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Carcinoma odontogênico esclerosante - revisão de todos os casos publicados: sua classificação como tumor maligno é justificável? Como citar este artigo: Lim D, Tan CC, Tilakaratne WM, Goh YC. Sclerosing odontogenic carcinoma - review of all published cases: is it a justifiable addition as a malignancy? Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:118-29.

Resumo

Introdução

O carcinoma odontogênico esclerosante é a nova adição à lista de tumores de cabeça e pescoço da Organização Mundial da Saúde em 2017. Essa lesão é pouco relatada e não há marcadores patognomônicos para o diagnóstico.

Objetivo

Resumir os achados da literatura disponível para fornecer informações atualizadas sobre o carcinoma odontogênico esclerosante e analisar as características clínicas, radiológicas e histopatológicas a favor e contra sua classificação como uma lesão odontogênica maligna.

Método

Uma revisão abrangente da literatura foi feita nos bancos de dados Pubmed, Ebsco e Web of Science, de acordo com as diretrizes do Prisma. Todos os casos relatados em inglês como carcinoma odontogênico esclerosante foram incluídos. Os dados recuperados dos artigos foram sexo, idade, características clínicas, sítio do tumor, histórico médico relevante, achados radiográficos, achados histopatológicos, achados imuno-histoquímico, tratamentos instituídos e prognóstico.

Resultados

A média de idade ao diagnóstico de carcinoma odontogênico esclerosante foi de 54,4 anos, com uma predileção muito leve pelo sexo feminino. Tumores do tipo carcinoma odontogênico esclerosante foram comumente relatados na mandíbula como um edema expansivo, que pode ser assintomático ou associado a dor ou parestesia. Eles têm aparência radiolucente com reabsorção cortical na radiografia. Histologicamente, o carcinoma odontogênico esclerosante é composto por células epitelioides em estroma denso, fibroso ou esclerótico com invasão perineural ambígua. Atipia celular leve e atividade mitótica imperceptível foram observadas. Não há um marcador imuno-histoquímico específico para SOC. AE1/AE3, CK 5/6, CK 14, CK19, p63 e E-caderina foram os marcadores amplamente expressos para carcinoma odontogênico esclerosante. A ressecção foi o principal tratamento feito sem recorrência na maioria dos casos. Nenhum caso de metástase foi relatado.

Conclusão

De acordo com a literatura disponível, é justificável classificar o carcinoma odontogênico esclerosante como um tumor maligno com nenhum ou desconhecido potencial metastático, que pode ser tratado adequadamente com ressecção cirúrgica. Entretanto, não há evidências suficientes para a graduação histológica ou de malignidade desse tumor.

Palavras-chave
Carcinoma odontogênico esclerosante; Revisão; Malignidade

Abstract

Introduction

Sclerosing odontogenic carcinoma was a new addition to the list of head and neck tumors by World Health Organization in 2017. This lesion has scarcely been reported and a lack of pathognomonic markers for diagnosis exists.

Objective

The aim of the study was to summarize findings from the available literature to provide up-to-date information on sclerosing odontogenic carcinoma and to analyse clinical, radiological, and histopathological features to obtain information for and against as an odontogenic malignancy.

Methods

We conducted a comprehensive review of literature by searching Pubmed, EBSCO and Web of Science databases, according to PRISMA guidelines. All the cases reported as sclerosing odontogenic carcinoma in English were included. Data retrieved from the articles were gender, age, clinical features, site, relevant medical history, radiographical findings, histopathological findings, immunohistochemical findings, treatments provided and prognosis.

