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A ecossondagem pesqueira no litoral do Rio Grande do Sul

Resumo

In the present paper the echo-sounding use accomplished by fishery boats for demersal species in the Rio Grande do Sul littoral is discussed. Considerations on the best use are made, including the need of more adequate echo-sounders and the training of the skeepers in echo-sounding techniques.


ARTIGOS

A ecossondagem pesqueira no litoral do Rio Grande do Sul (* (* ) Contribuição da Base Oceanógrafica Atlântica nº 9 )

Luiz Paulo Rodrigues Cunha

Base Oceanógrafica Atlântica, Fundação Universidade da Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil

SYNOPSIS

In the present paper the echo-sounding use accomplished by fishery boats for demersal species in the Rio Grande do Sul littoral is discussed. Considerations on the best use are made, including the need of more adequate echo-sounders and the training of the skeepers in echo-sounding techniques.

Introdução

A maior produção de peixes demersais capturados na costa do litoral do Rio Grande do Sul procede de uma faixa de mar relativamente estreita, que é justamente a que vai desde a margem até a isóbata dos 50m. Essa área de pesca - que apresenta maior produtividade no litoral compreendido entre a barra do Rio Grande e o Chuí - é a principal responsável pelo abastecimento do importante centro comercial e industrial pesqueiro que se localiza na cidade de Rio Grande.

Desde que foi iniciada a pesca comercial de alto-mar na região, há cerca de 30 anos, a atividade da frota de arrasteiros temse limitado quase que exclusivamente à referida faixa contígua à costa.

A ecossondagem pesqueira voltada para a detecção de espécies demersais vem senão feita, na zona, de forma bastante precária a bordo dos arrasteiros. A falta de ecossondas mais apropriadas às necessidades desse tipo de pesca, aliada ao despreparo dos patrões-de-pesca para operar convenientemente esses instrumentos, tem privado a frota local da oportunidade de realizar capturas mais efetivas e também de forma mais racional.

O Trabalho de Ecossondagem a Bordo dos Pesqueiros Locais

a) A dotação da frota

Visando um melhor conhecimento sobre as potencialidades da frota comercial que tem base em Rio Grande, em termos de instrumentos hidroacústicos para a localização de peixes., procedeu-se ao levantamento de todos os aparelhos existentes nas diversas embarcações que a integram(1 (1 ) Incluem-se aqui os barcos com registro em Rio Grande e vários outros que, mesmo registrados em outros portos pesqueiros, operam no litoral do Rio Grande do Sul, seja em caráter permanente ou temporário. ). As ecossondas foram praticamente o único instrumento hidroacústico encontrado (registraram-se apenas dois sonares). Conforme se poderá ver na Tabela I. cerca de 50% dos modelos catalogados já não mais são produzidos pelos respectivos fabricantes, havendo sido substituídos por modelos mais aprimorados.

b) Procedimentos atuais de ecossonodagem pesqueira

Como resultado de observações decorrentes de viagens a bordo de pesqueiros locais, e de entrevistas mantidas com patrões-de-pesca e outros profissionais do setor, arrolam-se as seguintes observações concernentes à operação e ao aproveitamento das ecossondas pesqueiras:

1) são utilizadas mais como um instrumento de navegação que propriamente como um instrumento auxiliar das pescas, ou seja, têm emprego limitado quase que exclusivamente à indicação de profundidade;

2) o funcionamento desses aparelhos, em conseqüência, restringe-se aos breves momentos de tomada periódica de profundidade, quando em navegação. Durante os arrastos, há patrões-de-pesca que os mantêm em funcionamento, e outros que o fazem apenas naquelas zonas mais acidentadas ou onde sabem da existência de "pegadores";

3) as zonas de pesca e a linha de aerrota escolhidas para os arrastos são determinadas, geralmente, pela prática e intuição do patrão-de-pesca. Os dados que a ecossonda poderia fornecer, se mantida em funcionamento ininterrupto, deixam de ser aproveitados;

4) os altos custos do papel se interpõem como rator limitante ao desejável aproveitamento das ecossondas;

5) não foram encontradas, a bordo, quaisquer instruções escritas sobre a operação, funcionamento e manutenção desses instrumentos;

6) constatou-se uma sub-utilização daqueles modelos de maiores recursos, devida; essencialmente, ao desconhecimento. por parte dos mestres, quanto às reais possibilidades dos instrumentos de que dispõem:

7) paralelamente a isso, observou-se que o ajuste aos aparelhos se faz de forma bastante deficiente, sendo constatada, também, a falta de habilidade dos patrões-de-pesca para a interpretação satisfatória dos ecorregistros.

