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Deficiência: uma heurística para a condição humana

Resumo

Estudo teórico em que a deficiência é evidenciada como dispositivo heurístico para sondar a condição humana. A relação entre deficiência e condição humana tem sido pouco explorada. A primeira seção analisa como vulnerabilidade e dependência pertencem à condição humana e afetam a deficiência, condicionando a perda de qualidades. Posteriormente, a ideia de posse de nossas qualidades é analisada. Na terceira parte se argumenta que, embora um ser humano com deficiência intelectual não possa manifestar racionalidade, isso não supõe a exclusão do status pessoal. Por último, se explica como, apesar de ser possível perderem-se qualidades na deficiência, não é possível perder a corporeidade e o pertencimento à família humana. A abordagem heurística foi utilizada com a formulação de questões com base em três casos hipotéticos. A deficiência é uma manifestação da condição humana e tem valor heurístico porque ajuda a examinar aspectos constitutivos de nossa existência.

Deficiência intelectual; Heurística; Pessoas com deficiência mental; Vulnerabilidade pessoal; Dependência (psicologia)

Resumen

Estudio de naturaleza teórica donde se evidencia la discapacidad como dispositivo heurístico para indagar la condición humana. La relación entre discapacidad y condición humana ha sido poco explorada. En la primera sección se analiza cómo vulnerabilidad y dependencia pertenecen a la condición humana e inciden en la discapacidad condicionando la pérdida de cualidades. Posteriormente se analiza la modalidad peculiar de posesión de las mismas. En la tercera parte se argumenta cómo a pesar de que con la discapacidad intelectual puede no manifestarse la racionalidad esto no supone una exclusión de la condición personal. Por último, se explica cómo no obstante con la discapacidad se puedan perder cualidades, no es posible perder la corporeidad y la pertenencia a la familia humana. Se empleó el enfoque heurístico con la formulación de preguntas apoyándose en tres casos hipotéticos. La discapacidad es un modo de manifestarse de la condición humana con valor heurístico porque ayuda a examinar aspectos constitutivos de nuestra existencia.

Discapacidad intelectual; Heurística; Personas con discapacidad mental; Vulnerabilidad personal; Dependencia (psicología)

Abstract

A theoretical study in which disability is evidenced as a heuristic device to investigate the human condition. The relationship between disability and human condition has been little explored. The first section analyzes how vulnerability and dependence belong to the human condition and affect disability by conditioning the loss of qualities. Subsequently, the peculiar modality of possession of our qualities is analyzed. The third part argues that even though a human being with intellectual disability may not manifest rationality this does not suppose an exclusion of the status of person. Finally, it is explained how, although qualities can be lost with the disability, it is not possible to lose the embodiment and belonging to the human family. The heuristic approach was used with the formulation of questions based on three hypothetical cases. Disability is a manifestation of the human condition. It has heuristic value because it helps to examine constitutive aspects of our existence.

Intellectual disability; Heuristics; Mentally disabled persons; Vulnerability personal; Dependency (psychology)

É próprio da nossa condição humana vivenciar a doença e o risco de sofrer lesões, o que nos torna vulneráveis 11. Fineman MA, Grear A. Vulnerability: reflections on a new ethical foundation for law and politics. New York: Routledge; 2016.. Essa condição ligada à nossa corporeidade nos expõe à possibilidade de não desenvolvermos nossas habilidades. Paralelamente, é devido ao cuidado dos outros e, portanto, à dependência dessas pessoas, que nossas vidas permaneçam no tempo, não obstante as situações de adoecimento ou nossa necessidade de ser nutrido. Nesse sentido, vulnerabilidade e dependência são condições de existência, uma vez que estão presentes durante nossas vidas, ou seja, fazem parte do mundo humano 22. Arendt H. La condición humana. Barcelona: Paidós; 1993.. No entanto, nossa capacidade de enfrentar adversidades ou de necessitar de outras pessoas para responder às nossas necessidades pode variar ao longo dos anos.

A doença, por outro lado, pode criar diferentes formas de vulnerabilidade devido às suas próprias características 33. Goodley D. Disability studies: an interdisciplinary introduction. London: Sage; 2016.. Por sua vez, essa variabilidade depende da idade, sexo e condição de saúde das pessoas 33. Goodley D. Disability studies: an interdisciplinary introduction. London: Sage; 2016.. Esses elementos revelam não apenas nossa propensão inelutável à doença, mas também que nossos corpos estão expostos à perda pela deterioração de nossas habilidades e pela própria incapacidade. Por estas razões, a possibilidade de sofrer incapacidades, seja por períodos curtos ou mais longos, acompanha o modo de viver a nossa existência humana 44. Titchkosky T. Monitoring disability: the question of the ‘human’ in human rights projects. In: Gill M, Schlund-Vials CJ, editores. Disability, human rights and the limits of humanitarianism. New York: Routledge; 2014. p. 119-35.

5. Vehmas S, Shakespeare T. Disability, harm, and the origins of limited opportunities. Mb Q Healthc Ethics. 2014;23(1):41-7.
-66. Gilson SF, DePoy E. Disability, identity, and cultural diversity. Rev Disabil Stud [Internet]. 2004 [acesso 7 abr 2017];1(1):16-23. Disponível: https://bit.ly/2GdJ2az
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.

Apesar do uso generalizado do termo deficiência, ainda há confusão sobre o seu significado 33. Goodley D. Disability studies: an interdisciplinary introduction. London: Sage; 2016.. Por exemplo, mesmo que isso afete nosso estado de saúde, ele não coincide completamente com a doença. De fato, a deficiência indica a relação entre um ambiente, entendido como um facilitador ou barreira para o desenvolvimento das capacidades humanas e o estado de saúde de uma pessoa 77. Leonardi M, Bickenbach J, Ustun TB, Kostanjsek N, Chatterji S, MHADIE consortium. The definition of disability: what is in a name? Lancet. 2006;368(9543):1219-21.. Essa definição, por um lado, elimina o falso equacionamento entre as noções “deficiente” e “doente”. Por outro, nos faz refletir sobre a distinção entre pessoas “normais” e “deficientes”, entre “eles” e “nós” 88. Murdick N, Shore P, Gartin B, Chittooran MM. Cross-cultural comparison of the concept of “otherness” and its impact on persons with disabilities. Educ Train Dev Disabil. 2004;39(4):310-6..

