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Qualidade de vida e o cotidiano acadêmico: uma reflexão necessária1 1 Este estudo integra o conjunto de resultados da pesquisa “Avaliação Otoneurológica Integrada em Indivíduos Atendidos em um Hospital Universitário”, registrada e aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa. Essa pesquisa ocupa-se em analisar resultados obtidos com a realização de ações coletivas de promoção da saúde (em especial, eventos e campanhas dedicados à identificação de riscos à saúde e ao favorecimento da qualidade de vida de diferentes populações expostas ao ruído em diferentes contextos) seguidas de ações individuais, como avaliação de agravos otoneurológicos.

Quality of life and academic routine: a necessary reflection

Resumo

A qualidade de vida está sendo amplamente discutida na atualidade e em diversos cenários e, portanto, traz desafios para as políticas e as práticas da área da saúde. Um dos cenários possíveis de se explorar e analisar os aspectos que podem influenciar a qualidade de vida das pessoas é a educação superior. Nesse sentido, esta pesquisa tem o objetivo de comparar e refletir sobre a qualidade de vida de discentes do primeiro e do último ano de três cursos de saúde de uma Universidade Federal da região Sul do país. Trata-se de um estudo transversal de caráter descritivo, com abordagem quantitativa, no qual se aplicou o WHOQOL-bref, um instrumento desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde para avaliar, em modelo abreviado, a qualidade de vida. A amostra do estudo foi constituída por 119 sujeitos, graduandos em Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Fisioterapia. O período de coleta de dados foi de abril a junho de 2017 e para o tratamento das informações se utilizou o Software Statistica 9.1, considerando-se um nível de significância de 5% (p < 0,05). Os resultados da pesquisa demonstraram diminuição, embora não haja diferença significativa, na qualidade de vida dos ingressantes do primeiro ano dos três cursos, quando comparados aos estudantes do último; o que pode ser justificado pelo impacto e pelas transições que o ingresso à universidade produz. Desse modo, é necessário que o universitário possa dispor de uma rede de suporte e atenção, que garanta adequada formação profissional e promoção de sua saúde, potencializando a qualidade de vida.

Palavras-chave:
Qualidade de Vida; Educação Superior; Adaptação; Terapia Ocupacional; Fonoaudiologia; Fisioterapia

Abstract

Quality of life is being widely discussed in the current scenario, and presents challenges for health policies and practices. One of the possible scenarios for exploring and analyzing aspects that can influence people’s quality of life is undergraduate education. In this context, this research aims to compare and reflect on the quality of life of freshman and senior students of three courses of a Federal University in the southern region of Brazil. It is a descriptive, cross-sectional study that follows a quantitative approach in which the WHOQOL-bref, an instrument developed by the World Health Organization, was used to evaluate quality of life in an abbreviated model. The study sample was composed of 119 individuals from undergraduate programs of the health area. Data was collected from April to June 2017 and processed using the Statistica 9.1 software at a significance level of 5% (p<0.05). Results demonstrated a decrease, although without significant statistical difference, in the quality of life of the freshman students compared with that of the senior students, which can be justified by the impact and transitions that university admission produces. Thus, it is necessary that undergraduate students have access to a network of support and care that could provide them with adequate professional training and reduced health risks, enhancing their quality of life.

Keywords:
Quality of Life; Undergraduate Education; Adaptation; Occupational Therapy; Speech Therapy; Physiotherapy

1 Introdução

A qualidade de vida vem sendo amplamente discutida nas últimas décadas. Na área da saúde, esse conceito tem influenciado as políticas e as práticas do campo. A melhoria da qualidade de vida passou a ser um dos resultados esperados das práticas assistenciais, mas, principalmente, foco da promoção de saúde e da prevenção de doenças (SEIDL; ZANNON, 2004SEIDL, E. M. F.; ZANNON, C. M. L. C. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 580-588, 2004.).

A Organização Mundial da Saúde (ORGANIZAÇÃO..., 1994ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OMS. The development of the World Health Organization quality of life assessment instrument (the WHOQOL). In: ORLEY, J.; KUYKEN, W. Quality of life assessment: international perspectives. Heidelberg: Springer Verlag, 1994. p. 41-60.) define qualidade de vida como a percepção do sujeito sobre sua vida, seu contexto cultural e social, seus padrões e valores, levando em consideração seus objetivos, expectativas e preocupações. Nessa perspectiva, engloba o grau de satisfação encontrado na vida familiar, afetiva, social e ambiental.

