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Aplicação do conceito do índice padronizado de precipitação à série decendial da diferença entre precipitação pluvial e evapotranspiração potencial

Applying the standardized precipitation index concept to ten-day period series of the difference between precipitation and potential evapotranspiration

Resumos

O monitoramento probabilístico e padronizado da variabilidade temporal dos totais de chuva, proposto pelo modelo do Índice Padronizado de Precipitação (SPI), tem sido utilizado por programas estaduais e federais na detecção de regiões com severos déficits de precipitação pluvial. Contudo, algumas questões conceituais, inerentes a um índice que utiliza apenas a precipitação pluvial como variável independente, tendem a distanciar esse índice dos interesses agrícolas. O objetivo do trabalho foi verificar a possibilidade de aplicação desse conceito de monitoramento probabilístico/padronizado, adotado/proposto pelo SPI, às séries decendiais da diferença entre precipitação pluvial e evapotranspiração potencial (P-ETP). Utilizando dados meteorológicos da localidade de Campinas (SP), entre 1948 e 2008, verificou-se bom ajuste das séries de P-ETP à distribuição geral dos valores extremos. Essa última característica permitiu o desenvolvimento de um algoritmo cujo resultado foi denominado de índice padronizado da diferença entre a precipitação pluvial e a evapotranspiração potencial (IPP-ETP) que, por sua vez, possibilitou a incorporação do conceito do SPI às séries decendiais da diferença entre precipitação pluvial e evapotranspiração potencial.

seca; distribuição geral dos valores extremos; monitoramento


The monitoring, on probabilistic standardized basis, of the rainfall temporal variability by the Standardized Precipitation Index (SPI) model has been used by governmental programs in order to detect regions under severe rainfall deficit conditions. However, some conceptual issues, inherent to an index that uses only precipitation amounts as independent variable, tend to distance the SPI application of the agricultural interests. The aim of the work was to investigate the possibility of applying the drought monitoring concept, proposed by the SPI model, on ten-day period series of the difference between precipitation and potential evapotranspiration (P-EP). Based on meteorological data colleted in a weather station of Campinas, São Paulo State, Brazil, between 1948 and 2008, it was observed that the P-EP series fits well to the General Extreme Value Distribution (GEV). This fit has allowed the incorporation of the SPI concept on ten-day P-EP series and, therefore, the development of the standardized difference between precipitation and evapotranspiration index (IPP-ETP).

drought; general extreme value distribution; monitoring


AGROMETEOROLOGIA

ARTIGO

Gabriel Constantino Blain

Centro de Ecofisiologia e Biofísica, Instituto Agronômico, Caixa Postal 28, 13012-970 Campinas (SP). E-mail: gabriel@iac.sp.gov.br

RESUMO

O monitoramento probabilístico e padronizado da variabilidade temporal dos totais de chuva, proposto pelo modelo do Índice Padronizado de Precipitação (SPI), tem sido utilizado por programas estaduais e federais na detecção de regiões com severos déficits de precipitação pluvial. Contudo, algumas questões conceituais, inerentes a um índice que utiliza apenas a precipitação pluvial como variável independente, tendem a distanciar esse índice dos interesses agrícolas. O objetivo do trabalho foi verificar a possibilidade de aplicação desse conceito de monitoramento probabilístico/padronizado, adotado/proposto pelo SPI, às séries decendiais da diferença entre precipitação pluvial e evapotranspiração potencial (P-ETP). Utilizando dados meteorológicos da localidade de Campinas (SP), entre 1948 e 2008, verificou-se bom ajuste das séries de P-ETP à distribuição geral dos valores extremos. Essa última característica permitiu o desenvolvimento de um algoritmo cujo resultado foi denominado de índice padronizado da diferença entre a precipitação pluvial e a evapotranspiração potencial (IPP-ETP) que, por sua vez, possibilitou a incorporação do conceito do SPI às séries decendiais da diferença entre precipitação pluvial e evapotranspiração potencial.

Palavras-chave: seca, distribuição geral dos valores extremos, monitoramento.

