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Vamos refletir sobre a prática? A aplicabilidade de uma ferramenta reflexiva para sustentar o raciocínio profissional em terapia ocupacional1 1 Este trabalho é parte da dissertação de mestrado da primeira autora, sob orientação da última autora.

Resumo

Introdução

A reflexão sobre a prática, na perspectiva da epistemologia da racionalidade prática, favorece o ganho de consciência sobre seus aspectos tácitos, como do raciocínio profissional. Estudos que focalizam a reflexão sobre a prática para sustentar o raciocínio profissional de terapeutas ocupacionais têm emergido; porém, eles ainda são incipientes, especialmente no Brasil.

Objetivo

Analisar o conteúdo e a aplicabilidade de uma ferramenta reflexiva para sustentar o raciocínio profissional no processo de análise situada das necessidades da pessoa em acompanhamento em terapia ocupacional.

Método

Pesquisa-ação, com participação de 11 terapeutas ocupacionais atuantes na Atenção Básica à Saúde, desenvolvida com as seguintes etapas: elaboração prévia da ferramenta; utilização da ferramenta pelas participantes e análise de seu conteúdo e estrutura; entrevistas individuais após a utilização; análise descritiva e temática; adequação da ferramenta; oficinas de validação; e construção da versão final da ferramenta.

Resultados

As modificações sugeridas abarcaram alterações de termos, acréscimos e integração de diferentes domínios. A versão final da ferramenta se estruturou em 20 questões, organizadas em sete domínios. As possibilidades de aplicabilidade foram: dar visibilidade para as especificidades da terapia ocupacional no trabalho em equipe; possibilitar a reflexão sobre a prática e melhorar o raciocínio profissional; utilizar a ferramenta em outros contextos de prática e no ensino da prática profissional.

Conclusão

A ferramenta apresenta aplicabilidade prática, contribuindo para fortalecer o núcleo profissional em terapia ocupacional e o diálogo interprofissional, facilitando a reflexão sobre a prática e ampliando a consciência sobre processos de raciocínio profissional.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Conhecimentos; Atitudes e Prática em Saúde; Pensamento; Prática Profissional

Abstract

Introduction

Reflection on practice, from the epistemology of practical rationality perspective, favors gaining awareness of tacit aspects of the practice, such as professional reasoning. Studies focusing the reflection on practice to support occupational therapists' reasoning have emerged. However, they are still incipient, especially in Brazil.

Objective

To analyze the content and applicability of a reflective tool to support professional reasoning in the process of situated analysis of the needs of the assisted person in occupational therapy.

Method

Action research, with the participation of 11 occupational therapists working in Primary Health Care, was developed following the steps: previous development of the tool; use of the tool by the participants and analysis of its content and structure; individual interviews after its use; descriptive and thematic analysis; tool suitability; validation workshops and construction of the final version of the tool. The data were produced through a participants characterization form, an agreement questionnaire to analyze the content and structure of the tool, and individual interviews about its applicability. Data were analyzed descriptively and thematically. The reflective tool was adjusted based on the participants' suggestions. Validation workshops were held with the participants to build the final version of the tool.

Results

The suggested modifications in the tool included changes in terms, and also additions and integration of different domains. Its final version was structured on 20 questions, organized in seven domains. The applicability possibilities were: to give visibility to the specificities of occupational therapy in interprofessional teams; to enable reflection on practice and to improve professional reasoning; to use the tool in other contexts of practice; and for teaching of professional practice.

Conclusion

The tool has practical applicability, contributing to strengthening the professional core in occupational therapy and for interprofessional dialogue, facilitating the reflection on practice, and increasing the awareness about professional reasoning processes.

Keywords:
Occupational Therapy; Health Knowledge, Attitudes, Practice, Thinking, Professional Practice

Introdução

Este artigo apresenta uma ferramenta construída por terapeutas ocupacionais da Atenção Básica à Saúde (ABS) para apoiar a análise situada das necessidades da pessoa acompanhada em terapia ocupacional, favorecer a reflexão sobre a prática e sustentar o processo de raciocínio profissional. A reflexão sobre a prática é uma das habilidades mais valorizadas para o desenvolvimento profissional, na medida em que permite ao profissional ganhar consciência sobre os aspectos tácitos, complexos e incertos característicos da prática e, com isso, transformar suas ações. A reflexão sobre a prática é uma habilidade atrelada à ação situada e favorece o acesso a processos corporificados e de pensamento do profissional sobre determinado caso individual ou coletivo para estruturar suas ações (Marcolino & Mizukami, 2008Marcolino, T. Q., & Mizukami, M. G. N. (2008). Narrativas, processos reflexivos e prática profissional: apontamentos para pesquisa e formação. Interface, 12(26), 541-547. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832008000300007.
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; Kinsella, 2018Kinsella, E. A. (2018). Embodied reasoning in professional practice. In B. Schell & J. Schell (Eds.), Clinical and professional reasoning in occupational therapy (pp. 105-126). Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins.), com potentes movimentos de articulação entre teoria e prática, entre si e o outro, entre limites e possibilidades.

Para a epistemologia da racionalidade prática desenvolvida por Schön (1983)Schon, D. (1983). The reflexive prationer. New York: Basic books., a prática profissional é um processo tácito, difícil de colocar em palavras, que ocorre em situações complexas, singulares e repletas de incertezas e de conflitos de valores. Tais características situacionais limitam compreender os conhecimentos que se fazem relevantes para a prática somente como aplicação de teorias ou técnicas. Schön (1983)Schon, D. (1983). The reflexive prationer. New York: Basic books. discute que é possível construir conhecimentos oriundos da prática por meio de processos de reflexão na prática (enquanto ela acontece) e sobre a prática (após sua ocorrência), na medida em que o profissional escolhe determinados elementos da situação (que lhe surpreendem ou lhe incomodam), buscando construir novos sentidos, que incorporem conhecimentos teóricos e técnicos, e que o ajudem a retornar à prática. Tal perspectiva inspirou a primeira grande pesquisa sobre raciocínio clínico em terapia ocupacional, The Clinical Reasoning Study, realizada no final da década de 1980, financiada pela Associação Americana de Terapia Ocupacional e pela Fundação Americana para a Terapia Ocupacional (Mattingly & Fleming, 1994Mattingly, C., & Fleming, M. H. (1994). Clinical Reasoning: forms of inquiry in a therapeutic process. Philadelphia: F. A. Davis Books.).

Desde então, o raciocínio clínico em terapia ocupacional vem sendo compreendido como um processo em constante desenvolvimento, que se caracteriza por ser tácito, imagético e profundamente fenomenológico, utilizado para planejar, realizar e avaliar as intervenções (Mattingly & Fleming, 1994Mattingly, C., & Fleming, M. H. (1994). Clinical Reasoning: forms of inquiry in a therapeutic process. Philadelphia: F. A. Davis Books.). De acordo com Ferigato & Ballarin (2011)Ferigato, S. B., & Ballarin, M. L. G. S. (2011). A alta em terapia ocupacional: reflexões sobre o fim do processo terapêutico e o salto para a vida. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 19(3), 361-368. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2011.009.
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, o processo terapêutico, bem como o raciocínio clínico, é produzido a partir das necessidades, limitações e possibilidades apresentadas pelo sujeito em atendimento e de acordo com as possibilidades oferecidas pela(o) terapeuta ocupacional. A reflexão sobre esse processo de encontros complexos pode ser disparada, fortalecida e problematizada, a partir do uso interativo de instrumentos reflexivos sobre a prática, que instiguem produzir novos encontros, apontando pistas para processos de transformação (dos sujeitos e do processo).