A partir da década de 1990, consolidaram-se duas características importantes em relação ao conceito de qualidade de vida: seu caráter subjetivo e multidimensional (SEIDL; ZANNON, 2004SEIDL, E. M. F.; ZANNON, C. M. L. C. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 580-588, 2004.). Trata-se de considerar a subjetividade, a percepção da pessoa, configurando-se como uma autoavaliação sobre sua situação e, ainda, o reconhecimento de que seu construto é composto de diversas dimensões, a saber: físico, psicológico, social e do meio ambiente (SMITH; AVIS; ASSMANN, 1999SMITH, K. W.; AVIS, N. E.; ASSMANN, S. F. Distinguishing between quality of life and health status in quality of life research. Quality of Life Research, Cham, v. 8, n. 5, p. 477-459, 1999.).

O cotidiano acadêmico é um aspecto que pode ser analisado na perspectiva da qualidade de vida dos universitários. Conforme Teixeira et al. (2008TEIXEIRA, M. A. P. et al. Adaptação à universidade em jovens calouros. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 185-202, 2008.), o ingresso no ensino superior é uma transição que traz repercussões para o desenvolvimento psicológico dos estudantes, já que representa, muitas vezes, a primeira tentativa de uma identidade autônoma. O primeiro ano na universidade é marcado por um impacto que vai além da profissionalização, implicando uma série de transformações nas redes de apoio social (TAO et al., 2000TAO, S. et al. Social support: relations to coping and adjustment during the transition to university in the People’s Republic of China. Journal of Adolescent Research, Thousand Oaks, v. 15, n. 1, p. 123-144, 2000.). Os estudantes conhecem e convivem com novas pessoas, incluem-se em contextos inovadores. Por outro lado, quando vínculos de amizades não são estabelecidos, os acadêmicos podem contar apenas com os próprios recursos psicológicos e o apoio das redes formadas anteriormente ao ingresso à universidade (DINIZ; ALMEIDA, 2006DINIZ, A. M.; ALMEIDA, L. S. Adaptação à universidade em estudantes de primeiro ano: Estudo diacrónico da interação entre o relacionamento com pares, o bem-estar pessoal e o equilíbrio emocional. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, n. 24, p. 29-38, 2006.), as quais podem estar distantes. Muitos jovens, ao buscarem um curso superior, saem de suas cidades natais e passam a residir longe de seus familiares, um fator que também pode interferir na adaptação à realidade da formação profissional.

A permanência e a finalização do curso universitário são características que merecem destaque, uma vez que exigem intenso processo de envolvimento do estudante na sua formação. Para Soares et al. (2006SOARES, A. P. et al. Modelo multidimensional de ajustamento de jovens ao contexto universitário: estudo com estudantes de ciências e tecnologias versus ciências sociais e humanas. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, n. 24, p. 15-27, 2006.), espera-se dos universitários autonomia na aprendizagem, na administração do tempo e na definição de metas e estratégias para os estudos. Ademais, além das aulas, dos estágios, dos trabalhos de conclusão de curso, há a preocupação com a vida pós-formatura, o que pode gerar ansiedade e insegurança.

Atentar às dimensões que permeiam a singularidade e multidimensionalidade do cotidiano acadêmico faz-se necessário nos tempos atuais, sendo pertinente o estudo a respeito da qualidade de vida de estudantes do ensino superior.

Nesse contexto, esta pesquisa tem o objetivo de comparar e refletir sobre a qualidade de vida de acadêmicos do primeiro e do último ano dos cursos de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Fisioterapia de uma instituição de ensino superior da região Sul do país.

2 Método

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e de natureza quantitativa. A pesquisa seguiu a orientação ética da Resolução no 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos sob o parecer no 996.670.

A coleta de dados ocorreu entre abril e junho de 2017, com acadêmicos maiores de 17 anos, dos sexos feminino e masculino, do primeiro e do último ano de graduação dos cursos de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Fisioterapia, de uma instituição de ensino superior da região Sul do país. Optou-se por esses cursos visto que são profissões eminentemente terapêuticas, que se envolvem, especialmente, com pessoas com dificuldades adaptativas decorrentes de comprometimentos orgânicos, cognitivos, interacionais, entre outros, tendo como fim o favorecimento de suas qualidades de vida.

