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Lixiviação de nitrato de um substrato minerado tratado com lodo de esgoto doméstico

Nitrate leaching from a mined spoil treated with domestic sewage sludge

Resumos

Lodos de esgoto são fontes significativas de N, P, matéria orgânica e outros elementos necessários à nutrição de plantas. A aplicação desses resíduos em solos e substratos é um das mais eficientes maneiras de recuperação de nutrientes. Todavia, os benefícios obtidos com o uso de lodo de esgoto devem ser confrontados com riscos inerentes à sua utilização, tais como a lixiviação excessiva de nitrato, que pode contaminar aquíferos. Normas sanitárias e ambientais impedem o consumo humano de águas com concentrações de nitrato > 10 mg L-1. Dessa forma, este trabalho objetivou mensurar o risco de contaminação de águas subterrâneas por nitrato produzido em substrato exposto pela mineração, que foi tratado com a dose equivalente a 120 t ha-1 de lodo de esgoto, base úmida. O substrato liberou lixiviados com concentrações de até 78 mg L-1 de nitrato, que representam risco de contaminação de águas subterrâneas. Sob as condições testadas neste trabalho, o aquífero subterrâneo deve situar-se a pelo menos 4,5 m de profundidade, para que o lixiviado liberado da camada tratada com lodo de esgoto seja diluído ao longo do perfil de solo a concentrações < 10 mg L-1, caso a área permaneça sem cobertura vegetal. O estabelecimento de uma cobertura herbácea sobre o substrato reduziu em 40% a quantidade de nitrato liberada no lixiviado, permitindo que o aquífero esteja a 2,7 m de profundidade sem que haja aporte excessivo de nitrato proveniente da camada superficial tratada.

biossólido; nitrato; mineralização; nitrificação; aquífero


Sewage sludges are significant sources of N, P, organic matter, and other elements for plant nutrition. Soil and spoil application of such residues is one of the most efficient ways of nutrient recovery. However, the benefits from sewage sludge soil application have to be weighed against sanitary and environmental risks such as excessive nitrate leaching, which may contaminate water. Sanitary and environmental regulations have banned human consumption of waters with nitrate concentrations > 10 mg L-1. Therefore, this work aimed to measure the risk of groundwater contamination by nitrate produced in a mined spoil treated with 120 t ha-1 of domestic sewage sludge on wet basis. The amended spoil leached solutions with concentrations up to 78 mg L-1 of nitrate, which poses risks to underground water. Under the experimental conditions set in this work, the groundwater table has to rest at 4.5 m depth or deeper to allow the leachate diluting through the soil profile to concentrations < 10 mg L-1, if the soil remains bare. A grass cover on the amended spoil decreased by 40% the amount of nitrate in the leachate and it would allow a groundwater table at 2.5 m depth without an excessive nitrate input from the top sewage sludge amended layer.

biosolids; nitrate; mineralization; nitritication; underground water


SOLOS E NUTRIÇÃO DE PLANTAS

ARTIGO

Lixiviação de nitrato de um substrato minerado tratado com lodo de esgoto doméstico

Nitrate leaching from a mined spoil treated with domestic sewage sludge

Rodrigo Ávila de PaulaI; Rodrigo Studart CorrêaII,* * Autor correspondente. ; Taís Pitta CottaIII

IDepartamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília. Campus Darcy Ribeiro, FT/EFL, 70910-970 Brasília (DF). E-mail: rods108@yahoo.com.br

IIDepartamento de Ecologia da Universidade de Brasília. Caixa Postal 04.401, 70910-900 Brasília (DF). E-mail: rodmanga@yahoo.com.br

IIILaboratório de Química Analítica da Universidade de Brasília. Caixa Postal 04.478, 70904-970 Brasília (DF). E-mail: pittagc@unb.br