A Racionalização do Trabalho de Ecossondagem Pesqueira

A experiência que se reuniu de trabalhos de ecossondagem feitos na região, tanto mediante instrumental pesqueiro como científico, permitem sejam apontadas aqui algumas idéias e observações com vistas ao aproveitamento da ecossonda como um eficiente instrumento auxiliar das pescas:

a) A escolha de modelos mais adequados

A falta de conhecimento prévio sobre as potencialidades que possa apresentar uma ecossonda tem sido, ainda, o principal responsável pela inapropriada escolha de boa parte desses instrumentos com os quais se tem buscado dotar embarcações pesqueiras.

É certo que as modernas ecossondas são, geralmente, bastante completas e que vêm sendo cada vez mais aprimoradas. Porém, ao buscar-se eleger um determinado modelo, convém seja sempre levado em conta o tipo (ou os tipos, se for o caso) de pesca a que o barco se vai dedicar.

Destaca-se, desde logo, que, para o caso específico da pesca de arrasto-de-fundo que tem lugar na Região Sul, os modelos ideais de ecossondas seriam aqueles que pudessem permitir a ampliação dos ecos do fundo. No entanto, satisfazendo ou não a esse requisito, merecem criteriosa consideração aquelas características básicas diretamente relacionadas com o poder de resolução do instrumento, e que são, fundamentalmente., a freqüência, o comprimento do pulso e o ganho crono-variável (TVG). Afora isso, dir-se-ia que o aparelho deveria, também, permitir quaisquer das formas de registro fundamentadas no chamado efeito de bloqueio, a saber, registros de tipo linha branca (white line) ou similar (dynaline e grey line).

Freqüência - as ecossondas pesquisas encontraveis no mercado são produzidas dentro de uma variedade relativamente ampla de freqüências, que oscila geralmente entre os 28 e os 200 kHz. Sabendo-se que com o emprego de baixas freqüências se estará ganhando alcance em detrimento de uma melhor resolução, pode-se concluir que as ecossondas mais adequadas para a prospecção ecóica em águas rasas seriam aquelas mais adequadas para a prospecção ecóica em águas rasas seriam aquelas de freqüências mais altas. Freqüências compreendidas entre os 150 e os 300 kHz darão ótima resolução em profundidades que vão até os 50 metros. É importante notar que há alguns modelos, inclusive, que operam com dupla freqüência, selecionável (p. ex. 50 kHz e 200 kHz).

Comprimento do pulso - quanto menor for o comprimento do pulso, maior será a resolução, quando se trata de discriminar peixes prórimo uns dos outros. Sendo que o registro guarda uma relação direta com o cumprimento do pulso, se a distância entre dois peixes é inferior á metade do comprimento do pulso, os ecotraços correspondentes a seus respectivos ecos irão se sobrepor. Sabendo-se que, com uma duração de 1 milisegundo, o comprimento de pulso correspondente é de 1,5 metros, apresentarão melhor performance, para o caso da pesca em evidência, aqueles aparelhos cujo comprimento de pulso é inferior a 1 milisegundo. Convém que se ressalte, também, que muitas das ecossondas atuais possibilitam a seleção de vários comprimentos de pulso (longos e curtos), o que atende satisfatoriamente a essa peculiaridade.

Ganho crono-variável (TVG) -várias ecossondas compensam automaticamente a debilitação da força do sinal procedente de alvos mais afastados, mediante o sistema de ganho crono-variável (time varied gain). Graças a esse sistema, torna-se possível a comparação de ecos procedentes de distintas profundidades. Atualmente, a maior parte dos modelos incorpora esse recurso.

Linha branca - quando se buscam aquelas espécies de peixes que se ditribuem próximo ao fundo, torna-se muito difícil diferenciar os ecos que delas procedem daqueles provenientes do próprio fundo do mar, se a ecossonda opera sob a forma de registro normal. Isso porque, em que pese os diversos recursos que uma ecossonda possa incorporar para uma maior resolução nos registros, esses recursos mostram-se insuficientes para fazer essa necessária separação. Baseado, porém, no fato cie que há uma sensível diferença na força do sinal refletido pelos peixes e pelo fundo marinho, foi desenvolvido o sistema de registro conhecido como linha branca (white line), que possibilita a distinção entre ambos. Sistemas similares de registro, como o dynaline e o grey line, são também adotados por vários modelos de ecossondas.

Ampliação dos registro do fundo - há, hoje em dia, uma grande variedade de ecossondas que permitem um detalhamento mais amplo dos ecorregistros correspondentes aos últimos metros acima da linha de fundo (inclusive com intervalos selecionáveis), informação esta que se fornece de forma expandida, registrada sobre o mesmo papel registrador. Esse recurso pode estar incorporado ao próprio aparelho ou então pode constituir-se numa unidade suplementar conectável. Em ambos os casos, os registros amplificados são feitos na faixa inferior do papel; na faixa superior, permanece o registro normal sob escala. Esse recurso, que opera associado às formas de registro white line, dynaline ou grey line, é de relevada importância para a pesca de arrasto-de-fundo.

