outro vermelho”, todos com “uma mesma qualidade” (Sousa, 1938Sousa, G. S. (1938). Tratado descriptivo do Brasil em 1587. Companhia Editora Nacional., pp. 162-163), segundo o senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa, radicado na Bahia nas últimas décadas do século XVI. É possível que exemplares variados tenham sido introduzidos no outro lado do Atlântico, mais ou menos assemelhados aos cereais já existentes e manipulados pelos autóctones, facilitando-se, assim, a adição dos elementos americanos ao rol de itens fermentados em seu cotidiano.

Curioso notar que, a despeito dos longevos cultivo e manipulação do milho – e do abacaxi, ou ananás – pelos povos nativos do Brasil5 5 Em um dos primeiros documentos que registram a passagem da frota de Pedro Álvares Cabral pela costa do que viria a ser conhecido como Terra de Santa Cruz, um ato notarial de 1503, escrito pelo alemão Valentim Fernandes, já se lê que os habitantes daquelas plagas faziam “vinho do milho”, indicando quão destacada seria aquela prática, pelo menos à vista dos europeus (T. Souza, 1946, p. 159). , que o transformavam numa ampla gama de produtos sólidos (Cascudo, 2011Cascudo, L. C. (2011). História da alimentação no Brasil. Global Editora., pp. 107-112; Holanda, 1994Holanda, S. B. (1994). Caminhos e fronteiras. Companhia das Letras., pp. 181-189) e líquidos (Noelli & Brochado, 1998Noelli, F. S., & Brochado, J. P. (1998). O cauim e as beberagens dos Guarani e Tupinambá: equipamentos, técnicas de preparação e consumo. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, (8), 117-128. https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.1998.109531
https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750....
, pp. 117-128), e do papel dos íncolas na introdução inicial do alimento entre os europeus aqui radicados ou de passagem6 6 Em 1587, Gabriel Soares de Sousa escreve que um milho de casta grossa “. . . se planta por entre a mandioca e por entre as canas novas de açúcar. E colhe-se a novidade aos três meses, uma em agosto e outra em janeiro”. Era comido assado pelos indígenas, que também “fazem seus vinhos com ele cozido, com o qual se embebedam”, enquanto “os portugueses que comunicam com o gentio, e os mestiços não se desprezam dele, e bebem-no mui valentemente”. Já um milho de outra casta, “que é sempre mole”, era utilizado pelos portugueses para fazer “muito bom pão e bolos com ovos e açúcar”, que o pilavam também “para se cozer com caldo de carne, ou pescado, e de galinha, o qual é mais saboroso que o arroz. . .” (Sousa, 1938, pp. 199-200). , parece que a disseminação dos fermentados feitos com o cereal, ao menos aqueles alcunhados como aluás, entre as populações da colônia esteve mais ligada aos africanos. Também parece confirmar essa suposição o que se vê nos documentos da aurora do século XIX, que tratam da Bahia e do Rio de Janeiro, registrando o aparecimento dessas beberagens entre os produtos ofertados e consumidos nas ruas das então crescentes cidades litorâneas, em contextos distintos dos engenhos rurais e do cotidiano da mineração, do qual tratam as “Notícias das taquaras...” (1999.

Luís dos Santos Vilhena, professor de língua grega em Salvador que também se dedicou à composição de uma obra sobre as terras brasílicas, na forma de cartas a um “outro amigo em Lisboa”, tratado pelo pseudônimo de Filipono, discorre sobre a paisagem soteropolitana na terceira epístola do livro, datada de 1802, “em que se dão algumas noções da ordem política e governo econômico da cidade da Bahia” (Vilhena, 1921aVilhena, L. S. (1921a). Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas (Livro 1). Imprensa Official do Estado., p. 123). Segundo o mestre de letras clássicas, “não deixa de ser digno de reparo o ver que das casas mais opulentas desta cidade, onde andam os contratos e negociações de maior parte”, costumavam sair “oito, dez e mais negros a vender pelas ruas7 7 Sobre o ganho nas ruas, ver Viotti (2019, pp. 194-211). , a pregão, as cousas mais insignificantes e vis”. Iguarias de “diversas qualidades”, todas inapreciáveis aos olhos de Vilhena. Mas havia uma em particular “que mais escandaliza[va]”: uma “água suja com mel e certas misturas a que chamam o aluá, que faz vezes de limonada para os negros” (Vilhena, 1921aVilhena, L. S. (1921a). Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas (Livro 1). Imprensa Official do Estado., p. 131). O ‘remetente’ não fornece mais informações sobre a bebida, como os ingredientes que a compunham além do mel – aditivo que poderia ser de abelhas ou ainda um subproduto da produção de açúcar8 8 Segundo Silva (1789b, p. 70), além de “suco doce que as abelhas recolhem das flores em seus favos”, era também, no Brasil, “a calda do açúcar que se filtra das formas que estão a purgar, para se lavar o açúcar e alvejar”, conhecido também como “mel de furo” ou, atualmente, melaço. –, mas fica claro o destaque dado à sua relação com os africanos, questão que também aparece nas ilustrações e descrições de Jean-Baptiste Debret sobre o Rio de Janeiro, onde esteve entre 1816 e 1831.

Em consonância à ideia de Vilhena (1921a, p. 131)Vilhena, L. S. (1921a). Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas (Livro 1). Imprensa Official do Estado. de que o aluá baiano serviria como ‘limonada’, isto é, como refresco, o pintor francês afirma que “é fácil de compreender” o fato de que se fazia na então capital do Brasil, “durante o excessivo calor do verão, grande consumo. . . . do refrescante aluá, com arroz macerado e açucarado, néctar da classe baixa” (Debret, 1940Debret, J. (1940). Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (Tomo 1, Vol. I-II). Livraria Martins., p. 217),vendido por negras forras ou cativas, como se vê na Figura 1, uma das poucas, senão a única, a explicitar textualmente que representava a venda de tal bebida. Ainda que, como refresco, fosse pareado a composições feitas com lima, limão-doce ou caldo de cana, que possivelmente não “tomavam azedume”, o aluá carioca era, segundo Debret (1940, p. 217)Debret, J. (1940). Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (Tomo 1, Vol. I-II). Livraria Martins., bebida “composta de água de arroz fermentado, ligeiramente acidulada, embora açucarada, e muito agradável de beber-se”. Todavia, a fermentação, usualmente breve, como indicam registros posteriores, a exemplo dos de Querino, não comprometia a finalidade de refrescar, sendo comumente desejada.

O arroz, outro ingrediente do rol daqueles manipulados para a feitura de beberagens que comportavam a denominação de aluá, figura, inclusive, numa das definições de “aloá” coligidas por Antônio de Moraes Silva (1789a)Silva, A. M. (1789a). Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro (Tomo 1). Officina de Simão Thaddeo Ferreira., em seu “Dicionário da Língua Portuguesa”, aparentemente como o único cereal a partir do qual elaboravam o fermentado9 9 O termo ainda designava um tipo de doce no Oriente (Silva, 1789a, p. 64). . Afinal, aquele alimento também fazia parte do cotidiano dos africanos, em suas terras de origem e no Brasil10 10 Alimento também domesticado e cultivado na África ocidental, região que contribuiu para a sua introdução no Brasil colonial (Carney, 2004, pp. 1-27). – quando disponível àquela gente escravizada que, não raro, era deixada à míngua (Viotti, 2019Viotti, A. C. C. (2019). Pano, pau e pão: escravos no Brasil colônia. Editora Unifesp., pp. 212-269) –, sendo mais um fator de associação entre a bebida, sua denominação e a população negra. Em tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1851, o doutor Antônio José de Souza, mais um observador do cotidiano carioca, estabelece a coexistência de aluás diferentes na capital brasileira, atrelados a bebedores pretos, cativos ou libertos. Inquiria o médico sobre a influência “do regime das classes pobres e dos escravos”, sua ingestão de alimentos e bebidas, em sua saúde, listando então os líquidos que seriam, “quando não úteis, inocentes” em seu consumo ordinário: água de cevada – possivelmente similar ao entendimento europeu do que caracterizava uma cerveja11 11 Segundo a definição coligida por Raphael Bluteau (1712-1728, p. 257), é “bebida que se usa nas partes setentrionais, que se faz com cevada, ou com trigo, ou com uma & outra cousa misturada com erva pé de galo”. –, hidromel e especialmente ‘aroá’, de milho ou de arroz (A. Souza, 1851Souza, A. J. (1851). Breves reflexões. Typographia Universal de Laemmert., p. 31).

