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Avaliação ecofisiológica de clones de videira cv. Syrah

Ecophysiological evaluation of grapevine's clones cv Syrah

Resumos

Avaliou-se o comportamento agronômico e ecofisiológico de três clones de videira da cultivar Syrah. Foram empregadas plantas adultas, enxertadas sobre SO4 e cultivadas em solo arenoso com lençol freático superficial. O clone 470 mostrou-se ao mesmo tempo mais precoce, mais vigoroso e menos produtivo, confirmando o seu potencial de clone qualitativo. Por outro lado, não foram verificadas diferenças de comportamento entre clones, para a assimilação do carbono e condutância estomática em condições não limitantes à fotossíntese.

Fertilidade; vigor; fotossíntese; condutância estomática; cv. Syrah; Vitis vinifera L


In this work were evaluated the phenological behavior, some agronomic traits and net photosynthesis of three grapevine clones obtained from the variety Syrah. The plants used were graffted over the rootstock SO4, and were grown in a flooded sand soil. Even though the clone number 470 had been the more precocious and robust, although it was the less productive. Even so, the result confirmed the qualitative potencial of this clone. On the other hand significant differences among the clones which have not been observed for carbon assimilation and stomatal conductance in a suitable environmental conditions for photosynthesis occurrence.

Fertility; vigor; photosynthesis; stomatal conductance; cv. Syrah; Vitis vinifera


COMUNICAÇÃO

Avaliação ecofisiológica de clones de videira cv. Syrah1 1 Extraído do relatório de Pós-doutorado do primeiro autor Financiado pelo CNPq.

Ecophysiological evaluation of grapevine's clones cv Syrah

Murillo de Albuquerque ReginaI; Laurent AudeguinII

IEngenheiro Agrônomo Pesquisador EPAMIG Fazenda Experimental de Caldas - Caixa Postal 33 - 37780-000 - Caldas, Minas Gerais - murillo@epamigcaldas.gov.br - Bolsista CNPq

IIEngenheiro Agrônomo ENTAV Domaine de L'Espiguette - 30240 - Le Grau du Roi, France - entav@club-internet.fr

RESUMO

Avaliou-se o comportamento agronômico e ecofisiológico de três clones de videira da cultivar Syrah. Foram empregadas plantas adultas, enxertadas sobre SO4 e cultivadas em solo arenoso com lençol freático superficial. O clone 470 mostrou-se ao mesmo tempo mais precoce, mais vigoroso e menos produtivo, confirmando o seu potencial de clone qualitativo. Por outro lado, não foram verificadas diferenças de comportamento entre clones, para a assimilação do carbono e condutância estomática em condições não limitantes à fotossíntese.

Termos para indexação: Fertilidade, vigor, fotossíntese, condutância estomática, cv. Syrah, Vitis vinifera L.

ABSTRACT

In this work were evaluated the phenological behavior, some agronomic traits and net photosynthesis of three grapevine clones obtained from the variety Syrah. The plants used were graffted over the rootstock SO4, and were grown in a flooded sand soil. Even though the clone number 470 had been the more precocious and robust, although it was the less productive. Even so, the result confirmed the qualitative potencial of this clone. On the other hand significant differences among the clones which have not been observed for carbon assimilation and stomatal conductance in a suitable environmental conditions for photosynthesis occurrence.

Index terms: Fertility, vigor, photosynthesis, stomatal conductance, cv. Syrah, Vitis vinifera.

A seleção clonal tem permitido expressivos ganhos em viticultura, em quantidade e qualidade da produção. No caso específico das cultivares da espécie Vitis vinifera, os clones são selecionados sob o ponto de vista sanitário e genético, buscando isenção das principais viroses que atacam a videira, e baseando-se na origem policlonal e sensibilidade da espécie à ocorrência e mutações somáticas espontâneas. Inicialmentr a seleção orienta-se principalmente pelas diferenças na morfologia e potencial produtivo das plantas (GRENAN et al., 1998; BOUBALS, 1996; WALTER, 1996, 1997a, b; BOIDRON, 2000; HUGLIN & SCHNEIDER, 1998; AUDEGUIN et al., 1998,1999).

Para as principais cultivares de videira já existe uma gama bastante importante de clones que atendem às diferentes exigências de produção sendo, no caso específico da seleção clonal francesa, separados em qualitativos (A), medianos (B) e produtivos (C) (ENTAV, 1995). Para a 'Syrah', principal cultivar de todo o vale do rio Rhône na França, já existem 16 clones registrados, sendo que só os dois principais, de números 100 e 99 representam 65% do total do material multiplicado para essa cultivar (MEJEAN & LASSALLE, 1994).