Results

Mean age at diagnosis of sclerosing odontogenic carcinoma was 54.4 years with a very slight female predilection. Sclerosing odontogenic carcinoma was commonly reported in the mandible as an expansile swelling which can be asymptomatic or associated with pain or paraesthesia. They appeared radiolucent with cortical resorption in radiograph evaluation. Histologically, sclerosing odontogenic carcinoma was composed of epithelioid cells in dense, fibrous, or sclerotic stroma with equivocal perineural invasion. Mild cellular atypia and inconspicuous mitotic activity were observed. There is no specific immunohistochemical marker for sclerosing odontogenic carcinoma. AE1/AE3, CK 5/6, CK 14, CK19, p63 and E-cadherin were the widely expressed markers for sclerosing odontogenic carcinoma. Surgical resection was the main treatment provided with no recurrence in most cases. No cases of metastasis were reported.

Conclusion

From the literature available, sclerosing odontogenic carcinoma is justifiable as a malignant tumor with no or unknown metastatic potential which can be adequately treated with surgical resection. However, there is insufficient evidence for histological grading or degree of malignancy of this tumor.

Keywords
Sclerosing odontogenic carcinoma; Review; Malignancy

Introdução

O carcinoma odontogênico esclerosante (SOC, do inglês sclerosing odontogenic carcinoma) foi um dos novos acréscimos à lista de tumores de cabeça e pescoço da Organização Mundial da Saúde (OMS)11 Odell EW, Koutlas I. Sclerosing odontogenic carcinoma. In: El- Naggar AK, Chan JK, Grandis JR, Takata T, Slootweg PJ, Barnes JW, editors. World Health Organization classification of head and neck tumors. WHO/IARC classification of tumors. fourth edition Lyon, France: IARC Press; 2017. p. 209-10. em 2017 e é definido como um carcinoma intraósseo primário da mandíbula, com citologia branda, estroma acentuadamente esclerótico e um padrão infiltrativo agressivo. Embora o primeiro relato de 3 casos tenha sido publicado em 2008 por Koutlas et al.,22 Koutlas IG, Allen CM, Warnock GR, Manivel JC. Sclerosing odontogenic carcinoma: a previously unreported variant of a locally aggressive odontogenic neoplasm without apparent metastatic potential. Am J Surg Pathol. 2008;32:1613-9. essa terminologia foi cunhada pela primeira vez por Landwehr e Allen33 Landwehr D, Allen C. Aggressive odontogenic epithelial neoplasm mimicking metastatic breast carcinoma: sclerosing odontogenic carcinoma? Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 1996;82:206. em 1996, quando apresentaram seu caso no 50° Annual Meeting of the American Academy of Oral and Maxillofacial Pathology. Koutlas et al.44 Koutlas IG, Warnock G, Manivel JC. ‘‘Intraosseous’’ sclerosing carcinoma of possible odontogenic origin. Report of two cases. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2005;100:187. apresentaram 2 casos de SOC no mesmo encontro, 9 anos depois. Após o primeiro caso relatado, apenas um pequeno número de casos foi relatado até o momento. A escassez de casos pode ser devido ao sub-reconhecimento da lesão ou sua descrição como outras entidades, uma vez que se assemelha a muitos outros tumores, como carcinoma metastático, fibroma odontogênico central rico em epitélio, tumor odontogênico epitelial calcificante, carcinoma intraósseo primário, carcinoma odontogênico de células claras e ameloblastoma desmoplásico.11 Odell EW, Koutlas I. Sclerosing odontogenic carcinoma. In: El- Naggar AK, Chan JK, Grandis JR, Takata T, Slootweg PJ, Barnes JW, editors. World Health Organization classification of head and neck tumors. WHO/IARC classification of tumors. fourth edition Lyon, France: IARC Press; 2017. p. 209-10. Este artigo tem como objetivo fornecer um resumo de todos os casos relatados de SOC e analisar suas características a favor e contra sua classificação como entidade maligna.