Revisões de literatura recentes indicam a necessidade de pesquisas que investiguem métodos de acesso ao raciocínio, como ferramentas que favoreçam o desenvolvimento do raciocínio profissional e que possam oferecer melhores evidências de seu funcionamento (Márquez-Álvarez et al., 2019Márquez-Álvarez, L. J., Calvo-Arenillas, J. I., Talavera-Valverde, M. A., & Moruno-Millares, P. (2019). Professional reasoning in occupational therapy: a scoping review. Occupational Therapy International, 2019, 1-9. http://dx.doi.org/10.1155/2019/6238245.
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; Unsworth & Baker, 2016Unsworth, C., & Baker, A. (2016). A systematic review of professional reasoning literature in occupational therapy. British Journal of Occupational Therapy, 79(1), 5-16. http://dx.doi.org/10.1177/0308022615599994.
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). Nessa direção, alguns estudos recentes (Schaaf, 2015Schaaf, R. C. (2015). Creating evidence for practice using Data-Driven Decision Making. The American Journal of Occupational Therapy, 69(2), 1-6. http://dx.doi.org/10.5014/ajot.2015.010561.
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; Stark et al., 2015Stark, S. L., Somerville, E., Keglovits, M., Smason, A., & Bigham, K. (2015). Clinical reasoning guideline for home modification interventions. The American Journal of Occupational Therapy, 69(2), 1-8. http://dx.doi.org/10.5014/ajot.2015.014266.
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) propõem métodos para sistematizar informações baseadas em evidências e na experiência profissional, para assim facilitar processos de raciocínio e de tomada de decisões. A estrutura Data Driven Decision Making, por exemplo, permite tanto organizar informações de forma sistemática para a tomada orientada de decisões, a partir de etapas para organizar o raciocínio clínico, como identificar fatores que interferem na participação do sujeito, gerar hipóteses e realizar a intervenção (Schaaf, 2015Schaaf, R. C. (2015). Creating evidence for practice using Data-Driven Decision Making. The American Journal of Occupational Therapy, 69(2), 1-6. http://dx.doi.org/10.5014/ajot.2015.010561.
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). O guia desenvolvido por Stark et al. (2015)Stark, S. L., Somerville, E., Keglovits, M., Smason, A., & Bigham, K. (2015). Clinical reasoning guideline for home modification interventions. The American Journal of Occupational Therapy, 69(2), 1-8. http://dx.doi.org/10.5014/ajot.2015.014266.
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descreve 16 fatores do processo de construção do raciocínio, com foco específico nos atendimentos relativos a modificações/adaptações domiciliares. A escala para fomentar o pensamento profissional informado por evidência, proposta por Benfield & Johnston (2020)Benfield, A. M., & Johnston, M. V. (2020). Initial development of a measure of evidence-informed professional thinking. Australian Occupational Therapy Journal, 67(4), 309-319. http://dx.doi.org/10.1111/1440-1630.12655.
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, foi desenvolvida por meio de uma revisão sistemática e consulta a especialistas e consiste em explicar as decisões clínicas feitas pelos profissionais, enfatizando duas dimensões: o raciocínio clínico crítico e a prática baseada em evidências.

A ferramenta apresentada neste artigo foi construída em uma pesquisa colaborativa entre pesquisadores e terapeutas ocupacionais (Marcolino et al., 2021Marcolino, T. Q., Kinsella, E. A., Araujo, A. S., Fantinatti, E. N., Takayama, G. M., Vieira, N. M. U., Pereira, A. J. A. T., Gomes, L. D., Galheigo, S. M., & Ferigato, S. H. (2021). A Community of practice of primary health care occupational therapists: advancing practice‐based knowledge. Australian Occupational Therapy Journal, 68(1), 3-11. PMid:32798251. http://dx.doi.org/10.1111/1440-1630.12692.
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), buscando construir conhecimentos relevantes para práticas situadas por meio de processos críticos e reflexivos, sob a perspectiva da Scholarship of Practice (Hammel et al., 2015Hammel, J., Magasi, S., Mirza, M. P., Fischer, H., Preissner, K., Peterson, E., & Suarez-Balcazar, Y. (2015). A scholarship of practice revisited: creating community-engaged occupational therapy practitioners, educators, and scholars. Occupational Therapy in Health Care, 29(4), 352-369. http://dx.doi.org/10.3109/07380577.2015.1051690.
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). Como discutido em Marcolino et al. (2021)Marcolino, T. Q., Kinsella, E. A., Araujo, A. S., Fantinatti, E. N., Takayama, G. M., Vieira, N. M. U., Pereira, A. J. A. T., Gomes, L. D., Galheigo, S. M., & Ferigato, S. H. (2021). A Community of practice of primary health care occupational therapists: advancing practice‐based knowledge. Australian Occupational Therapy Journal, 68(1), 3-11. PMid:32798251. http://dx.doi.org/10.1111/1440-1630.12692.
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, pesquisas fundamentadas na Scholarship of Practice favorecem a troca de conhecimentos entre pesquisadores e profissionais por meio da análise crítica da prática (Hammel et al., 2015Hammel, J., Magasi, S., Mirza, M. P., Fischer, H., Preissner, K., Peterson, E., & Suarez-Balcazar, Y. (2015). A scholarship of practice revisited: creating community-engaged occupational therapy practitioners, educators, and scholars. Occupational Therapy in Health Care, 29(4), 352-369. http://dx.doi.org/10.3109/07380577.2015.1051690.
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). Esse tipo de pesquisa abre espaço para a construção de conhecimento situado que responda às necessidades da prática – como a ferramenta analisada nesta pesquisa – oferecendo um tipo de evidência baseada na prática (Gélinas, 2016Gélinas, I. (2016). Partnership in research: a vehicle for reaching higher summits. Canadian Journal of Occupational Therapy, 83(4), 204-215. http://dx.doi.org/10.1177/0008417416668859.
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).

Entre 2013 e 2017, foi desenvolvida uma comunidade de prática formada por pesquisadoras e sete terapeutas ocupacionais que atuavam na ABS de um município do interior do estado de São Paulo/Brasil. Neste processo, a principal dificuldade identificada pelas profissionais em relação à sua prática foi a falta de uma linguagem específica do núcleo profissional, principalmente por adotarem, majoritariamente, o uso de terminologias provenientes de outras profissões ou de um campo2 2 Adotamos aqui os termos campo e núcleo conforme propostos por Campos (2005). São conceitos críticos da tendência pós-moderna de total diluição das identidades profissionais. O conceito de núcleo demarca as singularidades de cada profissão, que a diferencia de outras. Já o conceito de campo seria o espaço de interseção e confluências profissionais, em que os saberes e práticas se fundem e se confundem interdisciplinarmente. interprofissional. Para enfrentar tal dificuldade, as profissionais lançaram-se à investigação de sua prática, em especial do processo de identificação de necessidades das pessoas sob seus cuidados, pautando-se no estudo do raciocínio narrativo em terapia ocupacional (Mattingly & Fleming, 1994Mattingly, C., & Fleming, M. H. (1994). Clinical Reasoning: forms of inquiry in a therapeutic process. Philadelphia: F. A. Davis Books.) e do cotidiano, como um termo comum que agregou as diferentes perspectivas teóricas das profissionais (Galheigo, 2003Galheigo, S. M. (2003). O cotidiano na terapia ocupacional: cultura, subjetividade e contexto histórico-social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 14(3), 104-109. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v14i3p104-109.
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). Nesse processo, foi possível compreender aspectos inerentes ao raciocínio voltado para a identificação de necessidades e construir duas ferramentas, uma para a coleta de informações e outra para ajudá-las a refletir sobre a prática.

O desenvolvimento da ferramenta reflexiva se deu no contexto da ABS, campo que vem demandando pesquisas sobre a prática de terapeutas ocupacionais (Cabral & Bregalda, 2017Cabral, L. R. R., & Bregalda, M. M. (2017). A atuação da terapia ocupacional na atenção básica à saúde: uma revisão de literatura. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 25(1), 179-189. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAR0763.
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; Silva & Oliver, 2020Silva, R. A. S., & Oliver, F. C. (2020). A interface das práticas de terapeutas ocupacionais com os atributos da atenção primária à saúde. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(3), 784-808. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2029.
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). Embora terapeutas ocupacionais já desenvolvam ações locais na atenção primária desde a década de 1990, foi em 2008, com a criação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), que a inserção da profissão na ABS foi institucionalizada pelo Ministério da Saúde, principalmente para apoiar as equipes de profissionais generalistas com saberes especializados, ampliando o escopo de ações e a resolutividade da ABS em todo Brasil (Cabral & Bregalda, 2017Cabral, L. R. R., & Bregalda, M. M. (2017). A atuação da terapia ocupacional na atenção básica à saúde: uma revisão de literatura. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 25(1), 179-189. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAR0763.
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).