ABSTRACT

The monitoring, on probabilistic standardized basis, of the rainfall temporal variability by the Standardized Precipitation Index (SPI) model has been used by governmental programs in order to detect regions under severe rainfall deficit conditions. However, some conceptual issues, inherent to an index that uses only precipitation amounts as independent variable, tend to distance the SPI application of the agricultural interests. The aim of the work was to investigate the possibility of applying the drought monitoring concept, proposed by the SPI model, on ten-day period series of the difference between precipitation and potential evapotranspiration (P-EP). Based on meteorological data colleted in a weather station of Campinas, São Paulo State, Brazil, between 1948 and 2008, it was observed that the P-EP series fits well to the General Extreme Value Distribution (GEV). This fit has allowed the incorporation of the SPI concept on ten-day P-EP series and, therefore, the development of the standardized difference between precipitation and evapotranspiration index (IPP-ETP).

Key words: drought, general extreme value distribution, monitoring.

1. INTRODUÇÃO

Um dos conceitos mais importantes associados ao Índice Padronizado de Precipitação (SPI), desenvolvido por McKee et al. (1993; 1995), é o estabelecimento de um método de monitoramento das condições de seca, em diversas escalas de tempo, comparável em diferentes regiões e períodos. Com o objetivo de auxiliar a rápida adoção de políticas de combate aos efeitos desse fenômeno meteorológico, o monitoramento probabilístico da variabilidade temporal dos totais de chuva, proposto pelo modelo do SPI, tem sido utilizada por programas estaduais e federais na detecção de regiões com severos déficits de precipitação pluvial (PRE). Em McKee et al. (1993; 1995), Guttman (1998; 1999), Hayes et al. (1999), Heim Junior (2002), Sansigolo (2004) e Blain (2005), são descritas diversas considerações à respeito de possíveis aplicações do SPI, bem como o algoritmo de cálculo deste índice.

Na escala mensal, o cálculo do SPI inicia-se com a determinação da probabilidade acumulada de ocorrência H(Xt,i), para 1< t <12 e i Є Z, associada aos dados de precipitação pluvial (Xt,i). Essa probabilidade é, no Estado de São Paulo, usualmente estimada com base na distribuição gama com dois parâmetros, conforme exemplificado em Thom (1966) e Blain et al. (2007; 2009). A fim de obter um índice conceitualmente comparável em escala espaço-temporal, a distribuição normal inversa padrão é aplicada a essa probabilidade. O resultado desta operação matemática é o SPI.

Apesar de sua robustez estatística, algumas questões conceituais tendem a distanciar o SPI dos interesses agrícolas. Conforme apontado por Blain e Brunini (2007), a seca agrícola exige monitoramento em escalas iguais ou inferiores à dez dias. Contudo, conforme descrito, esse índice é um quantificador dos déficits de PRE, ou seja, para regiões e períodos em que o valor nulo desse elemento pode ser considerado climatologicamente esperado (Xt,i = 0 com elevada frequência), como os decêndios de junho a agosto na localidade de Campinas, a aplicação/interpretação desse índice de seca torna-se pouco consistente (1). Essa última característica conceitual, inerente a um índice probabilístico que utiliza apenas a PRE como variável independente, justifica o fato dos trabalhos de Mckee et al. (1993; 1995), Guttman (1998; 1999), Byun e Wilhite (1999), Hayes (1999) e Blain (2005) utilizarem o SPI em escalas iguais ou superiores à mensal, indicando também a necessidade de adaptar esse modelo aos interesses agrometeorológicos.

Definida como a umidade no solo insuficiente para repor as perdas por evapotranspiração das culturas (Omm, 1975), pode-se afirmar que a seca agrícola é relacionada, entre outros fatores, ao balanço entre a demanda atmosférica e o suprimento hídrico disponível. Nesse contexto, o parâmetro do balanço hídrico representado pela diferença entre a precipitação pluvial e a evapotranspiração potencial (P-ETP), torna-se uma interessante alternativa para a aplicação/adaptação do conceito de monitoramento da seca, proposto pelo modelo do SPI, voltado aos interesses agrícolas. Ao contrário da PRE, as distribuições de P-ETP não são limitadas à esquerda pelo valor 0. Esse parâmetro agrometeorológico pode, evidentemente, assumir valores positivos ou negativos.

