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Frequência de mutações de GJB2 em pacientes com perda auditiva não sindrômica em uma população brasileira etnicamente caracterizada Como citar este artigo: Felix F, Ribeiro MG, Tomita S, Zalis MG. Frequency of GJB2 mutations in patients with nonsyndromic hearing loss from an ethnically characterized Brazilian population. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:92-8.

Resumo

Introdução:

Em diferentes partes do mundo, mutações do gene GJB2 estão associadas a perda auditiva não sindrômica e a mutação homozigótica 35delG (p.Gly12Valfs*2) é uma das principais causas de perda auditiva hereditária. No entanto, a mutação 35delG não é igualmente prevalente em todas as etnias, faz com que seja importante estudar outras mutações, especialmente em países multiétnicos, como o Brasil.

Objetivo:

Identificar diferentes mutações no gene GJB2 em pacientes com perda auditiva neurossensorial grave ou profunda não sindrômica de origem genética putativa e negativos ou heterozigotos para a mutação 35delG.

Método:

Estudo observacional que analisou 100 pacientes brasileiros caracterizados etnicamente, com perda auditiva neurossensorial grave ou profunda não sindrômica, negativos ou heterozigotos para a mutação 35delG. As mutações de GJB2 foram detectadas por sequenciamento baseado no DNA nessa população. As etnias dos participantes foram identificadas como latino-europeia, não latino-europeia, judaica, nativa, turca, negra, asiática e outras.

Resultados:

Dezesseis participantes eram heterozigotos para a mutação 35delG e 14, incluindo três heterozigotos para 35delG, apresentaram nove alterações no gene GJB2. Uma variante, p.Ser199Glnfs*9, detectada em dois participantes, não havia sido relatada anteriormente. Três variantes eram patogênicas (p.Trp172*, p.Val167Met, e p.Arg75Trp), duas não patogênicas (p.Val27Ile e p.Ile196Thr) e três indeterminadas (p.Met34Thr, p.Arg127Leu, e p.Lys168Arg). Três casos de heterozigosidade composta foram detectados: p.[(Gly12Valfs*2)];[(Trp172*)], p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Met34Thr)], e p.[(Gly12Valfs*2)(;)[(Ser199Glnfs*9)]).

Conclusão:

Este estudo detectou variantes não classificadas anteriormente e um caso de heterozigosidade composta ainda não relatada.

PALAVRAS-CHAVE
Perda de audição; Surdez; Genética

Abstract

Introduction:

In different parts of the world, mutations in the GJB2 gene are associated with nonsyndromic hearing loss, and the homozygous 35delG mutation (p.Gly12Valfs*2) is a major cause of hereditary hearing loss. However, the 35delG mutation is not equally prevalent across ethnicities, making it important to study other mutations, especially in multiethnic countries such as Brazil.

Objective:

This study aimed to identify different mutations in the GJB2 gene in patients with severe to profound nonsyndromic sensorineural hearing loss of putative genetic origin, and who were negative or heterozygote for the 35delG mutation.

Methods:

Observational study that analyzed 100 ethnically characterized Brazilian patients with nonsyndromic severe to profound sensorineural hearing loss, who were negative or heterozygote for the 35delG mutation. GJB2 mutations were detected by DNA-based sequencing in this population. Participants' ethnicities were identified as Latin European, Non-Latin European, Jewish, Native, Turkish, Afro-American, Asian and Others.

Results:

Sixteen participants were heterozygote for the 35delG mutation; 14 participants, including three 35delG heterozygote's, had nine different alterations in the GJB2 gene. One variant, p.Ser199Glnfs*9, detected in two participants, was previously unreported. Three variants were pathogenic (p.Trp172*, p.Val167Met, and p.Arg75Trp), two were non-pathogenic (p.Val27Ile and p.Ile196Thr), and three variants were indeterminate (p.Met34Thr, p.Arg127Leu, and p.Lys168Arg). Three cases of compound heterozygosity were detected: p.[(Gly12Valfs*2)];[(Trp172*)], p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Met34Thr)], and p.[(Gly12Valfs*2)(;)[(Ser199Glnfs*9)]).

Conclusion:

This study detected previously unclassified variants and one case of previously unreported compound heterozygosity.

KEYWORDS
Hearing loss; Deafness; Genetics

Introdução

A perda auditiva tem um alto impacto socioeconômico 11 Cremers CW, Marres HA, Van Rijn PM. Nonsyndromal profound genetic deafness in childhood. Ann N Y Acad Sci. 1991;630:191-6.

