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Combate à violência contra crianças e adolescentes: desafio para a sociedade brasileira

A ideia de infância vem variando ao longo dos séculos e entre culturas. Conforme Narodowski, a infância é fenômeno histórico e não meramente natural, e, no Ocidente, suas características precípuas podem ser classificadas como heteronomia, dependência e obediência ao adulto em troca de proteção11. Narodowski M. Infância e poder: a conformação da pedagogia moderna [tese] [Internet]. São Paulo: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação; 1993 [acesso 1º mar 2018]. p. 23-58. Disponível: https://goo.gl/oMBbDh
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. Essa perspectiva vai ao encontro da proposição de Philippe Ariès, para quem é preciso aceitar que a infância, tal qual é entendida hoje, resulta inexistente antes do século XVI22. Ariès P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar; 1973. p. 10..

A afirmação de Ariès permite compreender que, no decurso da história e, inclusive, na pré-história, a ideia de criança ou a concepção de infância não existia. Mesmo que não haja provas, considerando que não há registros pictóricos ou artefatos que o comprovem, atribui-se essa situação à elevada mortalidade infantil. Condições de vida extremamente rigorosas para todos – adultos e crianças – eram também a provável causa de a expectativa de vida ser de apenas 20 ou 30 anos, conforme estudos de fósseis humanos de caçadores-coletores que viveram há milhares de anos 33. Deaton A. A grande saída: saúde, riqueza e as origens da desigualdade. Rio de Janeiro: Intrínseca; 2017..

Na Roma imperial o nascimento não era fato biológico, e recém-nascidos só [vinham] ao mundo, ou melhor, só [eram] recebidos na sociedade em virtude de uma decisão do chefe de família; a contracepção, o aborto, o enjeitamento das crianças de nascimento livre e o infanticídio do filho de uma escrava [eram], portanto, práticas usuais e perfeitamente legais44. Veyne P. Do ventre materno ao testamento. In: Veyne P, organizador. História da vida privada 1: do império romano ao ano mil. São Paulo: Companhia da Letras; 1994. p. 23-43. p. 23.. Nessa sociedade, o pai exercia o direito de dar vida social à criança, levantando-a do chão, onde fora colocada pela parteira, para manifestar que lhe concede o direito à vida. Os bebês não reconhecidos ficavam expostos na rua ou eram jogados no monturo, onde muito poucos sobreviviam 44. Veyne P. Do ventre materno ao testamento. In: Veyne P, organizador. História da vida privada 1: do império romano ao ano mil. São Paulo: Companhia da Letras; 1994. p. 23-43. p. 23..

Na Idade Média, a situação dos nascituros se alterou um pouco: seu direito de sobreviver ao nascimento não era mais prerrogativa paterna, mas decorria diretamente da situação de vida de sua mãe. Os bebês abaixo de 2 anos, em particular, sofriam de descaso assustador, com os pais considerando pouco aconselhável investir muito tempo ou esforço em um “pobre animal suspirante”, que tinha tantas probabilidades de morrer com pouca idade55. Heywood C. Uma história da infância: da idade média à época contemporânea no Ocidente. Porto Alegre: Artmed; 2004. p. 87..

Como registra Ariès, na Idade Média, antes da escolarização as crianças compartilhavam os mesmos lugares e situações de interação social com os adultos, tanto na esfera doméstica quanto na laboral ou em festividades. Na sociedade medieval não havia a divisão territorial e de atividades em função da idade dos indivíduos, não havia o sentimento de infância ou uma representação elaborada dessa fase da vida44. Veyne P. Do ventre materno ao testamento. In: Veyne P, organizador. História da vida privada 1: do império romano ao ano mil. São Paulo: Companhia da Letras; 1994. p. 23-43. p. 23..