Outro aspecto que deve ser considerado na elaboração/adaptação de um índice com base em modelos probabilísticos é a existência de correlação serial ou persistência temporal na série sob análise. Conforme indicado por Maia et al. (2007), a parametrização de uma amostra de dados é adequada somente a séries livres de correlação serial. A parametrização de séries com significativa persistência temporal acarreta em perda de importantes informações, pois as probabilidades associadas a eventos temporalmente subsequentes não podem ser consideradas independentes entre si. Assim, a variável decendial P-ETP, por não estar condicionada a variações temporais do armazenamento de água no solo (o que, evidentemente acarretaria na presença de persistência temporal), torna-se uma interessante alternativa para o desenvolvimento de um índice padronizado voltado ao monitoramento da seca agrícola.

Dessa forma, o objetivo do trabalho foi verificar a possibilidade de aplicação do conceito de monitoramento padronizado das condições de seca, proposto pelo SPI, em séries decendiais de P-ETP.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados N dados decendiais de precipitação pluvial e temperatura do ar, pertencentes ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC/SAA), de 1948 a 2008 (22º54'S; 47º05'W; 669 m). Na área atuam tanto sistemas tropicais quanto polares, com destaque para o polar atlântico que, conforme Monteiro (1973), comanda o ritmo climático regional (Nunes, 1997). A evapotranspiração potencial (ETP) foi estimada com base em Thonthwaite (1948). Pelos padrões normais do Estado de São Paulo, de outubro a março, a precipitação pluvial excede a evapotranspiração; de abril a setembro, após equilíbrio entre essas variáveis, a evapotranspiração torna-se maior que a chuva, resultando em períodos de deficiência hídrica na maior parte do Estado (Ortolani e Camargo, 1987).

Distribuição paramétrica

A função densidade de probabilidade utilizada no estudo para descrever analiticamente as séries decendiais de P-ETP foi a associada à distribuição geral de valores extremos (GEV) descrita em 1.

em que: ζ é o parâmetro de localização (location); β é o parâmetro de escala e k é o parâmetro de forma. A equação 1 pode ser integrada analiticamente fornecendo a função cumulativa de probabilidade:

Segundo Wilks (2006), os parâmetros dessa função são usualmente ajustados utilizando os métodos dos "L-moments" ou da máxima verossimilhança (MV). Sansigolo (2008) relata que o MV é reconhecido como o método mais apropriado para estimação dos parâmetros de uma função densidade de probabilidade. De acordo com Wilks (2006), o aumento do número de valores contidos em uma amostra acarreta na convergência desses dois métodos a um valor paramétrico comum.

Conforme descrito, um aspecto importante a ser considerado é o fato de que a presença de persistência temporal ou autocorrelações significativas, de periodicidades e de tendências em uma amostra, interfere na estrutura de probabilidade associada aos dados. Dessa forma, antes da utilização da GEV, empregou-se o método de Wald -Wofowitz (run) descrito, entre outros, em Morettin e Toloi (2006) e a função autocorrelação (acf) utilizada em Wilks (2006), para a verificação da correlação serial presente na série temporal de P-ETP. A periodicidade dos picos de variância da série foi investigada com base na análise de ondaleta (AO), conforme descrita, entre outros, em Torrence e Compo (1998) Reboita (2004), Kayano e Blain (2007) e Blain (2009). Essa análise foi realizada por C. Torrence, utilizando o algoritmo elaborado disponível em http://paos.colorado.edu/research/wavelets, na linguagem utilizada pelo software Matlab. O teste de Sazonal de Mann-Kendall (SMK; Mann, 1945; Kendall e Stuart, 1967; Hirsch et al., 1982; Hirsch e Slack, 1984) foi utilizado, a fim de verificar possíveis tendências, de elevação ou queda, presente nos dados.

Todos os métodos foram realizados a 5% de significância. A remoção do ciclo anual foi realizada subtraindo-se de cada valor decendial de P-ETP a respectiva mediana amostral. Essa operação matemática é usualmente denominada de "remoção da climatologia local" e seu resultado recebe o nome de resíduo.