Essa separação muitas vezes se refere à posse de qualidades diferentes, à sua ausência ou à marcada diversidade em suas características naqueles que as possuem. Por causa disso, e por gerações, as diferenças corporais determinaram estruturas sociais baseadas nessa distinção 88. Murdick N, Shore P, Gartin B, Chittooran MM. Cross-cultural comparison of the concept of “otherness” and its impact on persons with disabilities. Educ Train Dev Disabil. 2004;39(4):310-6.,99. Nario-Redmond MR. Cultural stereotypes of disabled and non‐disabled men and women: consensus for global category representations and diagnostic domains. Br J Soc Pshychol. 2010;49(3):471-88.. Desta forma, um “modelo de humanidade” foi desenvolvido, ao qual o primeiro e o segundo não se encaixam. Por sua vez, essa distinção é reflexo do fato que, quando pensamos em deficiência, geralmente pensamos nela em termos de uma categoria sociológica 99. Nario-Redmond MR. Cultural stereotypes of disabled and non‐disabled men and women: consensus for global category representations and diagnostic domains. Br J Soc Pshychol. 2010;49(3):471-88. e não como uma condição que podemos experimentar.

Esta concepção como uma macro-categoria social: “os deficientes” ou como algo que afeta “os outros” implica uma recusa em reconhecer que a deficiência nos muda e que a perda de qualidades é uma parte da nossa experiência. A rejeição acima mencionada, por um lado, reflete a maneira como percebemos e nos representamos. Por outro, é o resultado de não considerar adequadamente as consequências de nossa contingência e corporeidade 44. Titchkosky T. Monitoring disability: the question of the ‘human’ in human rights projects. In: Gill M, Schlund-Vials CJ, editores. Disability, human rights and the limits of humanitarianism. New York: Routledge; 2014. p. 119-35.,1010. MacIntyre A. Animales racionales y dependientes: por qué los seres humanos necesitamos las virtudes. Barcelona: Paidós Ibérica; 2001.. Igualmente esta concepção reflete uma representação da pessoa humana abstrata, uma vez que não considera as mudanças que são operadas em nosso corpo ao longo do tempo, nem a perda devido à deterioração de nossas capacidades. No entanto, é necessário referir-se a uma imagem da pessoa humana consistente com a condição humana que, compreendendo as fases da existência e também da deficiência, permite uma leitura da condição humana.

É necessário enfocar esta questão porque a modalidade com a qual abordamos conceitualmente o problema da deficiência é o reflexo da maneira como nos representamos e interpretamos a condição humana. O aprofundamento dessa autorrepresentação é relevante, pois afeta as teorias éticas que justificam as relações de cuidado 1111. Kittay EF. The ethics of care, dependence, and disability. Ratio Juris [Internet]. 2011 [acesso 7 abr 2017];24(1):49-58. Disponível: https://bit.ly/2rDbaP4
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,1212. Hankivsky O. Rethinking care ethics: on the promise and potential of an intersectional analysis. Am Polit Sci Rev. 2014;108(2):252-64., bem como a fundamentação dos direitos das pessoas com deficiência 1313. Stein MA. Disability human rights. Calif Law Rev [Internet]. 2007 [acesso 7 abr 2018];95(1):75-121. Disponível: https://bit.ly/2rGKZbf
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,1414. Quinn G, Degener T, Bruce A. Human rights and disability: the current use and future potential of United Nations human rights instruments in the context of disability. Ginevra: United Nations Publications; 2002.. Contudo, nossa autorrepresentação deve ser confrontada com o ser humano concreto, considerando o modo peculiar em que possuímos nossas qualidades 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003. e não com um modelo abstrato.

A deficiência tem o potencial de desafiar o modelo idealizado do sujeito racional, independente e autônomo que é frequentemente imaginado ao invocar o humano 11. Fineman MA, Grear A. Vulnerability: reflections on a new ethical foundation for law and politics. New York: Routledge; 2016.,33. Goodley D. Disability studies: an interdisciplinary introduction. London: Sage; 2016. ou quando se propõem políticas públicas 66. Gilson SF, DePoy E. Disability, identity, and cultural diversity. Rev Disabil Stud [Internet]. 2004 [acesso 7 abr 2017];1(1):16-23. Disponível: https://bit.ly/2GdJ2az
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. No entanto, a ausência desse confronto pode introduzir novas formas de discriminação baseada na condição de saúde ou na posse de habilidades e qualidades. Por isso, uma reflexão mais adequada sobre a condição humana deve considerar os elementos mencionados. Deve-se notar que, no nível teórico, a questão sobre como a deficiência revela a condição humana não foi adequadamente abordada.

Para favorecer o esclarecimento da problemática abordada, utilizou-se uma abordagem que consistiu na formulação de questões e conjeturas baseadas em três casos hipotéticos e ilustrativos de deficiência. Estes foram formulados considerando elementos de histórias reais. O método heurístico foi utilizado, abordando a relação entre a deficiência e a condição humana para facilitar uma melhor compreensão do último. Nessa perspectiva, a deficiência foi usada como um dispositivo heurístico. Mesmo quando carregada de significados negativos, nos permite explorar e aprofundar as relações com a condição humana. Considerando o exposto acima, o objetivo foi demonstrar que a incapacidade pode funcionar como um dispositivo heurístico para inquirir sobre a condição humana.

A especificidade da condição humana

A existência humana está condicionada 22. Arendt H. La condición humana. Barcelona: Paidós; 1993.. Em relação aos seres humanos, Hannah Arendt indica que cada coisa com a qual entram em contato imediatamente se torna a condição de sua existência1616. Arendt H. Op. cit. p. 23., o que, por sua vez, depende de certas condições. Apesar da precisão da Arendt, o termo condição humana é amplo e polissêmico. Portanto, é importante notar que neste trabalho apenas três desses significados são refletidos: em referência às circunstâncias (condições de existência) que mediam a vida humana 22. Arendt H. La condición humana. Barcelona: Paidós; 1993.; no sentido de qualidade ou característica humana ligada à nossa corporeidade, por exemplo, tornar-se no tempo, nascer, ser vulnerável e necessitar de apoio 1717. Schües C. Improving deficiencies? Historical, anthropological, and ethical aspects of the human condition. In: Eilers M, Grüber K, Rehmann-Sutter C, editores. The human enhancement debate and disability. London: Palgrave Macmillan; 2014. p. 38-63.. Por fim, indica pertencer à família humana.

