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O impacto da diversidade das gerações na confiança dentro das empresas

Resumo

Este artigo investiga as causas das diferenças geracionais no trabalho e seu impacto na propensão para confiar. Tratamos a propensão a confiar como um proxy para capital social, aumentando a cooperação e a eficiência. Avaliamos as variações de confiança em uma amostra de cinco empresas usando métodos qualitativos e quantitativos para investigar possíveis diferenças nos níveis de confiança entre grupos geracionais. Conduzimos 36 entrevistas em profundidade e 24 grupos de foco, e coletamos 894 questionários válidos. A análise qualitativa sugere que as diferenças entre as gerações estão relacionadas à experiência de tempo e fluxo de tempo, bem como à incerteza e vulnerabilidade ao longo da vida. A vulnerabilidade percebida afeta negativamente a predisposição para a confiança. Os resultados do estudo quantitativo confirmam esse achado.

Palavras-chave:
Gerações; Diferenças geracionais; Confiança organizacional; Cooperação

Abstract

This paper investigates the causes of generational differences at work and their impact on the propensity to trust. We treated propensity to trust as a proxy for social capital, enhancing cooperation and efficiency. We assessed trust variations in a sample of five companies using combined qualitative and quantitative methods to investigate possible differences in the levels of trust among generational cohorts. We conducted 36 in depth-interviews and 24 focus groups and collected 894 valid questionnaires. The qualitative analysis suggests that differences among generations are related to the experience of time and time-flow and uncertainty and vulnerability throughout one’s lifetime. The results confirm that perceived vulnerability negatively affects the predisposition to trust.

Keywords:
Generations; Generational differences; Organizational trust; Cooperation

Resumen

Este artículo investiga las causas de las diferencias generacionales en el trabajo y su impacto en la propensión a confiar. Tratamos la propensión a la confianza como un proxy del capital social, aumentando la cooperación y la eficiencia. Evaluamos las variaciones de confianza en una muestra de cinco empresas utilizando métodos cualitativos y cuantitativos para investigar posibles diferencias en los niveles de confianza entre grupos generacionales. Realizamos 36 entrevistas en profundidad y 24 grupos focales, y recopilamos 894 cuestionarios válidos. El análisis cualitativo sugiere que las diferencias entre generaciones están relacionadas con la experiencia del tiempo y el flujo del tiempo, así como con la incertidumbre y la vulnerabilidad a lo largo de la vida. La vulnerabilidad percibida afecta negativamente la predisposición a la confianza. Los resultados del estudio cuantitativo confirman este hallazgo.

Palabras clave:
Generaciones; Diferencias generacionales; Confianza organizacional; Cooperación

INTRODUÇÃO

Este artigo investiga as causas das diferenças geracionais no trabalho e seu impacto na propensão para confiar, tratando essa propensão como um proxy para capital social, capaz de aumentar a cooperação e a eficiência (Dirks & Ferrin, 2001Dirks, K. T., & Ferrin, D. L. (2001). The role of trust in organizational settings. Organization science, 12(4), 450-467.; Zucker, 1986Zucker, L. G. (1986). Production of trust: Institutional sources of economic structure, 1840-1920. Research in Organizational Behavior, 8, 53-111). Procuramos encontrar as causas dos conflitos e das barreiras de comunicação em cinco empresas de grande porte. Desalinhamentos geracionais surgiram espontaneamente, com força e frequência, como fonte de frustração em meio a esforços para promover o entendimento e atender a expectativas mútuas. Estudos anteriores já observaram que diferenças entre gerações exigem um esforço extra das lideranças para obter uma melhor coordenação e cooperação (Arsenault, 2004Arsenault, P. M. (2004). Validating generational differences: A legitimate diversity and leadership issue. Leadership & Organization Development Journal, 25(2), 124-141.; Lyons & Kuron, 2014Lyons, S. T., & Kuron, L. (2014). Generational differences in the workplace: A review of the evidence and directions for future research. Journal of Organizational Behavior, 35(S1), S139-S157.). Entretanto essas pesquisas, ainda que abundantes, não foram capazes de oferecer resultados conclusivos, o que representa uma lacuna que este artigo visa explorar. No intuito de ampliar nossa compreensão sobre a cooperação interna, entender as diferenças geracionais dentro das empresas é um passo essencial. Nesse sentido, este estudo visa responder às seguintes questões: 1) Quais são as causas das diferenças entre as gerações? 2) Há diferença na propensão a confiar - e, portanto, a cooperar - entre indivíduos de diferentes gerações?

Aqui concordamos com Lyons e Kuron (2014Lyons, S. T., & Kuron, L. (2014). Generational differences in the workplace: A review of the evidence and directions for future research. Journal of Organizational Behavior, 35(S1), S139-S157.), que afirmam que cada metodologia oferece uma perspectiva particular sobre o fenômeno, daí a vantagem de examinar o corpo de evidências considerando diversas metodologias de maneira complementar. Assim, escolhemos uma combinação de métodos qualitativos e quantitativos (a exemplo do estudo de Weeks & Schaffert, 2019Weeks, K. P., & Schaffert, C. (2019). Generational Differences in Definitions of Meaningful Work: A Mixed Methods Study. Journal of Business Ethics, 156(4), 1045-1061.), na expectativa de que um retorno à prática e a um esforço de pesquisa mais indutivo pudesse lançar uma nova luz sobre o tema e produzir novos insights. Nesse sentido, este estudo assume a perspectiva das ciências sociais, onde cada geração apresenta diferentes traços gerais adquiridos por meio de experiências vividas em contextos históricos e socioculturais específicos.

Reunimos um grupo de estudos de profissionais de recursos humanos das cinco empresas observadas, motivados a participar no esforço de pesquisa dada sua insatisfação em relação ao conhecimento disponível e sua aplicabilidade para melhorar a cooperação em suas equipes de trabalho. A pesquisa foi dividida em duas etapas. Na primeira, foram adotadas entrevistas em profundidade e grupos de foco com executivos e colaboradores das empresas na busca de identificar e compreender os elementos cruciais no cerne dos conflitos entre gerações encontrados, elementos esses que dificultam a cooperação prática. Na segunda parte, conhecendo as questões relacionadas a gerações que afetam a cooperação, usamos uma abordagem quantitativa para medir o quanto as diferenças geracionais podem dificultar a cooperação, usando a confiança interpessoal como um proxy para o capital social da empresa. Cientistas sociais (e.g., Fukuyama, 1995Fukuyama, F. (1995). Trust - The Social Virtues and the Creation of Prosperity. Harmondsworth, Middlesex: Penguin Books.; Gambetta, 2000Gambetta, D. (2000). Can we trust. Trust: Making and breaking cooperative relations, 13, 213-237.) e teóricos organizacionais (e.g., Dirks & Ferrin, 2001Dirks, K. T., & Ferrin, D. L. (2001). The role of trust in organizational settings. Organization science, 12(4), 450-467.; Zucker, 1986Zucker, L. G. (1986). Production of trust: Institutional sources of economic structure, 1840-1920. Research in Organizational Behavior, 8, 53-111) enfatizaram a importância da confiança como um proxy para o capital social, aumentando a cooperação e eficiência de várias tarefas organizacionais (Dirks & Ferrin, 2001, 2002). As hipóteses foram formuladas a partir da primeira etapa, ou seja, o estudo buscou confirmar os achados na etapa qualitativa e compreender a relação entre diferenças geracionais e confiança.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA SOBRE DIFERENÇAS GERACIONAIS

As diferentes gerações representam uma forma de diversidade que desafia sobremaneira a cooperação entre grupos etários (Arsenault, 2004Arsenault, P. M. (2004). Validating generational differences: A legitimate diversity and leadership issue. Leadership & Organization Development Journal, 25(2), 124-141.; Lyons & Kuron, 2014Lyons, S. T., & Kuron, L. (2014). Generational differences in the workplace: A review of the evidence and directions for future research. Journal of Organizational Behavior, 35(S1), S139-S157.; Standifer &d Lester, 2020Standifer, R. L., & Lester, S. W. (2020). Actual Versus Perceived Generational Differences in the Preferred Working Context: An Empirical Study. Journal of Intergenerational Relationships, 18(1), 48-70.; Urick, Hollensbe, Masterson & Lyons, 2017Urick, M. J., Hollensbe, E. C., Masterson, S. S., & Lyons, S. T. (2017). Understanding and managing intergenerational conflict: An examination of influences and strategies. Work, Aging, and Retirement, 3(2), 166-185.; K. P. Weeks, M. Weeks & Long, 2017Weeks, K. P., Weeks, M., & Long, N. (2017). Generational perceptions at work: in-group favoritism and out-group stereotypes. Equality, Diversity and Inclusion, 36(1), 33-53.). Nesse sentido, esforços tanto metodológicos como teóricos têm sido feitos para compreender adequadamente as diferenças entre as gerações no local de trabalho, ainda que, como mencionado anteriormente, esses diversos estudos tenham produzido resultados inconclusivos e até contraditórios.

