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Exílio político no contexto do Brasil pós-2019: história do desterro e do trabalho existência/resistência de uma intelectual brasileira

Resumo

Nos anos recentes, vislumbramos em várias partes do mundo a ascensão de líderes de extrema direita. Sobre esse fenômeno, Stanley (2019) nos diz da necessidade de uma compreensão mais generalizada e o descreve sob o prisma do fascismo. Souza (2019), ao discorrer sobre a atual conjuntura do Brasil, também remete às razões irracionais do fascismo e às suas particularidades no contexto brasileiro, chamando a atenção para a emergência de um neofascismo contemporâneo. Dentro desse quadro, observamos a necessidade da saída de pessoas de seu próprio país em função das violências vivenciadas em caráter cada vez mais crescente. Assim, buscamos em nosso estudo, a compreensão desse fenômeno, por meio da apresentação da história do desterro de Marcia Tiburi, filósofa, escritora, professora universitária e política brasileira. Para a discussão teórica do caso, resgatamos, dentre outros aportes, o debate sobre a centralidade do trabalho e sua função psicológica e sobre como o trabalho se apresenta enquanto modo de existência e resistência para o exilado político. Também discorremos a respeito da solidariedade e do espaço público da palavra, possibilidade que se cessa no país de origem e que se busca restaurar no expatriamento, especialmente pela via do trabalho enquanto modo de existência e resistência. Destacamos aqui a metodologia utilizada: a pesquisa em história de vida. Trata-se de uma rica possibilidade de apreensão do vivido social e do sujeito em suas práticas, e que se apresenta especialmente fecunda ao estudo de fenômenos como o da migração. Importa-nos ainda, com o presente trabalho, registrar e refletir acerca do trabalho no contexto do exílio político na história recente do Brasil.

Palavras-chave:
Exílio político; Fascismo; Trabalho; Histórias de vida; Fontes orais

Abstract

Recent years have witnessed the rise of far right-wing leaders in various parts of the world. Stanley (2019) recognizes the particularities of the different nations where this phenomenon is observed but advocates for generalizing it. The author uses the label “fascism” to refer to a variety of ultranationalism. When analyzing the current Brazilian situation, Souza (2019) also refers to fascism, exploring its irrational origins and particularities in Brazil, noticing the emergence of a neo-fascism. Against this backdrop, there are cases of people leaving their countries due to the increasing violence experienced. This study explores this particular situation, presenting the history of Tiburi’s exile, a philosopher, writer, university professor, and Brazilian politician. Concerning the theoretical discussion of the case, the study recalls, among other contributions, the debate about the centrality of work and its psychological function and how it presents itself as a form of existence and resistance for political exile. The article also discusses solidarity and the ‘public space of word’, a possibility that ceases in the country of origin and is sought in expatriation, primarily through work as a mode of existence and resistance. This study uses life history research, which is a rich possibility of apprehending the social experience and the subject in their practices. It is a method particularly fruitful in the study of phenomena such as migration. It is also essential through this research to register and reflect on work in the context of the recent Brazilian political exile.

Keywords:
Political exile; Fascism; Work; Life histories; Oral sources

Resumen

En los últimos años, hemos visto el surgimiento de líderes de extrema derecha en varias partes del mundo. Acerca de este fenómeno, Stanley (2019) plantea la necesidad de una comprensión más generalizada y lo describe desde la perspectiva del fascismo. Al tratar sobre la actual coyuntura en Brasil, Souza (2019) también se refiere a las razones irracionales del fascismo y sus particularidades en el contexto nacional, llamando la atención sobre el surgimiento de un neofascismo contemporáneo. Dentro de este marco, observamos la necesidad de que personas tengan que salir de su propio país debido a la creciente violencia experimentada. Así, en nuestra investigación, buscamos comprender este fenómeno, presentando la historia del exilio de Marcia Tiburi, filósofa, escritora, profesora universitaria y política brasileña. Para la discusión teórica del caso, rescatamos, entre otras contribuciones, el debate sobre la centralidad del trabajo y su función psicológica y sobre cómo el trabajo se presenta como una forma de existencia y resistencia para el exiliado político. También discurrimos a respecto de la solidaridad y el espacio público de la palabra, una posibilidad que termina en el país de origen y que busca restablecerse en la expatriación, en especial a través del trabajo como una forma de existencia y resistencia. Destacamos aquí la metodología utilizada: investigación de historia de vida. Es una valiosa posibilidad de aprehender la experiencia social y el sujeto en sus prácticas, y es especialmente fértil para el estudio de fenómenos como la migración. También es importante para nosotras, con el presente trabajo, registrar y reflexionar sobre el trabajo en el contexto del exilio político en la historia reciente de Brasil.

Palabras clave:
Exilio político; Fascismo; Trabajo; Historias de vida; Fuentes orales

INTRODUÇÃO

No início de 2019, eu1 1 Os trechos narrados em primeira pessoa referem-se a experiências e memórias da primeira autora do artigo. estava de mudança para a cidade do Rio de Janeiro para a realização do pós-doutorado. Era o princípio do governo do então novo presidente do Brasil e o país encontrava-se em um momento de enorme agitação política. Chamou-me a atenção, naquela época, que algumas pessoas estivessem deixando o país em função de ameaças e violências a elas dirigidas já de longo tempo, mas que, no contexto da ascensão de uma extrema direita ao poder, certamente se tornariam ainda mais problemáticas e intimidatórias. Tal fato me comoveu profundamente; parte do Brasil permanecia em luto pela posse do presidente, mas para algumas pessoas já não seria possível seguir existindo em seu próprio país, e eu não conseguia parar de pensar na dor e na violência que permeavam uma situação como essa.