Silva & Oliver (2020)Silva, R. A. S., & Oliver, F. C. (2020). A interface das práticas de terapeutas ocupacionais com os atributos da atenção primária à saúde. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(3), 784-808. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2029.
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indicam que a terapia ocupacional na ABS possui desafios ligados à ausência de sistematização teórico-prática e falta conhecimento das equipes, dos gestores e da população sobre as potencialidades da terapia ocupacional, gerando falta de compreensão e segurança nas(nos) profissionais. Os mesmos autores reforçam que as(os) terapeutas ocupacionais que atuam na ABS ainda se encontram instrumentalizadas de saberes advindos de diferentes campos de conhecimento, assimilados na formação inicial ou em experiências prévias em serviços de outros níveis de atenção. Tais achados ressaltam que esse campo de atuação possui questões que demandam investigações. A pesquisa sobre a aplicabilidade da ferramenta reflexiva pode contribuir para avanços na construção de conhecimento, principalmente para melhor compreensão do desenvolvimento da área e do núcleo profissional (Silva & Oliver, 2020Silva, R. A. S., & Oliver, F. C. (2020). A interface das práticas de terapeutas ocupacionais com os atributos da atenção primária à saúde. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(3), 784-808. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2029.
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), do processo de raciocínio profissional nesse contexto de prática e do trabalho em equipe na ABS, visando ampliar a resolutividade dos casos acompanhados (Egry et al., 2009Egry, E. Y., Oliveira, M. A. C., Ciosak, S. I., Maeda, S. T., Barrrientos, D. M. S., Fonseca, R. M. G. S., Chaves, M. M. N., & Hino, P. (2009). Instrumentos de avaliação de necessidades em saúde aplicáveis na Estratégia de Saúde da Família. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 43(esp. 2), 1181-1186. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342009000600006.
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), bem como fortalecer os argumentos tecno-políticos que sustentem a necessidade de permanência e amplificação desses profissionais na ABS.

Embora a ferramenta tenha sido bem avaliada pelas terapeutas ocupacionais que participaram de sua construção, compreender sua aplicabilidade e validá-la para o uso amplo da comunidade profissional demanda sua análise por um número maior de profissionais. Assim, este artigo apresenta a versão final da ferramenta reflexiva, decorrente do processo de análise de validação de seu conteúdo, e explora sua aplicabilidade pela experiência concreta de uso de terapeutas ocupacionais que atuam no contexto da ABS.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo pesquisa-ação, que intenciona aprimorar a prática por meio de um ciclo sistemático de “agir no campo da prática e investigar a respeito dela” (Tripp, 2005Tripp, D. (2005). Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, 31(3), 443-466. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022005000300009.
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, p. 446). Embora a pesquisa abarque a validação de conteúdo da ferramenta – uma das etapas que compõe o processo de validação de instrumentos da área da saúde (Coluci et al., 2015Coluci, M. Z. O., Alexandre, N. M. C., & Milani, D. (2015). Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 20(3), 925-936. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.04332013.
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) – sua análise é dependente do engajamento de profissionais para refletir sobre sua prática. Assim, o objeto da pesquisa é a prática profissional e sua melhoria, e não a construção de conhecimento, positivo ou crítico, sobre a prática – o que a coloca sob amplo arcabouço teórico-metodológico da pesquisa-ação (Tripp, 2005Tripp, D. (2005). Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, 31(3), 443-466. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022005000300009.
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). Toledo et al. (2014)Toledo, R. F., Giatti, L. L., & Jacobi, P. R. (2014). A pesquisa-ação em estudos interdisciplinares: análise de critérios que só a prática pode revelar. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 18(51), 633-646. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.0026.
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ressaltam que, para que os objetivos propostos por uma pesquisa-ação sejam alcançados, há necessidade de se utilizar uma diversidade de instrumentos e técnicas de pesquisa, imprimindo flexibilidade e dinamismo necessários para garantir tal engajamento. Assim, os procedimentos metodológicos adotados buscaram oferecer meios para compreender a análise de profissionais sobre o uso da ferramenta reflexiva, visando a sua melhoria e a melhor adequação à realidade da prática, de modo a obter subsídios para elaborar uma nova versão da ferramenta reflexiva que possa ser utilizada pela comunidade profissional.

A ferramenta reflexiva

A ferramenta para refletir sobre a prática foi construída em formato de matriz e estruturada em 12 domínios: 1. As percepções sobre o sujeito, 2. Relações interpessoais, 3. Como o problema é percebido e narrado; 4. Impactos do problema no cotidiano; 5. Território e Cidade; 6. Atividades que se considera que o sujeito faz bem e as que se considera que o sujeito não faz bem; 7. Atividades que fazem bem ao sujeito e as que não lhe fazem bem; 8. Atividades que não realiza mais; 9. Visão prospectiva e projetos para o futuro; 10. Como melhorar, o que resolver; 11. Como a terapia ocupacional pode ajudar; 12. Integração do Raciocínio Profissional.

Inspirada na proposta do diagnóstico situacional de Benetton et al. (2021)Benetton, J., Ferrari, S. M. L., Mastropietro, A. P., Bertolozzi, R. C., & Marcolino, T. Q. (2021). Diagnóstico situacional: conhecendo o sujeito alvo no método terapia ocupacional dinâmica. In A. Martini, A. Vizzotto, P. Cotting & P. Buchain (Eds.), Terapia ocupacional em neuropsiquiatria e saúde mental (pp. 331-338). São Paulo: Manole., a ferramenta visa apoiar a análise situada das necessidades da pessoa em terapia ocupacional, com informações provenientes da pessoa e também de outras pessoas relevantes em sua vida cotidiana, desde familiares à equipe de saúde ou de outros serviços (sempre obtido com o consentimento do usuário/sujeito alvo do processo em terapia ocupacional), além da informações e observações da(o) própria(o) terapeuta ocupacional. Assim, cada domínio possui três questões disparadoras para auxiliar o processo de reflexão sobre aspectos que favorecem ou impedem a realização de atividades e a participação social das pessoas acompanhadas em terapia ocupacional sobre a perspectiva: (1) do sujeito alvo da intervenção, (2) das demais pessoas que convivem com ele, e (3) da(o) terapeuta ocupacional. Como exemplo, o domínio 1, que busca favorecer a reflexão sobre as percepções sobre o sujeito, possuía as seguintes questões: (1) Como ele(a) se vê? (2) Como ele(a) é visto/a pelas pessoas que convivem com ele(a)?; e (3) Como você o/a vê?

Participantes

Como esta pesquisa focalizou a análise do conteúdo e da aplicabilidade de uma ferramenta reflexiva, desenvolvida anteriormente em um processo colaborativo centrado na reflexão sobre a prática de terapeutas ocupacionais no contexto da ABS (Marcolino et al., 2021Marcolino, T. Q., Kinsella, E. A., Araujo, A. S., Fantinatti, E. N., Takayama, G. M., Vieira, N. M. U., Pereira, A. J. A. T., Gomes, L. D., Galheigo, S. M., & Ferigato, S. H. (2021). A Community of practice of primary health care occupational therapists: advancing practice‐based knowledge. Australian Occupational Therapy Journal, 68(1), 3-11. PMid:32798251. http://dx.doi.org/10.1111/1440-1630.12692.
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), optou-se por convidar terapeutas ocupacionais que atuassem neste mesmo contexto de prática com os seguintes critérios de inclusão: serem terapeutas ocupacionais que atuam na ABS no Estado de São Paulo, em quaisquer serviços formalmente vinculados à Política Nacional de Atenção Básica ou referenciados por ela – e que aceitassem participar voluntariamente. Foi utilizada a amostragem por “Bola de Neve” para a identificação das participantes, por ser uma amostragem não probabilística que utiliza informantes-chaves, localizando pessoas com perfis necessários para a realização da pesquisa formando cadeias de referência (Vinuto, 2014Vinuto, J. (2014). A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Temáticas, 22(44), 203-220. http://dx.doi.org/10.20396/tematicas.v22i44.10977.
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).

As informantes-chave foram as pesquisadoras (docentes e estudantes de pós-graduação) do Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde Mental da UFSCar, LaFollia. Um total de 36 terapeutas ocupacionais foram indicadas e convidadas para participar. Destas, duas recusaram o convite, 17 não responderam e 15 aceitaram, mas apenas 11 profissionais efetivaram a participação na pesquisa. Todas as participantes são do gênero feminino, três delas possuem até 29 anos de idade, seis possuem entre 30 e 40 anos e duas participantes possuem mais de 40 anos. Todas possuem formação pós-graduada, sendo que sete delas possuem especialização concluída e duas ainda estão realizando residência multiprofissional. Três possuem mestrado e uma participante possui doutorado finalizado. Quatro participantes trabalham no município de São Paulo, duas atuam em Campinas e cada uma das demais pertencem a um município do interior do estado. Cinco participantes trabalham na ABS entre 5 e 10 anos, quatro atuam há menos de 5 anos, uma atua entre 11 a 20 anos e uma participante atua há mais de 20 anos. Oito delas atuam em NASF, duas em Unidades de Saúde da Família e uma participante em Unidade Básica de Saúde.

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de São Carlos, sob parecer número 3.658.067 em 23/10/2019. As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), enviado em formato digital, e são identificadas pela abreviação TO seguida por um código numérico para preservação de suas identidades.