Mas apesar de as crianças compartilharem o cotidiano dos mais velhos, especialmente depois que eram consideradas aptas ao trabalho (geralmente em torno dos 7 anos) ou ao casamento (entre 9 e 10 anos), as esculturas funerárias do período recordam a precariedade da vida infantil. Os bebês, colocados em berços estreitos, sob processos higiênicos medíocres e em regime de aleitamento precário, morriam em grande quantidade:

Em ambiente popular ou camponês, a mortalidade dos bebês é considerável no momento das pestes (1348-1430). Desde esse momento, e mais ainda a partir do século XV, o infanticídio (por sufocação) não é mais um fenômeno excepcional, e os abandonos tornaram-se suficientemente numerosos (…). Os bebês, sobretudo do sexo feminino, são muito frágeis e por vezes pouco desejados, para que o apego por eles resista às graves coerções da pobreza 66. Roncière C. A vida privada dos notáveis toscanos no limiar da Renascença. In: Duby G, organizador. História da vida privada 2: da Europa feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras; 1994. p. 163-309. p. 223-4..

Violência sexual também pairava sobre a infância, especialmente sobre meninas vítimas de estupro, embora crimes de sodomia contra meninos também figurassem nos autos dos tribunais 77. Vigarello G. A história do estupro: violência sexual nos séculos XVI-XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1998. p. 40.. Associados a sedução, perda da virgindade e dano à honra do pai ou do marido, em um período em que o crime contra a propriedade era considerado mais pungente que aquele contra a pessoa, as leis e a punição variavam segundo a classe social dos acusadores e da vítima, em função de haver registro por terceiros de reação ao ato (gritos e choro) e de outras marcas físicas, como hematomas e cortes. O estupro estava intimamente associado ao pecado e era uma mácula que também atingia a vítima: A vítima de uma violência sexual pertence, mesmo que confusamente, ao mesmo registro da rejeição88. Vigarello G. A história do estupro: violência sexual nos séculos XVI-XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1998. p. 37..

No período entre a Idade Média e a Renascença os laços familiares entre pais e recém-nascidos continuavam tênues. Era costume entre a burguesia tomar o serviço de amas de leite, sendo rara a permanência do bebê com a família. Calcula-se que na Toscana apenas 23% das amas tenham vivido nas casas de seus patrões 66. Roncière C. A vida privada dos notáveis toscanos no limiar da Renascença. In: Duby G, organizador. História da vida privada 2: da Europa feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras; 1994. p. 163-309. p. 223-4.. Na maioria das vezes, os recém-nascidos eram levados à moradia das amas, competindo com os próprios filhos das nutrizes e com outras crianças que elas recebiam para aleitamento. Quando não morriam, eram devolvidos às famílias quando estavam próximos de completar 2 anos, mas há casos de crianças que permaneceram com as amas de leite até terem muito mais idade 66. Roncière C. A vida privada dos notáveis toscanos no limiar da Renascença. In: Duby G, organizador. História da vida privada 2: da Europa feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras; 1994. p. 163-309. p. 223-4., demonstrando seu papel secundário na estrutura familiar.

Forna sublinha que até o século XVIII a infância era curta e dura. A relação mãe-filho tão exaltada nos tempos modernos mal existia99. Forna A. Mãe de todos os mitos: uma breve história da maternidade. Rio de Janeiro: Ediouro; 1999. p. 36.. Nos grupos camponeses, as necessidades da criança eram suplantadas por todas as outras atividades relacionadas à casa, ao trabalho no campo e ao bem-estar dos demais membros da família. Assim, o trabalho de cuidar da casa, cozinhar, plantar, cuidar dos animais e dos doentes tinha prioridade sobre os cuidados parentais:

A criança nascia e, se sobrevivia (era um grande “se”) recebia apenas o sustento que se julgava necessário e muito pouca atenção. Em certa idade entrava na vida adulta que, para a maioria, significava ser posto a trabalhar (…) A infância não era, como acreditamos hoje, um estado de crescimento distinto, de vulnerabilidade e inocência, que exige atenção especial. As crianças não eram só “gente pequena”, mas muito pior. Acreditava-se que o homem nascia em pecado e era obrigação dos pais incutir-lhes o senso moral (geralmente à força de pancadas) 99. Forna A. Mãe de todos os mitos: uma breve história da maternidade. Rio de Janeiro: Ediouro; 1999. p. 36..