A dispersão portuguesa pelo mundo (Russell-Wood, 1998Russell-Wood, A. J. R. (1998). Um mundo em movimento: os portugueses na África, Ásia e América (1415-1808). Difel., pp. 36-37) garantiu registros textuais sobre as plagas africanas, registros que também lá situam as origens possíveis do termo e das técnicas de preparo dos aluás, ao menos os de cereais, que também foram praticadas pelos escravizados negros na América lusa. Luís Antônio de Oliveira Mendes, nascido na Bahia, bacharel em Leis por Coimbra e versado nas artes médicas, apresentou à Academia Real das Sciencias de Lisboa, em 1793, um “Discurso acadêmico...”, impresso quase vinte anos depois, em que visava “determinar, com todos os seus sintomas, as doenças agudas e crônicas que mais frequentemente acometem os pretos recém-tirados da África” (Mendes, 1812Mendes, L. A. O. (1812). Discurso academico ao programa: determinar com todos os seus symptomas as doenças agudas, e chronicas, que mais frequentemente accomettem os Pretos recem-tirados da Africa [...]. Memórias Economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 4, 1-64., p. 15). Sua exposição é iniciada com a descrição dos ambientes e da constituição dos habitadores naturais das porções ocidentais do continente, povos com os quais os lusitanos tinham contato havia séculos e dos quais usualmente advinham as almas traficadas para o outro lado do Atlântico. Ao contemplar a vida cotidiana daquelas gentes, tratando especificamente dos usos que ordinariamente faziam do milho – sem especificar se referencia a espécie americana, se emprega o termo para designar milhetos locais, ou se fala de forma generalizada de vários cereais semelhantes –, Mendes (1812, p. 15) conta que, quebrado no pilão, o grão, sem passar por qualquer cozimento, era deixado “de molho por alguns dias e, fermentando, dele resulta uma espécie de cerveja quase avinagrada”, ao menos na percepção portuguesa, mas “que muito os pretos usam em lugar de vinho, ou de aguardente, e a ela tanto se costumam entregar que os chega a embebedar, e na língua da terra lhe chamam aluá”. Bem próximo daquele descrito – como “vinho”, vale pontuar – nas Minas brasílicas, algumas décadas antes, era preterido pelos africanos somente “quando nos seus sertões aparece a cachaça, aguardente do Brasil, a que chamam giribitá” (Mendes, 1812Mendes, L. A. O. (1812). Discurso academico ao programa: determinar com todos os seus symptomas as doenças agudas, e chronicas, que mais frequentemente accomettem os Pretos recem-tirados da Africa [...]. Memórias Economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 4, 1-64., p. 15), ou jeribita (Alencastro, 2000Alencastro, L. F. (2000). O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. Séculos XVI e XVII. Companhia das Letras., pp. 114-116; Cascudo, 2006Cascudo, L. C. (2006). Prelúdio da cachaça. Global Editora., pp. 22-23). Já o doutor Bernardino Antônio Gomes, que medicou na colônia americana entre fins do século XVIII e início do XIX, ao elaborar um tratado sobre boubas, enfermidade que assolava gravemente a escravaria, publicado também pela Academia das Sciencias de Lisboa, em 1815, discorre sobre os costumes alimentares dos pretos em suas terras de origem comparados ao provisionamento de que dispunham enquanto escravizados no Brasil. Segundo ele, numa linha bem similar à de Oliveira Mendes, para populações de várias regiões atlânticas do continente africano, “a sua bebida usual e estimada é uma espécie de cerveja, que chamam aluá, com que frequentemente se embriagam” (Gomes, 1815Gomes, B. A. (1815). Memória sobre as boubas. História e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 4(1), 1-57., pp. 10-11). Em nota, o douto explica que a beberagem era preparada a partir do “mays”, expressão comumente empregada em referência ao milho americano12 12 Ainda presente na nomenclatura científica Zea mays. , assim como de outros cereais – o que, como tem sido possível notar, conferia-lhe traços comparáveis às cervejas13 13 Para complementar a definição coligida por Bluteau em princípios do século XVIII, Silva (1789a, p. 258), nas últimas décadas da mesma centúria, registra-a como “bebida feita de grãos farináceos, que se deixam grelar”, isto é, maltar, “e se coze depois, se põem a fermentar. . .”. , não aos vinhos –, da seguinte maneira: “reduzem qualquer deles a farinha, cozem-na em água e depois, ajuntando-lhe mel, deixam-na fermentar por um, dois ou três dias” (Gomes, 1815Gomes, B. A. (1815). Memória sobre as boubas. História e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 4(1), 1-57., pp. 10-11). Por fim, mais adiante no texto, Gomes anota que, no Brasil, os escravizados bebiam aluá feito especificamente de arroz, não obstante fossem dados “muito mais à aguardente, chamada cachaça, de que gostam apaixonadamente” (Gomes, 1815Gomes, B. A. (1815). Memória sobre as boubas. História e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 4(1), 1-57., pp. 10-11).

Vale ainda um último exemplo, um registro de experiências in loco na África centro-ocidental remontando às últimas décadas do século XIX, encontrado nas obras assinadas pelos exploradores Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, nomeadamente naquela escrita depois da primeira viagem terrestre em que tentavam atravessar o continente pelos territórios sob administração lusitana, ocorrida entre 1877 e 1880. Uma nomenclatura, aparentemente do quimbundo, referente a bebidas feitas com cereais e muito próxima do aportuguesado ‘aluá’. Em “De Benguela às Terras de Iaca”, publicada em 1881, os autores dissertam sobre uma porção de elementos, tanto naturais quanto culturais, observados na costa e nos sertões daquela região. Tratam da alimentação dos povos locais, constituída por produtos nativos e aclimatados, como a mandioca e, por certo, o milho americano. Capello e Ivens, então, contam que os autóctones costumavam pulverizar no pilão “três artigos importantes”: o milho, o sorgo, chamado de massambala, e o massango, um painço nativo, conhecido como milheto-pérola, para aplicações diversas (Capello & Ivens, 1881Capello, H., & Ivens, R. (1881). De Benguela às terras de Iácca: descripção de uma viagem na África Central e Occidental (Vol. I). Imprensa Nacional., p. 333). Entre elas, com qualquer um dos três grãos, a obtenção da “cerveja do mato, que se denomina úalúa, quimbombo ou garapa14 14 Denominação que, no Brasil, designava produtos da fermentação do caldo de cana-de-açúcar, de suas escumas ou de açúcares pouco refinados, diluídos em água (Gurian, 2019, pp. 65-76). , conforme as terras. . .” (Capello & Ivens, 1881Capello, H., & Ivens, R. (1881). De Benguela às terras de Iácca: descripção de uma viagem na África Central e Occidental (Vol. I). Imprensa Nacional., p. 333), isto é, a depender da região.

Discutiu-se por muito tempo a parcela da contribuição africana, se não para o nome, para o entendimento sobre os aluás no Brasil15 15 Para citar apenas alguns dos contribuintes para tal debate: Holanda (1994, p. 184), Coutinho (1955, pp. 43-45) e Soares (1942, p. 38). . Diante do exposto até aqui, é possível afirmar que as denominações úalúa, aroá, aloá ou aluá tivessem a conotação primária de uma beberagem de cereais, preparada para fins predominantemente embriagantes – a que “tanto se costumam entregar”, como declara Mendes (1812, p. 15)Mendes, L. A. O. (1812). Discurso academico ao programa: determinar com todos os seus symptomas as doenças agudas, e chronicas, que mais frequentemente accomettem os Pretos recem-tirados da Africa [...]. Memórias Economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 4, 1-64. –, e fossem essencialmente ambundas16 16 O “Dicionário Kimbundu-Português”, do jurista e escritor angolano Assis Júnior (1949, p. 364), inclui uma entrada para o termo uâlua, atribuindo-lhe o sentido de “garapa, cerveja”, portanto, bebida fermentada, no entendimento dos povos falantes daquele idioma africano. , não brasílicas, como já se sugeriu (Cascudo, 1998Cascudo, L. C. (1998). Dicionário do folclore brasileiro. Ediouro., p. 67), e muito menos introduzidas nas porções ocidentais da África a reboque de gêneros alimentícios americanos. Os aluás daquelas plagas, descritos nos excertos citados, estão intimamente associados a plantas nativas do continente, subentendendo-se que antecedem os contatos sistemáticos com os europeus responsáveis pelo trânsito ultramarino de espécies vegetais. Ao retomar a indagação inicial do presente texto, pode-se assumir que essas denominações devem ter sido projetadas sobre alguns produtos embriagantes já elaborados pelos autóctones na América portuguesa, que partilhavam com as beberagens africanas ingredientes congêneres ou idênticos. Alcunhas que acompanharam saberes e técnicas tradicionais das culturas dos escravizados, também postos em prática do lado de cá do Atlântico e aos poucos transmitidos, junto das bebidas em si, entre as gentes da colônia e do Brasil independente, e que vieram a balizar o desenvolvimento de procedimentos de fermentação com feitios peculiarmente brasileiros.