Verificação do ajuste

O teste de aderência Kolmogorov-Smirnov/Lilliefors (KS) foi utilizado para verificar o grau de ajuste das distribuições empíricas à GEV. Conforme indicado por Wilks (2006), o KS compara à curva de probabilidade acumulada empírica à curva teórica, evitando sua divisão, relativa à variável contínua P-ETP, em classes discretas. Contudo, conforme indicado por Sansilogo (2008), o KS é somente adequado para verificar a parte central das distribuições. Dessa forma, gráficos quantil-quantil (QQ), conforme descrito em trabalhos como Wilks (2006) e Sansilogo (2008), foram utilizados para verificar os ajustes das 36 séries empíricas a GEV. Para auxiliar a avaliação dos gráficos QQ, utilizou-se a análise de regressão linear simples (RLS; com os coeficientes estimados pelo método dos mínimos quadrados) e o coeficiente de determinação (r2), resultante da RLS. O erro médio (EM) e absoluto médio (EAM), descritos em Meyer (1990), e o índice de concordância "d", proposto por Willmott et al. (1985), também foram empregados.

Elaboração do índice padronizado de P-ETP (IPP-ETP)

A determinação da probabilidade acumulada de cada valor decendial de P-ETP, foi estimada com base na GEV. A função normal inversa padrão (Gaussiana) foi aplicada a essas probabilidades. O resultado é o índice padronizado da diferença entre precipitação pluvial e evapotranspiração potencial (IPP-ETP). Adotando-se H(p-etp) como a probabilidade paramétrica acumulada de cada valor decendial de P-ETP, resultante da equação 3, a transformação para uma variável com distribuição normal padrão, média zero e variância unitária, pode ser realizada utilizando as equações desenvolvidas por Abramowitz e Stegun (1965).

co = 2,515517; c1 = 0,802853; c2 = 0,010328;

d1= 1,432788; d2 = 0,189269 e d3 = 0,001308

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Persistência temporal, periodicidades e tendências climáticas

Na figura 1, são ilustrados os coeficientes de autocorrelação da acf aplicada aos resíduos decendiais de P-ETP.


Verifica-se que praticamente todos os coeficientes rk da acf permanecem dentro dos limites de significância adotados (Figura 1), indicando que as séries residuais de P-ETP podem ser consideradas livres de persistência temporal. O teste run com o valor de -1,06 corrobora essa última observação. Dessa forma, pode-se afirmar que a probabilidade de ocorrência de um dado valor decendial de P-ETP não é significativamente condicionada por valores temporalmente precedentes desse parâmetro agrometeorológico. Essa última característica dos valores residuais de P-ETP parece corroborar Byhn e Wilhite (1998) que indicam que uma região afetada por um evento de seca pode voltar às condições normais em apenas um dia de chuva.

Para a escala anual, o SMK, com valor final de -0,31, não indica presença de significativa tendência temporal na série de P-ETP utilizada. Na tabela 1 são ilustrados os valores do SMK relativos a cada série decendial.

Das 36 séries decendiais, apenas três revelaram tendências significativas (Tabela 1). No terceiro decêndio de maio, verificou-se elevação temporal nos valores de P-ETP. Essa característica parece estar de acordo com trabalhos de Blain et al. (2007; 2009) e Blain (2009) que indicam significativa elevação nos totais mensais de precipitação pluvial, observado neste mês, nos últimos 29 e 30 anos. No segundo decêndio de junho e no primeiro decêndio de julho, o SMK indicou elevação significativa dos valores da variável sob análise. Na figura 2 é ilustrada a análise de ondaleta.


Considerando apenas o domínio da frequência, a potência global da ondaleta (GWP, global wavelet spectrum) indica periodicidades significativas nos picos de variância da série residual de P-ETP com escalas entre dois e quatro anos. Entretanto, observando-se a potência local da ondaleta (WPS; wavelet power spectrum), domínio tempo-frequência, verifica-se que esses picos significativos de potência são localizados em apenas alguns intervalos do sinal temporal; década de 1960 e entre 1975 a 1985, aproximadamente; indicando a inexistência de marcantes periodicidades/ciclicidades nos dados analisados.

Os resultados dos testes run e SMK e das análises de ondaleta e auto-correlação permite, portanto, inferir que a série decendial de P-ETP da localidade de Campinas, entre os anos de 1948 e 2008 e após a remoção de seu ciclo anual, desenvolve-se aleatoriamente ao longo do tempo. Dessa forma, o uso de distribuições paramétricas para estimação da probabilidade de ocorrência dos valores decendiais de P-ETP não resultará, uma vez comprovado o ajuste aos dados empíricos, em perdas de relevantes informações do processo sobre investigação.