Material e métodos

Esta revisão integrativa foi feita com o intuito de resumir os achados de toda a literatura disponível para fornecer informações atualizadas sobre o SOC e analisar suas características para determinar se é justificável sua classificação como tumor maligno. Os bancos de dados PubMed, Ebsco e Web of Science (WoS) foram usadas para pesquisar artigos relevantes. A busca foi feita com “sclerosing odontogenic carcinoma”, “odontogenic sclerotic carcinoma” e “sclerotic odontogenic carcinoma

como palavras-chave com o operador booleano OU aplicado entre as palavras-chave. Esta revisão incluiu todos os relatos de caso no idioma inglês encontrados nas bases de dados. Nenhum limite foi estabelecido em relação ao ano de publicação. Ambos o títulos e o resumo foram avaliados para selecionar artigos relevantes. As listas de referências dos artigos selecionados também foram verificadas para rastrear quaisquer artigos adicionais não encontrados nas bases de dados PubMed, Ebsco e WoS. Os artigos de texto completo foram recuperados através dos bancos de dados online ou pesquisas manuais. Os dados obtidos dos artigos incluíram sexo, idade, características clínicas, sítio do tumor, história médica relevante, achados radiográficos, achados histopatológicos, achados imuno-histoquímico, tratamentos instituídos e prognóstico.

Resultados

A pesquisa bibliográfica foi feita em 9 de maio de 2020. Foram recuperados 53 títulos das bases de dados (16 artigos do WoS, 9 artigos do Ebsco, 28 artigos do PubMed). Após a remoção das duplicatas, 35 resumos foram selecionados para triagem. No processo de identificação de artigos relevantes, várias citações foram excluídas. Essas citações incluíam artigos não escritos na língua inglesa (n = 1), relatos de casos em animais (n = 2), artigos que não eram relatos de casos (n = 14) e artigos não relevantes (n = 8). Após a exclusão, 10 artigos com texto completo foram avaliados e incluídos na revisão. Dois artigos adicionais foram recuperados pela pesquisa de referências. No total, 12 artigos com 14 casos de SOC foram incluídos para revisão (fig. 1).

Figura 1
Diagrama de fluxo da pesquisa bibliográfica e identificação de artigos sobre carcinoma odontogênico esclerosante.

De acordo com os dados, foi observada uma ligeira predileção pelo sexo feminino. Oito casos foram relatados em mulheres, enquanto os 6 casos restantes foram relatados em homens. A idade dos pacientes com diagnóstico de SOC variou de 31 a 73 anos, com média de 54,4 anos. A maioria dos casos ocorreu durante a 5ª e a 7ª décadas, com preponderância feminina na 5ª década, enquanto o sexo masculino predominou na 7ª década de vida. A mandíbula parece ser o local preferido em comparação com a maxila, pois 9 casos foram encontrados na mandíbula. Dos 9 casos, 7 foram relatados na mandíbula posterior, enquanto apenas 2 casos ocorreram na mandíbula anterior. Entre os casos maxilares, 3 tumores foram relatados na maxila anterior, enquanto 2 foram relatados na maxila posterior.

Na maioria desses casos, a história médica não era digna de nota, exceto em um paciente que tinha história de carcinoma hepatocelular e outra que havia sido submetida a cirurgia para redução de mamas. Os pacientes geralmente apresentavam edema ou nódulo, com crescimento progressivo e rápido. Nem sempre dor era sintoma desse tumor, pois havia casos assintomáticos. Os tumores que afetam a mandíbula, principalmente a região posterior, podem se apresentar com parestesia, como relatado em 3 casos. Dependendo do grau de destruição óssea, os dentes dentro e ao redor do tumor podem apresentar mobilidade. Um resumo das características clínicas dos casos relatados é mostrado na tabela 1.