Frequentemente, tenta-se especificar a condição humana levando em consideração as condições de existência. Aqueles que nos agrupam no estado de seres terrestres 22. Arendt H. La condición humana. Barcelona: Paidós; 1993.. Estes podem ser subdivididos em três níveis: os condicionantes ambientais enquanto ligados a artefatos, os biológicos devido a nossa existência corpórea e, por fim, aqueles gerados na interação com outros seres humanos. Deles resulta que a vida do ser humano está “subordinada”. Estas condições, embora não desejadas ou procuradas “subordinam” o existir.

Entre as condições no nível biológico estão a condição de saúde e os efeitos negativos permanentes da doença 1818. Albertson M. The vulnerable subject: anchoring equality in the human condition. Yale J Law Fem [Internet]. 2008 [acesso 7 abr 2017];20(1):1-24. Disponível: https://bit.ly/2IjClpb
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. Esse elemento, que está intimamente ligado à existência corpórea, nos conecta com facticidade e contingência. Embora o efeito negativo não nos coloque automaticamente em uma situação de incapacidade. No entanto, será verificado se estamos em uma circunstância desfavorável em relação à condição de saúde. Por exemplo, no caso de pessoas que sofrem de esclerose múltipla e experimentam incapacidade motora adquirida progressiva 1919. Kieseier BC, Pozzilli C. Assessing walking disability in multiple sclerosis. Mult Scler [Internet]. 2012 [acesso 7 abr 2017];18(7):914-24. Disponível: https://bit.ly/2IgluHN
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. A deficiência associada a desafios de esclerose múltipla, alterando uma das nossas qualidades mais comuns: a capacidade de andar. Como fica evidente no caso hipotético de Laura:

Quando Laura começou a dormência no lado direito do corpo, casara-se com Martín havia três anos e sua filha tinha um ano e meio de idade. De fato, ele não percebia a diferença entre o tecido de suas calças e o roçar de uma mão na perna direita. Alguns meses após o início dos primeiros sintomas foi diagnosticado com esclerose múltipla progressiva. Até então ele estava usando uma bengala e, depois de dois anos de diagnóstico, ela precisava de um andador para se movimentar, o que também dificultava o gerenciamento da casa e de sua filha pequena. Ela viveu esses eventos de uma forma que resumiu em uma frase: “para viver estou disposto a usar qualquer ajuda que seja necessária”. No entanto, aquilo que ela precisava do marido lhe faltou, porque Martín as abandonou três anos após o diagnóstico.

Considerando a situação descrita, fica evidente que nossa condição é constituída por uma dependência inerente, já que nossas existências se desenvolvem a partir de uma condição que não podemos escolher. Em particular, no caso de Laura, a condição de saúde temporária e contingente torna-se evidente. Ao exposto, deve-se acrescentar que a experiência ligada à perda, por deterioração, das qualidades é complexa, pois não apenas limita a atividade cotidiana e a qualidade de vida da pessoa, mas também modifica as relações pessoais.

A chegada dessa condição pode romper e mudar os laços afetivos mais próximos, porque a pessoa “não é mais o que era antes”, o que causa separação e abandono. Portanto, o efeito negativo da deficiência não apenas modifica o próprio corpo, mas também transforma a estrutura relacional. Em relação à nossa condição, esses dois elementos conectam nossa vulnerabilidade corpórea 1818. Albertson M. The vulnerable subject: anchoring equality in the human condition. Yale J Law Fem [Internet]. 2008 [acesso 7 abr 2017];20(1):1-24. Disponível: https://bit.ly/2IjClpb
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e a dimensão social de nossa existência.

A condição de saúde e as relações, no caso de Laura, revelam as duas fontes de vulnerabilidade, a corporeidade 1818. Albertson M. The vulnerable subject: anchoring equality in the human condition. Yale J Law Fem [Internet]. 2008 [acesso 7 abr 2017];20(1):1-24. Disponível: https://bit.ly/2IjClpb
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,2020. Butler J. Frames of war: when is life grievable? London: Verso; 2009. e a dimensão psicossocial 2121. Turner BS. Vulnerability and human rights. Pennsylvania: Pennsylvania State University Press; 2006.. Com a corporeidade, por um lado, temos as necessidades materiais e cuidados com o corpo. Por outro lado, estamos expostos às ações dos outros em uma ampla gama de tipologias que vão desde o desprezo, passando pelo abuso e violência, até o cuidado, a generosidade e o amor. O paradoxo que emerge da experiência de vulnerabilidade é que, embora todos possamos vivenciá-lo 1818. Albertson M. The vulnerable subject: anchoring equality in the human condition. Yale J Law Fem [Internet]. 2008 [acesso 7 abr 2017];20(1):1-24. Disponível: https://bit.ly/2IjClpb
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,2020. Butler J. Frames of war: when is life grievable? London: Verso; 2009., cada um o faz de maneira única através de seu próprio corpo. Esses dados são acentuados com deficiência. O mesmo, a partir da presença de limitações na função corporal, enfatiza as diferentes maneiras pelas quais podemos estar vulneráveis.

Por outro lado, a dimensão psicossocial traz consigo a possibilidade de danos ou perdas que podem ter natureza física, psicológica ou socioeconômica 2121. Turner BS. Vulnerability and human rights. Pennsylvania: Pennsylvania State University Press; 2006.. O caso de Laura expressa igualmente que a raiz da vulnerabilidade também se encontra na nossa dependência da cooperação de 2222. Peroni L, Timmer A. Vulnerable groups: the promise of an emerging concept in European Human Rights Convention law. Int J Const Law [Internet]. 2013 [acesso 7 abr 2017];11(4):1056-85. Disponível: https://bit.ly/2rGqTwM
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outros, atribuindo um forte aspecto relacional à vulnerabilidade. Nesse sentido, em nós, a dor, o abuso, a humilhação ou o ostracismo podem causar vulnerabilidade psicológica. Da mesma forma, somos vulneráveis à exploração e à opressão. Em suma, somos vulneráveis ao ambiente natural, ao impacto de ações individuais e coletivas que evidenciam a raiz contextual e relacional da vulnerabilidade.