Retornando às informações registradas por Debret (1940)Debret, J. (1940). Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (Tomo 1, Vol. I-II). Livraria Martins., publicadas pouco menos de duas décadas depois das notas do doutor Gomes (1815)Gomes, B. A. (1815). Memória sobre as boubas. História e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 4(1), 1-57., vê-se que, além de incluir o arroz entre as variedades fermentadas para a feitura de aluás, o artista também aponta para a ampliação, se comparado ao quadro descrito por Vilhena (1921a)Vilhena, L. S. (1921a). Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas (Livro 1). Imprensa Official do Estado. na Bahia, de seu público consumidor. Afirma o francês que a tal ‘classe baixa’, designação que poderia compreender uma ampla porção da base da pirâmide social, entre forros, trabalhadores livres, profissionais liberais e outras figuras emergentes no acalorado Rio de Janeiro tardo-colonial e imperial, recém-aberto para o resto do mundo, regalava-se com a bebida. Ademais, ele indica ter se disposto a experimentá-la, expressando sua aprovação, atitude que pode não ter sido tão comum entre seus pares, mas que, ainda assim, marca uma possibilidade de contato de públicos citadinos de diferentes origens e esferas da sociedade com aquele produto. Esta é uma evidência, pois, do processo de disseminação de aluás para além dos círculos de escravizados e de gentes menos afortunadas.

A evolução de tal processo, da inserção dessas misturas no repertório de consumo de camadas sociais mais diversas, até as décadas finais do Oitocentos, é sugerida por uma passagem do clássico “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, publicado de forma serial, como folhetim, na Revista Brasileira, no decorrer de 1880. Ainda nos primeiros capítulos do romance, o protagonista, pressionado pelo pai a ir se bacharelar em uma universidade na Europa, para que abandonasse caprichos juvenis e cultivasse seriedade e maturidade, propõe a Marcela, seu interesse amoroso àquela altura, que o acompanhe na viagem. Na ocasião, ela, em sua própria residência, queixa-se do calor carioca e manda “vir um copo de aluá”, não se sabe de que, que então é trazido pela mucama da casa “numa salva de prata”, objeto que, conta Brás, “fazia parte dos meus onze contos” de réis, cifra por ele despendida em presentes, a que se refere para mensurar as afeições superficiais e passageiras de Marcela (Assis, 2019Assis, M. (2019). Memórias póstumas de Brás Cubas. Antofágica., p. 84). Um indício da disseminação social dos aluás no ambiente urbano, que, pareado às ocorrências citadas de feitura e consumo de fermentados homônimos nas Minas, na Bahia e no próprio Rio de Janeiro, compõe um quadro de dispersão espacial dessas beberagens que certamente facilitou o desenvolvimento de entendimentos difusos do que poderia ser denominado como tal.

Vê-se, pois, que o termo, de provável origem africana, comportava um leque relativamente amplo de fermentados de cereais, não prescindindo, no entanto, ao menos até meados do século XIX, dessa especificidade dos seus ingredientes. Entre os alimentos mobilizados para a sua feitura, encontrava-se o milho, espécie conhecida e manipulada naquele continente, através de técnicas que continuaram a ser praticadas, quando possível, pelos negros escravizados no Brasil, resultando em beberagens classificadas pelos coetâneos como aluás. Mas a América portuguesa já contava, como indicado anteriormente, com costumes tradicionais de fermentação, pelas mãos de seus habitantes nativos, de gêneros autóctones, entre eles o ‘mays’ – e o ananás –, e, como em África, de espécies introduzidas, que incluíam o arroz. Quais seriam, então, os entendimentos brasílicos sobre as bebidas feitas a partir desses cereais? Davam-lhes outros nomes, a depender do lugar, dos jeitos ou de quem as preparava? Em resumo, sim. Destarte, acompanhar esse fio revelará mais um fator relevante da trajetória semântica que aqui se tenta desvelar.

SABERES AUTÓCTONES, ALCUNHA ALÓCTONE?

Além da conhecida e abrangente denominação ‘cauim’17 17 Por ser aplicada a uma porção de fermentados, distintos tanto por seus ingredientes quanto pelas técnicas empregadas em sua feitura, a denominação ‘cauim’ não será evidenciada na reflexão ora proposta. , uma outra, igualmente de tradição indígena, para certos fermentados à base de milho – conquanto, em algumas regiões, também fosse aplicada a bebidas feitas a partir da mandioca (Beaurepaire-Rohan, 1889Beaurepaire-Rohan, H. P. C. (1889). Diccionario de vocabulos brazileiros. Imprensa Nacional., p. 41) – era ‘catimpueira’, grafada ainda como ‘catimpuera’, ‘catimpoera’ ou ‘catambruera’. Parecia ocorrer principalmente em paragens mais afastadas das ocupações lusas do litoral, sem, no entanto, deixar de figurar em textos relativos à costa, como o conhecido “Caramuru”, poema épico do frei José de Santa Rita Durão, escrito em 178118 18 Definida pelo frei como “imunda bebida dos selvagens, que, mastigando o milho, fazem da saliva e do suco mesmo do grão uma potagem abominável”, sendo ainda comparada ao cauim (Durão, 1781, pp. 41-74). .

Ojerizada ou tida como “célebre manjar” pelos portugueses, seu preparo, assim como o de um aluá, é descrito nas “Notícias das taquaras...” (1999, p. 785). Era costumeiramente feita com canjica grossa do grão seco e pilado, “que, mascada na boca, é lançada no caldo da mesma canjica, e no dia seguinte já tem seu azedo e está perfeita. . .” (“Notícias das taquaras...”, 1999Notícias das taquaras, dos cipós e das muitas comidas que se fazem de milho nas Minas. (1999). In Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, Códice Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso [...] (Vol. I, pp. 782-786). Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais., p. 785). Costume partilhado entre muitos povos nativos, do sertão e da costa, a mastigação19 19 Procedimento usualmente observado nas manipulações da mandioca. Mesmo sem a decodificação microbiológica do processo, os indígenas sempre souberam, por experiência, ser um passo fundamental. Para que fermente, a estrutura de amidos complexos da raiz demanda uma capacidade enzimática fora da alçada das leveduras, que é proporcionada pela amilase salivar (ou ptialina) dos mastigadores, viabilizando, portanto, o processo almejado. No fabrico da catimpueira, é possível supor que a insalivação catalisasse a fermentação, conferindo também maior riqueza microbiológica ao mosto. da matéria a ser fermentada se fazia mister (Hue, 2008Hue, S. M. (2008). Delícias do descobrimento: a gastronomia brasileira no século XVI. Jorge Zahar Editor., p. 69; pp. 197-201), “e para ser mais saborosa há de ser mascada por alguma velha20 20 Participação muito simbólica para várias culturas autóctones, permanecendo até os dias atuais, ainda que com contornos e significações diferentes, entre muitos povos. Ver Fernandes (2011, pp. 174-176). , e quanto mais velha melhor, isto por lhe aproveitar a baba”; e “assim dela gustam os de bom estômago, que os nojentos a levam e socam ao pilão e acrescentam-na com água; . . . mas nunca é tão saborosa nem medicinal como mascada aos dentes” (“Notícias das taquaras...”, 1999Notícias das taquaras, dos cipós e das muitas comidas que se fazem de milho nas Minas. (1999). In Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, Códice Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso [...] (Vol. I, pp. 782-786). Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais., p. 785). Essa descrição, presente em um documento que também contempla outra beberagem feita com o mesmo ingrediente-base, elucida o reconhecimento da catimpueira como um produto diferente do aluá, mais específico, graças, principalmente, ao estado de processamento dos grãos postos a fermentar e à mastigação, peculiarmente indígena. Além disso, os comentários do autor, seguramente luso-brasileiro, elogiando a bebida e descrevendo consumidores variados de tal “manjar”, os “de bom estômago” e os “nojentos”, indicam que um público diverso devia apreciá-la, não só os autóctones. Wilhelm Ludwig von Eschwege, geólogo alemão a serviço do governo português, na Europa e no Brasil, durante as primeiras décadas do século XIX, é um exemplo dessa diversificação. Depois de conhecer a catimpueira, provavelmente nas Minas Gerais, teria ele rechaçado o rótulo de ‘desagradável’ que parecia representar a opinião comum dos habitantes brancos da então capitania sobre a beberagem. Von Eschwege a considerou, pelo contrário, refrescante e agradável. Ele afirma ainda, destoando das “Notícias das taquaras...” (1999, que o termo ‘catimpueira’ seria a denominação indígena para uma bebida do repertório nativo que os portugueses, quiçá mais habituados ao vocábulo de origem africana, associando àquela altura, de modo geral, fermentados de milho ao que faziam os escravizados, chamavam de aluá (Eschwege, 2002Eschwege, W. L. V. (2002). Jornal do Brasil, 1811-1817: ou relatos diversos do Brasil coletados durante expedições científicas. Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais.,, pp. 109-110).