As pesquisadoras, inicialmente, buscaram nas coordenações dos referidos cursos os horários das disciplinas curriculares presenciais; após a identificação das aulas e dos professores ministrantes de tais disciplinas, foi enviada aos docentes uma solicitação, via e-mail, para que eles autorizassem a aplicação do questionário com as turmas de discentes. Em seguida, os estudantes foram convidados a responder ao questionário, alguns em horários de saída das aulas e outros compareceram ao Ambulatório de Otoneurologia do Hospital Universitário para a realização da pesquisa.

A coleta dos dados deu-se após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) pelos acadêmicos com 18 anos ou mais. Para os acadêmicos com 17 anos, foi realizado o convite para participar da pesquisa e, com o aceite, foi entregue o TCLE para que os estudantes levassem e solicitassem a assinatura do responsável. Depois da anuência do responsável, foi marcado via e-mail um novo horário para realização do questionário. O tempo médio necessário para responder à pesquisa foi de oito minutos.

A amostra contou com a participação de 119 sujeitos, sendo composta de: 40 estudantes do curso de Terapia Ocupacional (20 acadêmicos do primeiro ano e 20 do último ano); 40 estudantes de Fonoaudiologia (20 acadêmicos do primeiro ano e 20 do último ano); 39 estudantes de Fisioterapia (19 acadêmicos do primeiro ano e 20 do último ano).

Cabe ressaltar que, nesses cursos, há 20 a 30 vagas para a entrada dos estudantes na universidade. Na Terapia Ocupacional e na Fisioterapia, são dois ingressos anuais. Já o curso de Fonoaudiologia apresenta apenas uma entrada anual. Nessa perspectiva, optou-se por convidar 20 sujeitos de cada período (primeiro e último ano) para conseguir uniformidade na amostra total. Isto é, buscaram-se quantidades equivalentes de discentes entre os cursos e períodos em que se encontram; contudo, no curso de Fisioterapia, um dos questionários não foi respondido.

Para a coleta dos dados, foi utilizado o instrumento desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde para avaliar a qualidade de vida em modelo abreviado, The World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref), o qual avalia a autopercepção dos sujeitos quanto aos domínios que envolvem sua qualidade de vida. Esse instrumento conta com 26 questões, sendo duas genéricas sobre qualidade de vida e as outras 24 representativas de 24 facetas que abordam os domínios físico, psicológico, as relações sociais e o meio ambiente; assim, mensuram-se a satisfação do sujeito em cada domínio e a sua qualidade de vida (FLECK et al., 2000FLECK, M. P. A. et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida “WHOQOL-bref”. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 178-183, 2000.). Adotou-se, neste estudo, escore maior que ou igual a 70 para referenciar uma boa qualidade de vida, sendo 100 a pontuação máxima possível.

Para o tratamento dos dados coletados, utilizou-se o Software Statistica 9.1, considerando-se um nível de significância de 5% (p ≤ 0,05). Foram usados os testes de Kruskal Wallis (não paramétrico) e de comparações múltiplas. Os resultados também são apresentados em médias, desvio-padrão (DP) e em formato de gráficos para a melhor compreensão do leitor.

3 Resultados

Dos 119 participantes deste estudo, 100 eram do sexo feminino e 19, do sexo masculino. A idade dos sujeitos variou de 17 a 58 anos, apresentando média de 22,2 anos (DP±5,8). A idade mais recorrente (moda) foi de 18 anos, faixa etária apresentada por 21 das pessoas envolvidas. Ressalta-se que 59 sujeitos são discentes do primeiro ano de graduação (49 são do sexo feminino, a menor idade constatada foi de 17 anos e a maior foi de 38) e 60 estão cursando o último ano acadêmico (51 são do sexo feminino, a menor idade constatada foi de 20 anos e a maior foi de 58).

A Figura 1 apresenta as médias dos domínios e da qualidade de vida total dos estudantes do primeiro ano de graduação dos cursos de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Fisioterapia, obtidos por meio do WHOQOL-bref.

Figura 1
Médias dos domínios e da qualidade de vida total dos estudantes de primeiro ano de graduação dos cursos de Terapia Ocupacional (n - 20), Fonoaudiologia (n - 20) e Fisioterapia (n - 19), obtidas por meio do WHOQOL-bref. Fonte: os autores (2017). DOM: domínio; QV: qualidade de vida; TO: Terapia Ocupacional; FONO: Fonoaudiologia; FISIO: Fisioterapia.