Assim, deve-se especificar que, em relação ao modo como os seres humanos vivenciam a dependência e a vulnerabilidade, há um viés frequente. Isso poderia ser formulado: embora ambos sejam universais 11. Fineman MA, Grear A. Vulnerability: reflections on a new ethical foundation for law and politics. New York: Routledge; 2016.,33. Goodley D. Disability studies: an interdisciplinary introduction. London: Sage; 2016., como a possibilidade de experimentá-las, elas são diferentes em relação à temporalidade. De uma forma mais específica, nossa vulnerabilidade seria constante, enquanto a dependência estaria ligada aos estágios do desenvolvimento humano, como a infância ou certos episódios em que a doença ou a velhice intervêm 11. Fineman MA, Grear A. Vulnerability: reflections on a new ethical foundation for law and politics. New York: Routledge; 2016.,1010. MacIntyre A. Animales racionales y dependientes: por qué los seres humanos necesitamos las virtudes. Barcelona: Paidós Ibérica; 2001.. Por outro lado, essa visão não leva em conta nossa dependência de relações humanas 2323. Dodds S. Dependence, care, vulnerability. In: Mackenzie C, Rogers W, Dodds S, editores. Vulnerability: new essays in ethics and feminist philosophy. New York: Oxford University Press; 2013. p. 181-203.. O que significa que dependemos dos outros mesmo que sejamos adultos, saudáveis e sem deficiências.

O caso de Laura, da mesma forma, reflete que a condição humana é caracterizada por seu dinamismo. De modo específico, este se manifesta em uma modificação no nível biológico, que implica uma perda da capacidade mencionada. Sem dúvida, nossa existência está mudando constantemente, é dinâmica. Isso não se reflete apenas no contexto de mudança, mas especialmente em um nível biológico em nossa corporeidade 2020. Butler J. Frames of war: when is life grievable? London: Verso; 2009.,2424. Whitney SY. Dependency relations: corporeal vulnerability and norms of personhood in Hobbes and Kittay. Hypatia. 2011;26(3):554-74.. Por exemplo, nossas qualidades são aperfeiçoadas ou modificadas com o tempo. A capacidade de andar ou nossa autoconsciência se desenvolve no arco temporal de nossa vida. No entanto, não somos arquitetos dessa mudança específica ligada ao tempo.

Reconsiderando o exemplo de Laura sobre a condição humana, além dos três aspectos já refletidos, dois outros elementos relevantes se tornam evidentes. O primeiro é a possibilidade da perda das próprias habilidades ou qualidades. Com efeito, com a deficiência vem o sentido paradoxal com o qual os “possuímos” 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003.. O segundo está ligado ao significado da mudança que ocorre nas pessoas no que diz respeito à perda de suas qualidades. As pessoas mudam não apenas porque o uso dessas qualidades pode mudar, mas também porque podem perdê-las. No entanto, o que essa perda e essa mudança para a condição humana acarretam?

Contudo, a posse identifica o ser humano, já que a posse é uma capacidade exclusivamente humana 2525. Polo L. Ética: hacia una versión moderna de los temas clásicos. Madrid: Unión Editorial; 1996.. Por outro lado, com a deficiência, vem à luz o sentido limitado e contraditório com que nossas qualidades estão “em nosso poder”. Esse modo paradoxal de posse é indicativo de uma certa indigência que é a manifestação de se poder perder o que se tem 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003.. Portanto, esse condicionamento nos leva a não sermos os donos da casa. Considerando o exposto, vale a pena perguntar: em que sentido possuímos essas qualidades e capacidades? De que modo são nossas?

Qualidades humanas e sua posse

Para começar a esclarecer estas questões, a distinção que Gabriel Marcel faz sobre ter e ter como implicação 15 é significativa. Ter posse indica um sentido preciso e forte com diversas modalidades (por exemplo: ter um carro, ter ações da Fiat). Em relação a esse significado, não temos - de acordo com qualquer um dos significados que comumente atribuímos (básico e externo) a ao ter - nossas qualidades e capacidades. Portanto, não podemos nos referir a eles da mesma forma como eu digo: Eu tenho uma orquídea Phalenopsis stuartiana.

Isso porque, por um lado, a dinâmica de possuir é determinada pela presença de um qui e um quid que se refere, ou seja, está subordinado, em última instância, ao primeiro. Em outras palavras, ter alguém que possui e um objeto é possuído. A isto acrescenta-se a não-reciprocidade da relação referente ao uso, isto é, de disposição do objeto possuído. Por outro lado, uma diferença e uma exterioridade do segundo em relação ao primeiro é necessária e característica dessa relação 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003..

De acordo com o acima exposto, o quid por ser uma coisa externa - estando sob os avatares da materialidade - pode ser perdido ou destruído. Ligada a ele, de fato, manifesta-se nossa apreensão natural pela perda. Assim, no caso de nossas qualidades, não podemos nos referir totalmente a esse primeiro sentido de ter, pois, por exemplo, essa exterioridade não se manifesta entre o que é possuído e o possuidor.

No que se refere ao ter como implicação, e diferente do significado anterior, não há externalidade do quid com respeito ao qui, nem este último é material. O sentido de implicação é manifestado quando mencionamos as propriedades ou características de um objeto, por exemplo: o quadrado tem quatro lados. Considerando a frase com atenção, pode-se pensar em um uso linguístico injustificado do verbo 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003.. No sentido de que o quadrado não tem quatro lados, mas sim é uma figura com quatro lados. Nestes casos, o “possuído” é inerente ao possuidor e qualifica-o.

O fato é que os corpos não possuem suas características ou propriedades, ao contrário, estas constituem sua essência. Analogamente, “possuímos” nossas qualidades e características, com respeito às quais certamente as dominamos, mas apenas neste sentido limitado. Na verdade, temos apenas aquilo que, no fundo, podemos descartar.

A propósito da relação que o homem tem com suas qualidades, é necessário fazer uma pontuação a mais. Por um lado, o possuir tem uma relação de permanência no tempo, seja do possuidor ou do possuído 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003.. Da mesma forma, já foi apontado que o que possuímos pode ser perdido. De um modo particular, os bens materiais podem ser extraviados, perdidos ou destruídos, o que põe fim à sua permanência. Por outro lado, indicou-se a assimetria entre o qui e o quid: aquele que possui é superior ao possuído. Com esses elementos, é possível imaginar de que maneira a ausência do vínculo entre os dois prejudica ou altera o primeiro.

Por exemplo, quando alguém rouba minha Phalenopsis stuartiana. Em relação ao roubo posso ficar indiferente ou profundamente triste porque teria perdido um exemplar importante da minha coleção, no entanto essa perda não me afeta essencialmente: continuo sendo quem eu sou. Agora, a mesma dinâmica acontece quando se trata de nossas qualidades? Nesse sentido: o que a deficiência mostra em relação à possibilidade da perda de nossas qualidades?