Junto das aparições da catimpueira em documentos dos séculos XVIII e XIX, vê-se que também havia uma terceira nomenclatura em voga no Brasil, ao menos em regiões interiores, para beberagens obtidas com a fermentação do dito cereal. Numa relação da viagem feita de São Paulo às ‘Minas de Cuiabá’ pelo então governador e capitão-general da capitania paulista, Rodrigo César de Meneses, entre 1726 e 1727, escrita pelo secretário Gervásio Leite Rebelo, encontram-se notas sobre o panorama de subsistência das regiões de destino da jornada, a produção de víveres e o que era comumente preparado a partir deles, inclusive o que lá costumavam beber. Do “mays”, “único remédio e regalo destas Minas”, terras de ocupação árdua para os colonos portugueses21 21 Como sumariza Antonil (1982, p. 169), em 1711, “sendo a terra que dá ouro esterilíssima de tudo o que se há mister para a vida humana, e não menos estéril a maior parte dos caminhos das minas, não se pode crer o que padeceram ao princípio os mineiros por falta de mantimentos, achando-se não poucos mortos com uma espiga de milho na mão, sem terem outro sustento”. , faziam “farinha, que supre o pão, a canjica fina para os brancos, a grossa para os negros, os cuscuz[es], . . . . bolos, biscoitos, pastéis de carne e peixe”, também “pipocas, catimpoeira, aloja, angu, farinha de cachorro, aguardente, vinagre e outras muito mais equipações que tem inventado a necessidade e necessitam de momento” (Taunay, 1976Taunay, A. E. (1976). Relatos monçoeiros. Livraria Martins Editora S/A., p. 113). Ao lado da catimpueira, a aloja. Era também designação para uma bebida fermentada, distinta da primeira nos caminhos até Cuiabá, como fica claro no arrolamento de produtos feitos a partir do milho. E, ao contrário da denominação indígena, a palavra tem origens ibéricas, particularmente hispânicas, sendo empregada no Novo Mundo em partes da América espanhola para dar nome a algumas beberagens preparadas com ingredientes da terra (Holanda, 1994Holanda, S. B. (1994). Caminhos e fronteiras. Companhia das Letras., p. 184), o que também se viu, ainda que de forma mais rarefeita, em determinadas regiões e momentos da ocupação lusa no Brasil.

O “Diccionario de la lengua castellana”, léxico idealizado pela Real Academia Espanhola como o mais compreensivo possível, inicialmente publicado entre 1726 e 1739, e reeditado ininterruptamente desde então, define “aloja”, ou “aloxa”, como “bebida composta de água, mel e especiarias” (“Diccionario de la lengua castellana...”, 1726Diccionario de la lengua castellana […] compuesto por la Real Academia Española. (1726). Tomo primero, que contiene las letras A. B. Imprensa de Francisco del Hierro., p. 240, tradução nossa), necessariamente fermentada. Os membros da instituição responsáveis pelos volumes da obra dispensam as teses então cogitadas de que o termo tivesse raízes árabes, sugerindo descender dos vocábulos gregos Oxos, referente a vinagre, ou Oxy, palavra que designava ponta de espada ou arma pontiaguda, o que se explicaria pelo fato de que a aloja, para ser de boa qualidade, deveria ‘picar’ o paladar. Daí, com o tempo, escrevem, a palavra teria ganhado o prefixo “al” (“Diccionario de la lengua castellana...”, 1726Diccionario de la lengua castellana […] compuesto por la Real Academia Española. (1726). Tomo primero, que contiene las letras A. B. Imprensa de Francisco del Hierro., p. 240) – este sim um provável resquício da influência islâmica na Península Ibérica22 22 Partícula usada como artigo definido na língua árabe. . Fato é que a bebida foi muito apreciada por todas as castas da sociedade espanhola nos séculos XVI e XVII (Alcalá-Zamora, 1999Alcalá-Zamora, J. N. (Dir.). (1999). La vida cotidiana en la España de Velázquez. Temas de Hoy., p. 202; pp. 324-325; Campbell, 2017Campbell, J. (2017). At the first table: food and social identity in Early Modern Spain. University of Nebraska Press., pp. 23-24), especialmente no verão, quando costumava ser resfriada com neve coletada de cadeias montanhosas e trazida para as cidades para ser armazenada e comercializada23 23 Ver Saéz (1970). . Os vendedores de aloja, chamados de alojeros, armavam barracas ou circulavam pelas ruas apregoando seu produto, oferecendo-o também em ocasiões festivas e eventos determinados, e tais artífices eram organizados ao modo de guilda, ou grêmio, com a devida regulamentação (“Ordenanzas del Gremio...”, 1699Ordenanzas del Gremio de Alojeros de Madrid. (1699). Archivo Histórico Nacional (España), CONSEJOS, L.5111. Portal de Archivos Españoles. http://pares.mcu.es/ParesBusquedas20/catalogo/show/6392152
http://pares.mcu.es/ParesBusquedas20/cat...
), tamanha a consolidação do ofício, em razão do gosto pela mistura entre os castelhanos.

Diante disso, vale pontuar que, mesmo entre eles, ‘aloja’ designava mais um princípio, relativamente abrangente, do que uma receita definida, pressupondo beberagem fermentada e condimentada. Ela podia, certamente, ser feita apenas como mistura de água, mel e especiarias – incluindo-se aí o açúcar –, uma aloja denominada ordinária, mas a noção não vetava a adição de outros ingredientes, de maior contribuição ao produto final ou apenas agregadores complementares de sabor. Tanto que se vê, com relativa frequência, registros de venda de limonadas de aloja (Alcalá-Zamora, 1999Alcalá-Zamora, J. N. (Dir.). (1999). La vida cotidiana en la España de Velázquez. Temas de Hoy., pp. 332-333). Destarte, é possível que tal noção principiológica tenha permitido que a denominação fosse aplicada pelos paulistas na comitiva do governador a um preparo feito à base de milho, ao qual o adoçamento não seria improvável – mediante disponibilidade de ingredientes adoçantes –, prática comum entre os ibéricos e também corrente entre algumas culturas nativas do Brasil24 24 Como indica, por exemplo, o diário seiscentista de Roulox Baro (Moreau & Baro, 1979, p. 107). , acréscimo que poderia incluir meles de abelhas, de engenho ou o açúcar em algum de seus diferentes estágios de beneficiamento.