Produção dos dados

A produção dos dados ocorreu entre junho e agosto de 2020. Após o aceite, cada participante recebeu em seu endereço eletrônico: o TCLE; um formulário de caracterização para informações pessoais, profissionais e de formação; o manual da ferramenta reflexiva; um vídeo explicativo sobre sua utilização; e a ferramenta reflexiva em formato de texto editável, para ser utilizada por um período de um mês. Devido às alterações no cuidado em saúde em virtude da pandemia de Covid-19, as profissionais puderam utilizar a ferramenta reflexiva para pensarem sobre casos que tivessem acompanhado anteriormente, sem a necessidade de ser um caso atual. Duas participantes relataram ter utilizado a ferramenta com casos em acompanhamento recente, e as demais utilizaram a ferramenta refletindo sobre casos que acompanhavam há algum tempo e/ou bastante tempo. Criou-se um grupo em aplicativo virtual de mensagens para discussão, esclarecimento de dúvidas e facilitação da comunicação.

Embora a ferramenta reflexiva não se caracterize como um instrumento de medida, foram implementados os procedimentos para a validação de conteúdo (Coluci et al., 2015Coluci, M. Z. O., Alexandre, N. M. C., & Milani, D. (2015). Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 20(3), 925-936. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.04332013.
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). Desse modo, após a utilização da ferramenta reflexiva, as participantes receberam um questionário online em formato Likert, com questões de nível de concordância para analisar domínios e suas questões. Visando apreender se o conteúdo presente nos domínios se mostrava apropriado e representativo do que se pretende identificar, havia indicação de concordância em relação à sua importância. Se as questões dos domínios se apresentavam redigidas de forma compreensível, se expressavam o que se espera analisar e se refletiam os conceitos envolvidos, havia indicação de concordância plena, discordância ou se a questão demandava grandes ou pequenas revisões (Coluci et al., 2015Coluci, M. Z. O., Alexandre, N. M. C., & Milani, D. (2015). Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 20(3), 925-936. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.04332013.
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). Além disso, havia uma pergunta aberta para que as participantes pudessem escrever comentários relativos a cada domínio e suas questões.

Após responderem ao questionário, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com nove participantes, gravadas e posteriormente transcritas, por meio de aplicativo de reuniões virtuais, com duração de 15 minutos (a entrevista mais curta) a 38 minutos (a mais longa). Quatro participantes enviaram áudios gravados para a pesquisadora, contando brevemente da experiência em utilizar a ferramenta, sendo que duas delas não conseguiram participar da entrevista, mas participaram das demais etapas.

Análise dos dados

Os dados do questionário de concordância foram organizados e analisados de forma descritiva, utilizando-se análise estatística simples para a identificação da concordância para cada domínio e questão. Os dados qualitativos do questionário foram organizados buscando-se identificar reflexões consonantes com o domínio/questão, reflexões dissonantes com o domínio/questão e sugestões para alteração da ferramenta.

As transcrições das entrevistas individuais e dos áudios foram organizadas e analisadas por meio da análise temática, uma das etapas da análise de conteúdo, que abarca pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados, inferência e interpretação, visando identificar núcleos de sentidos temáticos no material textual (Minayo, 2014Minayo, M. C. S. (2014). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec.). Os conteúdos referentes a sugestões para melhoria da ferramenta reflexiva foram organizados em uma planilha e acrescidos aos dados provenientes do questionário. Após esta etapa, decorreu a análise e alteração do instrumento de acordo com as sugestões recebidas.

Pesquisas que envolvem a participação colaborativa demandam momentos de retorno para os participantes da análise realizada pela equipe de pesquisa, de modo a possibilitar uma nova camada de análise (Toledo et al., 2014Toledo, R. F., Giatti, L. L., & Jacobi, P. R. (2014). A pesquisa-ação em estudos interdisciplinares: análise de critérios que só a prática pode revelar. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 18(51), 633-646. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.0026.
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). Dessa forma, foram realizadas duas oficinas de validação – uma com três participantes e outra com duas participantes, gravadas em vídeo e áudio e posteriormente transcritas, realizadas entre novembro e dezembro de 2020, nas quais foi apresentado o novo formato da ferramenta reflexiva. Com os dados das oficinas de validação, realizou-se uma nova adequação na ferramenta reflexiva, especificamente no uso de alguns termos.

Resultados

Sugestões para melhoria da ferramenta reflexiva

A análise do questionário mostrou que os domínios foram considerados apropriados e representativos para se pensar sobre a prática em terapia ocupacional, pois todas as participantes indicaram concordância em relação às suas importâncias. Como sugestões de melhoria, provenientes tanto dos comentários do questionário como das entrevistas individuais, dos áudios e das oficinas de validação, as participantes indicaram a necessidade de melhor integração entre alguns domínios. Por exemplo, a TO7, ao refletir sobre o domínio como o problema é percebido e narrado, referiu que sua atenção também se volta para o domínio sobre o impacto do problema no cotidiano, questão que foi complementada pela TO11, ao mencionar que o foco do raciocínio deve estar primeiro no impacto do problema, para depois compreender qual é o problema.

Em relação às 35 questões, todas obtiveram concordância da maioria das participantes: uma concordância total, 13 questões com 10 concordâncias, 13 com nove concordâncias, seis com oito concordâncias e duas questões com sete concordâncias. Pequena revisão foi indicada para 32 questões, sendo 17 delas por apenas uma participante, nove questões por duas participantes, e sete questões por três participantes. Uma grande revisão foi indicada por apenas uma participante em sete questões. Uma das participantes discordou de duas questões sobre a percepção das pessoas que convivem com a pessoa em acompanhamento, questões com indicações de necessidade de melhoria por outras participantes. As participantes compreenderam que, da forma como estava descrita, tal questão parecia se referir exclusivamente a familiares e amigos, e indicaram a necessidade de ampliar a questão para as percepções da equipe e de profissionais de outros serviços que acompanham o sujeito, ressaltando a importância de considerar toda a rede de suporte social. Elas ainda enfatizaram que nem sempre é possível acessar essas pessoas, e que isso poderia ir de encontro aos propósitos de uma prática centrada na pessoa. Assim, foi acrescentada a oração quando houver essa informação, no início das questões, e pessoas relevantes em sua vida (família, amigos, equipe), para explicitar a abrangência da questão.

Houve sugestões: sobre como abordar o desejo do sujeito em realizar atividades, não somente como uma questão relativa a projetos para o futuro; e sobre a substituição da expressão “agir no mundo”, que, embora ampla, não foi reconhecida como uma expressão comum à prática, sendo preferida “realizar atividades significativas” como expressão de finalidade para a atuação profissional. Assim, todas as questões referentes às atividades foram organizadas em um mesmo domínio, integrando informações e reflexões sobre a relação da pessoa com as suas atividades cotidianas, podendo tais atividades serem atividades desenvolvidas em atendimentos ou no dia a dia, incluindo de forma mais explícita o desejo de retomar ou iniciar novas atividades.

O termo sujeito alvo não foi bem aceito pelas participantes, as quais também não conseguiram indicar termos que as satisfizessem, como pode ser visto no excerto da TO7 ao refletir sobre os termos paciente e usuário: “[...] a gente usa paciente infelizmente, [...] a gente usa muito esses termos que são termos herdados da prática médica [...] então nem acho legal replicar, mas “usuário” [...] [algumas pessoas] acham que é usuário de drogas [...].” Da posse desses resultados, a equipe de pesquisa sugeriu o termo pessoa alvo. O termo alvo também não foi aceito pelas profissionais, com a justificativa de que o termo parece especificar que o cuidado se volta somente para uma pessoa, o que vai de encontro às propostas do cuidado familiar e comunitário da ABS. Desse modo, o termo pessoa em acompanhamento acabou sendo escolhido, o qual pareceu indicar maior generalidade, além de, como é um substantivo feminino, facilita uma escrita mais concisa e inclusiva.

Além disso, em vários momentos, as participantes solicitaram indicações mais claras sobre todos os aspectos que poderiam estar englobados em determinadas questões, como no domínio sobre as percepções sobre o sujeito, com solicitações para especificar quais características deveriam ser analisadas, ou sobre os domínios que abordavam as atividades, com sugestões para se especificar tipos de atividades (realizadas no setting, do cotidiano). Como a ferramenta reflexiva se caracteriza pelo esforço em se pautar pelo que pode ser considerado comum à prática profissional, buscando por questões amplas para profissionais com diferentes referenciais teórico-metodológicos, incluiu-se a expressão nos diversos aspectos que se fizerem relevantes, sem maiores detalhamentos. Apenas uma das sugestões dessa natureza, realizada pela TO9, foi incorporada à ferramenta como uma nota de rodapé, incentivando que a reflexão possa incorporar marcadores sociais da diferença – questão cada vez mais relevante, em especial em países com grande desigualdade social, em termos de classe, raça e gênero (Biroli & Miguel, 2015Biroli, F., & Miguel, L. F. (2015). Gênero, raça e classe: opressões cruzadas e convergência na reprodução das desigualdades. Mediações, 20(2), 27-55. http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.2015v20n2p27.
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), e também região e nação.