Deficiência: perda ou não manifestação de qualidades

Considerando novamente o caso de Laura, fica claro que ela perdeu, depois de alguns anos, a sensação de seu lado direito junto com a capacidade de andar. Essa perda afetou de fato uma funcionalidade, mudou seu corpo e também o modo de se relacionar com ele e com o mundo; Mudou até suas relações pessoais. Apesar de todas essas transformações, de fato, não mudaram sua condição humana. Ou seja, Laura, mesmo perdendo uma qualidade importante, é uma pessoa humana como eu.

Para a afirmação anterior, quais seriam as objeções? Por exemplo, para Fletcher 2626. Fletcher JF. Four indicators of humanhood: the enquiry matures. In: Walter JJ, Shannon TA, editores. Quality of life: the new medical dilemma. New Jersey: Paulist Press; 1990. p. 11-6., a verdadeira humanidade manifesta-se por quinze indicadores, incluindo: autoconhecimento, autocontrole ou capacidade relacional para citar alguns. Na tentativa de definir a pessoa em termos filosóficos, a discussão depende, em grande medida, das funções psicológicas associadas à capacidade humana de raciocinar 2727. Foster C, Herring J. Theories of personhood. In: Foster C, Herring J. Identity, personhood and the law. Cham: Springer International Publishing; 2017. p. 21-34.

28. Purcell EB. Disability, narrative, and moral status. Disabil Stud Q [Internet]. 2016 [acesso 7 abr 2017];36(1). Disponível: https://bit.ly/2Gddy4o
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29. Spaemann R. Persone: sulla differenza tra “qualcosa” e “qualcuno”. Roma: Laterza; 2005.
-3030. Kittay EF. At the margins of moral personhood. Ethics. 2005;116(1):100-31.. Portanto, essa premissa levaria a admitir que um ser humano com deficiência intelectual e de desenvolvimento que manifesta déficits cognitivos significativos não deve ser considerado uma pessoa. Esta é a posição de Fletcher 2626. Fletcher JF. Four indicators of humanhood: the enquiry matures. In: Walter JJ, Shannon TA, editores. Quality of life: the new medical dilemma. New Jersey: Paulist Press; 1990. p. 11-6., MacMahan 3131. McMahan J. Radical cognitive limitation. In: Brownlee K, Cureton A, editores. Disability and disadvantage. Oxford: Oxford University Press; 2009. p. 240-59. e Singer 3232. Singer P. Animal liberation. London: Pimlico; 1995.. Com isso, a objeção pode ser que, embora o caso de Laura não diminua sua situação pessoal, no entanto, quem perde qualidades ligadas à utilização da racionalidade como a autoconsciência ou capacidade relacional perderia o que nos identifica como pessoas humanas. Este seria o caso hipotético de Marianela:

Marianela tinha sessenta anos quando foi levada pelo irmão para uma avaliação neurológica devido à deterioração da memória. Ela tinha uma formação profissional e trabalhava como secretária em um escritório. Desde a morte de seu marido, em 2000, ela morava sozinha, mantendo sua própria casa e assuntos financeiros. No entanto, seu irmão começou a notar um agravamento na deterioração gradual da memória e dificuldade em encontrar as palavras. Além disso, em seu trabalho, eles já haviam começado a observar o declínio em seu desempenho, mas não tinham reclamações. A avaliação neurológica, juntamente com outros testes, indicou a presença de Alzheimer. A deterioração gradual do sistema nervoso de Marianela a levou a abandonar o emprego devido à perda de memória, raciocínio e linguagem que entrava na fase grave de sua deficiência. O agravamento dos sintomas não só impede Marianela de realizar atividades da vida diária, como preparar-se para comer, mas também limita sua capacidade relacional.

Uma segunda objeção semelhante à anterior incluiria aqueles que nunca manifestaram qualidades ligadas ao uso da racionalidade, por exemplo, atribuindo ou reconhecendo valor à sua própria existência 3333. Giubilini A, Minerva F. After-birth abortion: why should the baby live? J Med Ethics [Internet]. 2013 [acesso 7 abr 2017];39(5):261-3.Disponível: https://bit.ly/2rFMiqz
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. Nestes casos, lhes faltaria o que nos identifica como pessoas humanas. Tal seria a situação de Susana:

Susana tem quase trinta anos e é a filha mais velha de dois professores. Ela adora os vestidos bonitos e a música e responde ao carinho que outras pessoas demonstram. Quando ouve música com seus pais, ela se balança e então se joga em seus braços. Por outro lado, ela nunca será capaz de andar, falar ou ler por causa de paralisia cerebral congênita e retardo mental grave. Susana não é apenas incapaz de pronunciar seu próprio nome, mas sempre dependerá de outros pois também tem a necessidade de ser lavada, vestida e alimentada.

A objeção ficaria então, formulada assim: os seres humanos com deficiências intelectuais que perdem ou nunca manifestaram qualidades ligadas ao uso da racionalidade (autoconsciência, autocontrole ou capacidade relacional) não teriam aquilo que nos identifica como pessoas humanas. Essa é uma consequência do modo de definir o conceito “pessoa” utilizado por Fletcher 2626. Fletcher JF. Four indicators of humanhood: the enquiry matures. In: Walter JJ, Shannon TA, editores. Quality of life: the new medical dilemma. New Jersey: Paulist Press; 1990. p. 11-6., MacMahan 3131. McMahan J. Radical cognitive limitation. In: Brownlee K, Cureton A, editores. Disability and disadvantage. Oxford: Oxford University Press; 2009. p. 240-59. e Singer 3232. Singer P. Animal liberation. London: Pimlico; 1995.. Ou seja, apenas como uma entidade racional autoconsciente, capaz de atividade moral e dotada de autonomia 2727. Foster C, Herring J. Theories of personhood. In: Foster C, Herring J. Identity, personhood and the law. Cham: Springer International Publishing; 2017. p. 21-34.