Não há por que duvidar que a denominação, com sua amplitude semântica, também integrasse o léxico do mundo português. Há registros de seu emprego na América lusa antes mesmo de figurar no relato de Gervásio Leite Rebelo, como em 1618, período em que a colônia estava integrada aos domínios hispânicos graças à união dinástica das coroas ibéricas, um vínculo político que também facilitou trocas culturais entre as nações peninsulares. Redigidos naquele ano, os “Diálogos das grandezas do Brasil” (Brandão, 2010Brandão, A. F. (2010). Diálogos das grandezas do Brasil. Segundo a edição da Academia Brasileira, corrigida e aumentada com numerosas notas de Rodolfo Garcia e introdução de Jaime Cortesão. Senado Federal, Conselho Editorial.), do contratador de dízimos e senhor de engenho Ambrósio Fernandes Brandão, radicado na capitania da Paraíba, contemplam diferentes vinhos usualmente feitos pelos nativos daquelas paragens, produtos distintos entre si, principalmente, pelo gênero posto a fermentar. O texto também indica o espaço que essas beberagens ganhavam entre os portugueses. A radicação dos lusitanos nas terras brasílicas e a gradativa exploração delas, relatadas em cartas e tratados de religiosos, administradores e militares, e nas narrativas de viajantes estrangeiros, suscitavam frequentemente desses letrados o recurso a referenciais comparativos familiares aos seus leitores europeus, para que a percepção registrada sobre aquele Novo Mundo pudesse ser mais facilmente apreendida. Os personagens de Brandão também se valem de comparações ao tratarem das bebidas, mobilizando, em dado momento, as alojas.

Dois amigos travam os tais “Diálogos das grandezas do Brasil” (Brandão, 2010Brandão, A. F. (2010). Diálogos das grandezas do Brasil. Segundo a edição da Academia Brasileira, corrigida e aumentada com numerosas notas de Rodolfo Garcia e introdução de Jaime Cortesão. Senado Federal, Conselho Editorial.), Brandônio, provável pseudônimo adotado pelo autor especificamente para a composição da obra, e Alviano, em possível referência a Nuno Álvares, que serviu em cargos administrativos análogos e frequentava os mesmos círculos que o senhor de engenho (Cortesão, 2010Cortesão, J. (2010). Apresentação. In A. F. Brandão, Diálogos das grandezas do Brasil. Segundo a edição da Academia Brasileira, corrigida e aumentada com numerosas notas de Rodolfo Garcia e introdução de Jaime Cortesão (pp. 9-19). Senado Federal, Conselho Editorial., p. 13). O primeiro conta ao segundo sobre a “grande quantidade de vinhos que se acham pelos. . . . matos” brasílicos, “posto que não” dos “de Portugal, que se faz de uvas”, mas “de outros que se acham em grande quantidade, como é o vinho que se faz das canas-de-açúcar, que para o gentio da terra e escravos de Guiné é maravilhoso”, assim como “outro que se faz do mesmo açúcar com especiaria, a modo de aloxa, que para os brancos é cousa mui regalada”. Alviano, por sua vez, responde que “com tantas sortes de vinhos bem se poderão escusar os que trazem das Canárias e ilha da Madeira, principalmente com esse que dizeis que semelha à aloxa, a que sou muito afeiçoado” (Brandão, 2010Brandão, A. F. (2010). Diálogos das grandezas do Brasil. Segundo a edição da Academia Brasileira, corrigida e aumentada com numerosas notas de Rodolfo Garcia e introdução de Jaime Cortesão. Senado Federal, Conselho Editorial., p. 221).

Enquanto os aluás africanos ou aqueles feitos pelos escravizados pretos nas cidades litorâneas e nas Minas Gerais – e possivelmente a catimpueira – remetiam ou eram especificamente associados pelos portugueses a cervejas, por serem preparados a partir de cereais, a aloxa referida por Brandônio e Alviano é comparada a beberagens brasílicas designadas como vinhos, cujos gêneros-base descritos nos “Diálogos das grandezas do Brasil” incluem cajus, mel de abelhas, insumos de diferentes palmeiras e a seiva de coqueiros (Brandão, 2010Brandão, A. F. (2010). Diálogos das grandezas do Brasil. Segundo a edição da Academia Brasileira, corrigida e aumentada com numerosas notas de Rodolfo Garcia e introdução de Jaime Cortesão. Senado Federal, Conselho Editorial., p. 221). Tal aproximação também é feita pelo provedor-mor da Fazenda Real, Pedro Cadena de Vilhasanti, atuando na Bahia em 1638, ao afirmar que o “vinho de mel [de engenho], a que chamam garapa, . . . é o mesmo que aloja” (Vilhasanti, 1941Vilhasanti, P. C. (1941). Relação diária do cerco da Baía de 1638 por Pedro Cadena de Vilhasanti. Agência Geral das Colônias., p. 179). A ideia de “vinho”25 25 Moraes Silva o define apenas como “o mosto na primeira fermentação”, prescindindo da uva como ingrediente pilar (Silva, 1789b, p. 527). , vale dizer, parecia comportar uma vastíssima gama de produtos-base, não só frutas, mas também grãos, tubérculos e raízes, entre os quais o ‘mays’, o arroz e a mandioca. É bem conhecida a declaração do jesuíta Simão de Vasconcellos, que, na segunda metade do século XVII, relatou a contabilização de trinta e duas castas de vinho feitas pelos nativos do Brasil, a partir de um repertório variadíssimo de elementos fermentáveis, da macaxeira ao jenipapo, passando pela pacoba, pela batata, pelo milho e pelo ananás (Vasconcellos, 2001Vasconcellos, S. (2001). Notícias curiosas e necessárias das cousas do Brasil. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses., p. 98). Retomando o arrolamento de produtos feito por Leite Rebelo, no entanto, vê-se o que por ele é denominado aloja como uma beberagem mais próxima dos aluás descritos nas regiões mineradoras no decorrer do Setecentos do que dos vinhos das capitanias setentrionais citados pelos personagens de Ambrósio Fernandes Brandão, na primeira metade do século anterior.

A narrativa sobre a viagem do governador paulista é a principal referência documental a respaldar hipóteses de que ‘aloja’ e ‘aluá’ tenham sido designações diferentes para as mesmas bebidas no Brasil. Entretanto, é necessário ponderar um pouco mais sobre a variabilidade e o paralelismo dos termos. Para haver uma aproximação entre eles, é provável que a denominação ibérica tenha sido aplicada, graças à sua flexibilidade semântica – e, talvez, à maior familiaridade dos colonos do interior monçoeiro com o termo hispânico do que com a palavra ambunda –, a beberagens conhecidas pelos escravos como aluás, similares, de algum modo, a catimpueiras e cauins indígenas, em um contexto de variabilidade comum das definições daquilo que se preparava cotidianamente para comer e beber, à luz dos intercâmbios de tradições autóctones, africanas e europeias. Tais trocas resultavam em zonas cinzas de conceituação e pontos de intersecção entre entendimentos e vocábulos. Gradativamente, naquelas regiões interiores, ‘aloja’ pode ter se consolidado como mais uma alcunha possível para designar tais fermentados, sobretudo se contassem com alguma forma de adoçamento. Também não é descartável o papel da similaridade, conquanto pouco flagrante, entre ‘aluá’ e ‘aloja’ – e suas respectivas variações, de grafia e pronúncia – nesse processo.

A equação, no entanto, se complica. Não é possível afirmar seguramente que nomenclaturas estrangeiras, africanas ou europeias, tenham sido simplesmente aplicadas sobre beberagens nativas, compondo-se, assim, um repertório de opções designadas, ao fim e ao cabo, pelo termo ulteriormente predominante, ‘aluá’. E ‘aloja’ pode ainda ter desempenhado papel mais extenso. Pressupunha um princípio de preparo que, sim, comportava variações, foi inicialmente atrelado pelos portugueses às bebidas classificadas como vinhos e terminou também aplicável àquelas primeiramente entendidas como cervejas, aproximando-se dos citados preparos culturalmente africanos. Como, então, pode ajudar a explicar a inclusão dos fermentados de fruta, nomeadamente o de ananás, no rol contemplado pela denominação ‘aluá’?