2 Kalatzis V, Petit C. The fundamental and medical impacts of recent progress in research on hereditary hearing loss. Hum Mol Genet. 1998;7:1589-97.
-33 Middleton A, Hewison J, Mueller RF. Attitudes of deaf adults toward genetic testing for hereditary deafness. Am J Hum Genet. 1998;63:1175-80. e a perda auditiva congênita afeta aproximadamente 1/1.000 crianças nascidas nos Estados Unidos;44 Cohen MM, Gorlin RJ. Epidemiology, etiology, and genetic patterns. In: Gorlin RJ, Toriello HV, Cohen MM, editors. Hereditary hearing loss and its syndromes. 1st ed. New York, NY, USA: Oxford University Press; 1995. p. 9-21. 57% desses casos têm origem genética 55 Marazita ML, Ploughman LM, Rawlings B, Remington E, Arnos KS, Nance WE. Genetic epidemiological studies of early-onset deafness in the U.S. school-age population. Am J Med Genet. 1993;46:486-91.,66 Putcha GV, Bejjani BA, Bleoo B, Booker JK, Carey JC, Carson N, et al. A multicenter study of the frequency and distribution of GJB2 and GJB6 mutations in a large North American cohort. Genet Med. 2007;9:413-26. e, desses, 70% são de perda auditiva não sindrômica. 11 Cremers CW, Marres HA, Van Rijn PM. Nonsyndromal profound genetic deafness in childhood. Ann N Y Acad Sci. 1991;630:191-6.,77 Van Camp G, Willems PJ, Smith RJ. Nonsyndromic hearing impairment: unparalleled heterogeneity. Am J Hum Genet. 1997;60:758-64. As mutações no gene GJB2 que codificam a proteína β-2 do intervalo da junção, a conexina 26, são a causa mais comum de perda auditiva não sindrômica genética em diferentes partes do mundo.88 Gasparini P, Rabionet R, Barbujani G, Melçhionda S, Petersen M, Brondun-Nielsen K, et al. High carrier frequency of the 35delG deafness mutation in European populations. Genetic Analysis Consortium of GJB2 35delG. Eur J Hum Genet. 2000;8:19-23. A mutação mais comum no gene GJB2 é a 35delG, a qual, no estado de homozigose, geralmente resulta em perda auditiva grave a profunda.99 Cohn ES, Kelley PM. Clinical Phenotype and Mutations in Connexin 26 (DFNB1/GJB2), the most common cause of childhood hearing loss. Am J Med Genet. 1999;89:130-6.

No entanto, a mutação 35delG não é igualmente prevalente em todas as etnias. Além disso, quando essa deleção ocorre no estado de heterozigose, com expressão monoalélica, a origem da deficiência auditiva pode não ser atribuída diretamente a essa mutação. Assim, a possibilidade de outras mutações estarem diretamente associadas a perda auditiva deve ser investigada, especialmente em países multiétnicos como o Brasil.1010 Petruccelli JL, Saboia AL, editors. Características Étnico-Raciais da População: Classificações e Identidades. 1st ed. Rio de Janeiro, RJ, Brasil: IBGE; 2013. O sequenciamento baseado no DNA do gene GJB2 pode ajudar a identificar novas mutações associadas à surdez hereditária.

Este estudo teve como objetivo identificar diferentes mutações no gene GJB2 em pacientes com perda auditiva neurossensorial grave ou profunda não sindrômica de origem genética putativa, negativos ou heterozigotos para a mutação 35delG. Os pacientes participantes receberam tratamento na Clínica de Saúde Auditiva do Serviço de Otorrinolaringologia em um hospital universitário terciário no Brasil.

Método

Este estudo foi feito em um hospital universitário terciário entre setembro de 2011 e agosto de 2014 e foi aprovado pelo comitê de ética de pesquisa hospitalar (043/11). As populações-alvo eram pacientes da Clínica de Implantes Cocleares, Serviço de Otorrinolaringologia, com surdez neurossensorial mista grave a profunda não sindrômica, de origem genética putativa, negativos ou heterozigotos para a mutação 35delG do gene GJB2. Os pacientes com surdez não sindrômica de origem genética putativa foram aqueles cujos exames clínico, audiológico e de imagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética) não apresentaram evidência de outras causas conhecidas de surdez. Pacientes ou responsáveis legais que não concordaram em assinar o termo de consentimento livre e informado e /ou responder as perguntas do estudo foram excluídos. Todos os pacientes foram incluídos no estudo pelo autor principal.