Por outro lado, se as informações sobre a fenologia e as diferenças de potencial de produção dos clones têm sido bastante discutidas (BOIDRON et al., 1993; HUGLIN & SCHNEIDER, 1998), nada tem sido abordado sobre o comportamento ecofisiológico dos mesmos. Tal análise pode contribuir para a compreensão das diferentes formas de expressão dos genótipos e, no caso específico das trocas gasosas foliares, a questão que se observa é a de saber se, a exemplo do que ocorre para cultivares de videira, como Chardonnay, Moscatel de Alexandria, Sémillon e Trebbiano, a distinção dos clones é possível a partir da avaliação das taxas de assimilação do carbono, ou da abertura dos estômatos, podendo explicar as diferenças de vigor, fertilidade ou mesmo respostas às condições do meio, conforme já foi demonstrado por Regina & Carbonneau (1996, 1997, 1999).

Dessa forma, com o presente trabalho visou-se comparar o comportamento fenológico, produtivo e ecofisiológico de alguns clones da cultivar Syrah, selecionados nos diferentes grupos produtivos.

Este trabalho foi desenvolvido durante a primavera/verão de 2000, em plantas adultas de diferentes clones da cultivar Syrah. O vinhedo encontrava-se instalado em solo arenoso situado ao nível do mar e com lençol freático superficial, do Domaine de L'Espiguette, pertencente ao ENTAV, em Le Grau du Roi, situado na região mediterrânea da França à latitude de 43º29' N, longitude de 004º08' E, altitude de 1,0 m, temperatura média anual de 15,0ºC e precipitação anual de 500 mm, com maior concentração durante os meses de outono e inverno, período de repouso da videira. As plantas estavam enxertadas sobre o porta-enxerto SO4, conduzidas em espaldeira e podadas em duplo cordão esporonado.

Os clones escolhidos foram os de número 100, classificado como de fertilidade elevada e produtivo; 174, com fertilidade elevada, mas baixa produção devido ao tamanho reduzido dos cachos; e 470, de pouca fertilidade e pouca produção.

Avaliaram-se os estádios fenológicos de floração e maturação (pintor) em 5 plantas de cada clone, segundo metodologia proposta por Carbonneau (1981). O início da floração foi notado quando pelo menos duas flores se encontravam abertas em duas inflorescências diferentes, e o final quando apenas duas inflorescências na planta ainda não possuíam todas as flores abertas. O início da maturação foi determinado quando duas bagas em cachos diferentes mudavam de cor, e o final, quando apenas dois cachos na planta não possuíam todas as bagas pintadas.

Por ocasião da colheita avaliaram-se o peso e número de cachos por planta. O peso médio dos cachos, peso médio de 200 bagas, teor de álcool provável do mosto, acidez total e a fertilidade das gemas dos sarmentos (número de cachos/sarmento), também foram avaliados após a colheita.

A curva de crescimento dos sarmentos foi avaliada de acordo com medições semanais do comprimento de quatro ramos/planta durante o período de início do crescimento e desponte.

Mediram-se também as trocas gasosas foliares por intermédio de analisador portátil de trocas gasosas trabalhando em circuito aberto (LCA modelo ADC3, ADC Bioscientific Ltd, England). Foi feita uma série de medições no estádio final da maturação, durante o mês de agosto. Foram realizadas quatro séries de mensurações foliares durante o dia, espaçadas de duas horas uma da outra, às 8, 10, 12 e 14 horas. Em cada série foram mensuradas quatro folhas por clone, escolhendo sempre folhas adultas, sadias, situadas na porção mediana do sarmento, e exposta à densidade de fluxo de fótons fotossintéticamente ativos saturante (> 1000 mmol.m-2.s-1.) fornecida pela célula fotoelétrica do próprio analisador de trocas gasosas.

Ainda que não tenham sido observadas diferenças entre clones para o início e final de floração e início do estádio de maturação, a colheita do clone 470 antecipou-se em 4 dias a do clone 100 e 3 dias a do clone 174 (Tabela 1).