Ao adotar a perspectiva das ciências sociais, busca-se contribuir com pesquisas anteriores sobre gerações nesse campo do conhecimento, especificamente no que se refere a perspectiva das forças sociais de Mannheim (1952). Mannheim (1952, p. 283, tradução nossa) argumenta que os eventos e o contexto que uma geração experimenta em seus anos de formação servem como uma base potencial para o surgimento de uma “forma inata de experimentar a vida no mundo” de maneira compartilhada. De acordo com essa abordagem, a interação intergeracional é um fator crítico para a transmissão de valores, habilidades e recursos através das gerações, sendo que essa interação pode ser positiva, quando estimula a criatividade e a inovação, ou negativa, quando mal-entendidos criam conflitos pessoais e organizacionais (Arsenault, 2004Arsenault, P. M. (2004). Validating generational differences: A legitimate diversity and leadership issue. Leadership & Organization Development Journal, 25(2), 124-141., p. 125).

Seguindo essa linha de raciocínio, Lyons e Kuron (2014Lyons, S. T., & Kuron, L. (2014). Generational differences in the workplace: A review of the evidence and directions for future research. Journal of Organizational Behavior, 35(S1), S139-S157.) e Arsenault (2004Arsenault, P. M. (2004). Validating generational differences: A legitimate diversity and leadership issue. Leadership & Organization Development Journal, 25(2), 124-141.) observam que as diferenças geracionais requerem esforços extras das lideranças em uma organização, sugerindo que elas podem afetar negativamente o trabalho de coordenação. Esses autores apontam para a relevância dos contextos sociais, de forma mais ampla, na compreensão das diferenças entre as gerações. Trabalhos como os de Becton, Walker e Jones-Farmer (2014Becton, J. B., Walker, H. J., & Jones-Farmer, A. (2014). Generational differences in workplace behavior. Journal of Applied Social Psychology, 44(3), 175-189.) e Cennamo e Gardner (2008Cennamo, L., & Gardner, D. (2008). Generational differences in work values, outcomes and person-organisation values fit. Journal of managerial psychology, 23(8), 891-906.) evidenciam que atitudes e valores não variam significativamente entre as gerações, recomendando cautela às empresas ao agrupar colaboradores de acordo com a idade e ao focar em como as diferenças individuais afetam o comportamento organizacional. No entanto, os resultados encontrados por Cennamo e Gardner (2008), Twenge e Campbell (2008Twenge, J. M., & Campbell, S. M. (2008). Generational differences in psychological traits and their impact on the workplace. Journal of managerial psychology, 23(8), 862-877.), Twenge, Campbell, Hoffman e Lance (2010), Smola e Sutton (2002Smola, K., & Sutton, C. D. (2002). Generational differences: Revisiting generational work values for the new millennium. Journal of Organizational Behavior: The International Journal of Industrial, Occupational and Organizational Psychology and Behavior, 23(4), 363-382.), Van Rossem (2018Van Rossem, A. H. D. (2018). Generations as social categories: An exploratory cognitive study of generational identity and generational stereotypes in a multigenerational workforce. Journal of Organizational Behavior, 40(4), 434-455.), e Westerman e Yamamura (2007Westerman, J. W., & Yamamura, J. H. (2007). Generational preferences for work environment fit: Effects on employee outcomes. Career Development International, 12(2), 150-161.) mostraram que há diferenças significativas entre as gerações no que se refere a valores. Esses resultados aparentemente contraditórios levantam a hipótese de que a origem dessas diferenças pode não estar apenas nas atitudes e valores, e que pesquisas mais aprofundadas precisam ser realizadas para compreender sua gênese.

Arsenault (2004Arsenault, P. M. (2004). Validating generational differences: A legitimate diversity and leadership issue. Leadership & Organization Development Journal, 25(2), 124-141.) e Lyons e Kuron (2014Lyons, S. T., & Kuron, L. (2014). Generational differences in the workplace: A review of the evidence and directions for future research. Journal of Organizational Behavior, 35(S1), S139-S157.), a partir do estudo seminal de Mannheim (2012Mannheim, K. (2012). Essays on the Sociology of Culture. London, UK: Routledge.), observam que cada geração apresenta diferentes características gerais adquiridas por meio de experiências vividas em um contexto histórico e sociocultural específico. Na mesma direção, Johnson e Mislin, (2011Johnson, N. D., & Mislin, A. A. (2011). Trust games: A meta-analysis. Journal of Economic Psychology, 32(5), 865-889.), Li e Fung, (2012Li, T., & Fung, H. H. (2012). Age differences in trust: An investigation across 38 countries. Journals of Gerontology Series B: Psychological Sciences and Social Sciences, 68(3), 347-355.), Raines e Filipczak (1999), Yi, Ribbens, Fu e Cheng (2015Yi, X., Ribbens, B., Fu, L., & Cheng, W. (2015). Variation in career and workplace attitudes by generation, gender, and culture differences in career perceptions in the United States and China. Employee Relations, 37(1), 66-82.), e Zemke, LyonsLyons, S. T., & Schweitzer, L. (2017). A Qualitative Exploration of Generational Identity: Making Sense of Young and Old in the Context of Today’s Workplace. Work, Aging and Retirement, 3(2), 209-224. e Schweitzer (2017) associaram eventos históricos a valores e características de cada geração, percebendo diferenças entre grupos etários.