As etnias dos participantes foram identificadas por eles ou por seus responsáveis legais como latino-europeia, não latino-europeia, judaica, nativa, turca, negra, asiática e outras, de acordo com a classificação de etnias do Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas (Eclamc).1111 Castilla EE, Orioli IM. ECLAMC: the Latin-American collaborative study of con genital malformations. Commun Genet. 2004;7:76-94. Foi perguntado a todos os pacientes ou seus guardiães legais se havia outros casos de surdez na família e a presença de consanguinidade.

Dos 530 pacientes atendidos nesse período, 100 preencheram os critérios de participação no estudo. Todos os participantes selecionados, ou seus responsáveis legais, assinaram livremente os formulários de consentimento informado e foram submetidos à coleta de sangue para análise de DNA. O DNA foi extraído do sangue periférico com os kits PureLink™ Genomic DNA (Thermo Fisher Scientific, Waltham, MA, EUA). Após amplificação e purificação, os genomas foram sequenciados com o ABI Prism Big-Dye Terminator Cycle Sequencing Kit™ (Applied Biosystems, Foster City, CA, EUA) e os fragmentos foram montados com o software Sequencing Analysis versão 3.7 (Applied Biosystems) e alinhados com o software CLC Sequence Viewer 6 (CLCBio, Aarhus, Dinamarca) e Mutation Surveyor® (Softgenetics LLC., State College, PA, EUA).

A nomenclatura para a descrição das variantes de sequência baseou-se no código de três letras para as sequências de aminoácidos precedidas de "p", de acordo com as recomendações da Human Genome Variation Society (HGVS). Da mesma forma, as variantes de sequência heterozigótica composta também foram descritas de acordo com as recomendações da nomenclatura HGVS. No caso da mutação 35delG, optamos por usar a nomenclatura baseada em sequências de nucleotídeos, porque essa é amplamente aceita. No entanto, na descrição das mutações 35delG heterozigóticas compostas, usamos a nomenclatura baseada em sequências de aminoácidos, isto é, p.(Gly12Valfs*2), para seguir a nomenclatura padrão da HGVS.

A patogenicidade foi determinada com as ferramentas de análise de SIFT (Sorting Intolerant from Tolerant) e Polyphen-2 (Polymorphism Phenotyping v2) e informações disponíveis nos seguintes bancos de dados: 1000 genomes Project,1212 Deafness Variation Database. Available in: http://deafnessvariationdatabase.org [accessed in: 10.10.14].
http://deafnessvariationdatabase.org...
Connexin-Deafness Homepage1313 The Connexin-deafness homepage. Available in: http://davinci.crg.es/deafness [accessed in: 10.10.14].
http://davinci.crg.es/deafness...
e Deafness Variation Database da Universidade de Iowa, USA.1414 1000 Genomes. A Deep Catalog of Human Genetic Variation. Available in: http://browser.1000genomes.org/index.html [accessed in: 20.03.15].
http://browser.1000genomes.org/index.htm...

A comparação das variáveis entre os subgrupos com e sem variantes de GJB2 foi avaliada pelo teste de qui-quadrado.

Resultados

A idade média dos participantes do estudo foi de 14,8 anos (variação de 1-59 anos) e 51% dos participantes eram do sexo masculino. Entre os 100 participantes, 84 não apresentavam a mutação 35delG e o restante era heterozigoto para 35delG.

A tabela 1 mostra a caracterização étnica dos participantes, 67% dos quais relataram ascendência europeia, enquanto 57% indicaram descendência negra. Nenhum participante relatou etnia judaica, turca ou asiática. Não houve associação estatisticamente significante (p = 0,35) entre as diferentes etnias avaliadas e a presença de variantes do gene GJB2 (tabela 2).

Tabela 1
Etnia dos pacientes
Tabela 2
Etnia e presença de variantes do gene GJB2

Dos 37 participantes que relataram história familiar de perda auditiva, três tinham uma variante do gene GJB2; cinco relataram consanguinidade, dos quais apenas um tinha uma variante do gene GJB2. Como mostrado na tabela 3 , 14 participantes apresentaram variantes do gene GJB2 diferentes de 35delG - nove variantes - inclusive três pacientes que eram heterozigotos para a mutação 35delG. Dessas outras variantes, três eram patogênicas, duas eram não patogênicas, três ainda são indeterminadas e uma era uma variante não descrita anteriormente. As características de cada variante estão descritas na tabela 4.