Ajuste à distribuição geral dos valores extremos

Na tabela 2 são ilustrados os métodos utilizados para a verificação do ajuste das distribuições empíricas a GEV em cada série decendial. Na figura 3, são apresentados os gráficos QQ (as 36 séries decendiais foram agrupadas na escala mensal, a fim de reduzir o tamanho da Figura 3).


Nota-se que a função associada à GEV pode ser utilizada, com satisfatória confiabilidade, para a determinação das probabilidades de ocorrência associadas aos dados decendiais de P-ETP. Verifica-se também que a GEV apresenta pior desempenho nos extremos superiores, ou positivos, de P-ETP. Contudo, para a cauda inferior das distribuições, observa-se elevada precisão e exatidão dessa distribuição teórica na estimação dos dados; em especial nos casos em que P-ETP <0. Essa última característica, associada às demais informações contidas na tabela 2 e na figura 3, indica que a GEV pode ser usada tanto para a elaboração do índice de seca proposto, quanto para a determinação da probabilidade de ocorrência associada aos valores decendiais de P-ETP. Essa última análise é obtida inserindo os respectivos parâmetros decendiais (Tabela 3) na equação 2. O IPP-ETP foi estimado conforme descrito no item 2.

Interpretação do IPP-ETP

Independentemente do decêndio sob estudo, a aplicação das equações 3 e 4 garante que valores negativos do IPP-ETP representem dados de P-ETP com probabilidades acumulada de ocorrência inferiores à 0,5. Em outras palavras, valores do IPP-ETP menores do que 0 indicam que o valor de P-ETP, observado no referido período, é inferior ao que seria climatologicamente esperado. Valores do IPP-ETP contidos no intervalo [-0,5 a 0,5] indicam que o parâmetro P-ETP, observado em um i-ésimo decêndio situa-se, aproximadamente, na parte central da distribuição; probabilidades acumuladas entre 0,30 e 0,70. Essa relação é ilustrada na figura 4.


Uma vez comprovado o ajuste das séries de P-ETP à GEV, o algoritmo de cálculo do IPP-ETP, e sua consequente interpretação probabilística descrita na figura 4, pode, em teoria, ser aplicado a qualquer localidade. Com base no método aqui proposto, futuros estudos poderão verificar a possibilidade de incorporação do conceito do SPI nas séries decendiais de P-ETP em outras localidades/regiões.

Para toda série utilizada, o valor mais baixo do IPP-ETP (-3,0; Figuras 5 e 6) foi registrado no terceiro decêndio de abril de 2002. Neste último ano também ocorreu o menor somatório de IPP-ETP (-15,5), superando, até mesmo o ano de 1963, segundo menor, com IPP-ETP = -13,6. Contudo, em 1963 observou-se o maior número de decêndios com valores inferiores a 0 (25). Em 2007, verificou-se o maior número de decêndios com IPP-ETP iguais ou inferiores a -1 (13), conforme ilustrado nas figuras 5 e 6.








Na figura 6 é também possível observar a maior coerência, para fins agrícolas, da utilização do IPP-ETP (decendial) em relação ao SPI, na escala mensal. Em janeiro de 2002, por exemplo, foram observados, ao longo dos três decêndios contidos nesse intervalo temporal, os totais de 31, 144 e 44 mm de PRE. O valor do SPI, correspondente ao somatório de 219 mm foi de -0,06 (Figura 6d; indicativo de condições normais de precipitação pluvial). Contudo, conforme indicado pelo IPP-ETP (Figura 6c), quando essa "condição normal mensal" é decomposta na escala decendial, observa-se que em dois dos três decêndios os totais de precipitação pluvial foram inferiores à demanda hídrica atmosférica. Nesse período, os valores decendiais da ETP foram, respectivamente, de 42, 32 e 52 mm.

Sob o mesmo aspecto, é interessante ressaltar que, de acordo com o método do SPI um evento de seca inicia-se quando o valor deste índice torna-se inferior a -0.99 (Mckee et al. 1993; Hayes et al. 1999). Dessa forma, até março de 2002 o SPI não indicou a existência dessa anomalia climática na localidade de Campinas. Em contrapartida, a variabilidade temporal (decendial) do IPP-ETP (Figura 6c), foi mais coerente com o elevado número de decêndios com valores da ETP superiores ao da PRE, observados no referido período.