Outros estudos examinando diferentes gerações compartilhando o mesmo local de trabalho surgiram a partir do final da década de 1990, quando a longevidade apareceu cada vez mais como um fenômeno social que afetava as organizações. No século XX, quando o impacto desta heterogeneidade na confiança se tornou mais explícito, o tema passou a ser central em estudos como os de Becton et al. (2014Becton, J. B., Walker, H. J., & Jones-Farmer, A. (2014). Generational differences in workplace behavior. Journal of Applied Social Psychology, 44(3), 175-189.), Cennamo e Gardner (2008Cennamo, L., & Gardner, D. (2008). Generational differences in work values, outcomes and person-organisation values fit. Journal of managerial psychology, 23(8), 891-906.), Johnson e Mislin (2011Johnson, N. D., & Mislin, A. A. (2011). Trust games: A meta-analysis. Journal of Economic Psychology, 32(5), 865-889.), Li e Fung (2012Li, T., & Fung, H. H. (2012). Age differences in trust: An investigation across 38 countries. Journals of Gerontology Series B: Psychological Sciences and Social Sciences, 68(3), 347-355.), Lyons, Schweitzer, Ng e Kuron (2012Lyons, S. T., Schweitzer, L., Ng, E. S., & Kuron, L. K. (2012). Comparing apples to apples: A qualitative investigation of career mobility patterns across four generations. Career Development International, 17(4), 333-357.), Smola e Sutton, (2002Smola, K., & Sutton, C. D. (2002). Generational differences: Revisiting generational work values for the new millennium. Journal of Organizational Behavior: The International Journal of Industrial, Occupational and Organizational Psychology and Behavior, 23(4), 363-382.), e Sullivan, Forret, Carraher e Mainiero (2009Sullivan, S. E., Forret, M. L., Carraher, S. M., & Mainiero, L. A. (2009). Using the kaleidoscope career model to examine generational differences in work attitudes. Career Development International, 14(3), 284-302.). Como característica em comum, esses autores verificaram diferenças com relação a confiança de acordo com variáveis demográficas, como idade (Bailey & Leon, 2019Bailey P. E., & Leon T. (2019). A systematic review and meta-analysis of age-related differences in trust. Psychology and Aging, 34(5), 674-685.; Holm & Nystedt, 2005Holm, H., & Nystedt, P. (2005). Intra-generational trust-a semi-experimental study of trust among different generations. Journal of Economic Behavior & Organization, 58(3), 403-419.; Li & Fung, 2012; Sutter & Kocher, 2007Sutter, M., & Kocher, M. G. (2007). Trust and trustworthiness across different age groups. Games and Economic behavior, 59(2), 364-382.) e gênero (Garbarino & Slonim, 2009Garbarino, E., & Slonim, R. (2009). The robustness of trust and reciprocity across a heterogeneous US population. Journal of Economic Behavior & Organization, 69(3), 226-240.; Zanini, Lusk & Wolff, 2009Zanini, M. T., Lusk, E. J., & Wolff, B. (2009). Confiança dentro das organizações da nova economia: uma análise empírica sobre as consequências da incerteza institucional. Revista de Administração Contemporânea, 13(1), 72-91., Zeffane, 2018Zeffane, R. (2018). Do age, work experience and gender affect individuals’ propensity to trust others? An exploratory study in the United Arab Emirates, International Journal of Sociology and Social Policy, 38(3/4), 210-223.). Entretanto, compreender a relação entre essas variáveis e os contextos sociais mais amplos é ainda um desafio, e este artigo procura contribuir nessa direção.

A premissa por trás da maioria dos estudos citados acima é que as diferenças possivelmente derivam de valores e que esses valores mudam através das gerações. A homogeneidade de valores aparece como fonte de regularidades observáveis ​​no comportamento de grupos sociais (como no caso de uma geração) e fonte de conflitos e diferenças com outros grupos. Essa compreensão pode ser parcialmente verdadeira, como pode também deixar de revelar outras causas relacionadas a percepção de conflito e a dificuldades de comunicação. A heterogeneidade exige esforços extras das lideranças e equipes nas organizações, mas é também fonte de oportunidade e vantagem competitiva (Arsenault, 2004Arsenault, P. M. (2004). Validating generational differences: A legitimate diversity and leadership issue. Leadership & Organization Development Journal, 25(2), 124-141.; Gratton & Scott, 2017Gratton, L., & Scott, A. (2017). The corporate implications of longer lives. MIT Sloan Management Review, 58(3), 63-70.), o que justifica os esforços para sua melhor compreensão. Se questionarmos a premissa de que o sistema de valores causa a maioria das diferenças, é justificável uma metodologia mais indutiva e qualitativa para explorar outras fontes possíveis de diferenças geracionais.

HETEROGENEIDADE GERACIONAL E CONFIANÇA

Adotamos aqui a definição de confiança elaborada por Mayer, Davis e Schoorman (1995Mayer, R. C., Davis, J. H., & Schoorman, F. D. (1995). An integrative model of organizational trust. Academy of management review, 20(3), 709-734.), como a disposição de um indivíduo de se colocar em uma posição vulnerável em um relacionamento com outra pessoa ou grupo - um conceito que aponta para a aceitação do risco e os benefícios das relações baseadas na confiança. Segundo os autores, a confiança reduz a percepção de riscos derivados da interação com os colegas de trabalho, contribuindo para aumentar a eficácia da organização já que ocorre maior reciprocidade e relações de mais qualidade. Já seu papel na cooperação e coordenação organizacional tem sido bem abordado na literatura, com diversos estudos sobre a relação entre confiança e outras variáveis de desempenho organizacional (De Jong, Dirks & Gillespie, 2016De Jong, B. A., Dirks, K. T., & Gillespie, N. (2016). Trust and team performance: A meta-analysis of main effects, moderators, and covariates. Journal of Applied Psychology, 101(8), 1134-1150.; Dirks & Ferrin, 2001).

Ainda não temos um entendimento mais apurado sobre o desenvolvimento das relações de confiança dentro das empresas considerando variáveis demográficas (como idade ou escolaridade) que sejam capazes de descrever com mais precisão o desafio relativo de aumentar a cooperação intergeracional (Becton et al., 2014Becton, J. B., Walker, H. J., & Jones-Farmer, A. (2014). Generational differences in workplace behavior. Journal of Applied Social Psychology, 44(3), 175-189.; Cennamo & Gardner, 2008Cennamo, L., & Gardner, D. (2008). Generational differences in work values, outcomes and person-organisation values fit. Journal of managerial psychology, 23(8), 891-906.; Lyons & Kuron, 2014Lyons, S. T., & Kuron, L. (2014). Generational differences in the workplace: A review of the evidence and directions for future research. Journal of Organizational Behavior, 35(S1), S139-S157.; Smola & Sutton, 2002Smola, K., & Sutton, C. D. (2002). Generational differences: Revisiting generational work values for the new millennium. Journal of Organizational Behavior: The International Journal of Industrial, Occupational and Organizational Psychology and Behavior, 23(4), 363-382.). Zucker (1986Zucker, L. G. (1986). Production of trust: Institutional sources of economic structure, 1840-1920. Research in Organizational Behavior, 8, 53-111) observa que quanto maior o número de semelhanças sociais, mais os agentes em interação tendem a compartilhar expectativas, o que pode implicar em maiores níveis de confiança. Esses níveis, portanto, indicam o sentimento de pertencimento a um sistema cultural comum baseado em expectativas compartilhadas e atendidas pelo grupo. Esse argumento encontra eco nos estudos de Zak e Knack (2001Zak, P. J., & Knack, S. (2001). Trust and growth. The economic journal, 111(470), 295-321.), que afirmam que a heterogeneidade e a desigualdade prejudicam as relações de confiança. Porém, se isso fosse verdade, os níveis de confiança seriam menores em sociedades mais heterogêneas e desiguais, e linearmente maiores em sociedades mais homogêneas. Mas não é isso que a evidência empírica sugere. Como salientado por Zucker (1986, p. 63), a confiança varia de acordo com sexo, idade e outras características individuais.

Além disso, Schoorman, Mayer e Davis (2007Schoorman, Mayer, R. C., & Davis, J. H. (2007). An Integrative Model of Organizational Trust: Past, Present, and Future. The Academy of Management Review, 32(2), 344-354., p. 351) também apontam para a necessidade de especificar as variáveis contextuais que levariam ao entendimento da propensão a confiar. As pesquisas têm apontado que a confiança deve ser examinada nos níveis macro e micro dentro das organizações (McEvily, Perrone & Zaheer, 2003McEvily, B., Perrone, V., & Zaheer, A. (2003). Trust as an organizing principle. Organization Science, 14(1), 1-106.; Zaheer, McEvily & Perrone, 1998) considerando variáveis contextuais específicas (Saunders, Skinner, Dietz, Gillespie & Lewicki, 2010Saunders, M. N. K., Skinner, D., Gillespie, N., Dietz, G., & Lewicki, R. (2010). Organizational trust: A cultural perspective. Cambridge, UK: Cambridge University Press .; Schoorman et al., 2007). Com relação ao contexto, as análises transnacionais contribuem significativamente para a compreensão da gênese das diferenças geracionais e seu impacto na confiança e cooperação dentro das organizações. No entanto, foram realizados ainda poucos estudos em empresas, e a maioria deles em países desenvolvidos principalmente da América do Norte e Europa.