RESUMO

Lodos de esgoto são fontes significativas de N, P, matéria orgânica e outros elementos necessários à nutrição de plantas. A aplicação desses resíduos em solos e substratos é um das mais eficientes maneiras de recuperação de nutrientes. Todavia, os benefícios obtidos com o uso de lodo de esgoto devem ser confrontados com riscos inerentes à sua utilização, tais como a lixiviação excessiva de nitrato, que pode contaminar aquíferos. Normas sanitárias e ambientais impedem o consumo humano de águas com concentrações de nitrato > 10 mg L-1. Dessa forma, este trabalho objetivou mensurar o risco de contaminação de águas subterrâneas por nitrato produzido em substrato exposto pela mineração, que foi tratado com a dose equivalente a 120 t ha-1 de lodo de esgoto, base úmida. O substrato liberou lixiviados com concentrações de até 78 mg L-1 de nitrato, que representam risco de contaminação de águas subterrâneas. Sob as condições testadas neste trabalho, o aquífero subterrâneo deve situar-se a pelo menos 4,5 m de profundidade, para que o lixiviado liberado da camada tratada com lodo de esgoto seja diluído ao longo do perfil de solo a concentrações < 10 mg L-1, caso a área permaneça sem cobertura vegetal. O estabelecimento de uma cobertura herbácea sobre o substrato reduziu em 40% a quantidade de nitrato liberada no lixiviado, permitindo que o aquífero esteja a 2,7 m de profundidade sem que haja aporte excessivo de nitrato proveniente da camada superficial tratada.

Palavras-chave: biossólido, nitrato, mineralização, nitrificação, aquífero.

ABSTRACT

Sewage sludges are significant sources of N, P, organic matter, and other elements for plant nutrition. Soil and spoil application of such residues is one of the most efficient ways of nutrient recovery. However, the benefits from sewage sludge soil application have to be weighed against sanitary and environmental risks such as excessive nitrate leaching, which may contaminate water. Sanitary and environmental regulations have banned human consumption of waters with nitrate concentrations > 10 mg L-1. Therefore, this work aimed to measure the risk of groundwater contamination by nitrate produced in a mined spoil treated with 120 t ha-1 of domestic sewage sludge on wet basis. The amended spoil leached solutions with concentrations up to 78 mg L-1 of nitrate, which poses risks to underground water. Under the experimental conditions set in this work, the groundwater table has to rest at 4.5 m depth or deeper to allow the leachate diluting through the soil profile to concentrations < 10 mg L-1, if the soil remains bare. A grass cover on the amended spoil decreased by 40% the amount of nitrate in the leachate and it would allow a groundwater table at 2.5 m depth without an excessive nitrate input from the top sewage sludge amended layer.

Key words: biosolids, nitrate, mineralization, nitritication, underground water.

1. INTRODUÇÃO

Esgotos domésticos e subprodutos de seu tratamento, tais como lodo de esgoto, são fontes significativas de N, P, matéria orgânica e outros elementos necessários à nutrição de plantas (Plachá et al., 2008). Retornar matéria orgânica e nutrientes aos seus ciclos naturais representa a base ideológica para se aplicar lodo de esgoto e seus derivados em solos. Essa solução tem sido considerada aceitável, desde que atenda a normas sanitárias e ambientais (Rathod et al., 2009).

A aplicação em solos é uma das mais eficientes práticas de disposição de lodo de esgoto e de recuperação de nutrientes que, geralmente, tornam-se disponíveis para as plantas por meio da mineralização da fração orgânica (Andrade et al., 2006; Nóvoa-muñoz et al., 2008). Entretanto, as características físicas, químicas e biológicas desse material representam preocupações para seu manejo adequado (O'kelly, 2008). Os benefícios obtidos com o uso do lodo devem ser confrontados com os perigos e os possíveis riscos inerentes à sua utilização (Pengcheng et al., 2008), tais como lixiviação excessiva de nitrato, contaminação de solos, culturas e animais por patógenos e metais, entre outros (Oliveira et al., 2001; Piovesan et al., 2009).