Mas as dificuldades pelas quais passavam as crianças não se restringiam ao velho mundo. Relatos do povo Guayaki, caçadores-coletores anteriormente conhecidos também como Aché, que habitavam as selvas do Paraguai, contam que quando um membro importante do grupo morria, costumavam sacrificar uma criança do sexo feminino e enterrá-la com o morto, provavelmente acreditando que isso facilitaria sua vida após a morte. Outro dos muitos relatos capazes de chocar a sensibilidade contemporânea é o de que bebês que nasciam sem cabelo eram considerados pouco desenvolvidos e mortos imediatamente 1010. Clastres P. Crônica dos índios Guayaki: o que sabem os Aché, caçadores nômades do Paraguai. São Paulo: Editora 34; 1995..

No Brasil, a percepção e o tratamento da criança durante o período colonial não foi muito diferente, pois a sociedade escravista reforçou sobremaneira a violência das relações. Del Priore relata que, no século XIX, 4% dos escravos levados ao comércio no mercado do Cais do Valongo, na então capital do país, Rio de Janeiro, eram crianças, das quais apenas a terça parte sobrevivia até os 10 anos 1111. Del Priore M. História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto; 2006. p. 10.. Muitas delas eram obrigadas a trabalhar a partir dos quatro anos de idade. De fato, até o final do século XIX o trabalho infantil continua sendo visto pelas camadas subalternas como “a melhor escola”1111. Del Priore M. História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto; 2006. p. 10..

Atualmente, nossa perspectiva a respeito da infância se alterou de maneira radical. No século XX essa noção se consolidou universalmente, apoiada, inclusive, em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu item 2 assevera: A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social1212. Organização das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos [Internet]. Brasília: Unesco; 1998 [acesso 16 fev 2018]. art. 25. Disponível: https://goo.gl/mdjxfW
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. Ao longo da década de 1960 e seguintes, diferentes documentos internacionais também registraram a necessidade de atender às necessidades de saúde, educacionais, físicas, intelectuais e emocionais de crianças e jovens 1313. Brasil. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Atos internacionais. Pacto internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais. Promulgação [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 7 jul 1992 [acesso 16 fev 2018]. Disponível: https://goo.gl/LaZP8v
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14. Organização das Nações Unidas. Relatório da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento. Plataforma de Cairo [Internet]. 5-13 set 1994 [acesso 16 fev 2018]; Cairo, Egito. Disponível: https://goo.gl/2taw1Q
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15. Organização das Nações Unidas. Declaração e plataforma de ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher [Internet]. Pequim; 1995 [acesso 16 fev 2018]. Disponível: https://goo.gl/4EUh6X
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-1616. Fundo das Nações Unidas para a Infância. A convenção sobre os direitos da criança [Internet]. New York: ONU; 1989 [acesso 16 fev 2018]. Disponível: https://goo.gl/mjrmKf
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.

Ao ratificar esses documentos e, inclusive, promulgar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) 1717. Brasil. Estatuto da criança e do adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 [Internet]. Rio de Janeiro: Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; 2017 [acesso 16 fev 2018]. Disponível: https://goo.gl/9Ww3kq
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, o Brasil manifesta seu propósito de amparar a infância, protegendo os mais vulneráveis dos maus-tratos e da violência até então banalizados e impunes. A alteração no ECA denominada informalmente “Lei da Palmada” enfatizou ainda mais o banimento do castigo físico ou tratamento cruel ou degradante para educar filhos 1818. Brasil. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 27 jun 2014 [acesso 16 fev 2018]. Disponível: https://goo.gl/FoP8Tk
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, mas o que se vê nas ruas e é registrado pela mídia é que a violência contra as crianças persiste no país e no mundo.

Se os três poderes da República, as famílias e a sociedade cumprissem os artigos 3º, 4º e 7º do ECA, não teríamos gerações de crianças abandonadas nas ruas de nossas cidades. José Carlos Oliveira, cronista do Jornal do Brasil, em publicação de 1953, já descrevia o drama do abandono desses seres nas ruas do Rio, e apelava aos políticos: façam o que quiserem de errado, roubem, mas não deixem de olhar e cuidar das crianças1919. Oliveira JC. O Rio é assim: a crônica de uma cidade (1953-1984). Rio de Janeiro: Agir; 2005. p. 71., prevendo, então, a violência que se aproximava.