Na comparação dos escores dos estudantes do primeiro ano entre três cursos para os domínios físico, psíquico, social, ambiental, não houve diferença significativa (p > 0,05), bem como no escore da qualidade de vida total, isto é, os estudantes de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Fisioterapia, do primeiro ano de graduação, apresentam índices similares em suas qualidades de vida.

A Figura 2 demonstra as médias dos domínios e da qualidade de vida total dos estudantes do último ano de graduação dos cursos de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Fisioterapia, obtidas por meio do WHOQOL-bref.

Figura 2
Médias dos domínios e da qualidade de vida total dos estudantes de último ano de graduação dos cursos de Terapia Ocupacional (n - 20), Fonoaudiologia (n - 20) e Fisioterapia (n - 20), obtidas por meio do WHOQOL-bref. Fonte: os autores (2017). DOM: domínio; QV: qualidade de vida; TO: Terapia Ocupacional; FONO: Fonoaudiologia; FISIO: Fisioterapia.

Na comparação dos escores dos estudantes do último ano, entre os três cursos, os domínios físico, psíquico, social e a qualidade de vida total não demonstraram diferença significativa entre os cursos. Contudo, identificou-se significância no domínio ambiental (p = 0,002) e os escores do domínio ambiental dos estudantes do último ano de graduação em Fonoaudiologia foram significativamente menores do que os dos acadêmicos de Fisioterapia do mesmo período acadêmico.

Ademais, foi avaliada a comparação entre os escores dos acadêmicos do primeiro ano versus acadêmicos do último ano, considerando-se os três cursos conjuntamente. O único domínio que demonstrou significância foi o físico (p = 0,038) e os escores do referido domínio dos graduandos do último ano foram significativamente maiores do que os escores dos discentes do primeiro ano acadêmico. O domínio físico engloba questões sobre dor, necessidade de tratamento médico, energia, sono, satisfação com capacidade para o trabalho e para desempenhar as atividades do dia a dia. Nesse contexto, os acadêmicos do último ano encontram-se com escores mais satisfatórios. Os demais domínios e a qualidade de vida total não apresentaram diferenças significativas.

Nessa perspectiva, relação entre acadêmicos do primeiro ano com os do último ano de graduação, foi proposta uma comparação em cada um dos três cursos, como explanado na Figura 3. Nos cursos de Fonoaudiologia e de Terapia Ocupacional, não houve diferenças significativas em nenhum domínio entre os sujeitos que estavam iniciando ou finalizando a formação acadêmica. Já no curso de Fisioterapia, houve diferença significativa entre os escores do domínio ambiental (p = 0,017). Os escores de domínio ambiental dos discentes do último ano de Fisioterapia foram significativamente maiores do que os escores dos graduandos do primeiro ano. O domínio ambiental envolve aspectos de segurança, clima, barulho e poluição nos ambientes residencial, de lazer e laboral, bem como questões financeiras, informativas, o acesso aos serviços de saúde e aos meios de transportes. Desse modo, pode-se afirmar que, no curso de Fisioterapia, os graduandos do último ano estão mais adaptados e/ou satisfeitos com esses itens quando comparados aos graduandos do primeiro ano. Os demais domínios não apresentaram diferença significativa.

Figura 3
Média das qualidades de vida do primeiro e do último ano de graduação dos estudantes de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Fisioterapia. Fonte: os autores (2017). TO: Terapia Ocupacional; FONO: Fonoaudiologia; FISIO: Fisioterapia.

4 Discussão

Os resultados deste estudo demonstraram diminuição (embora não haja diferenças significativas em todos os domínios) na qualidade de vida dos ingressantes no ensino superior quando comparados aos estudantes do último ano. O ingresso à universidade pode ser um momento de crise, por se caracterizar como um período de transição que influencia e repercute nos diferentes aspectos psicológicos dos jovens, principalmente para aqueles recém- vindos do ensino médio (TEIXEIRA et al., 2008TEIXEIRA, M. A. P. et al. Adaptação à universidade em jovens calouros. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 185-202, 2008.; ALMEIDA; SOARES, 2003ALMEIDA, L. S.; SOARES, A. P. Os estudantes univeritários: sucesso escolar e desenvolvimento psicossocial. In: MERCURI, E.; POLYDORO, S. A. J. Estudante universitário: características e experiências de formação. Taubaté: Cabral, 2003. p. 15-40.). Em um estudo realizado por Teixeira et al. (2008TEIXEIRA, M. A. P. et al. Adaptação à universidade em jovens calouros. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 185-202, 2008.), os estudantes afirmam que, ao ingressarem na universidade, experimentam mudanças as quais refletem na vida pessoal e na profissional, além disso afirmam que essa transição é estressora aos jovens.