Água com concentrações a partir de 10 mg L-1 de nitrato (NO3-) são consideradas tóxicas, pois o NO3- pode ser reduzido a nitrito (NO2-) no intestino humano e causar metamoglobinemia em crianças pequenas (Haering et al., 2000). Por esse motivo, a lixiviação de NO3- e a consequente contaminação de aquíferos são os fatores que mais limitam aplicações periódicas de lodo de esgoto em uma mesma área (Polgase e Robison, 1996; Oliveira et al., 2001).

Para se evitar a contaminação de águas subterrâneas por nitrato, a dose de aplicação de lodo de esgoto deve considerar, pelo menos, duas variáveis: a taxa de mineralização do N orgânico no solo em que o resíduo foi incorporado e a necessidade de N pela cultura a ser cultivada com esse resíduo (Haynes et al., 2009). A mineralização de materiais orgânicos em solos é o principal processo que influencia o suprimento de N para as plantas e também para a lixiviação (O'dowd et al., 1999; Piovesan et al., 2009).

Nesse contexto, a coleta e o tratamento de esgotos no Distrito Federal (DF) superam 90% da quantidade gerada por uma população de aproximadamente 2,2 milhões de habitantes. Essa população resulta na produção de quase 400 t por dia de lodo de esgoto, que devem ser adequadamente gerenciadas e depositadas no ambiente. Até 2003, 95% do lodo de esgoto gerado no Distrito Federal eram destinados a solos sob produção agrícola (Caesb, 2005). Entretanto, a falta de regulamentação para o uso desse resíduo na agricultura e a contaminação química e biológica de uma captação de água para abastecimento público provocaram a suspensão do uso agrícola desse material no DF até que sua utilização fosse regulamentada.

Como alternativa de disposição, os lodos de esgotos produzidos no DF têm sido incorporados às camadas superficiais de jazidas mineradas, mesmo após a edição de normas federal e distrital que regulamentam seu uso agrícola (Conam/df, 2006; Conama, 2006), florestal, em pesquisas e em áreas mineradas (Conam/df, 2006). Atividades minerárias expõem à superfície substratos que demandam grande quantidade de matéria orgânica para serem revegetados (Corrêa et al., 2008) e as jazidas explotadas apresentam menos restrições legais, sanitárias e ambientais que solos agrícolas em relação à aplicação de lodo de esgoto (Conan/df, 2006; Conama, 2006).

Dessa forma, com base em autorizações expedidas pelo órgão ambiental, os lodos produzidos no DF têm sido incorporados a substratos de jazidas explotadas em doses superiores a 100 t ha-1 de matéria úmida ou 12 t ha-1 de matéria seca. Esse manejo estimula o surgimento quase imediato de um estrato herbáceo nas jazidas, composto principalmente por Brachiaria spp. (Bento, 2009). Apesar das menores restrições sanitárias que a deposição de lodo de esgoto em jazidas mineradas demanda, o risco de contaminação de águas subterrâneas por nitrato deve ser avaliado.

Em face do exposto e com o objetivo de se avaliar o risco de contaminação de águas subterrâneas, as concentrações e quantidades de nitrato lixiviado de um substrato tratado com lodo de esgoto foram mensuradas, na presença e na ausência de uma cobertura herbácea. De posse desses dados, modelou-se a profundidade mínima que aquíferos devem resguardar da camada superficial tratada com lodo de esgoto para que a solução lixiviada chegue às águas subterrâneas com concentrações de nitrato < 10 mg L-1.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Lodo de esgoto

Uma amostra de 20 kg de lodo de esgoto foi obtida na Estação de Tratamento de Esgoto Brasília Norte, operada pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal - Caesb. Tratava-se de uma mistura de lodo originado pelos tratamentos primário, secundário (lodo biologicamente ativado) e terciário [polido com Al2(SO4)3]. A mistura composta pelos três tipos de lodo foi desaguada em prensa mecânica e o resíduo foi liberado para o pátio de estocagem contendo 88 dag kg-1 de teor de água (Tabela 1).

