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Defesa dos oceanos: algumas considerações

MESAS-REDONDAS

DEFESA DOS OCEANOS

Defesa dos oceanos: algumas considerações

Antonio C. A. Sodré Fº

1. A Consciência Ecológica e o Poder da Informação

A partir do período neolítico o homem adquiriu a força de destruir o ambiente. Até então, segundo as informações disponíveis, vivera integrado ao meio participando da reciclagem geral. O desenvolvimento da cultura humana ao longo do tempo fêz com que a força de controle do homem sobre o meio ambiente fosse significativamente ampliada. Mais recentemente, o poder de agir sobre os sistemas de vida na terra foi multiplicado pelo desenvolvimento tecnológico.

Os processos de controle sobre o meio ambiente nem sempre estiveram voltados para o conjunto vital e, assim, seus resultados paralelos têm sido, muitas vezes, predadores, tóxicos, poluentes e destuidores dos ecossistemas.

O homem, com sua imensa capacidade cerebral, é um grande recebedor e reciclador de informações. Além do que é dotado de características que o fazem adaptar-se e agir em função do efeito cumulativo destas informações.

Nas últimas décadas teve inicio um processo de formação da consciência ecológica com sentido universal.

Entre nós esse processo foi iniciado por Tommasi, especialmente com seus artigos, e por Ferri, que traduziu e publicou livros a respeito.

Este poder da informação que vem se ampliando a cada dia está levando o homem a rever sua filosofia de desenvolvimento. Busca-se, agora, e cada vez mais, um desenvolvimento integrado com a Natureza, um comportamento ético mais consentâneo com a realidade dos ecossistemas.

2. A Influência das Informações sobre as ações Futuras em Relação aos Recursos Vivos do Oceano.

Sabidamente o homem moderno tem acesso aos meios de informação os mais amplos e, por um processo cumulativo vai formando sua opinião a respeito dos mais variados aspectos da vida humana.

A ecologia é uma ciência nova, com características multidisciplinar, e aspectos fascinantes. A divulgação de seus princípios vem conquistando adeptos rapidamente. Enquanto não se estrutura como disciplina, entretanto, está sujeita a influências de menor significado cientifico, e a utilização por vezes demagógica.

Felizmente, para nós no Brasil, no campo da Defesa dos Oceanos, temos instituições e cientistas do maior gabarito envolvidos no processo de estudo e divulgação das questões ecológicas envolvendo nossos mares. É de grande importância que os canais políticos tenham um bom entrosamento com os mesmos.

Em todo o processo de informação ecológica estamos condicionando, através do processo cumulativo, as ações futuras. Por isto é da maior significação que sejam transmitidas as informações científicas com este conteúdo pois elas estão conduzindo à formação de uma consciência ecológica. Também é importante que o rigor científico das informações não tenha um caráter de ecologia poética. Não podemos e não devemos nos imaginar estimuladores de conservacionismo irracional. Segundo Tommasi: "somos parte de um complexo sistema de evolução, de seleção, de criação, resultado transitório de toda uma maravilhosa história que se projeta, por nossa ação insensata, pela quebra dos princípios que nortearam nossa criação, à um futuro incerto". . Mas, mesmo tendo em mente a figura de náufragos em um planeta condenado, criada por Wierner e citada por Tomasi, é imprescidível racionalizarmos.

Não podemos, a pretexto de alimentar, transportar ou satisfazer outras necessidades do homem, destruir a vida nos oceanos. Como também não podemos restringir ou eliminar o desfrute dos oceanos em benefício do homem a não ser nos limites da conservação dos limites máximos deste desfrute. Em outras palavras, os oceanos, como de resto todo o nosso planeta, devem ser preservados da ação negativa do homem. E como ação negativa compreendemos aquela que tende a uma forma de predação, de quebra irreversível do equilíbrio do ecossistema com prejuízo para o mesmo.

A preservação dos oceanos da ação negativa deve existir para que os mesmos possibilitem a ação positiva do homem, isto é, o desfrute correto, o desfrute equilibrado. Não podemos imaginar preservação como negação do desfrute. A menos que se busque a negação do homem.