Tabela 3
Perfil dos participantes com alterações de sequenciamento
Tabela 4
Variantes encontradas no sequenciamento do gene GJB2

Discussão

Dos 100 pacientes com perda auditiva neurossensorial grave a profunda, 14 apresentaram uma ou mais dentre nove variantes no gene GJB2 além de 35delG, inclusive três que eram heterozigotos para 35delG. Três dessas mutações são patogênicas, uma é uma variante não relatada anteriormente (p.[Ser199Glnfs * 9]) e uma é um caso de heterozigosidade composta não relatada anteriormente, com 35delG, (p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Ser199Glnfs*9)]).

Vários estudos em diferentes populações relataram a prevalência das principais variantes do gene GJB2 em pacientes com surdez. 77 Van Camp G, Willems PJ, Smith RJ. Nonsyndromic hearing impairment: unparalleled heterogeneity. Am J Hum Genet. 1997;60:758-64.,1515 Rabionet R, Gasparini P, Estivill X. Molecular genetics of hearing impairment due to mutations in gap junction genes encoding beta connexins. Hum Mutat. 2000;16:90-202. Nosso estudo é o primeiro a identificar as variantes de GJB2 em uma amostra etnicamente caracterizada, com deficiência auditiva profunda, proveniente de uma população multiétnica brasileira. Além disso, detectamos uma variante anteriormente não classificada e um caso de heterozigosidade composta ainda não relatada.

Apesar da bem conhecida associação entre etnia e mutações do gene GJB2,88 Gasparini P, Rabionet R, Barbujani G, Melçhionda S, Petersen M, Brondun-Nielsen K, et al. High carrier frequency of the 35delG deafness mutation in European populations. Genetic Analysis Consortium of GJB2 35delG. Eur J Hum Genet. 2000;8:19-23. não encontramos uma associação estatisticamente significante entre as alterações genéticas e a etnia no grupo estudado. Aparentemente, quando dividimos a população em grupos étnicos, o tamanho da amostra foi insuficiente para detectar resultados significantes.

Depois da 35delG, o polimorfismo p.(Val27Ile) foi a variante do GJB2 mais prevalente na população estudada, com uma frequência de 4,0%. Essa variante é considerada não patogênica e tem sido relatada em vários estudos, tanto em indivíduos com audição normal quanto em deficientes auditivos.1616 Kelley PM, Harris DJ, Comer BC, Askew JW, Fowler T, Smith SD, et al. Novel mutations in the connexin 26 gene (GJB2) that cause autosomal recessive (DFNB1) hearing loss. Am J Hum Genet. 1998;62:792-9.

A variante p.(Met34Thr) da conexina 26 foi descrita pela primeira vez como dominante patogênica por Kelsell et al. em 1997.1717 Kelsell DP, Dunlop J, Stevens HP, Lench NJ, Liang JN, Parry G, et al. Connexin 26 mutations in hereditary non-syndromic sensorineural deafness. Nature. 1997;387:80-3. Mais tarde, esses achados foram questionados e sugeriu-se que ela poderia ser não patogênica. 1616 Kelley PM, Harris DJ, Comer BC, Askew JW, Fowler T, Smith SD, et al. Novel mutations in the connexin 26 gene (GJB2) that cause autosomal recessive (DFNB1) hearing loss. Am J Hum Genet. 1998;62:792-9.,1818 Denoyelle F, Lina-Granade G, Plauchu H, Bruzzone R, Chaib H, Levi-Acobas F, et al. Connexin 26 gene linked to a dominant deafness. Nature. 1998;393:319-20.