Substrato

Cerca de 200 kg do horizonte C de um Cambissolo (Embrapa, 1999) foi coletado da superfície de uma jazida explotada de cascalho na área do Campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília (Tabela 1). A amostra de substrato foi deixada para secar à sombra por duas semanas e em seguida passada em peneira de 2 mm de abertura. A densidade de solo (Ds) e a capacidade de campo (CC) do substrato foram mensuradas conforme descrito em Cassel e Nielsen (1986).

Experimento

O substrato foi tratado com uma dose equivalente a 120 t ha-1 de lodo de esgoto, contendo 88 dag kg-1 de teor de água, para um experimento de lixiviação em potes, em casa de vegetação. A dose aplicada equivale a 14,4 t ha-1 de massa seca ou a 0,79 t ha-1 de N total (Tabela 1). Métodos que envolvem a mineralização de materiais orgânicos incubados em solos são considerados apropriados para se estimar taxas de mineralização e lixiviação de N (Van Kessel et al., 2000; Andrade et al., 2006; Boeira e Maximiliano, 2009).

Amostras de 1,4 kg do substrato tratado com lodo de esgoto foram usadas para preencher os vintes primeiros centímetros de vinte potes cilíndricos de 10 cm de diâmetro e 2 L de capacidade, confeccionados em politereftalato de etileno e com base afunilada. A base afunilada de cada pote foi envolvida com lã de vidro e papel Whatman 42 para filtragem do lixiviado drenado dos substratos. Dez potes contendo substrato não tratado foram inseridos no experimento para efeito de controle. Todos os potes foram mantidos sob condição de umidade equivalente a da capacidade de campo, com a utilização de água destilada, durante todo o experimento, que foi instalado em casa de vegetação.

Para se averiguar a influência da vegetação sobre a lixiviação de nitrato, dez potes receberam cada um seis sementes da espécie herbácea Brachiaria brizantha cv. Marandu (capim marandu). Duas semanas após a germinação das sementes, três indivíduos foram desbastados em cada pote, deixando-se os três indivíduos em melhores condições visuais de desenvolvimento e fitossanidade.

Uma solução de CaCO3 0,01 mol L-1 (chuva sintética) foi utilizada para simular as quantidades mensais de água drenada nos meses em que a precipitação pluvial supera a evapotranspiração no Distrito Federal (Tabela 2) e, consequentemente, a drenagem é positiva (Shaffer et al., 1991). A quantidade de chuva sintética aplicada mensalmente aos substratos considerou, dessa forma, a diferença entre a precipitação e a evapotranspiração real no Distrito Federal, que representa 80% de sua evapotranspiração potencial (White, 1997). A solução drenada dos substratos em cada mês foi coletada e medida em proveta com 1 mL de precisão.

Análises laboratoriais

Os lixiviados coletados foram armazenados em frascos de 50 mL, dotados de tampas com rosca, e congelados no mesmo dia da coleta. As concentrações de nitrato foram determinadas em espectrofotômetro B382 Micronal, por meio de espectroscopia de absorção na região do ultravioleta (Skoog et al., 2002). Os resultados das concentrações de N-NO3- nos lixiviados foram analisados pelo teste não-paramétrico de Miller, a p < 0,05 de significância, pois concentrações de nitrato (NO3-) não têm distribuição normal na natureza (Edis, 1998). Conjuntos de dados com distribuição normal foram analisados por meio de ANOVA e teste de Tukey a p < 0,05 de significância.

Modelagem

A modelagem de lixiviação de N-NO3- considerou dois fatores: a produção de N-NO3- nos substratos e seu transporte pela drenagem ao longo de um perfil homogêneo (White et al., 1998). A lixiviação de NO3- pode ser simulada por meio de vários modelos em diferentes níveis de complexidade. O modelo utilizado neste trabalho considerou o balanço hídrico simplificado e a quantidade de N-NO3- disponível para ser lixiviado da camada tratada. Shaffer et al. (1991) estimulam o uso desse método como primeira aproximação para a avaliação do risco de lixiviação de NO3- de solos e o uso de métodos mais sofisticados caso o risco se mostre significativo.