A versão final da ferramenta reflexiva pode ser vista na Figura 1.

Figura 1
Ferramenta reflexiva para sustentar o raciocínio profissional em terapia ocupacional.

O código QR presente na figura dá acesso ao manual, com orientações para sua utilização na prática. Ressalta-se que a ferramenta reflexiva possui indicação de ser utilizada somente por terapeutas ocupacionais e que ela não foi desenvolvida para ser anexada a prontuários ou documentos públicos, sendo apenas uma ferramenta para a reflexão sobre a prática. Sua construção não objetiva sua aplicabilidade como um instrumento de coleta de dados, como uma anamnese, por exemplo. Esse foi o principal motivo de alteração do termo instrumento para ferramenta reflexiva, para que seu propósito fique mais claro.

Aplicabilidade da ferramenta reflexiva

A análise temática dos dados qualitativos identificou três grandes frentes de ação que indicam possibilidades de aplicabilidade da ferramenta na prática em terapia ocupacional: (1) Dar visibilidade para as especificidades da terapia ocupacional no trabalho em equipe; (2) Possibilitar a reflexão sobre a prática e melhorar o raciocínio profissional; e (3) Utilizar a ferramenta em outros contextos de prática e no ensino da prática profissional.

Dar visibilidade para a especificidade da terapia ocupacional no trabalho em equipe

As participantes destacaram que o uso da ferramenta possibilitou resgatar uma terminologia própria da terapia ocupacional – como realização de atividades e cotidiano. Ressalta-se, assim, a importância da valorização do núcleo profissional no contexto da ABS, o qual prima pelo trabalho interdisciplinar, no qual muitas vezes aspectos específicos do núcleo profissional acabam sendo diluídos. Além disso, a ferramenta reflexiva foi analisada em seu potencial para comunicar o que faz a terapia ocupacional tanto para outros profissionais como para usuários e gestores.

[...] porque essa proposta [...] resgata muito do que é terapia ocupacional e [...] acaba ajudando [...] a [...] mostrar [...] para os outros profissionais de fato o que é terapia ocupacional (TO1).

[...] na questão do impacto do problema do cotidiano, na questão das atividades, eu acho que isso traz muita a [...] nossa especificidade, que muitas vezes na atenção básica algumas coisas acabam diluídas, a gente vai olhar para as necessidades do campo, necessidades de saúde mais gerais, então [...] ele traz alguns pontos mais específicos, acho que isso é bacana (TO4).

[...] acho que [...] ajuda [...] a gente conversar com as equipes, [...] com os usuários, uma reunião de conselho local de saúde... Eu acho que [...] dessa forma, com os domínios... eu acho que é uma estratégia para a gente fazer essa interlocução (TO2).

Algumas participantes valorizaram a utilização da ferramenta reflexiva para ter mais segurança, organizar as informações sobre sua prática e poder apresentá-la à equipe. Novamente, as participantes destacam a generalidade da ABS e a dificuldade de perceber e afirmar as especificidades da terapia ocupacional – o que, muitas vezes, leva-as a questionar se o que fazem pode ser nomeado de terapia ocupacional.

[...] consegui afirmar as minhas competências dentro do caso, mas também de organizar essa informação para poder passar para equipe [...] foi um ponto bem positivo [...] até para me sentir um pouco melhor, porque às vezes eu olhava para o caso, eu ficava '[...] não consigo avançar, [...] o que eu estou fazendo não é terapia ocupacional, [...] então o que é?' (TO8).

[...] nos ajuda a trazer para perto essas especificidades, porque [...] compondo um NASF, a gente vai se misturando [...] eu até me pergunto será que estou fazendo terapia ocupacional? [...] (TO9).

A melhoria na comunicação com a equipe multiprofissional também foi uma indicação da aplicabilidade da ferramenta reflexiva, não somente para mostrar o que é terapia ocupacional, mas para facilitar a compreensão de porquê os terapeutas ocupacionais precisam de múltiplas informações para realizarem seu trabalho.

[...] foi bem interessante, porque a gente começa a questionar um pouco mais as equipes, as enfermeiras, agentes comunitárias, e às vezes [...] têm alguns que se incomodam muito quando a gente começa a perguntar [...] de uma forma técnica, [...] parece uma cobrança! E [...] o instrumento está de uma forma mais simples [...] foi de uma recepção diferente (TO1).

[...] algumas dessas perguntas têm ajudado inclusive a equipe a pensar, sabe? Esse caso é para terapia ocupacional? Se sim, quais são as demandas ou se não quais são as demandas que eu devo observar para encaminhar para discutir com a terapeuta ocupacional? [...] (TO8).

Possibilitar a reflexão sobre a prática e melhorar o raciocínio profissional

O segundo tema abordou a aplicabilidade da ferramenta reflexiva para sustentar processos de raciocínio profissional. Duas profissionais deram destaque para o potencial da ferramenta em favorecer ao profissional ganhar consciência de seus pensamentos, pois como a prática acontece de maneira dinâmica, fica tudo “na cabeça” (TO2), de modo implícito, e nem sempre há clareza sobre todos os aspectos presentes na prática. A ferramenta reflexiva, ao apresentar os diversos aspectos da prática de modo organizado e didático, possibilita maior consciência sobre seu raciocínio.

[...] quando você veio com aquilo tudo estruturado, [...] a gente usa muito na prática, mas [...] tinha umas minuciosidades [...] que às vezes escapa da gente mesmo (TO1).

[...] a gente faz alguns agrupamentos na cabeça [...] para pensar, [...] de onde você parte, para onde você vai, [...] e o instrumento [...] vai desmembrando de uma forma didática, mas ele passa por tudo [...] um instrumento para o suporte do raciocínio do profissional, acho que é para dar suporte, não é um guia, não é para você seguir [...] você tem que passar por essas coisas, e elas vão ajudar você a construir seu raciocínio [...] (TO2).

As participantes também destacaram o quanto a ferramenta reflexiva foi útil para refletir sobre os casos que estavam acompanhando, possibilitando ampliar a compreensão de casos difíceis, e organizar informações que antes estavam confusas, oferecendo-lhes maior segurança para tomar decisões na prática.

[...] acho que ajuda a pensar em [...] casos mais complexos, eu tentei [...] com um caso que eu estava com dificuldade de pensar [...] em propostas de intervenção, então [...] me ajudou a ampliar um pouco esse olhar para o caso (TO4).

[...] muitas vezes eu me perdia [...], não tinha mais o foco, [...] eu [...] ficava meio confusa, então achei que colocar no papel e ir pensando no instrumento, por mais que pareça difícil [...] às vezes as coisas a gente não consegue encaixar, demanda um pouco mais de tempo... Mas eu achei muito válido, [...] ajudou a clarear o pensamento e [...] a ter mais certeza [...] do que eu observava como necessidade e até de onde é que dá para ir [...] (TO5).

Além disso, as participantes trouxeram o quanto a ferramenta reflexiva facilita identificar as diferentes informações e percepções, seja da pessoa em acompanhamento, de todos os que estão envolvidos e são importantes no caso, e da própria terapeuta ocupacional. A ferramenta ainda permite dialogar sobre os casos com a equipe e pensar amplamente na intervenção.

[...] facilita muito nosso raciocínio [...] do que é meu enquanto terapeuta, do que eu avalio, mas do que o próprio paciente avalia da sua própria condição, o que é importante para ele, mas o que eu acho que é importante para ele (TO6).

[...] como que a equipe se sente com aquela pessoa, o que sente dela, porque muito do que a equipe sente é o que aquela pessoa causa, não só na equipe, mas na gente, [...] talvez isso ajude a direcionar a condução também com a equipe (TO8).

[...] quando eu penso especificamente na atenção básica vou pensar de uma forma mais ampla e [...] o instrumento me permite [...] olhar para situações, não [...] somente para a família, [...] nos domínios [...] deu [...] essa ideia mais estendida, [...] faz mais sentido para atenção básica, tanto a articulação de rede [...] (TO4).

Utilizar a ferramenta em outros contextos de prática e no ensino da prática profissional

O terceiro tema abordou a aplicabilidade da ferramenta para outros contextos de prática, mas valorizando o cenário de construção da ferramenta: a ABS. A TO7 dá destaque tanto para a contribuição da prática integral desenvolvida na ABS para o campo da terapia ocupacional, como para fazer frente à realidade de desmontes e da perda de posições de trabalho, dificuldades vivenciadas no contexto brasileiro atual.