Os resultados obtidos no estudo de Holm e Nystedt (2005Holm, H., & Nystedt, P. (2005). Intra-generational trust-a semi-experimental study of trust among different generations. Journal of Economic Behavior & Organization, 58(3), 403-419.) mostraram que as pesquisas sobre a confiança revelam a importância de reconhecer as especificidades de uma sociedade, sendo que os autores citam o World Values Survey 1990-1991 (Inglehart, 1997Inglehart, R. C. (1997). Modernization and Postmodernization, Cultural, Economic, and Political Change in 43 Societies. Princeton, NJ: Princeton University Press.) ao observar que a Suécia ocupava o topo do ranking em relação a confiança entre as pessoas. No World Values Survey 2010-2014, por exemplo, 60,1% dos Suecos acreditavam que a maioria das pessoas pode ser confiável, enquanto esse percentual se limitou a 34,8% no caso dos norte-americanos e a apenas 7,1% no caso dos brasileiros. Consequentemente, 92,2% dos brasileiros acham que é preciso ter muito cuidado com as outras pessoas, percentual que é reduzido a 64,3% na América do Norte e a apenas 37,2% na Suécia.

Ainda de acordo com a World Values Survey 2010-2014 sobre a propensão a confiar entre as gerações, os resultados brasileiros mostram uma maior propensão a confiar no grupo mais jovem (até 29 anos), enquanto os trabalhos de Smola e Sutton (2002Smola, K., & Sutton, C. D. (2002). Generational differences: Revisiting generational work values for the new millennium. Journal of Organizational Behavior: The International Journal of Industrial, Occupational and Organizational Psychology and Behavior, 23(4), 363-382.) e Garbarino e Slonim (2009Garbarino, E., & Slonim, R. (2009). The robustness of trust and reciprocity across a heterogeneous US population. Journal of Economic Behavior & Organization, 69(3), 226-240.), bem como o mesmo World Values Survey 2010-2014 (Inglehart et al., 2014Inglehart, R. C., Haerpfer, A., Moreno, C., Welzel, K., Kizilova, J., Diez-Medrano, M., … Puranen, B. (2014). World Values Survey: Round Six - Country-Pooled Datafile Version. Madrid, España: JD Systems Institute. Retrieved from http://www.worldvaluessurvey.org/WVSDocumentationWV6.jsp
http://www.worldvaluessurvey.org/WVSDocu...
) mostram o contrário nos EUA, onde há maior confiança no grupo de mais idade. No estudo de Sutter e Kocher (2007Sutter, M., & Kocher, M. G. (2007). Trust and trustworthiness across different age groups. Games and Economic behavior, 59(2), 364-382.) na Áustria, seis grupos de diferentes idades tiveram seu nível de confiança avaliados e registraram que o nível de confiança nas pessoas em geral aumenta quase linearmente entre alunos do ensino fundamental e adolescentes; e permanece quase estável na população adulta. A mesma tendência foi encontrada por Garbarino e Slonim (2009), que mostraram que a confiança é significativamente mais forte na vida adulta do que na infância e adolescência. Bellemare e Kröger (2003Bellemare, C., & Kroger, S. (2003). On Representative Trust (Discussion Paper, No 2003-47). Tilburg, the Netherlands: Tilburg University, Center for Economic Research.) encontraram na Holanda que a confiança e a reciprocidade aumentam com a idade, que é um padrão significativo. Depois dos oito anos, a confiança se desenvolve até a idade adulta e se estabiliza.

METODOLOGIA

Investigamos diferenças geracionais e possíveis diferenças nos níveis de confiança entre grupos geracionais usando métodos qualitativos e quantitativos combinados com entrevistas individuais e em grupo, bem como questionários estruturados. Cinco principais executivos da área de recursos humanos de cinco grandes empresas de diferentes setores industriais (telecomunicações, petroquímica, bebidas, logística e química) aceitaram participar do estudo. Todas as cinco empresas têm mais de mil funcionários e estão listadas na bolsa de valores.

O estudo foi realizado entre abril e outubro de 2017, e foi dividido em duas etapas. Na primeira, entre abril e agosto, realizamos uma pesquisa qualitativa com o objetivo de descobrir os elementos centrais que poderiam estar na origem de conflitos, dificuldades de comunicação e mal-entendidos entre indivíduos de diferentes gerações e como essas adversidades impactam negativamente a confiança interpessoal e a cooperação. Na segunda etapa, adotamos uma abordagem quantitativa para medir o quanto as diferenças geracionais podem perturbar a cooperação, usando a confiança interpessoal como um proxy para o capital social da empresa. Assim, entre os meses de agosto e outubro foram distribuídos e coletados questionários, respondidos por colaboradores das cinco empresas pesquisadas.

Procedimentos e análises da fase qualitativa

Na etapa qualitativa, por meio de uma abordagem indutiva, buscou-se um novo olhar sobre dados que pudessem trazer outros elementos para a análise, por meio da combinação de dois métodos: entrevistas em profundidade e grupos de foco. Um antropólogo treinado e um assistente, membros da equipe de pesquisa, realizaram todas as entrevistas. Foi adotado um critério de homogeneidade geracional para montar os grupos, e os dados coletados foram tratados por meio da análise de conteúdo. As falas dos participantes foram gravadas, os tópicos categorizados, e a frequência de aparecimento dos tópicos foi contada manualmente marcando os textos com um código de cores. Ainda, as lacunas de dados foram preenchidas com informações coletadas em novas rodadas de entrevistas. Com relação aos grupos de foco, o estudo se concentrou na lógica do argumento que as pessoas usavam para descrever as dificuldades em interagir com indivíduos de outras gerações, e na opinião do seu grupo (especialmente a contra argumentação). Além disso, buscamos encontrar padrões de comportamento de resposta em cada grupo geracional.

Os entrevistados foram selecionados aleatoriamente em cada uma das empresas estudadas, de acordo com a acessibilidade e grupo geracional. As entrevistas foram conduzidas à medida que os voluntários compareciam para participar, somando um total de 36 entrevistas individuais em profundidade. Quando se observou o surgimento de um padrão, os demais voluntários foram reunidos em 24 grupos de foco para promover um debate sobre os desafios de cada grupo de geração. Entrevistas individuais e grupos de foco tiveram a duração de 1 hora e 30 minutos cada, totalizando 90 horas de entrevistas.

Coletamos histórias e argumentos sobre eventos reais de frustração durante interações com indivíduos de outras gerações e suas opiniões sobre as causas de tais desconfortos. Em um primeiro momento, adotou-se a análise do discurso proposta por Geertz (1977Geertz, C. (1977). The interpretation of cultures. New York, NY: Basic Books.), como um esforço interpretativo para compreender a teia de significados que é a chave para a decodificação adequada do discurso. Posteriormente, optamos por histórias e narrativas sobre experiências concretas e expectativas frustrantes de interação real, a fim de coletar evidências para a análise de um “habitus” como proposto por Bourdieu (1977Bourdieu, P., & Nice, R. (1977). Outline of a Theory of Practice(Vol. 16). Cambridge, UK: Cambridge University Press.). Identificamos ser mais adequado interpretar as elipses e lacunas observadas no discurso de familiaridade, quando o entrevistado não conseguia traduzir em palavras, analiticamente, o que pretendia expressar. Ainda, recorrer a histórias reais e de maneira mais aprofundada, bem como a narrativas sobre problemas concretos foram estratégias úteis para preencher essas lacunas.

Neste trabalho optamos por nos afastar do estudo sobre valores, atitudes e preferências específicas para explorar cuidadosamente a síntese que Lyons e Kuron (2014Lyons, S. T., & Kuron, L. (2014). Generational differences in the workplace: A review of the evidence and directions for future research. Journal of Organizational Behavior, 35(S1), S139-S157.) produziram em sua análise de diferentes autores, com base em Mannheim (2012Mannheim, K. (2012). Essays on the Sociology of Culture. London, UK: Routledge.). Os autores afirmam que o contexto social é importante e relevante na observação das diferenças geracionais, entendendo uma geração como um grupo de indivíduos nascidos no mesmo contexto histórico e sociocultural. No entanto, a relevância de observar as diferenças geracionais é proporcional à capacidade de evitar longas listas descritivas de singularidades e especificidades, assim como encontrar o fio que conecta os elementos históricos e socioculturais à cadeia de trocas e reciprocidade em um contexto social concreto e, portanto, afetando a cooperação. Buscamos encontrar um caminho para descobrir o que, nos contextos socioculturais e históricos, poderia ferir a cadeia da reciprocidade, atrapalhando a cooperação.