A profundidade alcançada pelo solo lixiviado que deixou a camada superficial (0-20 cm) de substrato tratado foi calculada de acordo com White (1997):

em que:

Z é a distância (mm) percorrida pela solução drenada ao longo do perfil de solo;

t é o período de tempo modelado (mês, ano, outros);

D é a água/solução disponível para drenagem (mm);

CC é a capacidade de campo do solo/substrato (m3 m-3).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A acumulação de nitrato (NO3-) em solos deve ser evitada por razões sanitárias e ambientais (Corrêa et al., 2005; Piovesan et al., 2009). Contudo, solos e substratos tratados com lodo de esgoto possuem intensa nitrificação (Vieira e Cardoso, 2003; Corrêa et al., 2005) e a incorporação de lodo de esgoto ao substrato minerado (120 t ha-1, 88 dag kg-1 de teor de água) resultou no aumento significativo (p < 0,05) das concentrações de N-NO3- nos lixiviados recolhidos (Figura 1).


Os substratos tratados com lodo de esgoto liberaram, no primeiro mês de incubação, lixiviados com concentração média de 12,2±0,11 mg L-1 de N-NO3-. Nos dois meses seguintes, as concentrações de N-NO3- aumentaram para valores entre 58 e 78 mg L-1 e mantiveram-se nesse nível até o fim do experimento no substrato tratado com lodo que não foi cultivado com Brachiaria brizantha cv. Marandu - capim marandu (Figura 1). Outros trabalhos concluíram que a incorporação de doses entre 33 e 78 t ha-1 de lodo de esgoto a Latossolos gera riscos de contaminação de águas subterrâneas por NO3- (Anjos e Mattiazzo, 2000; Oliveira et al., 2001). Concentrações NO3- aumentam significativamente a partir do segundo mês após a incorporação de lodo de esgoto em solos, quando a mineralização já liberou NH4+ suficiente e a nitrificação pode ocorrer (Oliveira et al., 2001; Vieira e Cardoso, 2003).

As sementes de capim marandu germinaram após três semanas do início do experimento e as plântulas que foram mantidas se desenvolveram em todos os potes semeados. O efeito do capim sobre as concentrações de nitrato nos lixiviados foi percebido a partir do fim do terceiro mês de incubação (março), quando a drenagem coletada nesse tratamento começou a ter concentrações reduzidas de N-NO3- em relação ao mês anterior (fevereiro) e ao substrato tratado com lodo que se manteve desprovido de vegetação. As diferenças entre as concentrações de N-NO3- no lixiviado dos dois tratamentos se acentuaram nos meses seguintes, tornando-se significativas (p < 0,05) a partir do quarto mês após o início do experimento (Figura 1).

Em outubro, quando se reinicia o período chuvoso no Distrito Federal, não havia diferença significativa entre as concentrações de N-NO3- nos lixiviados do substrato controle e do substrato tratado com lodo de esgoto que recebeu cobertura vegetal (Teste de Miller, p < 0,05). As concentrações de N-NO3- nos lixiviados desses dois substratos mantinham-se entre 9,8 e 11,1 mg L-1, enquanto no substrato tratado com lodo de esgoto e sem cobertura vegetal o valor atingia 71,7±0,5 mg L-1. Nos dois meses seguintes (novembro e dezembro), houve redução nas concentrações médias dos lixiviados colhidos, sobretudo naqueles tratados com lodo de esgoto e que permanecerem sem cobertura vegetal. A concentração de N-NO3- decresceu para 36,5±0,4 mg L-1 em novembro e manteve-se nesse patamar no mês seguinte. Nos demais substratos (controle e substrato + lodo + gramínea), as concentrações de N-NO3- nos lixiviados mantiveram-se abaixo de 10 mg L-1 até o fim do experimento (Figura 1). Exaustão da fração mineralizável do N orgânico e absorção de N por culturas são relatados como os fatores mais importantes pelas reduções de nitrato em solos tratados com lodo de esgoto (Laverman, 2000; Oliveira et al., 2001).