[...] para mim, de novo, não é focado na ABS [...] Mas acho importante marcar que foi um instrumento produzido com a participação de profissionais na ABS porque eu acho que a gente está nesse momento... [...] com a extinção do NASF, precisando discutir as especificidades da terapia ocupacional na ABS, [...] tem a ver com a clínica ampliada que esse instrumento traz, tem a ver com a integralidade do cuidado que o instrumento traz também [...] deixar claro que esses valores de terapia ocupacional na ABS podem ser levados para práticas [...] da terapia ocupacional [...] ele contempla aspectos muito importantes da prática generalista da terapia ocupacional na ABS [...] porque normalmente é ao contrário, a ABS vai se apropriando de instrumentos mais específicos e dos nichos mais especialistas, não é? [...] então que é legal fazer o caminho inverso também e valorizar essa prática que a gente está precisando nomear! (TO7).

Outra aplicabilidade foi sugerida pela TO4 ao refletir sobre seu uso em processos de ensino-aprendizagem da prática profissional, pois a ferramenta reflexiva pode ter potencial para auxiliar estudantes a compreenderem as diversas dimensões da prática para pensarem na elaboração das propostas de intervenção.

Enquanto utilizava esse instrumento para o raciocínio clínico de um caso, pensei que ele pode ser bem interessante [...] para o processo de ensino aprendizagem (por exemplo, em estágios profissionais nos quais atuo como preceptora - pode ser muito útil para auxiliar o estudante a ter uma dimensão maior do que é importante [...] traz uma segurança sobre o que olhar - não enquanto um guia de entrevista, e sim no momento de pensar no caso e nas propostas de intervenção; traz termos caros para a terapia ocupacional, e da atuação mais nuclear da profissão (chamando a atenção para o cotidiano e atividade - tendo em vista que muitas vezes na atenção básica fazemos ações do campo da saúde da família por exemplo) (TO4).

Discussão

Em pesquisas sob a perspectiva da Scholarship of Practice (Hammel et al., 2015Hammel, J., Magasi, S., Mirza, M. P., Fischer, H., Preissner, K., Peterson, E., & Suarez-Balcazar, Y. (2015). A scholarship of practice revisited: creating community-engaged occupational therapy practitioners, educators, and scholars. Occupational Therapy in Health Care, 29(4), 352-369. http://dx.doi.org/10.3109/07380577.2015.1051690.
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; Marcolino et al., 2021Marcolino, T. Q., Kinsella, E. A., Araujo, A. S., Fantinatti, E. N., Takayama, G. M., Vieira, N. M. U., Pereira, A. J. A. T., Gomes, L. D., Galheigo, S. M., & Ferigato, S. H. (2021). A Community of practice of primary health care occupational therapists: advancing practice‐based knowledge. Australian Occupational Therapy Journal, 68(1), 3-11. PMid:32798251. http://dx.doi.org/10.1111/1440-1630.12692.
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), o conhecimento situado não pode ser compreendido somente por seus aspectos locais, dado que a prática está em constante diálogo com o que é global. Esse tipo de evidência demanda o diálogo internacional, à medida que vier a ressoar em outros contextos. Desse modo, não há intenção de que esta ferramenta reflexiva possua domínios universais, mas que sua estrutura possa, em primeiro lugar, levar à reflexão e possivelmente tensionar novos contextos a encontrar domínios, terminologias e arranjos que melhor respondam ao novo contexto situado. Em segundo lugar, esta ferramenta pode valorizar o processo de construção da intervenção, que ocorre sob as contingências estabelecidas por necessidades, limitações e possibilidades no encontro terapêutico (Ferigato & Ballarin, 2011Ferigato, S. B., & Ballarin, M. L. G. S. (2011). A alta em terapia ocupacional: reflexões sobre o fim do processo terapêutico e o salto para a vida. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 19(3), 361-368. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2011.009.
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), e cujo processo de reflexão sobre a prática pode ampliar possibilidades de transformações.

Nesta pesquisa realizada no Brasil, a análise da ferramenta indicou ampla concordância com os domínios construídos na pesquisa anterior (Marcolino et al., 2021Marcolino, T. Q., Kinsella, E. A., Araujo, A. S., Fantinatti, E. N., Takayama, G. M., Vieira, N. M. U., Pereira, A. J. A. T., Gomes, L. D., Galheigo, S. M., & Ferigato, S. H. (2021). A Community of practice of primary health care occupational therapists: advancing practice‐based knowledge. Australian Occupational Therapy Journal, 68(1), 3-11. PMid:32798251. http://dx.doi.org/10.1111/1440-1630.12692.
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). As participantes indicaram apenas apontamentos para revisões que, em sua maioria, referiram-se a uma melhor apresentação e integração dos domínios e melhor detalhamento das questões. É interessante dar destaque ao processo de construção terminológica, pois, mesmo todas as participantes atuando na ABS, cada uma delas possuía diferentes referenciais teóricos e perspectivas sobre a prática. Um dos termos que mobilizou maiores discussões foi o termo sujeito alvo. Proveniente das produções sobre o diagnóstico situacional (Benetton et al., 2021Benetton, J., Ferrari, S. M. L., Mastropietro, A. P., Bertolozzi, R. C., & Marcolino, T. Q. (2021). Diagnóstico situacional: conhecendo o sujeito alvo no método terapia ocupacional dinâmica. In A. Martini, A. Vizzotto, P. Cotting & P. Buchain (Eds.), Terapia ocupacional em neuropsiquiatria e saúde mental (pp. 331-338). São Paulo: Manole.), que serviu de inspiração para a construção da ferramenta e estava presente na ferramenta original, e também do uso dos termos sujeito individual e coletivo3 3 Na perspectiva materialista histórica, a constituição do sujeito é sempre uma síntese entre a construção histórica individual e coletiva: “O sujeito é uma síntese singular resultante do entrechoque entre determinantes e condicionantes particulares e universais e a capacidade do próprio sujeito de alterá-los, mediante processos de análise e intervenção sobre esses fatores” (Campos, 2005, p. 235). , característico do campo da saúde coletiva brasileira e do materialismo histórico (Campos, 2005Campos, G. W. S. (2005). Um método para análise e gestão de coletivos. São Paulo: Hucitec.), esse termo não foi bem aceito pelas participantes desta pesquisa. O termo usuário foi indicado, mas não foi reconhecido como específico para terapia ocupacional (assim como não há nenhum termo específico para se referir aos usuários de nenhuma outra profissão da saúde), pois, embora seja comum no âmbito do Sistema Único de Saúde, também pode indicar usuário de substâncias psicoativas em outros contextos.

Como esta pesquisa estava imersa em uma prática profissional no campo da saúde, o termo paciente foi uma das palavras utilizadas pelas profissionais para se referirem à pessoa sob seus cuidados, mas com a indicação de que tal termo não satisfaz, de que é preciso se afastar da terminologia médica. Na realidade desta pesquisa, o termo cliente, usual em produções anglo-saxãs em terapia ocupacional (Pontes & Polatajko, 2016Pontes, T., & Polatajko, H. (2016). Habilitando ocupações: prática baseada na ocupação e centrada no cliente na terapia ocupacional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 24(2), 403-412. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoARF0709.
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), não chegou a ser citado. A escolha do termo pessoa em acompanhamento pela equipe da pesquisa, e sua aceitação pelas participantes, pode indicar ao campo sua generalidade. Embora, no processo da pesquisa, tenhamos optado pelo uso de um termo consensual entre as participantes, sabemos que essa discussão inclui aspectos tecno-políticos para além da usabilidade do termo. Cada termo tem sua especificidade para além da questão semântica, pois essas denominações possuem diferentes construções históricas e induzem diferentes maneiras de compreender os sujeitos nomeados e sua relação com quem os nomeia (Saito et al., 2013Saito, D. Y. T., Zobolli, E. L. C. P., Schveitzer, M. C., & Maeda, S. T. (2013). Usuário, cliente ou paciente? Qual o termo mais utilizado pelos estudantes de enfermagem. Texto & Contexto Enfermagem, 22(1), 175-183. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072013000100021.
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).