A duração das entrevistas foi aumentada para permitir que os participantes descrevessem as situações concretas que produziram desconforto. Esperávamos compreender as experiências formativas que deram origem a um determinado “habitus” que lançou um novo olhar sobre o assunto. Lyons e Kuron (2014Lyons, S. T., & Kuron, L. (2014). Generational differences in the workplace: A review of the evidence and directions for future research. Journal of Organizational Behavior, 35(S1), S139-S157.) mencionam a possível relevância do conceito de “habitus” nas diferenças geracionais, definido como um modo de pensamento e ação. Embora não tenham se referido explícitamente à obra de Bourdieu (1977Bourdieu, P., & Nice, R. (1977). Outline of a Theory of Practice(Vol. 16). Cambridge, UK: Cambridge University Press.), ela nos levantou a possibilidade de proceder como o autor sugeriu e olhar para o cerne dessas diferenças mais como um estado do corpo do que como um estado de espírito. Nesse caso, os valores e todas as explicações para atitudes e comportamentos devem ser tratados não como evidências concretas do sistema de valores dos entrevistados, mas como um esforço para explicar algo que existe primeiro como uma experiência concreta, um automatismo corporal - um habitus - a partir do qual o discurso é um esforço secundário e pobre de objetificação (Bourdieu, 1977, p. 21). Nosso trabalho, nesse sentido, foi o de encontrar explicações.

RESULTADOS

Análise de dados qualitativos e suas implicações teóricas

A análise de conteúdo sugere três causas principais para o conflito entre as gerações: 1) A variação na relação dos indivíduos com o tempo, com a experiência autêntica da velocidade do fluxo dos acontecimentos, o que é um elemento crucial para compreender o conflito e as expectativas não cumpridas no encontro entre as diferentes gerações; 2) A relação entre o domínio da experiência e sua projeção no domínio da expectativa, que produziu significativa frustração e sensação de desorientação; e 3) A experiência de incerteza e os riscos associados às oportunidades ao longo da vida. A seguir expomos algumas falas que evidenciam essas causas, selecionadas a partir das entrevistas.

Um membro considerado veterano (geração nascida durante a Segunda Guerra Mundial) diz:

“Quando entrei nesta empresa, e estou aqui há quase 45 anos, fazíamos o que era necessário que fosse feito. O chefe pedia algo e você ia lá e fazia. E você estava aprendendo conforme fazia o que era pra ser feito ... Com o tempo, acumulamos conhecimento, experiência e os relacionamentos necessários para sustentar nossa própria carreira. A experiência de seu chefe tinha valor e você poderia aprender com ele.... Tínhamos a sensação de estar seguindo as pistas certas e construindo os relacionamentos certos. Claro, havia momentos de um tédio terrível. Isso fazia parte ... Agora esses jovens estão sempre com muita pressa…. Eles não estão interessados na experiência. Eles não conseguem ficar parados e ouvir. Se você pedir para mostrarem como descobriram algo em seus telefones, eles vão te mostrar tão rápido que você não consegue acompanhar ... então eles olham para você como se você fosse um idiota ...”.

Já a fala de um baby-boomer expressa uma percepção que também era comum para essa geração:

“A geração jovem entra na empresa pronta para sair. Vieram em busca de experiência, sucesso, reconhecimento, oportunidade de aprender e um emprego que lhes permitisse conciliar trabalho e vida privada, aprendizado e lazer. Querem tudo ao mesmo tempo. Precisamos olhar para os clientes, para os processos, para o fluxo financeiro. Uma empresa é um sistema complexo e leva tempo para aprender. Tento desafiar meus estagiários, mas também tenho muito trabalho a fazer e, se me distrair, perco um deles. Mudam de área ou até mudam de empresa ... Quando acho que encontrei um talento para desenvolver, ele sai da minha equipe em busca de novas oportunidades ou experiências. Eles parecem tão incapazes de lidar com o tempo necessário para que as coisas aconteçam”.

Na fala de um indivíduo da geração Y:

“Não consigo entender como as pessoas ficam tanto tempo no mesmo emprego ... Para mim, parece uma vida perdida, um tipo de acomodação ... um medo de ter a própria vida e carreira nas mãos. Gosto de trabalhar aqui, mas tenho um prazo para mim. Se não alcançar uma posição de destaque em três anos, vou buscar oportunidades em outro lugar”.

Para um participante da geração X:

“As pessoas me pedem para esperar, prometem uma carreira. Não sei se quero uma carreira, ou uma carreira aqui. Eu faço um esforço, mas é muito chato. Se meu chefe fosse transparente quanto às metas e objetivos, tenho certeza de que poderia ajudar a encontrar soluções inovadoras. No entanto, eles querem que usemos “processos e soluções testados”. Não! É burrice fazer isso, mas eles não ouvem. Não vou ficar aqui esperando até que me deem a oportunidade certa. Tenho amigos que ganham mais do que eu”.

Uma explicação detalhada de cada uma dessas entrevistas naturalmente nos levaria a contextos históricos, sociológicos e tecnológicos complexos que dão forma a experiência dos indivíduos. No entanto, para compreender o impacto da diferença nas trocas sociais, precisamos desvendar a estrutura mais profunda que constitui o núcleo dessas diferenças e o impacto nessas trocas.

Pode-se observar que a experiência física diferente, relacionada a velocidade do tempo, criou uma enorme demanda por indivíduos em interações presenciais, o que representa um choque entre os diferentes conjuntos de conhecimentos tácitos que as pessoas de cada geração adquiriram ao longo da vida. Comunicar e colaborar com pessoas da mesma idade exige menos esforço, pois o conhecimento tácito sincroniza as experiências do tempo e as formas de lidar com o curso da interação. Quanto mais idade tem o indivíduo, mais confortável ele fica com uma narrativa longa, linear e logicamente articulada. Quanto mais jovem, mais acostumado com múltiplos estímulos, atividades simultâneas e variadas possibilidades lógicas. A princípio, a experiência de velocidade e tempo quase poderia ser reduzida à experiência dos indivíduos com a tecnologia, produzindo uma espécie de determinismo tecnológico como causa das diferenças geracionais. No entanto, isso seria uma redução inadequada do que nossos dados sugerem.

Os veteranos e os baby-boomers sempre mencionaram a falta de oportunidades, a pobreza do Brasil até o início dos anos 1970 e a dependência de poucos bons empregadores para ter estabilidade. Incerteza e risco se misturam em sua história pessoal, onde paciência, perseverança e capacidade de construir os relacionamentos certos eram essenciais. O primeiro grupo da geração X, por outro lado, entrou no mercado de trabalho após o crescimento econômico da década de 1970, mas enfrentou uma profunda depressão e a alta inflação na década de 1980. Eles vivenciaram a nova abertura democrática após 21 anos de governo militar, sendo que novas liberdades civis e dificuldades econômicas marcam o contexto histórico de sua juventude. Os mais jovens, indivíduos da Geração Y, cresceram em uma época em que tanto os direitos quanto as liberdades civis podiam ser considerados garantidos. Eles se beneficiaram da estabilidade econômica, do acesso ilimitado à informação e do crescimento da nova classe média brasileira, que tiveram impacto significativo na expansão do marketing ao consumidor, nas oportunidades de emprego e no crescimento da mentalidade empreendedora. Mais oportunidades, informações e educação parecem ter contribuído para criar uma geração mais autoconfiante e independente, onde características como flexibilidade, autonomia e proatividade foram percebidas como essenciais para o sucesso.