Matéria publicada em maio de 2017 pelo governo brasileiro informa que o Disque 100 recebeu, em 2015 e 2016, 37 mil denúncias do crime com pessoas de até 18 anos. A maioria das vítimas eram meninas. (…) A maior parte das denúncias é referente aos crimes de abuso sexual (72%) e exploração sexual (20%)2020. Brasil. Dia nacional contra abuso sexual de crianças e jovens é celebrado nesta quinta (18) [Internet]. Portal Brasil. 18 maio 2017 [acesso 15 fev 2018]; Cidadania e Justiça. Disponível: https://goo.gl/5vFH9P
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. No que tange especificamente a crianças e adolescentes (de 10 a 19 anos) do sexo masculino, o país também está entre os cinco piores dentre nações que não passam por situação formal de conflitos armados 2121. Verdélio A. Unicef: violência mata uma criança ou um adolescente a cada 7 minutos [Internet]. Agência Brasil. 1º nov 2017 [acesso 15 fev 2018]; Direitos Humanos. Disponível: https://goo.gl/c1fAv9
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.

A situação não se restringe somente ao Brasil. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 24,5 mil homicídios de crianças e adolescentes – não relacionados a conflitos armados – aconteceram na América Latina e no Caribe, que têm os mais altos índices de homicídios em situação de paz 1919. Oliveira JC. O Rio é assim: a crônica de uma cidade (1953-1984). Rio de Janeiro: Agir; 2005. p. 71.,2121. Verdélio A. Unicef: violência mata uma criança ou um adolescente a cada 7 minutos [Internet]. Agência Brasil. 1º nov 2017 [acesso 15 fev 2018]; Direitos Humanos. Disponível: https://goo.gl/c1fAv9
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. A taxa de homicídios por 100 mil pessoas nessa faixa etária também é alta na Venezuela (97), Colômbia (71), El Salvador (66) e Honduras (65) 2222. Caesar G. Brasil tem a 5ª pior taxa de homicídios de crianças e adolescentes, diz Unicef [Internet]. G1. 1º nov 2017 [acesso 15 fev 2018]; Mundo. Disponível: https://goo.gl/MQhDVf
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Se a região se destaca em maus-tratos na infância, o resto do mundo não fica muito atrás, pois estudos da Unicef mostram que a cada 7 minutos uma criança ou adolescente, entre 10 e 19 anos de idade, morre em algum lugar do mundo, vítima de homicídio ou de alguma forma de conflito armado ou violência coletiva2121. Verdélio A. Unicef: violência mata uma criança ou um adolescente a cada 7 minutos [Internet]. Agência Brasil. 1º nov 2017 [acesso 15 fev 2018]; Direitos Humanos. Disponível: https://goo.gl/c1fAv9
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. Como reconhece o Fundo 2121. Verdélio A. Unicef: violência mata uma criança ou um adolescente a cada 7 minutos [Internet]. Agência Brasil. 1º nov 2017 [acesso 15 fev 2018]; Direitos Humanos. Disponível: https://goo.gl/c1fAv9
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, o homicídio é muitas vezes a última etapa de uma série de circunstâncias adversas às quais são submetidas as crianças.

Os castigos corporais na primeira infância (que algumas vezes matam ou deixam sequelas permanentes), a violência nas escolas (largamente disseminada entre alunos que usualmente agridem uns aos outros e, inclusive, seus professores), a violência sexual (especialmente na esfera doméstica em todas as classes sociais) e os conflitos armados (que no caso do Brasil referem-se, principalmente, a grupos atuantes no tráfico de drogas, armas e mulheres) também incidem sobre a vida das crianças, produzindo danos a sua saúde física e mental.