Termos como atividade e cotidiano foram aceitos sem questionamento como palavras que pertencem à prática específica de terapia ocupacional, mas algumas participantes pediram que fossem melhor especificados – se o termo atividades abordava atividades dentro ou fora do setting, ou quais aspectos do cotidiano poderiam ser abordados. O termo ocupação apareceu poucas vezes nos dados qualitativos, reforçando a ampla aceitação do termo atividade na terapia ocupacional brasileira (Poellnitz, 2018Poellnitz, J. C. V. (2018). Atividade, cotidiano e ocupação na terapia ocupacional no Brasil: usos e conceitos em disputa (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). Entretanto, como o número de participantes foi pequeno e localizado no Estado de São Paulo/Brasil, a equipe de pesquisa optou por manter como nota de rodapé a indicação de uso substitutivo do termo ocupação quando aparece o termo atividade, caso melhor se adeque ao referencial teórico-metodológico da(o) profissional, compreendendo-se, inclusive, o crescimento do uso desse termo no contexto brasileiro nas últimas duas décadas (Galheigo et al., 2018Galheigo, S. M., Braga, C. P., Arthur, M. A., & Matsuo, C. M. (2018). Produção de conhecimento, perspectivas e referências teórico-práticas na terapia ocupacional brasileira: marcos e tendências em uma linha do tempo. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4), 723-738. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1773.
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).

A discussão terminológica no campo da terapia ocupacional precisa vir acompanhada de uma discussão epistemológica e, consequentemente, sócio-histórica. Epistemologicamente, a terapia ocupacional brasileira começa a ter melhor compreensão dos caminhos percorridos até a atualidade, afastando-se das análises exclusivamente teóricas das décadas de 1980 e 1990, expressas na análise das correntes metodológicas, criticadas pela distância da prática profissional real (Mângia, 1998Mângia, E. F. (1998). Apontamentos sobre o campo da terapia ocupacional. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 9(1), 5-13.). Artigos recentes discutem as escolhas terminológicas brasileiras, buscando (1) complexificar a discussão da escolha de termos e conceitos (Constantinidis & Cunha, 2016Constantinidis, T. C., & Cunha, A. C. (2016). Desinstitucionalizando conceitos: a terapia ocupacional em busca de um (novo) lugar no cenário da saúde mental. In T. Matsukura & M. Salles (Eds.), Cotidiano, atividade humana e ocupação perspectivas da terapia ocupacional no campo da saúde mental (pp. 37-60). São Carlos: EdUFSCar.; Marcolino et al., 2019Marcolino, T. Q., Poellnitz, J. C. V., Silva, C. R., Villares, C. C., & Reali, A. M. M. R. (2019). “É uma porta que se abre”: reflexões sobre questões conceituais e de identidade profissional na construção do raciocínio clínico em terapia ocupacional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(2), 403-411. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1740.
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); (2) revisar caminhos acadêmicos que culminaram na escolha de determinadas terminologias (Galheigo et al., 2018Galheigo, S. M., Braga, C. P., Arthur, M. A., & Matsuo, C. M. (2018). Produção de conhecimento, perspectivas e referências teórico-práticas na terapia ocupacional brasileira: marcos e tendências em uma linha do tempo. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4), 723-738. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1773.
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), ou (3) apresentar processos de transformações em conceitos na obra de autores específicos (Marcolino & Fantinatti, 2014Marcolino, T. Q., & Fantinatti, E. N. (2014). A transformação na utilização e conceituação de atividades na obra de Jô Benetton. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 25(2), 142-150. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v25i2p142-150.
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). Desse modo, nossos resultados indicam a necessidade de novas investigações que abordem a terminologia sobre a prática, de modo a propiciar melhores ajustes entre a prática e o discurso sobre ela.

Nesse sentido, a boa receptividade das participantes aos termos utilizados na ferramenta para as ajudarem a pensar sobre sua prática e para comunicá-la, principalmente a outros profissionais da equipe, demonstra tanto a aderência das palavras ao núcleo profissional, como possibilidades de superação das insatisfações, identificadas nesta e em outras pesquisas sobre o discurso da prática específica em contextos interdisciplinares, com hegemonia biomédica (Lima & Falcão, 2014Lima, A. C. S., & Falcão, I. V. (2014). A formação do terapeuta ocupacional e seu papel no Núcleo de Apoio à Saúde da Família – NASF do Recife, PE. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 22(1), 3-14. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2014.002.
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; Marcolino et al., 2019Marcolino, T. Q., Poellnitz, J. C. V., Silva, C. R., Villares, C. C., & Reali, A. M. M. R. (2019). “É uma porta que se abre”: reflexões sobre questões conceituais e de identidade profissional na construção do raciocínio clínico em terapia ocupacional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(2), 403-411. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1740.
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, 2021Marcolino, T. Q., Kinsella, E. A., Araujo, A. S., Fantinatti, E. N., Takayama, G. M., Vieira, N. M. U., Pereira, A. J. A. T., Gomes, L. D., Galheigo, S. M., & Ferigato, S. H. (2021). A Community of practice of primary health care occupational therapists: advancing practice‐based knowledge. Australian Occupational Therapy Journal, 68(1), 3-11. PMid:32798251. http://dx.doi.org/10.1111/1440-1630.12692.
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; Reis & Vieira, 2013Reis, F., & Vieira, A. C. V. C. (2013). Perspectivas dos terapeutas ocupacionais sobre sua inserção nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) de Fortaleza, CE. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 21(2), 351-360. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2013.036.
http://dx.doi.org/10.4322/cto.2013.036...
; Rocha et al., 2012Rocha, E. F., Paiva, L. F. A., & Oliveira, R. H. (2012). Terapia ocupacional na Atenção Primária à Saúde: atribuições, ações e tecnologias. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 20(3), 351-361. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2012.035.
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; Silva & Oliver, 2020Silva, R. A. S., & Oliver, F. C. (2020). A interface das práticas de terapeutas ocupacionais com os atributos da atenção primária à saúde. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(3), 784-808. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2029.
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). A capacidade de produzir uma comunicação efetiva entre pares, entre profissionais da saúde e entre profissionais e usuários ou comunidade em geral, não é apenas uma forma de dar nomes às práticas, mas uma forma de bem cuidar, uma vez que a comunicação é uma substância do cuidado e não apenas seu meio (Saraiva & Ferigato, 2021Saraiva, L., & Ferigato, S. H. (2021). Redes de comunicação e narrativas em saúde – parte 1. Revista Geminis, 11(2), 1-5. Recuperado em 16 de fevereiro de 2021, de https://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/view/577/376
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).

O fenômeno da underground practice descrito na pesquisa de raciocínio clínico conduzida por Mattingly & Fleming (1994)Mattingly, C., & Fleming, M. H. (1994). Clinical Reasoning: forms of inquiry in a therapeutic process. Philadelphia: F. A. Davis Books., de que aspectos narrativos da prática em terapia ocupacional, em constante tensão com o modelo biomédico, não são apresentados publicamente, vem sendo enfrentado na medida em que terapeutas ocupacionais assumem um discurso que valoriza a importância do fazer, da ocupação (Marcolino, 2017Marcolino, T. Q. (2017). O discurso público em terapia ocupacional: sentidos construídos em uma comunidade de prática. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 1(2), 149-162. http://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto4775.
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; Pierre, 2009Pierre, B. L. (2009). Occupational therapy as documented in patients records part III: valued but not documented. underground practice in the context of professional written communication. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 8(4), 174-183. http://dx.doi.org/10.1080/110381201317166531.
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; Turner & Knight, 2015Turner, A., & Knight, J. (2015). A debate on the professional identity of occupational therapists. British Journal of Occupational Therapy, 78(11), 664-673. http://dx.doi.org/10.1177/0308022615601439.
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) e dos aspectos narrativos da prática (Bonsall, 2012Bonsall, A. (2012). An examination of the pairing between narrative and occupational science. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 19(1), 92-103. http://dx.doi.org/10.3109/11038128.2011.552119.
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). Acerca disso, é importante ressaltar que a ferramenta aqui apresentada foi construída em um processo colaborativo – entre a equipe de pesquisa, as terapeutas ocupacionais que participaram da construção da ferramenta reflexiva, e as participantes desta pesquisa, as quais atuavam sob múltiplos referenciais teóricos e com diferentes concepções de prática – e, ainda assim, foi possível encontrar termos comuns, de modo amplo e genérico. Isso nos parece ir ao encontro do enfrentamento destas dificuldades.