Alguns estudos mostram que a maioria das empresas tem pelo menos três gerações diferentes coexistindo no mesmo local de trabalho: baby boomers (pessoas nascidas do final da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1960), a Geração X (nascidas entre meados da década de 1960 até a final dos anos 1970) e a Geração Y (entre o início dos anos 1980 e o início dos anos 2000). Não há consenso na literatura sobre os anos exatos que marcam as faixas etárias que caracterizam os indivíduos como pertencentes a uma ou outra geração (Becton et al., 2014Becton, J. B., Walker, H. J., & Jones-Farmer, A. (2014). Generational differences in workplace behavior. Journal of Applied Social Psychology, 44(3), 175-189.; Lyons & Kuron, 2014Lyons, S. T., & Kuron, L. (2014). Generational differences in the workplace: A review of the evidence and directions for future research. Journal of Organizational Behavior, 35(S1), S139-S157.; Smola & Sutton, 2002Smola, K., & Sutton, C. D. (2002). Generational differences: Revisiting generational work values for the new millennium. Journal of Organizational Behavior: The International Journal of Industrial, Occupational and Organizational Psychology and Behavior, 23(4), 363-382.; Twenge et al., 2010Twenge, J. M., Campbell, S. M., Hoffman, B. J., & Lance, C. E. (2010). Generational differences in work values: Leisure and extrinsic values increasing, social and intrinsic values decreasing. Journal of management, 36(5), 1117-1142.).

A maioria dos estudos sobre o tema tem a influência do trabalho de Mannheim (2012Mannheim, K. (2012). Essays on the Sociology of Culture. London, UK: Routledge.), que aponta ser inadequado impor a configuração geracional de uma sociedade em outra, acrescentando que as pesquisas devem considerar o contexto único de uma sociedade antes de adotar algum esquema geracional para a condução das análises. Assim, além dos relevantes episódios históricos apresentados para propor a classificação das gerações acima (que de alguma forma afetaram todo o ocidente), nosso estudo qualitativo confirma a relevância do contexto histórico e econômico brasileiro para enquadrar as experiências dos indivíduos. Nesse sentido, os valores na análise do discurso emergiram como uma espécie de “recurso comportamental” para garantir a adaptabilidade às circunstâncias externas. Isso dá uma pista para as causas da variação dos resultados da pesquisa em contextos socioeconômicos e históricos. Existe um elemento de “você deve ser X para alcançar o resultado Y” que é o teste de validade por trás da defesa de um sistema de valores. Em vez de constituir uma preferência anterior dos indivíduos, os valores aparecem como uma habilidade que se deve praticar para se adaptar com sucesso a uma dada situação externa.

Weber (1978Weber, M. (1978). Economy and society: An outline of interpretive sociology. Berkey, CA: Univ of California Press., p. 18) observou que quanto mais rigorosa a racionalidade relacionada aos resultados esperados (como as finalidades de um determinado curso de ação), mais semelhança pode ser observada no comportamento dentro de um grupo ou sociedade. Homogeneidades, regularidades e continuidades em atitudes e ações derivadas de esforços racionais para ajustar o comportamento de alguém aos fins desejados dentro de determinado contexto, são, muitas vezes, mais estáveis ​​do que as regularidades que emergem de regras e valores. Portanto, a experiência sociocultural e histórica se revela como a base para um específico conjunto de valores que emerge em detrimento de outros.

Os diferentes esforços que cada geração deve fazer para se ajustar, de alguma maneira, às situações externas, explicam a diferença em seus conhecimentos tácitos e valores correspondentes, ou seja, os elementos de heterogeneidade entre elas. No entanto, ainda nos falta uma síntese teórica potente que nos permita apreender o impacto sobre a percepção das gerações em relação aos conflitos e as barreiras de comunicação, pois, como na fala do veterano apresentada acima a respeito de sua relação com um superior há 50 anos atrás, diferenças podem produzir complementaridade.

A partir dessas observações, pode-se concluir que a heterogeneidade das experiências de vida afeta significativamente as expectativas em relação ao comportamento dos outros nas interações sociais. O aumento da longevidade e a transformação tecnológica contribuíram para criar um maior distanciamento entre as experiências de indivíduos em diferentes faixas etárias, o que reduz os fundamentos em comum que sustentariam uma razoável previsibilidade e expectativa em relação ao comportamento dos outros. Qualquer cálculo só pode ser considerado racional quando capaz de processar estimativas razoáveis ​​dos possíveis efeitos e consequências de ações, e o papel das expectativas na vida social é extremamente relevante para a confiança e a cooperação (Gambetta, 2000Gambetta, D. (2000). Can we trust. Trust: Making and breaking cooperative relations, 13, 213-237.; Zucker, 1986Zucker, L. G. (1986). Production of trust: Institutional sources of economic structure, 1840-1920. Research in Organizational Behavior, 8, 53-111).

Essas diferenças são especialmente significativas nas gerações mais velhas, pois ao final de uma carreira de 40 anos, as habilidades e conhecimentos construídos no início são substancialmente ultrapassados (Gratton & Scott, 2017Gratton, L., & Scott, A. (2017). The corporate implications of longer lives. MIT Sloan Management Review, 58(3), 63-70.), o que colocaria os funcionários mais antigos em uma posição mais vulnerável. Com a idade e a experiência, o declínio das habilidades cognitivas pode ser compensado por habilidades não cognitivas capazes de auxiliar na realização de tarefas mais complexas (Hennekam, 2016Hennekam, S. (2016). Employability and performance: a comparison of baby boomers and veterans in The Netherlands. Employee Relations, 38(6), 927-945.) que, no entanto, precisam ser valorizadas. A percepção da vulnerabilidade de veteranos e baby boomers pode estar relacionada à valorização de suas habilidades em um determinado contexto organizacional. Nesse sentido, nossos resultados encontram apoio nas discussões de Zucker (1986Zucker, L. G. (1986). Production of trust: Institutional sources of economic structure, 1840-1920. Research in Organizational Behavior, 8, 53-111) sobre a heterogeneidade como uma fonte de ruptura da confiança, onde a autora argumenta que, ao contrário da heterogeneidade, que rompe com expectativas básicas (próprias da origem geracional dos indivíduos), as semelhanças sociais geram expectativas em comum que contribuem com o processo de integração e servem como um indicador de confiança.

A partir dos dados levantados na pesquisa, observamos que a expectativa é, ao mesmo tempo, uma probabilidade e um desejo. É um estado subjetivo derivado de uma orientação para o futuro, no qual o indivíduo projeta experiências passadas e acredita que elas se repetirão. De alguma forma, mistura previsibilidade e premeditação - onde a previsibilidade precisa e confiável é fundamental a uma premeditação bem-sucedida. Os indivíduos racionais tendem a ajustar seu comportamento a essa projeção, considerando-a como a suposição mais confiável. A percepção de reciprocidade e cooperação ocorre quando o outro indivíduo na interação social corresponde a essa expectativa, promovendo trocas mais francas. Por outro lado, o comportamento aleatório é análogo a recusa em cooperar, e experiências contínuas de expectativas frustradas reduzem a fé e a esperança de que a interação seja produtiva. Assim, a heterogeneidade pode ser fonte de significativa desorientação, pois aumenta as possibilidades de cursos de ação imprevisíveis, reduzindo a possibilidade de construção de estimativas razoáveis ​​como base para a ação social.

Atkinson (2007Atkinson, C. (2007). Trust and the psychological contract. Employee Relations, 29(3), 227-246.) observa que o aumento da demanda por comportamento extra-papel pode afetar a confiança e o contrato psicológico nas organizações, influenciando negativamente a confiança organizacional. As diferenças descritas levantam a hipótese de que os conflitos de geração afetam a necessidade de comportamentos e esforços extra-papel e podem impactar negativamente a confiança organizacional de uma forma mais generalizada. De alguma forma, isso confirma a percepção de Atkinson (2007)Atkinson, C. (2007). Trust and the psychological contract. Employee Relations, 29(3), 227-246. de que a falta de clareza quanto às obrigações nos contratos relacionais (que são incompletos por natureza), menos específicos e construídos no curso das trocas sociais, pode ser percebida como uma violação do contrato psicológico, levando a uma percepção de falta de “mutualidade”.