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-2121 Roux AF, Pallares-Ruiz N, Vielle A, Faugere V, Tremplin C, Leprevost D, et al. Molecular epidemiology of DFNB1 deafness in France. BMC Med Genet. 2004;5:5. Em nossa população de estudo, encontramos um caso, com perda auditiva profunda, de p.(Met34Thr) em heterozigosidade composta com 35delG, p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Met34Thr)]. Essa apresentação foi documentada anteriormente: um grande estudo multicêntrico feito por Snoeckx et al. (2005)2222 Snoeckx RL, Huygen PL, Feldmann D, Marlin S, Denoyelle F, Waligora J, et al. GJB2 mutations and degree of hearing loss: a multicenter study. Am J Hum Genet. 2005;77:945-57. encontrou 38 indivíduos com perda auditiva neurossensorial que eram heterozigotos compostos para p.[(Gly12Valfs*2)](;) [(Met34Thr)] e 16 homozigotos para p.(Met34Thr) que também tinham deficiência auditiva. Por outro lado, Feldmann et al. (2004)2323 Feldmann D, Denoyelle F, Loundon N, Weil D, Garabedian EN, Courdec R, et al. Clinical evidence of the nonpathogenic nature of the M34T variant in the connexin 26 gene. Eur J Hum Genet. 2004;12:279-84. encontraram quatro indivíduos com audição normal que eram heterozigotos compostos para p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Met34Thr)] e caracterizaram essa variante como não patogênica. A presença deste tipo de associação em indivíduos com audição normal sugere que essa alteração não tem potencial patogênico.

Um participante em nosso estudo apresentou a variante p.(Trp172*) em heterozigosidade composta com 35delG (p.[(Gly12Valfs*2)];[(Trp172*)]). A variante p.(Trp172*), em homozigosidade, foi descrita pela primeira vez em um indivíduo brasileiro com perda auditiva neurossensorial bilateral grave a profunda.2424 Pfeilsticker LN, Stole G, Sartorato EL, Delfino D, Guerra ATM. A investigação genética na surdez hereditária não-sindrômica. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70:182-6. Mais tarde, Christiani et al. (2007)2525 Christiani TV, Alexandrino F, de Oliveira CA, Amantini RC, Bevilacqua MC, Filho AO, et al. Molecular study in Brazilian cochlear implant recipients. Am J Med Genet A. 2007;143A:1580-2. descreveram um receptor de implante coclear com perda auditiva neurossensorial grave a profunda bilateral que também era um heterozigoto composto para p.[(Gly12Valfs*2)];[(Trp172*)], como o participante em nosso estudo. O genótipo dos pais do paciente em nosso estudo foi feito e ambos eram indivíduos com audição normal e verificamos que um dos pais era heterozigoto para 35delG e o outro para p.(Trp172*), indicou que essas variantes podem não ser patogênicas em heterozigosidade.

Até hoje, a variante p.(Val167Met) foi detectada somente em indivíduos de ascendência negra e apenas a forma homozigótica foi descrita como patogênica. 2626 Gasmelseed NM, Schmidt M, Magzoub MM, Macharia M, Elmustafa OM, Ototo B, et al. Low frequency of deafness-associated GJB2 variants in Kenya and Sudan and novel GJB2 variants. Hum Mutat. 2004;23:206-7.

27 Ross SA, Novak Z, Kumbla RA, Zhang K, Fowler KB, Boppana S. GJB2 and GJB6 mutations in children with congenital cytomegalovirus infection. Pediatr Res. 2007;61:687-91.
-2828 Samanich J, Lowes C, Burk R, Shanske S, Lu J, Shanske A, et al. Mutations in GJB2, GJB6, and mitochondrial DNA are rare in African American and Caribbean Hispanic individuals with hearing impairment. Am J Med Genet A. 2007;143A:830-8. Em nosso estudo, detectamos essa variante em um participante negro do sexo masculino, com surdez congênita, mas em estado heterozigoto. Assim, ou a perda auditiva desse paciente foi causada por mutações (não identificadas) em um gene diferente ou a mutação p.(Val167Met) também é uma mutação autossômica dominante.

Detectamos a heterozigosidade composta p.[(Val27Ile)(;) [(Arg127Leu)] em um de nossos participantes (nº 16). A variante p.(Arg127Leu) foi inicialmente descrita por Tang et al. (2006)2929 Tang HY, Fang P, Ward PA, Schmitt E, Darilek S, Manolidis S, et al. DNA sequence analysis of GJB2, encoding connexin 26: observations from a population of hearing impaired cases and variable carrier rates, complex genotypes, and ethnic stratification of alleles among controls. Am J Med Genet A. 2006;140:2401-15. em estado heterozigótico em dois indivíduos com audição normal, um asiático e um hispânico. No entanto, o baixo número de casos dessa variante relatados até agora impede uma definição em relação a sua patogenicidade. Assim, a origem da perda de audição no caso 16 de nosso estudo não pode ser atribuída a essas variantes, seja em combinação com p. (Val27Ile) ou isoladamente, e pode ter origem em alterações em outro gene.