Cabe ser dito, ainda, que as lupas de pesca (fish lupe ou fish scope) desempenham uma função análoga (a imagem, igualmente amplificada, é apresentada num tubo de raios catódicos), muito embora o sistema de apresentação anterior - diretamente sobre o papel - tenha logrado, ultimamente, maior popularidade entre os pescadores, pela facilidade de visualização e imediata associação com o ecograma normal.

b) A capacitação da mão-de-obra embarcada

Fica claro, desde logo, que não é suficiente proceder-se à boa escolha de uma ecosonda, se a pessoa que a vai operar não está de posse de um perfeito conhecimento soore a mesma, com vistas a que seu aproveitamento seja feito de forma racional.

Fica assente, de outra parte, que a escolha do aparelho e a capacitação do operador apenas levam à obtenção de registros de boa qualidade; é, no entanto, da eficiente interpretação desses registros que irá depender o bom aproveitamento das pescarias.

Para atender a esses imperativos, e dada a importância da pesca de arrasto-de-fundo na região em apreço, a necessidade do engajamento dos órgãos oficiais interessados parece fora de dúvida. Um programa voltado para a capacitação da mão-de-obra embarcada, em técnicas e procedimentos afetos ao trabalho com ecossondas, acompanhado de um outro com vistas á renovação (quando fosse o caso) desses instrumentos, incrementando a dotação da frota com aparelhos de melhor performance, constituir-seia numa medida bastante oportuna e desejável.

c) O papel dos fabricantes e fornecedores

O empenho por bem assessorar o usuário, as garantias de uma eficiente assistência técnica e o fornecimento de catálogos em idioma pátrio (ou pelo menos das instruções sobre a parte operacional e sobre a manutenção afeta ao patrão-de-pesca) jase fazem igualmente oportunos. Essa última medida certamente viria a minorar em muito os problemas do mau aproveitamento das ecossondas em nossos pesqueiros.

Conclusão

É sabido que os fundos encontrados na plataforma continental do Rio Grande do Sul são predominantemente arenosos e areno-lamosos, o que associado à sua declividade bastante suave, torna praticável a pesca de airasto-de-fundo na maior parte de sua superfície. No entanto, em predominando esses fundos "moles", e dado o próprio comportamento das espécies demersais em si, a detectação desses peixes - cujas pescas são as mais desenvolvidas na região - é grandemente prejudicada, seja pelo sub-aproveitamento das ecossondas dotadas de maiores recursos, seja pelas limitações daquelas mais simples ou mesmo inadequadas às condicionantes impostas por esse tipo de pesca, ou, ainda, devido à inabilidade dos patrões-de-pesca para a operação satisfatória desses aparelhos.

A realização de breves cursos de capacitação, repetidos, poderia ser uma promoção relativamente viável. Para tanto, poderse-ia aproveitar a temporada do verão, quando a pesca se reduz sensivelmente na área, para permitir a um maior número de profissionais o aproveitamento dessa oportunidade. Como alternativa mais simples - há que se levar em conta que o tempo dos pescadores em terra é mínimo - poder-se-ia editar, como trabalho preliminar, uma espécie de "cartilha" em que fossem apresentados os princípios básicos da ecossondagem, como também a maneira de se operar eficientemente uma ecossonda.

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Finalmente, a incorporação de modelos de ecossondas mais efetivos, apropriadamente utilizados, representaria, seguramente, um grande benenfio para a pesca no litoral do Rio Grande do Sul, pois que propiciaria melhores condições para a localização e dimensionamento das concentrações de peixes,, além de contribuir sensivelmente para a racionalização das pescarias. Haveria, conseqüentemente, não só uma apreciável redução de custos, como também uma sensível melhoria na qualidade do pescado, resultantes do incremento das capturas e da diminuição do tempo de permanência no mar.

Agradecimento

Ao Lie. Jorge Pablo Castelo, Supervisor dp Núcleo de Avaliação Pesqueira da Base Oceanógrafica Atlântica, pela revisto e crítica do presente trabalho.

  • (*
    ) Contribuição da Base Oceanógrafica Atlântica nº 9
  • (1
    ) Incluem-se aqui os barcos com registro em Rio Grande e vários outros que, mesmo registrados em outros portos pesqueiros, operam no litoral do Rio Grande do Sul, seja em caráter permanente ou temporário.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      1980
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