A etapa qualitativa deste estudo nos leva a concluir que cada geração apresentou diferentes níveis de propensão à confiança de acordo com sua exposição ao risco e vulnerabilidade. Aqueles que passaram por mais incertezas e dificuldades ao longo da vida teriam menos probabilidade de confiar, sendo que os indivíduos mais velhos, com experiência de vida em contextos políticos e econômicos mais difíceis, podem ser afetados negativamente de três maneiras: primeiro, em razão de suas experiências diante de adversidades; segundo, por causa do desgaste de suas habilidades e conhecimentos ao longo do tempo; e terceiro, em razão da maioria dos esforços de retenção da organização ser direcionada aos jovens talentos. Como sua experiência de vida não ofereceria elementos suficientes para lidar com as novas situações e considerando que teriam menos recursos para se ajustar, esses indivíduos provavelmente estariam menos dispostos a cooperar. Sem o reconhecimento do valor de sua contribuição, que requer uma relação diferente com o tempo, a velocidade e a experiência em comparação com as gerações mais novas, espera-se que sua abertura para o intercâmbio e a reciprocidade seja menor.

Análise quantitativa complementar

Após identificarmos diferenças entre as gerações na primeira etapa do estudo, procuramos verificar, na etapa quantitativa, se essas diferenças produziam variação na propensão a confiar. Estudos sobre a relação entre confiança e idade frequentemente apontam que a confiança aumenta positivamente à medida que o indivíduo fica mais velho (Bailey & Leon, 2019Bailey P. E., & Leon T. (2019). A systematic review and meta-analysis of age-related differences in trust. Psychology and Aging, 34(5), 674-685.; Li & Fung, 2012Li, T., & Fung, H. H. (2012). Age differences in trust: An investigation across 38 countries. Journals of Gerontology Series B: Psychological Sciences and Social Sciences, 68(3), 347-355.; Paulin & Haase, 2015). No entanto, conforme apontado anteriormente neste artigo e destacado por Li e Fung (2012)Fukuyama, F. (1995). Trust - The Social Virtues and the Creation of Prosperity. Harmondsworth, Middlesex: Penguin Books., a maioria das pesquisas sobre confiança ao longo das gerações foi feita em países desenvolvidos e culturalmente individualistas como os EUA e a nações europeias. Portanto, é fundamental entender como o contexto se revela um importante fator que afeta os níveis de confiança ao longo do tempo.

Por exemplo, Li e Fung (2012Li, T., & Fung, H. H. (2012). Age differences in trust: An investigation across 38 countries. Journals of Gerontology Series B: Psychological Sciences and Social Sciences, 68(3), 347-355.) encontraram diferenças significativas na confiança entre culturas individualistas e coletivistas e entre países em diferentes níveis de desenvolvimento. Ainda, Cark e Eisenstein (2013)Clark, A. K., & Eisenstein, M. A. (2013). Interpersonal trust: An age-period-cohort analysis revisited. Social science research, 42(2), 361-375. mostraram que o distanciamento civil afetou o nível de confiança em um estudo sobre confiança interpessoal nos Estados Unidos. Estudos como os de Clark e Eisenstein (2013Clark, A. K., & Eisenstein, M. A. (2013). Interpersonal trust: An age-period-cohort analysis revisited. Social science research, 42(2), 361-375.) e Li e Fung (2012) mostram que, de certa forma, a confiança interpessoal é mais fraca nos grupos mais jovens e que os fatores contextuais têm um papel fundamental na determinação de como a confiança é promovida ao longo da vida de uma pessoa. Assim, após esclarecer as questões relacionadas a como as diferenças geracionais afetam a confiança, adotamos aqui uma abordagem quantitativa para medir até que ponto essas diferenças podem dificultar a cooperação usando a confiança interpessoal como um proxy para o capital social de uma empresa. Foram aplicados questionários entre os colaboradores das cinco empresas estudadas com objetivo de verificar o impacto dos resultados obtidos na etapa qualitativa em relação a propensão a confiar observada em cada geração. Como mencionado na metodologia, a aplicação do instrumento ocorreu entre os meses de agosto e outubro de 2017, obtendo retorno de 894 questionários válidos do total de 1.200 distribuídos (taxa de resposta de 74,5%). Ainda tomando como base a análise qualitativa da primeira etapa e assumindo que a vulnerabilidade afeta negativamente a confiança (e, portanto, assumindo que a geração dos baby boomers, mais velha e em uma posição mais vulnerável, tenderá a confiar menos do que as gerações X e Y mais jovens), formulamos o primeiros grupos de hipóteses:

H1a: Indivíduos da Geração Y tendem a confiar mais do que os baby boomers.

H1b: Indivíduos da Geração X tendem a confiar mais do que os baby boomers.

H1c: Indivíduos da Geração Y tendem a confiar mais do que indivíduos da Geração X.

Para as análises quantitativas, definimos os grupos de idade da seguinte forma: baby boomers - nascidos entre 1945 e 1964; Geração X - nascidos entre 1964 e 1980; e Geração Y - nascidos entre 1981 e 1997. Os indivíduos veteranos (nascidos durante a Segunda Guerra Mundial) ainda estão ativos em uma das empresas, e os membros da Geração Z (nascidos após 2000) ocupam posições de estagiários. Esses dois grupos foram entrevistados, mas optamos por não incluir seus dados na análise quantitativa devido ao pequeno tamanho da amostra (8 indivíduos veteranos e 17 indivíduos da Geração Z).

Em relação às variáveis estudadas, a confiança interpessoal foi medida por meio dos construtos latentes extraídos do Behavioral Trust Inventory (Gillespie, 2003Gillespie, N. (2003, August). Measuring trust in working relationships: the behavioral trust inventory. In Proceedings of the Academy of Management Conference, Seattle, WA.), especificamente a versão traduzida para o português que foi testada e utilizada por Zanini (2007Zanini, M. T. (2007). Trust within organizations of the new economy: A cross-industrial study. Karlsruhe, Germany: University of Verlag.). O inventário divide a confiança em três dimensões: confiança no supervisor, confiança no colega e confiança na equipe. Cada variável é composta por dez itens medidos em uma escala do tipo Likert de sete pontos. Calculamos a média das respostas referentes às três dimensões para formar uma percepção global de confiança. Quando considerados em conjunto, os itens da escala apresentaram alta confiabilidade (α = 0,95). As gerações foram delineadas por meio de variáveis fictícias que dividiram nossa amostra em três subgrupos: baby boomers (32,2% da amostra), Geração X (38%) e Geração Y (29,8%) e os controles usados foram a escolaridade, sexo, nível hierárquico, tempo de empresa, setor de trabalho. Essas variáveis de controle serão abordadas em um futuro artigo.

Para testar o impacto das diferentes gerações na confiança, conduzimos uma análise de regressão múltipla. Os resultados mostraram uma diferença significativa entre os baby boomers e a Geração Y (b = 0,20; p<0,001) e entre os baby boomers e a Geração X (b = 0,13; p<0,05), indicando que os níveis de confiança são maiores entre os membros das Gerações X e Y. Assim, as hipóteses 1a e 1b foram confirmadas. No entanto, não há diferenças significativas entre a Geração Y e a Geração X (b = -0,07; p = não significativa), o que leva à rejeição da hipótese 1c. A Tabela 1 apresenta esses resultados:

Tabela 1
Modelos de regressão linear da confiança

DISCUSSÃO

A etapa qualitativa confirmou que diferentes experiências sócio-históricas de vida aumentam a heterogeneidade entre as gerações, impactando sua propensão a confiar e criando um impacto negativo nas trocas sociais. No entanto, os dados sugerem que essa constatação é a ponta do iceberg de transformações socioeconômicas e culturais mais amplas. A mudança na propensão a confiar através das gerações parece ser causada por diferentes graus de exposição ao risco e a vulnerabilidade. Nesse sentido, observamos que as gerações mais velhas tendem a confiar menos que as mais novas. Nossa hipótese, para explicar esse resultado e a ser verificada em estudos futuros, é que o desgaste das capacidades pode ser mais relevante para a vulnerabilidade percebida, e que esse desgaste foi maior para os baby-boomers e menor para as gerações X e Y. Essa compreensão pode contribuir para reduzir a percepção de vulnerabilidade e aumentar a capacidade dos indivíduos de responder as mudanças. Por fim, essa questão sobre reter ou perder capacidades precisa ser melhor investigada.