Em verdade, quando falamos em Defesa dos Oceanos, é a defesa para maximizar o seu equilíbrio tendo em mente a presença do homem como figuça central em nosso planeta. A contrário senso seria seguir uma tendência que negaria a continuidade da espécie humana. O homem deve buscar a coexistência com a Natureza como partícipe do processo e como partícipe que detém a liderança. E essa liderança deve ser exercida para orientar o processo de desfrute mediato e imediato, sempre tendo em mente o interesse maior da coletividade humana.

E, hoje, já está amplamente provado que há um campo muito grande em que a inteligência humana pode atuar reduzindo sensivelmente a ação negativa e poluidora, fazendo, até mesmo, retomar às condições normais ecossistemas deteriorados.

3. Os Oceanos como Fonte de Alimentos

A importância dos oceanos como fornecedores de aumentos para o homem tem sido relegada a um segundo plano ultimamente.

Em verdade a humanidade dependeu, desde seus primórdios, dos recursos vivos do mar e continua a manter esta dependência no presente momento.

Contribuindo anualmente com mais de 60 milhões de toneladas para a alimentação da espécie humana, o pescado é a proteína de origem animal mais importante em volume além de o ser em valor nutritivo (em razão dos aminoácidos). A segunda é a carne bovina com produção animal em torno de 40 milhões de toneladas.

Em termos de futuro o pescado representa uma das alternativas de maior importância para a alimentação da humanidade.

Na década de 60 as taxas de crescimento da produção pesqueira foram bastante superiores às da agricultura e pecuária.

Na década de 70 houve oscilações. Nos anos 71 e 76 as produções foram recordes, ultrapassando 71 milhões de toneladas, e nos demais anos houve decréscimos. Três fatores contribuíram significativamente para tais oscilações. Dois deles de origem exógena que foram: a crise do petróleo em 73, principal insumo da atividade e as modificações legais nas regiões pesqueiras (200 milhas). E um fator de origem endógena, que foi a repentina queda de produtividade no Peru, no ínício da década.

O Departamento de Pesca da FAO prevê que no ano 2.000 a produção pesqueira mundial estará por volta de 110 milhões de toneladas (DDI-G-76-72).

Segundo W. Chapman há um consenso entre os cientistas familiarizados com o assunto de que a produção máxima mundial deverá se situar entre 200 a 250 milhões de toneladas, considerando os recursos do tipo ora em produção. Admitindo-se o aproveitamento de outras espécies esta produção poderá ser bastante superior.

A defesa dos ocanos tem, portanto, um caráter de assegurar a continuidade de suprimento de proteína para as populações afluentes.

4. Sistemas Conjuntos de Defesa e Desfrute

Voltados como estamos para o Oceano Atlântico é importante a compreensão do contexto biológico da nossa área de influência.

Nosso mar territorial (ou patrimonial) sofre influência de duas bacias hidrográficas de grande porte: a bacia Amazônica e a bacia do Prata. Ambas são, do ponto de vista da biologia marinha, carreadoras de "in puts" para o processo de vida em águas atlânticas, especialmente para as espécies demersais. Sofremos também influência das correntes marítimas e estas estão mais significativamente representadas por processos de baixa produtividade.

A corrente das Malvinas (que atua sobre águas argentinas e uruguaias) influencia nossa zona tradicional de pesca no extremo sul sendo uma corrente com características de alta produtividade.

Quer do ponto de vista das bacias hidrográficas, quer do ponto de vista das correntes, bem como das espécies e suas migrações, estamos fazendo parte de um conjunto influenciável e influenciador de mares de terceiros países e da sua biomassa.

Ao sul compartilham conosco do conjunto Uruguai e Argentina, e ao Norte: França, Suriname, Guianas, bem como Trinidad e Tobago, e Venezuela.

Desta forma, ao compartilharmos de áreas de influência conjunta, devemos buscar soluções conjuntas. Quer do ponto de vista de defesa do oceano, quer do ponto de vista de desfrute, o desejável é buscarmos através de acordos um caminho que valorize os nossos estoques comuns, protegendo-os, conjuntamente, da ação predadora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2012
  • Data do Fascículo
    1980
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