Muitos universitários, ao passar no vestibular, mudam de cidade, havendo um distanciamento dos amigos e dos familiares, ou seja, há mudança nos domínios sociais e ambientais desses jovens (TEIXEIRA et al., 2008TEIXEIRA, M. A. P. et al. Adaptação à universidade em jovens calouros. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 185-202, 2008.). Os resultados obtidos neste estudo vão ao encontro dos da literatura, principalmente no que se refere ao domínio ambiental. Evidenciou-se que, em todos os cursos, o domínio ambiental mostra-se com menor percentual e, no caso dos estudantes do primeiro ano do curso de Fisioterapia, constatou-se escore significativamente baixo nesse domínio, comparado aos acadêmicos do último ano.

Além disso, destacam-se novos desafios e mudanças durante o processo de formação: escolha da profissão, transição acadêmica, novas exigências e gestão de tempo (POLYODORO et al., 2005POLYODORO, S. A. J. et al. Percepção de Estudantes evadidos sobre sua experiência no Ensino Superior. In: JOLY, M. C. R. A.; SANTOS, A. A. A.; SISTO, F. F. Questões do cotidiano universitário. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. p. 179-199.). No ensino superior, os estudantes são incentivados a serem autônomos em sua formação, passando a buscar conteúdos e ensinamentos em atividades curriculares e extracurriculares (SANTOS et al., 2011SANTOS, A. A. A. et al. A relação entre vida acadêmica e a motivação para aprender em universitários. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 283-290, 2011.). Nos resultados obtidos por Lamers et al. (2017)LAMERS, J. M. S.; SANTOS, B. S.; TOASSI, R. F. C. Retenção e evasão no Ensino Superior público: estudo de caso em um curso noturno de Odontologia. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 33, p. 1-26, 2017., os estudantes evidenciaram mudanças da exigência de estudos, como a quantidade de conteúdo e as diferentes disciplinas do ensino superior quando comparado ao ensino médio.

A dificuldade em acompanhar tais exigências e exercitar a autonomia, associada a outros fatores como insatisfação e falta de identificação com o curso escolhido e práticas de ensino não atraentes, podem levar à falta de interesse e motivação (CASTRO; TEIXEIRA, 2013CASTRO, A. K. S. S.; TEIXEIRA, M. A. P. A evasão em um curso de psicologia: uma análise qualitativa. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 18, n. 2, p. 199-209, 2013.). Soares e Pettre (2015SOARES, A. B.; PETTRE, Z. A. P. Habilidades sociais e adaptação à universidade: Convergências e divergências dos construtos. Análise Psicológica, Lisboa, v. 2, n. 33, p. 139-151, 2015.) afirmam que, no processo de adaptação à Universidade, as relações sociais entre os estudantes são diversificadas, como a variação de idade, de vivências, de características pessoais e dos papéis sociais. Tal diversidade, para que seja acomodada de modo eficaz, exige habilidade do estudante nas relações interpessoais/sociais.

Muitas vezes, a ansiedade para iniciar o curso superior e conhecer um pouco mais sobre a profissão também reflete nos aspectos psicoemocionais dos universitários. Estes também criam expectativas quanto à relação com os professores, esperando que eles possam transmitir mais do que conhecimentos, mas também o amor pela área de atuação (CASTRO; TEIXEIRA, 2013CASTRO, A. K. S. S.; TEIXEIRA, M. A. P. A evasão em um curso de psicologia: uma análise qualitativa. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 18, n. 2, p. 199-209, 2013.). Possivelmente pela influência advinda do ensino médio, os estudantes esperam que haja orientações e assistência dos professores no decorrer da graduação, fato que, conforme os resultados obtidos no estudo de Bardagi e Hutz (2005BARDAGI, M. P.; HUTZ, C. S. Evasão universitária e serviços de apoio ao estudante: uma breve revisão da literatura brasileira. Psicologia Revista, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 279-301, 2005.), não se concretizou; os autores relataram que a relação professor-aluno foi vista com excesso de formalidade e pouco envolvimento dos professores no cotidiano acadêmico dos estudantes.