ELEMENTOS FAMILIARES E NOVAS COCÇÕES

Os comentários e as descrições de Luís dos Santos Vilhena e Jean-Baptiste Debret enfatizam um aspecto que aproxima os aluás brasílicos oitocentistas das alojas ordinárias a partir de características relevantes às últimas, não contempladas ou explicitadas por Gervásio Leite Rebelo em sua relação, cerca de um século antes. Em particular, a condimentação, essencial na definição contida no “Diccionario de la lengua castellana...” (1726), com determinadas especiarias, entre elas o açúcar, e a adição de mel, de abelhas ou de cana, caso claro também da bebida “a modo de aloxa” laureada por Brandônio e Alviano. Não seria improvável que o aluá baiano citado por Vilhena (1921a, p. 131)Vilhena, L. S. (1921a). Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas (Livro 1). Imprensa Official do Estado., que consistia numa “água suja com mel e certas misturas”, sem qualquer menção a milho, arroz ou outro cereal em sua cocção, pudesse também, conquanto repugnante para o autor, ter recebido a alcunha de aloja, a depender do local, do agente responsável por seu preparo, ou ainda do arcabouço referencial daquele que o tivesse experimentado. O aluá carioca, por sua vez, também era ‘açucarado’, subentendendo-se que contava com a adição de adoçante, não necessariamente pelo fato de a matéria fermentada apresentar dulçor natural, sendo a bebida explicitamente referida como azeda. E esse procedimento de acréscimo de um elemento doce se tornou, até o século XX, intimamente associado às receitas de aluá, como se vê nas registradas por Manoel Querino (1957)Querino, M. (1957). A arte culinária na Bahia (2. ed.). Livraria Progresso Editora., citadas na abertura deste texto, que mandam agregar rapadura à bebida, fosse ela feita de milho ou de cascas de abacaxi; ou ainda na definição coligida em 1933 pelo jurista, diplomata e professor de Letras Renato Firmino Maia de Mendonça, em seu “A influência africana no português do Brasil”, em que registra ser o aluá “bebida feita de arroz cozido, açúcar e sumo de limão”, que “também pode ser feita de milho” (Mendonça, 2012Mendonça, R. F. M. (2012). A influência africana no português do Brasil. FUNAG., p. 123). Temos, desse modo, uma sobreposição de costumes, o de fermentar determinados cereais, seja ao modo dos africanos, seja ao modo dos indígenas do Brasil; e o de condimentar ou, mais especificamente, de adoçar preparos fermentados, remontando a costumes ibéricos comumente atrelados às alojas, que também se assemelhavam a hábitos de algumas culturas nativas, as quais tradicionalmente acrescentavam meles silvestres em diversas beberagens, antes ou depois da fermentação, e que, após os contatos com os europeus, passaram a se valer de produtos e subprodutos da indústria açucareira para o mesmo fim (Gurian, 2019Gurian, G. F. (2019). Bebidas e bebedores no Brasil Holandês, 1624-1654. Editora Unifesp., pp. 163-165).

O entendimento principiológico amplo carregado pela denominação ‘aloja’ e a etapa de adoçamento podem ter sido, assim, facilitadores para que o termo ambundo ‘aluá’, até o Setecentos um designador de bebidas preparadas a partir de milhos e milhetos, tivesse seu escopo semântico alterado e ampliado, focando no procedimento de feitura, a despeito do gênero fermentado, abarcando também ingredientes mais diversos e nativos, como as frutas, tais quais o ananás. No Brasil do século XIX, ‘aluá’ já parecia compreender mais do que sua concepção original africana, apesar de relatada como tal pelos citados doutores à Academia das Sciencias de Lisboa. Comparando produtos descritos na centúria anterior e aqueles noticiados pelo mestre de letras clássicas e pelo pintor francês, vê-se que o termo passou a comportar preparos que, mesmo ainda predominantemente associados a vendedores e consumidores pretos, escravos ou forros, já gozavam de feitios peculiares, de métodos e receitas condicionados pelas circunstâncias e pelos recursos da terra, devendo também aos intercâmbios culturais observados no Brasil, além do perfil declaradamente refrescante, em detrimento de fins alimentícios ou embriagantes. O desenvolvimento dessas variedades de bebida e sua trivialização sob a alcunha de aluás também contaram com certa secularização ou perda de possíveis feições ritualísticas de práticas e vocábulos que balizavam preparos anteriores, das culturas autóctones (Raminelli, 2005Raminelli, R. (2005). Da etiqueta canibal: beber antes de comer. In H. Carneiro & R. P. Venâncio (Orgs.), Álcool e drogas na história do Brasil (pp. 29-46). Alameda; Editora PUCMinas., pp. 29-46) ou africanas potencialmente influentes – ainda que os aluás tenham, especialmente no século seguinte, ganhado novos espaços sagrados, como os terreiros de religiões afro-brasileiras (Lody, 1998Lody, R. (1998). Santo também come. Pallas., pp. 54-57), e novas ocasiões típicas de consumo, como os festejos juninos (Cascudo, 1998Cascudo, L. C. (1998). Dicionário do folclore brasileiro. Ediouro., p. 67). Exemplos claros desse processo de diversificação e trivialização durante o Oitocentos são a inclusão do arroz ao rol dos ingredientes-base – considerando que o cereal não consta nos registros de bebidas assim nomeadas em África, onde era consumido e provavelmente fermentado, tomando outras formas e alcunhas – e o adoçamento, com meles ou açúcares, do conteúdo azedo dos potes de barro que acompanhavam negros de ganho pelas ruas e ladeiras das vilas e cidades. Vê-se já, portanto, uma mudança nos produtos designados pelo termo ambundo, mudança que, por sua vez, influiu na semântica da própria palavra. É de se considerar que o adoçamento atrelado à fermentação tenha ganhado tanto espaço na concepção que se consolidou no Brasil sobre os aluás quanto aquilo que era manipulado e processado para ‘tomar azedume’. Ainda que se note a diversificação desses elementos de base, assim como a disseminação de tais preparos entre variadas camadas sociais, os procedimentos, imprescindíveis, parecem agrupar produtos que, se dependessem exclusivamente de seus ingredientes fundamentais, seriam considerados distintos.

Em meio a esse movimento, a inclusão do ananás ao rol de bebidas classificadas como aluás parece relativamente tardia. Mas não deve surpreender. Entendendo-se, como exposto, que o elemento unificador dessa classificação é procedimental, pode admirar que os produtos de outros elementos tradicionalmente fermentados no Brasil, como o caju, e igualmente laureados como refrescantes, não tenham passado a integrar essa seleção. Mas a valorização e o apreço pelo ananás são profundos, longevos e territorialmente disseminados no país. Desde o século XVI, as bebidas obtidas a partir da manipulação da fruta por meio de técnicas indígenas, notadas e registradas nas ocupações lusas na costa, do Rio de Janeiro à Paraíba, eram consideradas “de bom gosto” (Cardim, 1925Cardim, F. (1925). Tratados da terra e gentes do Brasil. Livraria J. Leite., p. 71), cativando portugueses e outros estrangeiros (Nieuhof, 1981Nieuhof, J. (1981). Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil. Editora Itatiaia; Editora da Universidade de São Paulo., p. 342). Tidos como a casta “mais forte” do amplo rol de vinhos nativos, os de ananás são descritos como picantes e rápidos indutores de embriaguez, a que “todos os mestiços e muitos portugueses” eram “mui afeiçoados” (Sousa, 1938Sousa, G. S. (1938). Tratado descriptivo do Brasil em 1587. Companhia Editora Nacional., p. 226). E, ao menos desde a centúria seguinte, para além dos usos medicinais da fruta e de misturas terapêuticas que a tinham como ingrediente (Cardoso, 2022Cardoso, J. S. (2022). As virtudes terapêuticas do ananás em escritos franciscanos e jesuíticos entre os séculos XVI e XVII. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 17(1), e20200110. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2020-0110
https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELD...
), sabe-se que, entre autóctones, colonos, religiosos e viajantes, era comum temperar misturas de ananás e água “com açúcar e se deixa[r] conservar” (Marcgraf, 1942Marcgraf, G. (1942). História natural do Brasil. Imprensa Oficial do Estado., p. 33), procedimento que resultaria em uma fermentação, técnica esta ampla e ativamente utilizada para a conservação de alimentos.