Tabela 1
Características clínicas dos casos relatados de carcinoma odontogênico esclerosante

Em geral, esse tumor se apresenta como uma lesão radiolúcida na radiografia. Entretanto, foi relatado que um dos casos apresentava aspecto em vidro fosco. As margens podem aparecer como bem definidas, mal definidas ou uma combinação de ambas. Notou-se que dois casos na maxila envolviam estruturas adjacentes, como cavidade nasal, seio maxilar, zigoma e placas pterigoides. A reabsorção de pelo menos um dos córtices bucal /labial ou palatino/lingual foi relatada em todos os casos. A reabsorção das raízes dentárias e perda da lâmina dura foram relatadas em 3 casos, embora não tal reabsorção não tenha sido observada em dois outros casos. Os demais casos não mencionaram os efeitos nas raízes dentárias. As características radiográficas dos casos relatados são apresentadas na tabela 2. Entre os casos relatados, apenas dois casos foram diagnosticados como SOC desde o início. A maioria dos casos recebeu outros diagnósticos provisórios, como osteomielite de Garrè, lesão fibro-óssea benigna, tumor odontogênico epitelial benigno, carcinoma espinocelular, adenocarcinoma, tumor metastático, carcinoma odontogênico de células claras e carcinoma intraósseo primário.

Tabela 2
Achados radiográficos de casos relatados de carcinoma odontogênico esclerosante

Histopatologicamente, as células neoplásicas eram compostas por cordões finos em fila única, filamentos e ilhas de células epitelioides. Houve apenas um caso documentado com cápsula fibrosa que envolvia o tumor. Os outros casos foram relatados com um padrão de crescimento tumoral infiltrativo e ausência de encapsulamento. Em geral, um grau leve de atipia celular foi observado em 10 casos. Um componente estromal denso, fibroso, colagenoso ou esclerótico foi a característica marcante observada em 12 casos. Invasão perineural ou intraneural foi relatada em 8 casos, enquanto 2 casos não relataram evidência de invasão perineural. Invasão linfovascular foi observada em 2 casos. A atividade mitótica relatada foi imperceptível ou baixa na maioria dos casos. A necrose foi evidente em um dos 14 casos relatados. Diferenciação de células claras foi observada em 5 casos e testes posteriores demonstraram a ausência de mucina nessas células. A diferenciação glandular foi relatada em 3 casos. Tecido calcificado que consistia em componentes ósseos, cementoides ou dentinoides foi documentado em 7 casos. Um resumo das características histopatológicas dos casos relatados é mostrado na tabela 3.

Tabela 3
Achados histológicos de casos relatados de carcinoma odontogênico esclerosante

A coloração especial com vermelho Congo foi feita em 2 casos e produziu resultados negativos. Imuno-histoquimicamente, AE1/AE3 ou pan-CK, CK5/6, CK14, CK19, p63 e E-caderina foram os marcadores amplamente expressos. CK8/18 e CK7 foram expressos de forma variável nos casos relatados. A coloração com Ki-67 mostrou baixo índice proliferativo em 6 casos. A imunocoloração para p16, p40, p53, EMA e PR foi relatada como positiva em um único caso cada. A imunocoloração para CEA, ER, PAX8, SMA, CD34, desmina, proteína S-100, calretinina, vimentina, amelogenina e CD1a produziu resultados negativos. Os estudos moleculares para o rearranjo EWSR1 foram negativos em 5 casos. A tabela 4 resume os achados imuno-histoquímicos dos casos relatados.

Tabela 4
Achados imuno-histoquímicos de casos relatados de carcinoma odontogênico esclerosante

A cirurgia radical foi a modalidade de tratamento preferida. Essas cirurgias incluíram ressecção, hemimandibulectomia e maxilectomia. Esvaziamentos cervicais concomitantes foram feitos em 4 casos. A radioterapia adjuvante foi usada em 2 casos, enquanto a recorrência foi relatada em 2 casos. A recorrência ocorreu relativamente cedo após a primeira cirurgia. Um caso apresentou recidiva após 5 meses, enquanto em outro a recidiva ocorreu no 8° mês do pós-operatório. O primeiro caso apresentava um tumor extenso no qual foram feitas maxilectomia esquerda e remoção da fossa infratemporal e da base do crânio. Após a recorrência, foi administrada radioterapia (66 Gy em 33 frações). Nenhuma recorrência foi observada após 9 meses de seguimento. Em outro caso, o tumor foi inicialmente tratado com curetagem. Hemimandibulectomia segmentar como segunda cirurgia e quimioterapia foram feitas; o paciente permaneceu livre de tumor por 15 meses após a segunda cirurgia. Nenhuma recorrência foi observada nos demais casos, inclusive um caso que foi tratado apenas por enucleação. Os períodos de seguimento variaram de 9 meses a 12 anos. Não foram relatadas metástases.