A variante p.(Arg75Trp), encontrada em um de nossos participantes, foi detectada pela primeira vez em um caso de perda auditiva dominante autossômica associada a queratodermia palmoplantar, que foi caracterizada como perda auditiva não sindrômica (DFNA3).3030 Richard G, White TW, Smith LE, Bailey RA, Compton JG, Paul DL, et al. Functional defects of Cx26 resulting from a heterozygous missense mutation in a family with dominant deaf-mutism and palmoplantar keratoderma. Hum Genet. 1998;103:393-9. Entretanto, a variante p.(Arg75Trp) foi posteriormente detectada como uma mutação de novo (sem história familiar de perda auditiva) em uma criança com perda auditiva profunda bilateral e sem distúrbios da pele,3131 Janecke AR, Nekahm D, Löffler J, Hirst-Stadlmann A, Müller T, Utermann G. De novo mutation of the connexin 26 gene associated with dominant non-syndromic sensorineural hearing loss. Hum Genet. 2001;108:269-70. exatamente como no caso descrito em nosso estudo.

No nosso estudo, três alelos foram detectados com a variante p.(Lys168Arg): em um caso, estava associada à variante p. (Ile196Thr), enquanto que nos outros dois casos a variante heterozigótica não estava associada a outras variantes. Putcha et al. (2007) detectaram a variante p.(Lys168Arg) a uma frequência de 0,3% (7/1796) em pacientes com deficiência auditiva.66 Putcha GV, Bejjani BA, Bleoo B, Booker JK, Carey JC, Carson N, et al. A multicenter study of the frequency and distribution of GJB2 and GJB6 mutations in a large North American cohort. Genet Med. 2007;9:413-26. Entretanto, Samanich et al. (2007) detectaram a variante p.(Lys168Arg) em heterozigose tanto em pacientes com deficiência auditiva neurossensorial quanto em controles com audição normal e descreveram-na como não patogênica.2828 Samanich J, Lowes C, Burk R, Shanske S, Lu J, Shanske A, et al. Mutations in GJB2, GJB6, and mitochondrial DNA are rare in African American and Caribbean Hispanic individuals with hearing impairment. Am J Med Genet A. 2007;143A:830-8. A variante p.(Ile196Thr), encontrada em um paciente em heterozigosidade composta com p.(Lys168Arg), é uma variante do tipo missense que causa alterações nas sequências de aminoácidos do último domínio transmembrana da conexina 26, mas é descrita como benigna na base de dados Deafness Variation.1212 Deafness Variation Database. Available in: http://deafnessvariationdatabase.org [accessed in: 10.10.14].
http://deafnessvariationdatabase.org...

A variante p.(Ser199Glnfs*9) é uma variante do tipo frameshift não reportada anteriormente, detectada em dois participantes do estudo, em um deles como um caso de heterozigosidade composta não relatada anteriormente com 35delG (p.[(Gly12Valfs*2)(;)[(Ser199Glnfs*9)]). Como a p.(Ile196Thr), essa variante também altera as sequências de aminoácidos do último domínio transmembrana da conexina 26. Nenhum dos dois participantes com essa variante tinha história familiar de surdez ou consanguinidade. Outra variante foi detectada anteriormente na posição 199, a variante missense p.(Ser199Phe), que é descrita como patogênica em estado de homozigose na base de dados Deafness Variation.1212 Deafness Variation Database. Available in: http://deafnessvariationdatabase.org [accessed in: 10.10.14].
http://deafnessvariationdatabase.org...

Conclusão

O estudo do gene GJB2 nessa população multiétnica demonstrou variantes anteriormente não descritas ou raramente descritas. Esse fato sugere que uma avaliação completa desse gene através de sequenciamento genético, em vez de apenas identificar mutação 35delG, deveria ser a regra. Além disso, novos estudos, que possam investigar outros genes, como o GJB6, devem ser feitos para identificar a etiologia da perda auditiva nesses pacientes.

  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.
  • Como citar este artigo: Felix F, Ribeiro MG, Tomita S, Zalis MG. Frequency of GJB2 mutations in patients with nonsyndromic hearing loss from an ethnically characterized Brazilian population. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:92-8.

Agradecimentos

Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2017
  • Aceito
    27 Out 2017
  • Publicado
    21 Nov 2017
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