A maior quantidade de N-NO3- liberado pelos substratos (concentração de N-NO3- no lixiviado x volume do lixiviado) ocorreu no fim de fevereiro (Tabela 3), cerca de dois meses após a incorporação do lodo de esgoto aos substratos, quando as concentrações de N-NO3- atingiram valores máximos (Figura 1). No fim do quarto mês de incubação, as diferenças entre as quantidades de N-NO3- recuperadas nos lixiviados dos substratos com cobertura vegetal e sem ela tornaram-se significativas (Tabela 3). As plântulas estavam-se enraizadas e em pleno desenvolvimento no fim do segundo mês de incubação, quando a demanda por nutrientes, principalmente N (NH4+ e NO3-), é elevada (Corrêa et al., 2008).

A absorção de N pelas plantas ocorre nas camadas superficiais do solo, onde se distribui a maior parte do sistema radicular e há movimentação de nitrato para zonas mais profundas quando a necessidade da planta por N é excedida (Dynia, 2000; Laverman, 2000). Nesse contexto, o substrato tratado com lodo de esgoto que permaneceu sem cobertura vegetal produziu 1,7 vez mais N-NO3- no lixiviado que o tratamento que continha o capim B. brizantha e quase cinco vezes mais do que o substrato controle, ao se considerar os sete meses avaliados (Tabela 3). A modelagem de lixiviação de nitrato em solos incubados e sem cobertura vegetal representa o pior cenário ambiental (Laverman, 2000). A diferença de 183,4 mg de N-NO3- por pote entre o tratamento que recebeu cobertura vegetal e o que permaneceu sem ela pode ser atribuída à absorção de N pelas plantas nos sete meses de experimento (Tabela 3).

Em solos tratados com lodo de esgoto existe grande potencial para a lixiviação de nitrato (Vieira e Cardoso, 2003) e, de acordo com Edis (1998), a drenagem é o fator mais importante para a percolação de nitrato em solos. Porém, as concentrações (Figura 1) e as quantidades (Tabela 3) de N-NO3- nos lixiviados não se relacionaram de maneira significativa à precipitação pluvial média mensal (Tabela 2; R2 = 0,08), ao volume de solução drenada (R2 = 0,05), à capacidade de campo dos substratos (R2 < 0,01) ou à temperatura média mensal do Distrito Federal (R2 = 0,08). As quantidades de N-NO3- recolhidas abaixo da camada superficial de 0-20 cm dependeram das concentrações de N-NO3- formado nos substratos ( = 1,3 + 1,1**X; R2 = 0,82*). Vários fatores influenciam a formação e a lixiviação de nitrato em solos (Oliveira et al., 2001; Vieira e Cardoso, 2003; Andrade et al., 2006; Piovesan et al., 2009). Todavia, Corrêa et al. (2005) concluíram que a quantidade de nitrato disponível para lixiviar de solos incubados com lodo de esgoto dependiam, sobretudo, da concentração de NH4+ nesses solos. Relatam, ainda, que a nitrificação em solos e substratos tratados com lodo de esgoto é uma característica mais relacionada às condições edáficas do que ao tipo do resíduo.

A incorporação de 120 t ha-1 de lodo de esgoto (14,4 t matéria seca ha-1) não afetou significativamente a capacidade de campo (0,38 m3 m-3) do substrato minerado (horizonte C de um Cambissolo). Mudanças nas propriedades físicas de solos e substratos tratados com lodos de esgoto requerem doses mais elevadas, aplicações múltiplas (Corrêa et al., 2005; De Maria et al., 2007) ou maior tempo de incubação para que haja estruturação do ambiente edáfico. Todavia, ainda que não significante pelo teste de Tukey (p > 0,10), os substratos que foram cultivados com capim marandu tiveram aumento na quantidade de água retida à tensão de 10 kPa de 0,40 m3 m-3 para 0,46 m3 m-3 (Figura 2). Como resultado, a profundidade atingida pelos lixiviados em cada mês seguiu a ordem crescente - substrato + lodo + capim < substrato + lodo < substrato controle (Figura 3), ainda que a profundidade atingida pela drenagem a cada mês tenha dependido da precipitação pluvial (Tabela 2; = - 181,3 + 2,9**X; R2 = 0,83*) e não da capacidade de campo dos substratos (R2 = 0,03).