Discussão

Apesar de ser uma lesão controversa, em 2017, a OMS incluiu o SOC como um novo tumor odontogênico de cabeça e pescoço, embora alguns não estivessem convencidos de o SOC fosse uma nova entidade.1616 Ide F, Kikuchi K, Kusama K. Sclerosing odontogenic carcinoma. Pathol Int. 2011;61:259-61. Se o SOC é uma entidade distinta ou simplesmente um padrão histológico diferente permanece uma questão preocupante. Entretanto, a OMS foi de opinião que o SOC merecia reconhecimento como uma entidade individual.11 Odell EW, Koutlas I. Sclerosing odontogenic carcinoma. In: El- Naggar AK, Chan JK, Grandis JR, Takata T, Slootweg PJ, Barnes JW, editors. World Health Organization classification of head and neck tumors. WHO/IARC classification of tumors. fourth edition Lyon, France: IARC Press; 2017. p. 209-10. Entretanto, a definição de SOC pela OMS é controversa no contexto do carcinoma intraósseo primário, pois esse é uma entidade separada e distinta incluída na categoria de carcinomas odontogênicos. A definição atual levaria os leitores à ideia errônea de que o SOC é uma das variantes do carcinoma intraósseo primário. Ele deve ser identificado como carcinoma odontogênico em vez de carcinoma intraósseo primário, o qual é uma entidade separada definível na classificação. O diagnóstico de SOC é desafiador, pois compartilha algumas características com outros tumores, como fibroma odontogênico, ameloblastoma desmoplásico, tumor odontogênico epitelial calcificado, carcinoma intraósseo primário, carcinoma odontogênico de células claras e tumores metastáticos na mandíbula.11 Odell EW, Koutlas I. Sclerosing odontogenic carcinoma. In: El- Naggar AK, Chan JK, Grandis JR, Takata T, Slootweg PJ, Barnes JW, editors. World Health Organization classification of head and neck tumors. WHO/IARC classification of tumors. fourth edition Lyon, France: IARC Press; 2017. p. 209-10.,1717 Speight PM, Takata T. New tumor entities in the 4th edition of the World Health Organization classification of head and neck tumors: odontogenic and maxillofacial bone tumors. Virchows Arch. 2018;472:331-9.,1818 Barnes L. Metastases to the head and neck: an overview. Head Neck Pathol. 2009;3:217-24. Os diagnósticos diferenciais de SOC acima sugerem que o tumor pode ter um amplo espectro em termos de graduação de malignidade. As características desses possíveis diagnósticos diferenciais estão resumidas na tabela 5.

Tabela 5
Características dos diagnósticos diferenciais do carcinoma odontogênico esclerosante