Por meio de métodos quantitativos, comparamos as diferenças na propensão à confiança entre os membros das Gerações X, Y e baby boomers. Como resultado, observamos uma diferença significativa nos níveis de confiança entre os membros das gerações X e Y em relação aos baby boomers, mas nenhuma grande disparidade entre as gerações X e Y, o que indica que essas últimas são semelhantes em níveis de confiança, apresentando níveis mais elevados do que os observados entre os indivíduos da geração anterior.

Além disso, o estudo demonstra a importância do contexto, já que os resultados de nossa pesquisa no Brasil não foram idênticos aos de Holm e Nystedt (2005Holm, H., & Nystedt, P. (2005). Intra-generational trust-a semi-experimental study of trust among different generations. Journal of Economic Behavior & Organization, 58(3), 403-419.) na Suécia, embora ambos apontem uma tendência semelhante. Holm e Nystedt (2005) relataram níveis mais elevados de confiança nas gerações mais jovens, diferente de outros estudos, como Bellemare e Kröger (2003Bellemare, C., & Kroger, S. (2003). On Representative Trust (Discussion Paper, No 2003-47). Tilburg, the Netherlands: Tilburg University, Center for Economic Research.) na Holanda (que observaram que a confiança e a reciprocidade aumentam com a idade) e Sutter e Kocher (2007Sutter, M., & Kocher, M. G. (2007). Trust and trustworthiness across different age groups. Games and Economic behavior, 59(2), 364-382.) na Áustria (que concluíram que a confiança aumenta em uma progressão linear em relação ao envelhecimento).

Os resultados da pesquisa na Suécia mudaram, como demonstrado na edição mais recente da World Value Survey (2010-2014), revelando uma inversão em relação a tendência anterior. De fato, estudos recentes tem sugerido que grupos geracionais mais velhos tendem a confiar mais. A comparação entre esses trabalhos fica comprometida em razão das diferenças metodológicas, mas as mudanças nos resultados tendem a confirmar a relevância de contextos históricos específicos ao influenciar o comportamento de confiança. Vale ressaltar que a pesquisa original desenvolvida por Holm e Nystedt (2005Holm, H., & Nystedt, P. (2005). Intra-generational trust-a semi-experimental study of trust among different generations. Journal of Economic Behavior & Organization, 58(3), 403-419.) é do final da década de 1990. Portanto, o grupo mais jovem daquele estudo deve estar atualmente no final de seus 40 ou início de seus 50 anos de idade, ou seja, esses mesmos indivíduos já fazem parte de uma geração mais velha, mantendo uma maior propensão a confiar. Uma hipótese promissora a ser investigada é se a menor exposição à incerteza e vulnerabilidade durante a infância e juventude afeta a propensão a confiar ao longo da vida.

Nossos resultados corroboram os dados da World Value Survey 2010-2014, que mostram uma tendência geral de que as gerações mais velhas confiam menos do que as gerações mais novas no Brasil. Segundo esses dados, os jovens brasileiros (até 29 anos) confiam mais do que indivíduos na faixa etária de 30 a 49 anos ou mais. Nossos resultados apontam que quanto mais experientes e instruídos os indivíduos, menor a probabilidade de confiar, sendo que os mais jovens e com menor escolaridade são mais propensos a confiar e, portanto, se envolver em trocas sociais. Se a tendência da Suécia se repetir no Brasil, em vinte anos ou mais, a geração mais velha tenderá a confiar mais. O impacto dessas mudanças na economia ainda precisa ser melhor compreendido, mas uma coisa é certa: o estudo da propensão à confiança através das gerações revela um elemento dinâmico escondido sob a superfície de comportamentos observáveis com consequências para a cooperação e, portanto, para o desempenho organizacional.

CONCLUSÕES

Este estudo mostra que as diferenças de valores entre grupos de gerações são o resultado de uma transformação mais profunda das experiências vividas. Essa transformação amplia a heterogeneidade entre as faixas etárias, em uma dinâmica que ganha importância especial considerando que os resultados obtidos nas várias pesquisas realizadas até o momento ainda são inconclusivos.

Usando uma abordagem indutiva, concluímos que diferentes experiências socioculturais, históricas e tecnológicas produzem uma relação tácita diferente com o tempo e a velocidade do tempo e um desgaste relativo do conhecimento e da experiência dos indivíduos mais velhos. Essa é uma causa relevante de heterogeneidade entre as gerações, já que a experiência de riqueza econômica, estabilidade política e acesso à informação tende a aumentar a propensão a confiar. Ao enfrentar mudanças mais rápidas, as gerações mais velhas acabam experimentando uma dupla frustração: a) com a velocidade com que os mais jovens lidam com a mudança; e b) com a inadequação parcial de seu conhecimento tácito para lidar com ela. Assim, esses indivíduos formam o grupo com menos propensão a confiar e, portanto, com menos propensão a cooperar nas trocas de conhecimento.

A comparação dos resultados obtidos na etapa quantitativa de nosso estudo com pesquisas anteriores aponta para a conclusão de que a propensão a confiar muda de acordo com a geração, mas não na mesma direção em todas as sociedades. O contexto social e econômico mais amplo influencia fortemente essa tendência. Seria interessante verificar, em pesquisas futuras, se essa variação deriva de momentos de crescimento da incerteza e da vulnerabilidade em diferentes sociedades.

Os achados deste estudo sugerem que a heterogeneidade entre as gerações tende a ter consequências tanto para as transferências de conhecimento quanto para a gestão de recursos humanos de uma força de trabalho em envelhecimento. Independentemente da direção da mudança na propensão a confiar ao longo das gerações, ela pode ser afetada pela crescente longevidade dos indivíduos de maneira negativa e generalizada, prejudicando a coordenação e a cooperação e, consequentemente, o desempenho econômico. Concluímos que, no Brasil, os indivíduos mais experientes têm menor propensão a confiar e, portanto, a cooperar. Mas uma vez que detêm conhecimentos relevantes para as organizações, traçar estratégias e metodologias para apoiá-los em momentos de troca de conhecimento, pode ser uma alternativa para obter sucesso em processos de sucessão e de gestão do conhecimento.

O presente estudo traz implicações práticas e acadêmicas, oferecendo contribuições relevantes para as práticas de gestão relacionadas a lacunas geracionais no ambiente de trabalho ao confirmar as diferenças nos níveis de confiança entre grupos geracionais. Ainda, os resultados ajudam a explicar as causas de tais diferenças, considerando que até o momento a maioria das pesquisas no tema foram conduzidas em países desenvolvidos, principalmente na América do Norte e na Europa. Ao realizar um estudo no contexto de uma economia emergente como o Brasil, introduz-se novos insights científicos. As diferenças entre os processos históricos brasileiros e os encontrados nas sociedades europeias e americanas podem afetar não apenas a experiência (e, portanto, o nível de confiança) entre os grupos geracionais, mas também os marcos históricos que determinam o início e o fim de cada geração. Pesquisas futuras devem aprofundar as fontes das diferenças entre gerações e explorar as especificidades locais que afetam a determinação de grupos geracionais. Finalmente, apesar da importância dos resultados obtidos, consideramos que o tamanho reduzido da amostra adotada representa uma limitação deste estudo.

REFERENCES

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  • [Artigo traduzido]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2020
  • Aceito
    16 Mar 2021
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