As maiores perdas de nitrato de solos tratados com lodo de esgoto ocorrem no início do ciclo de culturas, quando as plantas ainda não estão enraizadas e a exigência por N é pequena (Lavernan, 2000; Vieira e Cardoso, 2003). O maior risco mensal de contaminação de águas subterrâneas avaliado neste trabalho ocorreu no fim do segundo mês (fevereiro) de incubação do lodo de esgoto nos substratos. O lixiviado recolhido apresentou 78 mg L-1 de N-NO3- (Figura 1) e o modelo (Equação 1) indicou que ele atingiria 47 cm de profundidade (Figura 3). De acordo com a Equação 1 e considerando o volume e a concentração de N-NO3- no lixiviado que deixou a camada superficial de 0-20 cm, seriam necessários 3,8 m de camada de substrato abaixo da camada superficial tratada com lodo de esgoto para que a concentração medida se diluísse até o limite sanitariamente seguro de 10 mg NO3- L-1.

Em uma escala anual, as 437,1 mg/pote de N-NO3- recolhidos do substrato que foi tratado com a dose equivalente a 120 t ha-1 de lodo de esgoto e permaneceu sem cobertura vegetal (Tabela 3) seriam diluídos em 710,1 mm de drenagem (Tabela 2) a 76,7 mg L-1 de N-NO3- e o lixiviado atingiria 1,8 m de profundidade (Figura 4). Seriam necessários mais dois anos de chuvas para que o lixiviado se diluísse até a concentração de 10 mg L-1 de N-NO3-, ao atingir a profundidade de 4,5 m. Caso os substratos tratados com lodo de esgoto recebam coberturas compostas por gramíneas, o lixiviado contendo 44,5 m L-1 de N-NO3- percolaria a 1,5 m de profundidade (Figura 4) e uma camada não tratada de 2,7 m de profundidade seria suficiente para proteger recursos hídricos subterrâneos. A modelagem de transporte de solutos ao longo de um perfil de solo é especifica. Sob regimes climáticos e condições edáficas diferentes, a contribuição de cada fator que influencia a formação e lixiviação de nitrato muda (White, 1997; Edis, 1988; White et al., 1998; Corrêa et al., 2005).


4. CONCLUSÕES

1. A incorporação de 120 t ha-1 de lodo de esgoto (88 dag kg-1 de teor de água) na camada superficial (0-20 cm) do substrato minerado libera lixiviados com concentrações de N-NO3- que representam risco de contaminação de águas subterrâneas.

2. O maior risco de contaminação de águas subterrâneas ocorre cerca de dois meses após a incorporação do lodo de esgoto ao substrato, quando a concentração de N-NO3- é máxima e as plantas semeadas não utilizam ainda significativas quantidades de N mineral.

3. O estabelecimento de uma cobertura composta por Brachiaria brizantha cv. Marandu reduz a quase metade a quantidade de N-NO3- disponível para lixiviar.

4. A incorporação da dose única de 120 t ha-1 de lodo de esgoto (88 dag kg-1 de teor de água) na camada superficial do substrato minerado no Distrito Federal demanda que o aquífero subterrâneo esteja a pelo menos 4,5 m de profundidade, caso a camada superficial não seja coberta por um estrato herbáceo. O estabelecimento de gramíneas no local permitiria que o aquífero estivesse a 2,7 m de profundidade.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio prestado pelo Laboratório de Termobiologia da Universidade de Brasília, Laboratório Geoquímica da Universidade de Brasília e por seus docentes e técnicos, sem o qual não seria possível realizar este trabalho.

Recebido: 27/jan./2010; Aceito: 27/mai./2010

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    Autor correspondente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Jan 2010
    • Aceito
      27 Maio 2010
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