As características clínicas relatadas estão no espectro de comportamento indolente a agressivo, que causa dificuldade de decidir se uma malignidade está presente no ambiente clínico de alguns dos casos. Histopatologicamente, o SOC classicamente apresenta-se como células epiteliais citologicamente brandas dentro do estroma esclerótico.11 Odell EW, Koutlas I. Sclerosing odontogenic carcinoma. In: El- Naggar AK, Chan JK, Grandis JR, Takata T, Slootweg PJ, Barnes JW, editors. World Health Organization classification of head and neck tumors. WHO/IARC classification of tumors. fourth edition Lyon, France: IARC Press; 2017. p. 209-10. Essas duas características são diretrizes para o diagnóstico de um tumor benigno, em vez de uma malignidade. Dos casos relatados, o grau de atipia celular foi leve e a atividade mitótica geralmente estava ausente ou baixa. Permanece controverso se se deve ou não rotular o pleomorfismo celular e nuclear imperceptível e a atividade mitótica duvidosa como indicativo de uma malignidade para SOC. Foi documentado que a invasão perineural é uma característica do SOC.11 Odell EW, Koutlas I. Sclerosing odontogenic carcinoma. In: El- Naggar AK, Chan JK, Grandis JR, Takata T, Slootweg PJ, Barnes JW, editors. World Health Organization classification of head and neck tumors. WHO/IARC classification of tumors. fourth edition Lyon, France: IARC Press; 2017. p. 209-10. Essa característica, entretanto, foi relatada em 8 casos, enquanto a ausência de invasão perineural foi relatada nos demais. A presença de invasão perineural é um fator prognóstico histopatológico reconhecido no carcinoma espinocelular oral e orofaríngeo.1919 Bakst RL, Glastonbury CM, Parvathaneni U, Katabi N, Hu KS, Yom SS. Perineural invasion and perineural tumor spread in head and neck cancer. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2019; 103:1109-24.,2020 Woolgar JA. Histopathological prognosticators in oral and oropharyngeal squamous cell carcinoma. Oral Oncol. 2006;42:229-39. A invasão perineural é um achado histopatológico comum para malignidade de alto grau e resulta em desfechos clínicos ruins, recorrência regional, metástase a distância e mortalidade.1919 Bakst RL, Glastonbury CM, Parvathaneni U, Katabi N, Hu KS, Yom SS. Perineural invasion and perineural tumor spread in head and neck cancer. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2019; 103:1109-24. Mais casos são necessários para avaliar se a invasão perineural é uma característica histopatológica particular do SOC e para validá-la como uma característica usada para a graduação da malignidade.

Cinco casos relataram uma população de células claras no SOC e outros testes confirmaram a presença de glicogênio intracitoplasmático. Esse achado apoia a origem odontogênica do SOC, uma vez que remanescentes da lâmina dentária e os restos de Malassez dariam origem à aparência de células claras no tecido da lesão.2121 Premalatha BS, Rao RS, Patil S, Neethi H. Clear cell tumors of the head and neck: an overview. World J Dent. 2012;3:344-9. Curiosamente, um componente de tecido duro foi observado em metade dos casos relatados. A associação entre calcificações semelhantes a lesões fibro-ósseas benignas e a presença de tecido dentário duro ainda não foi investigada. Nossa hipótese é que a formação de tecido dentário duro pode ser atribuída à origem odontogênica do SOC e sua capacidade pluripotente de sintetizar tecido dentário duro.

As células epiteliais neoplásicas em SOC foram coradas positivamente com pan-CK, CK5/6, CK14, CK19 e p63. A citoqueratina (CK) é um marcador específico da linhagem de células epiteliais. As células epiteliais expressam diferentes subtipos de citoqueratina, depende do estágio de desenvolvimento e do estágio na sequência de diferenciação terminal.2222 Painter JT, Clayton NP, Herbert RA. Useful immunohistochemical markers of tumor differentiation. Toxicol Pathol. 2010;38:131-41. A literatura disponível mostra que o SOC expressou principalmente citoqueratina de alto peso molecular, a saber, CK5/6 e CK14. Esse achado é consistente com os de Crivelini et al.2323 Crivelini MM, de Araújo VC, de Sousa SO, de Araújo NS. Cytokeratins in epithelia of odontogenic neoplasms. Oral Dis. 2003;9:1-6. (2003). Eles documentaram que o marcador imuno-histoquímico típico para o epitélio odontogênico é a CK14. A CK19 é uma citoqueratina de baixo peso molecular e frequentemente destaca células epiteliais próximas ao epitélio de superfície ou diferenciação escamosa.2323 Crivelini MM, de Araújo VC, de Sousa SO, de Araújo NS. Cytokeratins in epithelia of odontogenic neoplasms. Oral Dis. 2003;9:1-6. Esse marcador, entretanto, foi inesperadamente negativo no caso relatado por Todorovic et al.77 Todorovic E, Berthelet E, O’Connor R, Durham JS, Tran E, Martin M, et al. Sclerosing odontogenic carcinoma with local recurrence: case report and review of literature. Head Neck Pathol. 2019;13:371-7. Mais esclarecimentos sobre a coloração do subtipo de citoqueratina seriam benéficos para identificar a expressão de citoqueratina relacionada à sua histogênese. Biomarcadores preditivos como o Ki-67, amplamente usados para avaliar o índice proliferativo de um tumor, parecem ser um achado não significativo para SOC. Portanto, o exame histopatológico continua a ser o padrão-ouro no diagnóstico de SOC, uma vez que nenhum marcador específico além da citoqueratina foi identificado até o momento.