28. Purcell EB. Disability, narrative, and moral status. Disabil Stud Q [Internet]. 2016 [acesso 7 abr 2017];36(1). Disponível: https://bit.ly/2Gddy4o
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29. Spaemann R. Persone: sulla differenza tra “qualcosa” e “qualcuno”. Roma: Laterza; 2005.
-3030. Kittay EF. At the margins of moral personhood. Ethics. 2005;116(1):100-31.,3333. Giubilini A, Minerva F. After-birth abortion: why should the baby live? J Med Ethics [Internet]. 2013 [acesso 7 abr 2017];39(5):261-3.Disponível: https://bit.ly/2rFMiqz
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Não se deve perder de vista, contudo, que o termo pessoa que se tornou familiar em nossa linguagem cotidiana é rico em experiência e percorre diferentes campos semânticos como o direito e a teologia. No entanto, sua origem é encontrada no teatro, já que a palavra grega prosopon (pessoa) 2929. Spaemann R. Persone: sulla differenza tra “qualcosa” e “qualcuno”. Roma: Laterza; 2005. indicava a máscara usada em peças para distinguir os diferentes personagens, assinalando o seu papel no drama. Com o tempo, o termo adquiriu uma riqueza adicional no contexto das disputas sobre a Trindade, no século IV, tornando-se uma categoria importante da reflexão filosófica ocidental 3434. Vanni Rovighi S. Elementi di filosofia. Brescia: La Scuola; 2002. v. 1.,3535. Marini S. Dalla persona alla… persona: appunti per una storia. Milano: Università Cattolica del Sacro Cuore; 2008.. Com Boécio, a noção adquire um significado ontológico, desde que: a pessoa é uma substância individual de natureza racional 3636. Lima Vaz HC. Antropologia filosófica. São Paulo: Loyola; 1991. v. 2.. Mais tarde, com Tomás de Aquino, é acrescentada a dimensão analógica 3434. Vanni Rovighi S. Elementi di filosofia. Brescia: La Scuola; 2002. v. 1.,3535. Marini S. Dalla persona alla… persona: appunti per una storia. Milano: Università Cattolica del Sacro Cuore; 2008. do termo. O mesmo se refere ao homem em que: pessoa indica a substância individual da natureza racional. Indivíduo é o indistinto em si, mas diferente dos outros. Portanto, em qualquer natureza, pessoa significa o que é diferente nessa natureza, como na natureza humana indica essa carne, esses ossos e essa alma, que são os princípios que individualizam o homem. Estes princípios, mesmo que eles signifiquem pessoa, no entanto, caem dentro do significado da pessoa humana3737. Pascal B. Pensamientos. [S.l.]: Ediciones Elaleph; 2001. p. 227.. Portanto, para responder à objeção é necessário chamar a atenção para a forma como o termo “pessoa” é descrito pelo adjetivo “humano “ Este adjetivo determina e qualifica o substantivo pessoa.

Por outro lado, a determinação é necessária, pois do ponto de vista descritivo em relação ao ser humano, é mais apropriado referir-se à pessoa humana. Embora concordemos com Lima Vaz que a pessoa é a essência do homem 3838. Barthes R. Frammenti di un discorso amoroso. Torino: Einaudi; 2001., já que é uma expressão de unidade final e síntese entre a essência e a existência do ser humano. Igualmente, a dimensão analógica 3434. Vanni Rovighi S. Elementi di filosofia. Brescia: La Scuola; 2002. v. 1.,3535. Marini S. Dalla persona alla… persona: appunti per una storia. Milano: Università Cattolica del Sacro Cuore; 2008. da noção e os princípios que individualizam o homem (por exemplo, sua dimensão corpórea) devem ser levados em conta ao abordar o tema. Por estas razões, é essencial lembrar que a pessoa humana vive na condição humana. O que significa viver na condição humana? como já tentamos descrever, coincide com o desenvolvimento da existência sob diferentes tipos de condições, dinamismo, vulnerabilidade e dependência. Nesta perspectiva, em seres humanos, as qualidades mencionadas de autoconsciência, racionalidade e autonomia não podem senão manifestar-se sob a influência desses três elementos.

Ligado a isso, há um segundo contra-argumento relacionado à maneira distinta em que possuímos nossas qualidades como uma implicação 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003.. Essa modalidade também se manifesta na fenomenologia da relação amorosa. Mostra o elo peculiar entre nosso ser pessoal e nossas qualidades. Pascal escreveu para esse propósito em seus famosos “Pensamentos”: (...) quem ama alguém por causa de sua beleza, ama realmente? Não, porque a varíola, que matará a beleza sem matar a pessoa, terá o efeito de fazê-lo não amá-la mais. E se eles me amam pela minha capacidade de julgar, pela minha memória, eles me amam? Não, posso perder essas qualidades sem perder a mim mesmo3939. Suarez A. El embrión humano es una persona: una prueba. Cuad Bioet [Internet]. 2002 [acesso 7 abr 2017];13(47):19-38. Disponível: https://bit.ly/2IF7Mxx
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Pascal está equivocado ao dizer que nunca amamos ninguém por si mesmo, mas por suas qualidades. Por outro lado, a coincidência do estado amoroso com o objeto amado é indicativa de sua verdade. O objeto do meu amor é o outro com suas qualidades. O amor do outro não é direcionado para suas qualidades, sob pena de ser uma ilusão. Precisamente, como observamos nos exemplos de pessoas com deficiências, estas podem ser perdidas ou transformadas ao longo do tempo. Em outras palavras, sabemos que amar apenas as qualidades do outro não é amá-lo.

Em contrapartida, a hipótese de amar apenas as qualidades contradiz o que caracteriza a experiência amorosa: perceber o outro como um todo, em suas qualidades e no conjunto delas 4040. Ryle G. El concepto de lo mental. Buenos Aires: Paidós; 2005.. Esta percepção da alteridade humana como um todo, com suas qualidades se relaciona com aforma que temos de possuí-las 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003. como implicação. Já que o outro que eu amo não está separado de suas qualidades 2929. Spaemann R. Persone: sulla differenza tra “qualcosa” e “qualcuno”. Roma: Laterza; 2005.. Mas, como já foi evidenciado anteriormente, as qualidades constituem sua essência. Consequentemente, as qualidades (por exemplo, autoconsciência ou racionalidade) não subsistem independentemente do ser amado. A pessoa humana é, no entanto, una com elas, manifestando um vínculo que não pode ser quebrado, porque constituem sua essência. Tanto é assim que não é possível conceber a relação de amor com o outro sem referir-se a eles e sem que isso seja mediado por suas qualidades. Embora seja verdade que existam qualidades ou características que nos impelem a definir as pessoas humanas como homens, ao contrário, o que chamamos de pessoas não são essas qualidades, mas aqueles que as possuem 2929. Spaemann R. Persone: sulla differenza tra “qualcosa” e “qualcuno”. Roma: Laterza; 2005.. Portanto, Pascal está certo quando afirma que “posso perder as qualidades sem perder a mim mesmo.” Porque sem esse alguém essas qualidades não existiriam, ao contrário, mesmo sem a manifestação dessas qualidades que alguém continua a existir como pessoa humana.