Bardagi (2007BARDAGI, M. P. Evasão e comportamento vocacional de universitários: estudos sobre o desenvolvimento de carreira na graduação. 2007. 242 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.) ressalta a importância de analisar os estudantes em diferentes anos do mesmo curso, visto que se espera alcançar desenvolvimento e amadurecimento ao longo do processo acadêmico (no decorrer deste, os estudantes podem apresentar características distintas). Esta, de fato, foi uma das evidências desta pesquisa.

Ao longo dos anos da graduação, a relação de amizade com os colegas, os conteúdos e atividades mais específicas da área podem estar relacionados a mais satisfação e segurança quanto à profissão escolhida (BARDAGI; HUTZ, 2005BARDAGI, M. P.; HUTZ, C. S. Evasão universitária e serviços de apoio ao estudante: uma breve revisão da literatura brasileira. Psicologia Revista, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 279-301, 2005.). Sabe-se que há evasão de graduandos no decorrer do curso; desse modo, sugere-se que os estudantes que estão ao final desse processo apresentam identificação e aptidão com as demandas da profissão desejada. Assim, entende-se que tais aspectos podem favorecer a qualidade de vida de estudantes que estão finalizando a graduação, como demonstrado neste estudo.

Deve-se ressaltar que o baixo escore de qualidade de vida, de ambos os períodos de graduação (primeiro e último ano), pode ser um indicador de que o estudante necessita de encaminhamento para acompanhamento profissional, ou seja, de uma rede de suporte, principalmente aos ingressantes, com intuito de orientá-los e acolhê-los (BARDAGI; HUTZ, 2005BARDAGI, M. P.; HUTZ, C. S. Evasão universitária e serviços de apoio ao estudante: uma breve revisão da literatura brasileira. Psicologia Revista, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 279-301, 2005.). Tais redes devem instigar maior autoconfiança, resolução de problemas, a fim de que situações estressoras não atinjam o desempenho acadêmico nem o desenvolvimento profissional, bem como a saúde dos graduandos, objetivando-se, desse modo, a prevenção de riscos psíquicos, emocionais, cognitivos e/ou físicos que as exigências do cotidiano acadêmico podem produzir.

Assim, este estudo demonstrou que a média de qualidade de vida dos estudantes, em geral, apresentou um baixo escore. Sugere que o ingresso à Universidade trouxe impactos aos estudantes dos três cursos, assim como a finalização do curso também se apresenta como uma situação estressora.

5 Conclusão

O ingresso, a permanência e a finalização da formação universitária são fatores que podem refletir e impactar a qualidade de vida dos estudantes. Os resultados obtidos neste estudo sugerem que os ingressantes tendem a apresentar menos qualidade de vida, fato que pode ser justificado pela fragilidade dos vínculos sociais, exigências e frustrações educacionais, bem como pela incerteza e busca de identidade profissional. A permanência na universidade pode favorecer o amadurecimento e potencializar a autonomia e as seguranças pessoal e profissional dos acadêmicos, influenciando todos os domínios da qualidade de vida.

Este estudo possibilitou refletir sobre a importância da rede de apoio aos universitários; a necessidade da implementação, pelas Universidades, de ações que auxiliem os graduandos nos diferentes aspectos envolvidos na vida universitária, para que suportem e superem as adversidades do ingresso e do processo do ensino superior e, desse modo, possa-se ofertar uma formação que valorize as dimensões do ser humano/a qualidade de vida na educação universitária.

Referências

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Notas

  • 1
    Este estudo integra o conjunto de resultados da pesquisa “Avaliação Otoneurológica Integrada em Indivíduos Atendidos em um Hospital Universitário”, registrada e aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa. Essa pesquisa ocupa-se em analisar resultados obtidos com a realização de ações coletivas de promoção da saúde (em especial, eventos e campanhas dedicados à identificação de riscos à saúde e ao favorecimento da qualidade de vida de diferentes populações expostas ao ruído em diferentes contextos) seguidas de ações individuais, como avaliação de agravos otoneurológicos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2017
  • Revisado
    12 Fev 2018
  • Aceito
    18 Jun 2018
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