O EWSR1 é o gene mais comum que pode gerar vários genes de fusão e é evidente em uma variedade de neoplasias. Os tumores que contêm rearranjos do gene EWSR1 incluem o sarcoma de Ewing, lipossarcoma mixóide, sarcomas de células claras e neoplasias mioepiteliais.2424 Thway K, Fisher C. Mesenchymal tumors with EWSR1 gene rearrangements. Surg Pathol Clin. 2019;12:165-90. Para a região da cabeça e pescoço, foi relatado que o carcinoma mucoepidermoide, o carcinoma de células claras e o carcinoma mioepitelial apresentam rearranjo do gene EWSR1.11 Odell EW, Koutlas I. Sclerosing odontogenic carcinoma. In: El- Naggar AK, Chan JK, Grandis JR, Takata T, Slootweg PJ, Barnes JW, editors. World Health Organization classification of head and neck tumors. WHO/IARC classification of tumors. fourth edition Lyon, France: IARC Press; 2017. p. 209-10. Cinco casos relatados de SOC foram submetidos ao estudo molecular FISH para rearranjo do gene EWSR1 e produziram resultados negativos. Isso poderia levar à postulação de que o SOC não exibe rearranjo do gene EWSR1.

Com base na literatura disponível, seria seguro recomendar a ressecção do tumor com uma margem de 5 mm e um seguimento rigoroso após a cirurgia.1313 Hussain O, Rendon AT, Orr RL, Speight PM. Sclerosing odontogenic carcinoma in the maxilla: a rare primary intraosseous carcinoma. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2013;116:e283-6. O esvaziamento cervical não é obrigatório e a quimiorradioterapia pode não ter um papel curativo, pois a maioria dos pacientes não foi submetida a esses procedimentos, mas permaneceu livre da doença durante todo o período de seguimento. A presença de metástases não foi relatada até agora. Isso pode estar relacionado às características de baixo grau dos componentes epiteliais e estromais, inclusive sua baixa atividade mitótica.77 Todorovic E, Berthelet E, O’Connor R, Durham JS, Tran E, Martin M, et al. Sclerosing odontogenic carcinoma with local recurrence: case report and review of literature. Head Neck Pathol. 2019;13:371-7. Saxena et al.2525 Saxena S, Kumar S. Sclerosing odontogenic carcinoma: an enigma. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2013;115:840. também postularam que o estroma denso ao redor do componente epitelial do tumor pode ter um papel na prevenção de metástases. O papel do tratamento adjuvante não pode ser justificado no momento.

Conclusão

Com base no número limitado de casos, podemos concluir que o SOC é um carcinoma de baixo grau sem potencial metastático que pode ser tratado adequadamente com ressecção local do tumor. No entanto, são necessárias mais informações para determinar o grau definitivo de malignidade. Os autores são de opinião que o SOC deveria ser definido como um carcinoma odontogênico separado, em vez de um carcinoma intraósseo primário.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2020
  • Aceito
    26 Jan 2021
  • Publicado
    27 Fev 2021
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