Alguns séculos mais tarde, Luís dos Santos Vilhena, numa outra epístola a Filipono, “em que se dá uma breve e recompilada notícia dos três reinos Animal, Vegetal e Mineral no Estado do Brasil. . .”, escreve que “é o ananás a mais especial fruta da América, o que parece quis a natureza mostrar coroando-a como rainha de todas as mais, com um engraçadíssimo ramalhete de miúdas folhas da sua planta” (Vilhena, 1921bVilhena, L. S. (1921b). Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas (Livro 2). Imprensa Official do Estado., p. 762). Ideia notadamente disseminada, com propósito moralizante, no início da centúria anterior, mais especificamente em 1702, pelo frei António do Rosário (2021, pp. 79-81)Rosário, Fr. A. (2021). Frutas do Brasil numa nova e ascética monarquia, consagrada à Santíssima Senhora do Rosário. Cultura Acadêmica., seguido algumas décadas depois, em 1730, pelo historiador Sebastião da Rocha Pita, que teria nomeado o ananás a “fruta natural culta” soberana do Brasil (Pita, 2011Pita, S. R. (2011). História da América portuguesa. Senado Federal, Conselho Editorial., p. 44). No Oitocentos, era ela não só manipulada de forma caseira, seguindo tradições populares, mas também servia de matéria para a produção comercial de fermentados, com vinhos de ananás – nunca denominados como aluás, supondo-se, pois, serem entendidos como bebidas diferentes, primariamente embriagantes e não meros refrigerantes – enviados por produtores maranhenses, norte-rio-grandenses e fluminenses para serem exibidos na Exposição Universal de Paris, em 1867 (“O Império do Brazil na Exposição Universal...”, 1867O Império do Brazil na Exposição Universal de 1867 em Paris. (1867). Typographia Universal de Laemmert., pp. 191-194). Em resumo, por questões gustativas, salutares e até morais (Ferreira, 2021Ferreira, R. A. (2021). Cristãos no além-mar: pregações para os estados da Monarquia. In Fr. A. Rosário, Frutas do Brasil numa nova e ascética monarquia, consagrada à Santíssima Senhora do Rosário (pp. 9-51). Cultura Acadêmica., pp. 21-29), fica evidente que o ananás se destacou no repertório alimentar e etílico, e no imaginário dos brasileiros. Como ingrediente de aluás, a depender da região, a fruta dividiu espaço com alimentos de inclusão mais antiga nessas receitas26 26 Ver o conto “O macaco e o aluá”, supostamente sergipano, coligido por Silvio Romero, em que o principal ingrediente da bebida central na narrativa é o milho (Romero, 2018, pp. 272-274). , caso da Bahia de Querino (1957)Querino, M. (1957). A arte culinária na Bahia (2. ed.). Livraria Progresso Editora., ocasionalmente tomando o protagonismo como gênero-base da bebida. No século XX, vê-se que, para alguns, como o jurista e lexicógrafo Antônio Joaquim de Macedo Soares, a fruta, já então amplamente conhecida como abacaxi, teria se tornado o único elemento cuja fermentação caracterizaria um aluá, resultando em “champanhas” (Soares, 1942Soares, A. J. M. (1942). Estudos lexicográficos do dialeto brasileiro (1874-1890). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 177, 5-269., p. 38).

ALUÁS DO BRASIL

A definição mais bem acabada, que, parece, sumariza a trajetória histórico-semântica que aqui se tentou remontar, vem de um comentário do historiador, político, publicista e professor Nelson Coelho de Senna, em seu “Elucidário de africanismos”, datado de 1938. Segundo ele (citado em Almeida, 2021Almeida, O. N. (2021). Elucidário de africanismos: resultados de um garimpo no arquivo pessoal de Nelson Coelho de Senna [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8142/tde-08062021-124711/pt-br.php
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, p. 200), o aluá é “bebida refrigerante, tão popular no Brasil e feita com caldo de frutas ou cereais fermentados em água, o qual depois se adoça, dando-lhe um gosto acidulado e picante”. A miríade de jeitos e ingredientes empregados em sua feitura, alinhada ao procedimento descrito por Senna, “deu origem a muitas expressões compostas, como sejam: ‘aluá de abacaxi’, ‘aluá de arroz’, ‘aluá de fruta’, ‘aluá de garapa’, ‘aluá de milho’, ‘aluá de mel de furo’, ‘aluá com limão’ etc.”. E assim como ‘aluá’, ‘nome afronegro’, para citar novamente o autor, passou a designar diferentes bebidas no Brasil, mais refrigerantes ou embriagantes, esses mesmos produtos receberam denominações diferentes e variadas, por vezes concomitantes ao vocábulo ambundo, de diversas matrizes culturais e linguísticas, coexistentes e mutuamente influentes, em muitas partes do país.

Em resposta à indagação inicial do presente texto, é possível afirmar que, diante da soberania vocabular do africano ‘aluá’ em relação às nomenclaturas indígenas, ou ainda ao hispânico ‘aloja’, o fator predominante na composição das diferentes fórmulas, com diferentes ingredientes, abarcadas pela palavra desde antes do tempo de Manoel Querino, tenha sido a técnica de feitura, notadamente o adoçamento, que passou, provavelmente entre finais do século XIX e começo do XX, a ser feito principalmente com mel de engenho, rapadura e até açúcar mascavo. É o ponto procedimental mais recorrente nas descrições e receitas, independentemente do gênero posto a fermentar, das feições ‘vínicas’, ‘cervejeiras’, refrigerantes ou embriagantes da beberagem, e da adição ou não de especiarias como cravo, canela, erva-doce e gengibre. Das cartas de Vilhena (1921a)Vilhena, L. S. (1921a). Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas (Livro 1). Imprensa Official do Estado., em 1802, a “O não me deixes”, de Rachel de Queiroz (2010, pp. 108-109)Queiroz, R. (2010). O não me deixes: suas histórias e sua cozinha. José Olympio., datado de 1999, esse parece ser o elemento unificador, ainda que nunca referido e reconhecido como tal nos registros, salvo pelo de Senna. O que se pode afirmar é que o procedimento é resultado de influências variadas, dos repertórios nativos e africanos aos hábitos ibéricos, representados pela aloja, que também orientou o entendimento de alguns portugueses e ainda terminou por batizar algumas bebidas na colônia. E que a normalidade do adoçamento nos costumes europeus pode ter facilitado a aceitação do procedimento similarmente praticado pelos autóctones, aproximando, desse modo, práticas análogas. Ao final, é como se o princípio definidor de ‘aloja’ contido no “Diccionario de la lengua castellana...” (1726, p. 240), o de bebida fermentada e condimentada, servisse para se entender o estado semântico final, depois de tais processos e influências, dos aluás no Brasil – que, ainda assim, pressupõem um leque de variações aparentemente mais restrito, devendo ser preparados a partir de milho, arroz ou abacaxi, este com a polpa ou apenas a casca.