Aplicação do IPP-ETP em demais escalas temporais

De acordo com Mckee et al. (1993); Guttman (1998; 1999); Heim Junior (2002); Blain (2005), uma das vantagens da utilização do SPI para o monitoramento da seca é a habilidade desse índice em ser estimado para diversas escalas temporais. Para Hayes et al. (1999), essa habilidade torna o SPI um valioso método para estudos de disponibilidade hídrica, de curta ou longa duração. Considerando o algoritmo do SPI, indicado por Mckee et al. (1993), essa versatilidade é possível devido à elevada flexibilidade da distribuição gama (Wilks, 2006). A função densidade de probabilidade associada a essa distribuição pode assumir desde características exponenciais, para valores de seu parâmetro, iguais ou inferiores à unidade, quanto características próximas à gaussiana, para elevados valores desse parâmetro.

Conforme indicado pela equação 1, essa elevada versatilidade também pode ser observada na GEV, tornando possível a estimação do IPP-ETP para as demais escalas temporais de análise. O teste KS (Tabela 4) comprova o ajuste das séries de P-ETP, considerando as escalas temporais relativas a dois, três (mensal), quatro, cinco e seis decêndios.

Nos demais decêndios o KS também indicou aceitação da hipótese de nulidade associada à este teste de aderência (Tabela 4). A interpretação da variação da escala temporal de cálculo do IPP-ETP é similar a do SPI, indicada em Mckee et al. (1993), Guttman (1998, 1999), Heim Junior (2002), Blain (2005) e exemplifica na figura 7.


Quando a escala temporal de cálculo é curta (decendial, por exemplo), o IPP-ETP move-se com elevada frequência acima e abaixo de zero (Figura 7). Com o aumento do período de análise (seis decêndios, por exemplo) o IPP-ETP "responde" mais lentamente às alterações na variabilidade da P-ETP. Períodos com índices negativos tornam-se menores em número, porém mais longos em duração temporal.

4. CONCLUSÕES

1. A série decendial da diferença entre a precipitação pluvial e a evapotranspiração potencial não possui significativa persistência temporal em seus dados. Tendências de elevação ou queda, bem como significativos ciclos/periodicidades também não são verificadas. Essas séries também apresentam bom ajuste à distribuição geral dos valores extremos, obtendo-se elevada precisão e exatidão nos casos em que esse parâmetro agrometeorológico assumiu valores inferiores a 0.

2. O algoritmo de cálculo deste trabalho e que resulta na estimação do índice padronizado da diferença entre precipitação pluvial e evapotranspiração potencial (IPP-ETP) permite a incorporação do conceito do índice padronizado de precipitação à série decendial da diferença entre evapotranspiração potencial e precipitação pluvial.

3. Por considerar a demanda hídrica atmosférica em seu algoritmo e poder ser estimado em escalas temporais inferiores à mensal (10 dias) o IPP-ETP é mais coerente que o índice padronizado de precipitação para a detecção estatística de períodos sujeitos à seca agrícola na localidade de Campinas. O IPP-ETP também pode ser utilizado em escalas temporais superiores à decendial.

AGRADECIMENTO

O autor cordialmente agradece ao Dr. Marcelo Bento Paes de Camargo pelas valiosas e construtivas sugestões relativas a este trabalho.

Recebido: 15/jan./2010; Aceito: 13/mai./2010

(3) Na localidade de Campinas, entre 1948 e 2008, no segundo decêndio de agosto, por exemplo, o valor zero de PRE apresenta frequência de ocorrência superior a 50%. Dessa forma, uma série temporal composta por dados decendiais do SPI sempre exibirá, para o período em questão, valores positivos, podendo, com isso, indicar o fim de uma seca, mesmo que nenhuma "precipitação" tenha sido observada.

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  • Aplicação do conceito do índice padronizado de precipitação à série decendial da diferença entre precipitação pluvial e evapotranspiração potencial

    Applying the standardized precipitation index concept to ten-day period series of the difference between precipitation and potential evapotranspiration
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      15 Jan 2010
    • Aceito
      13 Maio 2010
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