Como discutido por Marcolino et al. (2019)Marcolino, T. Q., Poellnitz, J. C. V., Silva, C. R., Villares, C. C., & Reali, A. M. M. R. (2019). “É uma porta que se abre”: reflexões sobre questões conceituais e de identidade profissional na construção do raciocínio clínico em terapia ocupacional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(2), 403-411. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1740.
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, as palavras contribuem para organizar, interpretar a realidade, comunicar e construir um sistema de pensamento e, poderíamos acrescentar, um sistema aberto de cuidado. Nessa direção, as participantes valorizaram a experimentação da ferramenta para pensar sobre os casos que acompanham, favorecendo a organização das informações do caso e maior consciência das informações tácitas, que estavam “na cabeça”, refletindo sobre como podem continuar conduzindo o atendimento. A reflexão sobre a prática auxilia o profissional a se tornar consciente dos aspectos tácitos, possibilitando que a prática seja então avaliada e redefinida, e que, a partir disso, seja possível produzir novos conhecimentos (Marcolino & Mizukami, 2008Marcolino, T. Q., & Mizukami, M. G. N. (2008). Narrativas, processos reflexivos e prática profissional: apontamentos para pesquisa e formação. Interface, 12(26), 541-547. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832008000300007.
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). Tais processos reflexivos se caracterizam por estarem atrelados à ação, o que fomenta a aprendizagem centrada na experiência atual, ao permitir tecer ligações com experiências anteriores, elaborar suposições e ampliar a tomada de consciência sobre as ações (Marcolino & Mizukami, 2008Marcolino, T. Q., & Mizukami, M. G. N. (2008). Narrativas, processos reflexivos e prática profissional: apontamentos para pesquisa e formação. Interface, 12(26), 541-547. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832008000300007.
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).

Desse modo, é importante destacar que a ferramenta não foi desenvolvida como um guia para anamnese ou avaliação, mas sim para sustentar o raciocínio profissional, ao possibilitar parar para refletir sobre o que a(o) terapeuta ocupacional sabe/faz, como compreende o caso, quais informações ainda não possui e quais podem ser os possíveis caminhos para a prática. Ressalta-se que esses caminhos só podem ser produzidos por caminhos relacionais, pelo tensionamento de diferentes perspectivas das múltiplas relações e fazeres que atravessam a vida da pessoa ou das pessoas que acompanhamos. Esse aspecto nos leva a afirmar uma compreensão de que o raciocínio profissional não opera em uma zona intrínseca à consciência e aos pensamentos da(do) terapeuta ocupacional, mas sim em uma zona porosa de fronteira entre corpos envolvidos em uma intervenção, com necessidades, entendimentos e premissas variadas. O desafio de um raciocínio profissional comprometido com a ética do cuidado é saber encontrar zonas de comunidade nessa variação complexa que a ferramenta procura minimamente dar passagem.

Houve indicação, inclusive, de que a ferramenta possa responder a outros contextos de prática, não somente à ABS. Pesquisas sobre a prática em terapia ocupacional na ABS indicam que esse é um contexto que, embora esteja se consolidando como um campo específico, com saberes e práticas singulares, ainda se utiliza de muitos referenciais produzidos em outros campos mais especializados de prática (Cabral & Bregalda, 2017Cabral, L. R. R., & Bregalda, M. M. (2017). A atuação da terapia ocupacional na atenção básica à saúde: uma revisão de literatura. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 25(1), 179-189. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAR0763.
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; Silva & Oliver, 2019Silva, R. A. S., & Oliver, F. C. (2019). Identificação das ações de terapeutas ocupacionais na atenção primária à saúde no Brasil. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 3(1), 21-36. http://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto20095.
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). Assim, como a ferramenta reflexiva foi construída no contexto amplo e generalista da ABS, esta pode ser considerada uma contribuição da ABS para o campo profissional e do saber em terapia ocupacional, como destacado por uma das participantes. Essa questão favorece a defesa política, a afirmação e o reconhecimento da terapia ocupacional nesse nível de atenção em saúde, evidenciando seu alinhamento aos princípios da ABS e do Sistema Único de Saúde brasileiro – atualmente sofrendo desmontes agenciados por forças político-econômicas neoliberais (Morosini et al., 2018Morosini, M. V. G. C., Fonseca, A. F., & Lima, L. D. (2018). Política Nacional de Atenção Básica 2017: retrocessos e riscos para o Sistema Único de Saúde. Saúde em Debate, 42(116), 11-24. http://dx.doi.org/10.1590/0103-1104201811601.
http://dx.doi.org/10.1590/0103-110420181...
).

Outra importante aplicabilidade da ferramenta abarca suas potencialidades para o ensino da prática. Habilidades de reflexão sobre a prática são bastante valorizadas no ensino em terapia ocupacional (Joaquim et al., 2017Joaquim, R. H. T., Marcolino, T. Q., & Cid, M. F. B. (2017). Construindo-se terapeuta ocupacional no grupo de reflexão da prática: um espaço para ação-reflexão-ação. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 28(2), 254-260. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v28i2p254-260.
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; Wimpenny & Lewis, 2015Wimpenny, K. G., & Lewis, L. (2015). Preparation for an uncertain world: professional agency and durability in the practice preparation of mental health in occupational therapy. South African Journal of Occupational Therapy, 45(2), 22-28. http://dx.doi.org/10.17159/2310-3833/2015/v45n2a5.
http://dx.doi.org/10.17159/2310-3833/201...
; World Federation of Occupational Therapists, 2016World Federation of Occupational Therapists – WFOT. (2016). Revised minimum standards for the education of occupational therapists. London: WFOT.), e a utilização desta ferramenta para tal finalidade pode ser explorada, abrindo possibilidades para pesquisas futuras.

Considerações Finais

Este artigo apresenta o processo de análise de uma ferramenta reflexiva, construída colaborativamente em pesquisas sustentadas pela parceria entre pesquisadoras e profissionais. Indica-se sua aplicabilidade para melhorar a identificação do núcleo profissional em terapia ocupacional e suas possibilidades no diálogo interprofissional, facilitando tanto a comunicação da prática para outros profissionais e usuários, como a reflexão sobre a prática e a ampliação da consciência sobre processos de raciocínio profissional e suas experimentações singulares.

Algumas questões emergentes decorrentes desta pesquisa e que se apresentam para pesquisas futuras abarcam: (a) sua aplicabilidade em outros contextos de prática, mas com destaque para as contribuições advindas do contexto amplo e generalista da ABS para o campo profissional e do saber em terapia ocupacional; (b) sua aplicabilidade para o ensino da prática em terapia ocupacional; e (c) as pistas que o processo de construção e análise da ferramenta oferecem para investigações sobre melhores terminologias para representar o que acontece na prática.

Por fim, reforça-se que processos de produção de conhecimento para e sobre a prática desenvolvidos com os profissionais terapeutas ocupacionais se mostram potentes, na medida em que favorecem a transformação real nos cenários individuais e coletivos nos quais as intervenções ocorrem, qualificando o cuidado de forma contextualizada e, para além, avançando no conhecimento referente ao núcleo, o que fortalece a profissão e, consequentemente, os diferentes campos de atuação.

Agradecimentos

As autoras agradecem as terapeutas ocupacionais participantes da pesquisa que contribuíram para o aprimoramento da ferramenta e, consequentemente, para a prática e cuidado em terapia ocupacional.

  • 1
    Este trabalho é parte da dissertação de mestrado da primeira autora, sob orientação da última autora.
  • 2
    Adotamos aqui os termos campo e núcleo conforme propostos por Campos (2005)Campos, G. W. S. (2005). Um método para análise e gestão de coletivos. São Paulo: Hucitec.. São conceitos críticos da tendência pós-moderna de total diluição das identidades profissionais. O conceito de núcleo demarca as singularidades de cada profissão, que a diferencia de outras. Já o conceito de campo seria o espaço de interseção e confluências profissionais, em que os saberes e práticas se fundem e se confundem interdisciplinarmente.
  • 3
    Na perspectiva materialista histórica, a constituição do sujeito é sempre uma síntese entre a construção histórica individual e coletiva: “O sujeito é uma síntese singular resultante do entrechoque entre determinantes e condicionantes particulares e universais e a capacidade do próprio sujeito de alterá-los, mediante processos de análise e intervenção sobre esses fatores” (Campos, 2005Campos, G. W. S. (2005). Um método para análise e gestão de coletivos. São Paulo: Hucitec., p. 235).
  • Como citar: Gomes, L. D., Ferigato, S. H., Araujo, A. S., Cid, M. F. B., & Marcolino, T. Q. (2022). Vamos refletir sobre a prática? A aplicabilidade de uma ferramenta reflexiva para sustentar o raciocínio profissional em terapia ocupacional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, e2964. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO22462964
  • Fonte de Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES), financiamento 001, por meio de concessão de bolsa de estudos nível mestrado, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), financiamento 17/03195-8.

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Adriana Miranda Pimentel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2021
  • Revisado
    10 Jun 2021
  • Revisado
    26 Ago 2021
  • Aceito
    01 Set 2021
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