A avaliação da produção mostrou diferenças bastante expressivas entre clones, destacando-se a baixa produção (1,48 kg/planta) e índice de fertilidade (0,81cachos/ramo) do clone 470, contra 3,62 kg/planta e 1,86 de fertilidade para o clone 100 (Tabela 2). O clone 174 manteve-se em posição intermediária de produção, mas destacou-se por apresentar o menor peso de cacho (120 g), fato explicado pelo baixo número de bagas/cacho (52,6) o que confirma as características desse clone (ENTAV, 1995). A baixa produção do clone 470 entretanto não influenciou o grau de maturação de suas bagas, que apresentaram teores de açúcares, expressos em álcool provável, de 10,4, contra 10,0 dos clones 100 e 174 (Tabela 2). A acidez mais elevada foi observada para o clone 174, com 5,20 g.l-1 H2SO4, contra 4,70 g.l-1 H2SO4, parao clone 174.

Ao comparar a evolução do crescimento dos sarmentos (Figura 1), evidenciou-se que o clone 470 apresenta expressão vegetativa, ou vigor, nitidamente superior aos demais, com diferenças significativas durante todo o período de observações. Tal fato poderia explicar os baixos índices de fertilidade observados para este clone, que provavelmente teve sua indução floral afetada por sua forte expansão vegetativa no momento da florada, conforme tem sido relatado para a videira (POMMER & BIASI, 2000; SHIKHAMANY, 1999). Os clones 174 e 100 mostraram um comportamento bastante semelhante entre si.

A superioridade de expressão vegetativa do clone 470, não foi, entretanto, confirmada com respeito às trocas gasosas das folhas, pois as avaliações da atividade fotossintética e condutância estomática não revelaram diferenças entre os clones avaliados (Figuras 2 e 3). Os níveis de assimilação de carbono mostraram-se elevados para os três clones, com valores situados entre 10 e 12 mmol CO2m-2s-1 até o final da manhã, para em seguida reduzir-se de forma similar até atingir valores vizinhos de 9,0 mmol CO2m-2s-1 às 14 horas, valores estes considerados normais para esta cultivar, conforme demonstrado por e Regina & Carbonneau (1992). A condutância estomática das folhas evoluiu positivamente até o final da manhã, atingindo valores ao redor de 0,2 mmol H2Om-2s-1, para, em seguida decrescer até valores próximos de 0,13 mmol H2Om-2s-1, sem entretanto manifestar diferenças de comportamento entre clones (Figura 3).

As avaliações comparativas deste ensaio permitiram comprovar as variações exitentes na fertilidade e no potencial de produção de alguns clones da cultivar Syrah. No caso específico do clone 470, o maior vigor, expresso por um forte crescimento dos ramos, provavelmente influenciou negativamente a indução floral e conseqüentemente sua fertilidade. Neste caso, a associação entre clone vigoroso e qualitativo explica-se pelo fato dele possuir uma maior área foliar por cacho, o que conseqüentemente pôde permitir melhores índices de maturação, tanto dos açúcares quanto dos polifenóis presentes na película.

As avaliações da atividade fotossintética das folhas não foram capazes de revelar tendências de variação do comportamento entre clones. Seria de se esperar, por exemplo, que um clone mais vigoroso, como o 470, apresentasse valores mais elevados de fotossíntese, como forma de resposta à maior demanda em fotoassimilados para sua expansão vegetativa. Neste caso, o excesso de ramos e folhas atuariam como drenos, exercendo influência positiva na fotossíntese, a exemplo do que ocorre com os frutos para a cultivar Trebbiano (REGINA, 1995).

Por outro lado, há que se considerar que as plantas empregadas para a avaliação das trocas gasosas eram cultivadas em solo de areia com lençol freático extremamente superficial, e desta forma, sem restrições hídricas, mesmo durante o final do verão mediterrâneo. Nestas condições, consideradas não limitantes ao desenvolvimento da videira, as possíveis variações do comportamento ecofisiológico tendem a desaparecer, ocorrendo uma homogeneização das respostas das plantas aos fatores ambientais (REGINA & CARBONNEAU, 1992). Variações do comportamento ecofisiológico, e em particular das trocas gasosas, podem ocorrer em condições limitantes de cultura (CHAVES et al., 1987; REGINA & CARBONNEAU, 1996, 1997, 1999) e neste aspecto, a imposição progressiva de um estresse hídrico (condição normalmente verificada em solos pouco argilosos nas condições de verão seco do clima mediterrâneo) poderiam provavelmente explicar as variações adaptativas entre clones de uma mesma cultivar. Essas observações permitem supor que seria interessante repetir tais observações em condições limitantes de cultivo, particularmente em situaçâo de estresse hídrico.

(Recebido para publicação para 27 de abril 2004 e aprovado em 11 de abril de 2005)

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    Extraído do relatório de Pós-doutorado do primeiro autor Financiado pelo CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      11 Abr 2005
    • Recebido
      27 Abr 2004
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