Revisão sistemática publicada em 2016 mostra que no Brasil a negligência foi a forma de violência mais frequente, perfazendo cerca de dois terços do total de registros e predominando em crianças menores de 1 ano, sendo a violência física prevalente em crianças maiores. O provável autor da violência foi um familiar da criança em dois terços dos eventos, sendo a mulher a mais frequente contra menores de 1 ano e o homem contra crianças de 6 a 9 anos 2323. Nunes AJ, Sales MCV. Violência contra crianças no cenário brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [acesso 22 fev 2018];21(3):871-80. Disponível: https://goo.gl/mdC79a
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Mesmo a tecnologia, com internet e aplicativos de celular, mídias sociais e demais avanços, que têm papel fundamental em nossa vida e no desenvolvimento cognitivo e intelectual de crianças e adolescentes, tem sido usada com frequência para fazer o mal, provocando bullying e assédio sexual, por exemplo. Além disso, a dependência desses recursos pode trazer problemas físicos e psíquicos, causados por uso excessivo.

Várias entidades lutam para reverter essa situação, como o Conselho Tutelar, as Varas da Infância e da Juventude, a Sociedade Brasileira de Pediatria e suas 27 filiadas, o Conselho Federal de Medicina, os Ministérios Públicos e seu Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid), o Instituto de Migrações e Direitos Humanos e a Agência da ONU para Refugiados. Mesmo assim, dados apontam que no Brasil crianças e adolescentes correspondem a 18% dos refugiados, o que, provavelmente, aumenta ainda mais a violência à qual esse grupo etário está exposto 2424. Instituto Migrações e Direitos Humanos. Refugiados e refugiadas: quem são? [Internet]. 6 jan 2014 [acesso 22 fev 2018]. Disponível: https://goo.gl/ohwJDP
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,2525. Agência das Nações Unidas para os Refugiados. Declaração e plano de ação do Brasil [Internet]. 3 dez 2014 [acesso 22 fev 2018]. Disponível: https://goo.gl/F5ijht
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. Dados do Plid levantados pelo Ministério Público de São Paulo mostram que em cinco anos desapareceram 8.802 crianças e 45.866 adolescentes naquele estado. Quinze por cento deles não foram mais encontrados 2626. Ferreira S. Tráfico de pessoas sob a forma de colheita de órgãos, adoção ilegal e prostituição [Internet]. In: II Encontro Hispânico-Brasileiro de Saúde e Direitos Humanos; 31 out-1º nov 2017 [acesso 28 fev 2018]; Brasília. Disponível: https://goo.gl/F6AezE
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Esses números preocupantes indicam que o combate à violência em nossa sociedade é tarefa que ainda precisamos encarar. A violência contra a criança é a primeira manifestação de fenômeno generalizado que se abate contra adolescentes, jovens, idosos, portadores de deficiência, mulheres, povos indígenas, população negra, migrantes, pessoas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros, entre outros, especialmente se pertencem também a segmentos sociais mais pobres. Essa marca intergeracional que transporta a violência para o futuro deve ser extirpada o quanto antes para que possamos almejar uma sociedade verdadeiramente autônoma e emancipada. Para isso, nunca é demais lembrar, é indispensável promover sempre a educação ampla, geral e irrestrita para todas as cidadãs e todos os cidadãos brasileiros. Uma educação baseada na ética e na cidadania. Só assim se poderá alcançar justiça.

Referências

  • 1
    Narodowski M. Infância e poder: a conformação da pedagogia moderna [tese] [Internet]. São Paulo: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação; 1993 [acesso 1º mar 2018]. p. 23-58. Disponível: https://goo.gl/oMBbDh
    » https://goo.gl/oMBbDh
  • 2
    Ariès P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar; 1973. p. 10.
  • 3
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  • 4
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  • 5
    Heywood C. Uma história da infância: da idade média à época contemporânea no Ocidente. Porto Alegre: Artmed; 2004. p. 87.
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  • 7
    Vigarello G. A história do estupro: violência sexual nos séculos XVI-XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1998. p. 40.
  • 8
    Vigarello G. A história do estupro: violência sexual nos séculos XVI-XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1998. p. 37.
  • 9
    Forna A. Mãe de todos os mitos: uma breve história da maternidade. Rio de Janeiro: Ediouro; 1999. p. 36.
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    Clastres P. Crônica dos índios Guayaki: o que sabem os Aché, caçadores nômades do Paraguai. São Paulo: Editora 34; 1995.
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    Del Priore M. História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto; 2006. p. 10.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018
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