No caso de pessoas com deficiências intelectuais graves, como Susana, nega-se sua condição de pessoa, já que a autoconsciência não se manifestaria. Isso se justificaria, por exemplo, porque não seria capaz de atribuir ou reconhecer o valor (pelo menos básico) da própria existência 3333. Giubilini A, Minerva F. After-birth abortion: why should the baby live? J Med Ethics [Internet]. 2013 [acesso 7 abr 2017];39(5):261-3.Disponível: https://bit.ly/2rFMiqz
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. Isso pressupõe, por sua vez, que a ausência dessa característica ativa impediria que alguém percebesse sua própria eliminação e, consequentemente o sofrimento ligado a este evento não seria gerado. Portanto, de acordo com essa visão, o autorreconhecimento e a capacidade de avaliar a própria existência seriam necessários para ser uma pessoa humana.

No entanto, duas limitações à dinâmica da avaliação devem ser levadas em conta. Em primeiro lugar, tal ação implica como condição básica estar presente a si mesmo, isto é, não estar dormindo ou ser incapaz de compreender 4141. Ryle G. Op. cit. p. 29.. Em segundo lugar, essa capacidade do ponto de vista cognitivo é complexa e não é exercida em todos os períodos de desenvolvimento da vida humana (por exemplo, durante o estágio embrionário, fetal ou no recém-nascido), nem mesmo em alguns indivíduos adultos.

Fazer a pessoa humana coincidir apenas com seu ser autoconsciente e com sua capacidade avaliativa desconsidera que cada ser humano, como um ser que muda no tempo, será capaz de expressar mais ou menos a característica própria da autoconsciência. Essa abordagem deriva de uma corrente filosófica que define a pessoa levando em conta fundamentalmente sua interioridade e que remonta à distinção cartesiana entre res cogitans e res extensa. Com Gilbert Ryle 42, a filosofia contemporânea tem criticado o dualismo cartesiano que interpreta o homem como uma máquina natural habitada pelo espírito. Essa dicotomia presente na filosofia ocidental identificou um princípio espiritual ou uma alma reconhecível no pensamento (res cogitans) e uma matéria-corpo (res extensa). Ryle criticou essa abordagem por carecer de fundamento com a sugestiva frase “Dogma do fantasma na máquina” 43.

Essa concepção reflete, de fato, um modo de autocompreensão que considera as qualidades mencionadas de racionalidade como independentes de nossa dimensão corporal 1010. MacIntyre A. Animales racionales y dependientes: por qué los seres humanos necesitamos las virtudes. Barcelona: Paidós Ibérica; 2001., algo que em nossa experiência é revelado, ao contrário, condicionado àquela esfera de nossa existência. Deve ser lembrado que a nossa existência se desenvolve sob condições biológicas: o estado de saúde e as sequelas da doença são dois exemplos disso. No caso de Susana, esses dois elementos manifestam nossa contingência como resultado de nossa existência corpórea. Isso mostra que o modo de subsistir da pessoa humana é o de um organismo vivo, como consequência, nossa existência se desenvolve no nível primário em uma dimensão organísmica. Por outro lado, com Susana fica claro que as qualidades que possuímos como implicação dependerão das condições de exercício que a doença limita. Portanto, a manifestação da racionalidade ou autoconsciência depende desse condicionamento biológico.

Em suma, ser pessoa humana, como Susana, expressa uma singularidade que supera o universal da essência através da particularidade da existência que se materializa em sua história 3838. Barthes R. Frammenti di un discorso amoroso. Torino: Einaudi; 2001., em sua biografia, em seu modo peculiar de possuir e manifestar suas qualidades. Susana mostra também que essa singularidade da pessoa humana, por meio de sua particularidade histórica, é uma dialética da identidade na diferença 3838. Barthes R. Frammenti di un discorso amoroso. Torino: Einaudi; 2001.. Esses elementos devem ser considerados para identificar pessoas humanas com ou sem deficiência.

Até este ponto da análise, consideramos que as qualidades podem ser perdidas, contudo, existe um limite para essa perda? ou em outras palavras: existem qualidades que não podemos perder? Essas questões são importantes quanto à validade teórica da “transitoriedade” hipotética que delineia as duas objeções consideradas. Já que de acordo com essa visão ser pessoa dependeria da posse de algumas qualidades ou atributos. Pelo contrário, é determinado por qualidades essenciais inerentes ao sujeito. Aquele que permanece ele mesmo, no entanto, pode manifestá-las em diferentes graus.

Qualidades que não podem ser perdidas

Embora a autoconsciência exprima um elemento de excelência da “pessoa”, a qualidade que assinala a pessoa humana é a corporeidade. A pessoa humana subsiste como um organismo vivo, portanto, principalmente a sua existência se desenvolve em uma dimensão bio-organísmica. A partir desse condicionamento fundamental, derivam consequências importantes.

Deve-se primeiro demonstrar que nossa identidade está fortemente ancorada na corporeidade 2929. Spaemann R. Persone: sulla differenza tra “qualcosa” e “qualcuno”. Roma: Laterza; 2005.. A forte relação entre os dois termos tem um duplo sentido. Em primeiro lugar, eu coincido com o meu corpo e não apenas possuo um corpo, por isso o corpo é o ponto de partida da nossa experiência vivida 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003.. O segundo significado está ligado ao fato de que somos seres em relação. Identificação e reconhecimento são fundamentais nos vínculos interpessoais. Neles, o corpo constitui a perspectiva externa da pessoa humana. Como consequência, é através do rosto e do corpo que eles nos reconhecem e nos identificam. Por exemplo, para as perguntas: quem é Susana? ou onde está Susana? nós respondemos apontando para o seu corpo. De fato, no que diz respeito a Susana, o critério de identificação empírica usado pelos outros é externo.

Em segundo lugar, permanecemos e existimos no tempo como corpo humano 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003.,2929. Spaemann R. Persone: sulla differenza tra “qualcosa” e “qualcuno”. Roma: Laterza; 2005.. Como consequência, deve-se admitir que isso permite empiricamente a localização da pessoa humana. Nesse sentido, seria impossível a localização se a pessoa coincidisse exclusivamente com autoconsciência, autocontrole ou capacidade relacional e não com um elemento físico orgânico. No entanto, para a pessoa humana, não é possível ser diferente de um ser humano e, portanto, coincidir com um corpo humano. Finalmente, a corporeidade é o meio de manifestação de nossas qualidades. Como foi evidenciado nos três casos hipotéticos, o corpo fornece o sentido dinâmico com o qual as qualidades se manifestam na condição humana. Deste ponto de vista, o principal “condicionamento” dos seres humanos é a nossa existência corpórea 44. Titchkosky T. Monitoring disability: the question of the ‘human’ in human rights projects. In: Gill M, Schlund-Vials CJ, editores. Disability, human rights and the limits of humanitarianism. New York: Routledge; 2014. p. 119-35..