  • 1
    Todas as citações tiveram, quando necessário, grafia e pontuação atualizadas para garantir maior fluidez à leitura.
  • 2
    Um bom apanhado sobre as bebidas na história do Brasil pode ser conferido em Carneiro (2011, pp. 131-156)Carneiro, H. S. (2011). O corpo sedento: bebidas na História do Brasil. In M. Del Priore & M. Amantino (Orgs.), História do corpo no Brasil (pp. 131-156). Editora Unesp..
  • 3
    Processo conhecido como maltagem, bastante antigo e amplamente disseminado entre as culturas bebedoras de fermentados à base de cereais, do Crescente Fértil à Europa germânica (White, 1860White, E. S. (1860). The Maltster’s guide: being a history of the art of malting from the earliest ages; also, a description of the various systems of malting, &c. &c., the construction of malthouses, and an abstract of the whole of the malt laws. W.R. Loftus., pp. 9-22).
  • 4
    Sobre a questão, com enfoque na contribuição portuguesa, ver Ferrão (1993)Ferrão, J. E. M. (1993). A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses. Instituto de Investigação Científica Tropical; Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; Fundação Berardo..
  • 5
    Em um dos primeiros documentos que registram a passagem da frota de Pedro Álvares Cabral pela costa do que viria a ser conhecido como Terra de Santa Cruz, um ato notarial de 1503, escrito pelo alemão Valentim Fernandes, já se lê que os habitantes daquelas plagas faziam “vinho do milho”, indicando quão destacada seria aquela prática, pelo menos à vista dos europeus (T. Souza, 1946Souza, T. O. M. (1946). O descobrimento do Brasil. Estudo crítico de acordo com a documentação histórico-cartográfica e náutica. Companhia Editora Nacional., p. 159).
  • 6
    Em 1587, Gabriel Soares de Sousa escreve que um milho de casta grossa “. . . se planta por entre a mandioca e por entre as canas novas de açúcar. E colhe-se a novidade aos três meses, uma em agosto e outra em janeiro”. Era comido assado pelos indígenas, que também “fazem seus vinhos com ele cozido, com o qual se embebedam”, enquanto “os portugueses que comunicam com o gentio, e os mestiços não se desprezam dele, e bebem-no mui valentemente”. Já um milho de outra casta, “que é sempre mole”, era utilizado pelos portugueses para fazer “muito bom pão e bolos com ovos e açúcar”, que o pilavam também “para se cozer com caldo de carne, ou pescado, e de galinha, o qual é mais saboroso que o arroz. . .” (Sousa, 1938Sousa, G. S. (1938). Tratado descriptivo do Brasil em 1587. Companhia Editora Nacional., pp. 199-200).
  • 7
    Sobre o ganho nas ruas, ver Viotti (2019, pp. 194-211)Viotti, A. C. C. (2019). Pano, pau e pão: escravos no Brasil colônia. Editora Unifesp..
  • 8
    Segundo Silva (1789b, p. 70)Silva, A. M. (1789b). Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro (Tomo 2). Officina de Simão Thaddeo Ferreira., além de “suco doce que as abelhas recolhem das flores em seus favos”, era também, no Brasil, “a calda do açúcar que se filtra das formas que estão a purgar, para se lavar o açúcar e alvejar”, conhecido também como “mel de furo” ou, atualmente, melaço.
  • 9
    O termo ainda designava um tipo de doce no Oriente (Silva, 1789aSilva, A. M. (1789a). Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro (Tomo 1). Officina de Simão Thaddeo Ferreira., p. 64).
  • 10
    Alimento também domesticado e cultivado na África ocidental, região que contribuiu para a sua introdução no Brasil colonial (Carney, 2004Carney, J. A. (2004). ‘With grains in her hair’: rice in Colonial Brazil. Slavery & Abolition, 25(1), 1-27. https://doi.org/10.1080/0144039042000220900
    https://doi.org/10.1080/0144039042000220...
    , pp. 1-27).
  • 11
    Segundo a definição coligida por Raphael Bluteau (1712-1728, p. 257)Bluteau, R. (1712-1728). Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico... Autorizado com exemplos dos melhores escritores portuguezes, e latinos; e offerecido a El Rey de Portugal D. João V (Vol. II). Officina de Pascoal da Sylva., é “bebida que se usa nas partes setentrionais, que se faz com cevada, ou com trigo, ou com uma & outra cousa misturada com erva pé de galo”.
  • 12
    Ainda presente na nomenclatura científica Zea mays.
  • 13
    Para complementar a definição coligida por Bluteau em princípios do século XVIII, Silva (1789a, p. 258)Silva, A. M. (1789a). Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro (Tomo 1). Officina de Simão Thaddeo Ferreira., nas últimas décadas da mesma centúria, registra-a como “bebida feita de grãos farináceos, que se deixam grelar”, isto é, maltar, “e se coze depois, se põem a fermentar. . .”.
  • 14
    Denominação que, no Brasil, designava produtos da fermentação do caldo de cana-de-açúcar, de suas escumas ou de açúcares pouco refinados, diluídos em água (Gurian, 2019Gurian, G. F. (2019). Bebidas e bebedores no Brasil Holandês, 1624-1654. Editora Unifesp., pp. 65-76).
  • 15
    Para citar apenas alguns dos contribuintes para tal debate: Holanda (1994, p. 184)Holanda, S. B. (1994). Caminhos e fronteiras. Companhia das Letras., Coutinho (1955, pp. 43-45)Coutinho, I. L. (1955). A propósito de minha gramática histórica. Revista Brasileira de Filologia, 1, 27-51. e Soares (1942, p. 38)Soares, A. J. M. (1942). Estudos lexicográficos do dialeto brasileiro (1874-1890). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 177, 5-269..
  • 16
    O “Dicionário Kimbundu-Português”, do jurista e escritor angolano Assis Júnior (1949, p. 364)Assis Júnior, A. (1949). Dicionário Kimbundu-Português: linguístico, botânico, histórico e corográfico: seguido de um índice alfabético dos nomes próprios. Argente, Santos & C.ª, L.da., inclui uma entrada para o termo uâlua, atribuindo-lhe o sentido de “garapa, cerveja”, portanto, bebida fermentada, no entendimento dos povos falantes daquele idioma africano.
  • 17
    Por ser aplicada a uma porção de fermentados, distintos tanto por seus ingredientes quanto pelas técnicas empregadas em sua feitura, a denominação ‘cauim’ não será evidenciada na reflexão ora proposta.
  • 18
    Definida pelo frei como “imunda bebida dos selvagens, que, mastigando o milho, fazem da saliva e do suco mesmo do grão uma potagem abominável”, sendo ainda comparada ao cauim (Durão, 1781Durão, Fr. J. S. R. (1781). Caramuru. Poema épico do descubrimento da Bahia, composto por Fr. José de Santa Rita Durão. Régia Officina Typografica., pp. 41-74).
  • 19
    Procedimento usualmente observado nas manipulações da mandioca. Mesmo sem a decodificação microbiológica do processo, os indígenas sempre souberam, por experiência, ser um passo fundamental. Para que fermente, a estrutura de amidos complexos da raiz demanda uma capacidade enzimática fora da alçada das leveduras, que é proporcionada pela amilase salivar (ou ptialina) dos mastigadores, viabilizando, portanto, o processo almejado. No fabrico da catimpueira, é possível supor que a insalivação catalisasse a fermentação, conferindo também maior riqueza microbiológica ao mosto.
  • 20
    Participação muito simbólica para várias culturas autóctones, permanecendo até os dias atuais, ainda que com contornos e significações diferentes, entre muitos povos. Ver Fernandes (2011, pp. 174-176)Fernandes, J. A. (2011). Selvagens bebedeiras: álcool, embriaguez e contatos culturais no Brasil colonial (séculos XVI-XVII). Alameda..
  • 21
    Como sumariza Antonil (1982, p. 169)Antonil, A. J. (1982). Cultura e opulência do Brasil. Editora Itatiaia; Editora da Universidade de São Paulo., em 1711, “sendo a terra que dá ouro esterilíssima de tudo o que se há mister para a vida humana, e não menos estéril a maior parte dos caminhos das minas, não se pode crer o que padeceram ao princípio os mineiros por falta de mantimentos, achando-se não poucos mortos com uma espiga de milho na mão, sem terem outro sustento”.
  • 22
    Partícula usada como artigo definido na língua árabe.
  • 23
    Ver Saéz (1970)Saéz, H. C. (1970). Una actividad desaparecida de las montañas mediterráneas: el comercio de la nieve. Revista de Geografía, 4(1), 5-42. https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2856770
    https://dialnet.unirioja.es/servlet/arti...
    .
  • 24
    Como indica, por exemplo, o diário seiscentista de Roulox Baro (Moreau & Baro, 1979Moreau, P., & Baro, R. (1979). História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses e relação da viagem ao país dos Tapuias. Editora Itatiaia; Editora da Universidade de São Paulo., p. 107).
  • 25
    Moraes Silva o define apenas como “o mosto na primeira fermentação”, prescindindo da uva como ingrediente pilar (Silva, 1789bSilva, A. M. (1789b). Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro (Tomo 2). Officina de Simão Thaddeo Ferreira., p. 527).
  • 26
    Ver o conto “O macaco e o aluá”, supostamente sergipano, coligido por Silvio Romero, em que o principal ingrediente da bebida central na narrativa é o milho (Romero, 2018Romero, S. (2018). Contos populares do Brasil (Coleção Acervo Brasileiro, Vol. 3, 2. ed.). Cadernos do Mundo Inteiro., pp. 272-274).
  • Gurian, G. F. (2023). Bebidas fermentadas brasileiras: considerações histórico-semânticas sobre aluás. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 18(2), e20220087. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0087.

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Editado por

Responsabilidade editorial: Márcio Couto Henrique

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2022
  • Aceito
    20 Mar 2023
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