Esse condicionamento intrínseco à existência está ligado ao fato de que o homem é uma realidade no devir, para o qual suas qualidades mudam com o tempo, com a possibilidade de perdê-las ou não manifestá-las. No entanto, deve ser especificado que, mesmo que estes sejam modificados ou perdidos, não é possível perder a dimensão do nosso corpo, sem deixar de existir com ele. Não há possibilidade para os seres humanos de uma existência incorpórea ou desencarnada 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003.. Portanto, não existe pessoa humana independente de seu corpo. Considerando o exposto, pode-se afirmar que não há homem para quem a qualidade fundamental de pertencer à condição humana seja eliminada.

A deficiência põe em questão o nosso domínio sobre as qualidades humanas, evidenciando o sentido limitado em que podemos chamá-las de “nossas”. Os casos de Marianela e Susana mostram que, embora possam desaparecer ou nosso domínio sobre eles diminuir, deve ser reconhecido que, embora nem sempre tenhamos relação com os outros e nem sempre sejamos autônomos ou autoconscientes, somos sempre seres humanos. Portanto, na condição de deficiência, emerge a qualidade fundamental que o homem não pode perder e que ele realmente possui, isto é, seu pertencimento à família humana.

Considerações finais

A condição humana não se refere apenas ao conjunto de eventos e características fundamentais que compõem a nossa existência. Também é relativa a um conjunto de qualidades ligadas à nossa dimensão biológica que trazem dinamismo à nossa existência e nos expõem à experiência da perda de qualidades. Nesse sentido, a deficiência é uma maneira de manifestar a condição humana e uma possível experiência durante a nossa existência que coloca questões e abre novos caminhos para explorar nossa condição. Portanto, a deficiência tem um valor heurístico em relação à condição humana, porque ajuda a examinar aspectos constitutivos da existência, como a nossa mudança no tempo ou a dependência e a vulnerabilidade.

A vulnerabilidade é inerente ao ser humano 11. Fineman MA, Grear A. Vulnerability: reflections on a new ethical foundation for law and politics. New York: Routledge; 2016.,1818. Albertson M. The vulnerable subject: anchoring equality in the human condition. Yale J Law Fem [Internet]. 2008 [acesso 7 abr 2017];20(1):1-24. Disponível: https://bit.ly/2IjClpb
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, independentemente do fato de terem ou não deficiência. As fontes de vulnerabilidade estão conectadas a duas de nossas dimensões: a corporeidade 1818. Albertson M. The vulnerable subject: anchoring equality in the human condition. Yale J Law Fem [Internet]. 2008 [acesso 7 abr 2017];20(1):1-24. Disponível: https://bit.ly/2IjClpb
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,2020. Butler J. Frames of war: when is life grievable? London: Verso; 2009. e a esfera psicossocial 2121. Turner BS. Vulnerability and human rights. Pennsylvania: Pennsylvania State University Press; 2006.. A vulnerabilidade, portanto, diz respeito a todos os seres humanos e a todas as fases da existência. Isso não se deve apenas à nossa finitude biológica, ou porque pode ser gerada nos relacionamentos entre as pessoas, mas também porque vivemos em grupos compostos por sujeitos que precisam de ajuda e cuidado mútuo 2323. Dodds S. Dependence, care, vulnerability. In: Mackenzie C, Rogers W, Dodds S, editores. Vulnerability: new essays in ethics and feminist philosophy. New York: Oxford University Press; 2013. p. 181-203.. Nesse sentido, vulnerabilidade e dependência estão intimamente interconectadas. Por outro lado, os condicionamentos de nossa existência (ambientais, biológicos e culturais) também estão ligados principalmente à corporeidade. A partir desse nexo, resulta nossa facticidade e contingência pelas quais estamos “subordinados” às circunstâncias existentes.

A deficiência ilumina nossa concepção da condição humana porque também facilita a compreensão de como possuímos nossas qualidades. A maneira como elas se manifestam, assim como sua possível perda, é mediada pelos aspectos constitutivos da existência. A deficiência destaca o sentido paradoxal em que possuímos nossas qualidades. Elas são inerentes a nós, embora não tenhamos posse real delas, mas as temos como uma implicação 1515. Marcel G. Ser y tener. 2ª ed. Madrid: Caparrós; 2003..

A perda de qualidades com a deficiência, embora represente uma mudança importante para o indivíduo, não acarreta uma redução ou exclusão da condição humana, muito menos da condição pessoal. Mesmo naqueles casos de deficiência intelectual onde há perda ou não manifestação de racionalidade. Embora existam qualidades que nos permitam identificar-nos como seres humanos, chamamos pessoas aqueles que as possuem e não as qualidades.

De fato, as qualidades não existem sem alguém que as possua, embora, na ausência delas, essa pessoa continue existindo como pessoa humana. O termo “pessoa” em relação aos seres humanos pode ter um uso alienado da corporeidade 1010. MacIntyre A. Animales racionales y dependientes: por qué los seres humanos necesitamos las virtudes. Barcelona: Paidós Ibérica; 2001.. No entanto, deve-se considerar que a pessoa vive na condição humana. Por essa razão, a racionalidade nos seres humanos, como seres sencientes, pode ser expressa em diferentes graus ou mesmo não se manifestar.

Entretanto, com a deficiência, a perda de nossas qualidades é evidente. Mas, para os seres humanos, não é possível perder a dimensão da corporeidade. Esta constitui o ponto inicial da experiência e fornece dinamismo à nossa existência biológica. É também esse aspecto de continuidade da existência que empiricamente nos permite reconhecer alguém mesmo quando sua vida psíquica tenha perdido a autoconsciência. Na deficiência emerge a qualidade fundamental que o homem não pode perder: sua pertença à família humana. Reconhecer esse aspecto nos une além de nossas diferenças.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    9 Abr 2017
  • Revisado
    13 Dez 2017
  • Aceito
    18 Jan 2018
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