Esse cenário me remeteu também a algumas das minhas próprias memórias. Em meados da década de 1990, ainda durante o ensino médio, escutava de meu professor de História na época a respeito do período da ditadura militar no Brasil e sobre as características desse tempo, que remontavam, dentre outras questões, a uma suposta ameaça comunista e à necessidade de combatê-la através do expurgo, perseguição e tortura de pessoas que representassem tal atemorização. Perplexa, perguntava-me como os cidadãos dessa época conseguiam crer em uma ideia tão insensata, e mais do que isso, segui-la em apoio, por meio do ódio ao seu semelhante e da conivência a essa violência. No aprendizado das aulas, aliviava-me pensar que se tratava de um passado distante e que, com a luta pela redemocratização do país, havíamos chegado a um esclarecimento que não nos permitiria retrocessos. Estava fortemente equivocada.

Esses são alguns dos percursos e memórias que nos levaram à construção da presente pesquisa. Trata-se de uma investigação ampla, cujo objetivo é abordar a questão do recente exílio de brasileiras e brasileiros do país, apropriando-se dessa discussão a partir da escuta da história e do relato do próprio exilado sobre suas experiências, e tendo como fio condutor de análise a dimensão do trabalho. Sobre esse expatriamento, alguns casos são públicos e notórios, como o de Jean Wyllys (político brasileiro, jornalista e professor universitário), Debora Diniz (antropóloga, professora universitária, pesquisadora, ensaísta e documentarista), Anderson França (escritor, colunista, empreendedor social) e Marcia Tiburi (escritora, professora universitária e política brasileira); a história do exílio de Marcia é o foco do artigo em questão. Marcia deixou o Brasil no final do ano de 2018, em uma condição na qual ela mesma intitula como desterro. Por desterro compreende-se toda a situação de banimento, deportação, exílio e expatriação; situação deflagrada, no caso de Marcia, em função do peso colocado em sua vida política, pessoal, social e profissional. O relato dessa história constitui-se enquanto o eixo principal e norteador do artigo. Trata-se da pesquisa em história de vida.

A pesquisa em histórias de vida data do início do século XX, com a Escola de Chicago (EUA), quando os relatos biográficos passaram a assumir status de material de pesquisa sociológica. Dentre as variadas possibilidades de abordagens com métodos biográficos, destacamos a perspectiva da Psicossociologia, na qual a história de vida se apresenta como material privilegiado de pesquisa. Trata-se de uma rica possibilidade de apreensão do vivido social e do sujeito em suas práticas, a fim de se observar a maneira pela qual ele negocia as condições sociais que lhe são próprias, construtoras do seu mundo, que é, simultaneamente, por ele construído. Uma metodologia que se apresenta especialmente fecunda ao estudo de fenômenos como migração, mobilidade social, trabalho e trajetórias profissionais (Barros & Lopes, 2014Barros, V. A., & Lopes, F. T. (2014). Considerações sobre a pesquisa em história de vida. In E. M. Souza (Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: uma abordagem teórico-conceitual. Vitória, ES: EDUFES.). A história de vida consiste na busca de conhecimento a partir da experiência do sujeito (Barros & Silva, 2002Barros, V. A., & Silva, L. R. (2002). A Pesquisa em História de Vida. In I. B. Goulart, & A. A. L. Santos (Eds.), Psicologia organizacional e do trabalho: teoria, pesquisa e temas correlatos. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.). É uma maneira de recolocar o indivíduo no social e na história. Inscrita entre a análise psicológica individual e a análise dos sistemas socioculturais, a história de vida permite captar de que modo os indivíduos fazem a história e modelam sua sociedade, sendo também modelados por ela (Laville & Dionne, 1999Laville, C., & Dionne, J. (1999). A Construção do Saber. Manual de Metodologia da Pesquisa em Ciências Humanas. Porto Alegre, RS: Editora UFMG.).

A sessão teórica-metodológica do artigo, discorre com maiores detalhamentos acerca desse gênero de investigação, além de localizá-lo, no campo da Administração, enquanto uma possibilidade para as pesquisas históricas, especialmente por sua capacidade de problematizar versões históricas tidas como oficiais, além do destaque à oralidade e suas potencialidades críticas de escuta e relato do que tende a ser silenciado ou posto à margem, como as experiências individuais associadas ao sofrimento, ao trauma e às perseguições políticas (Ferreira & Serres, 2018Ferreira, M. L. M., & Serres, J. C. P. (2018). Museus e Narrativas do Sofrimento: Reflexões sobre os limites do dizível. In L. Bauer, & V. T. Borges(Eds.), História oral e patrimônio cultural: potencialidades e transformações. São Paulo, SP: Letra e Voz.).

Relatar a história de Marcia de maneira devidamente contextualizada nos exigiu outras incursões no campo, que ocorreram em momento anterior ao da escuta dessa narrativa. Assim, percorri por cursos, palestras, observações, leituras, além das nossas próprias vivências em uma conjuntura do país que tem sido caracterizada de um neofascismo contemporâneo. Outro percurso importante a ser destacado, refere-se à realização de parte do pós-doutorado em Paris, na França, experiência que permitiu a realização das entrevistas presencialmente e durante o período do exílio, uma imersão em campo que consideramos especialmente rica e original.

A literatura resgatada para a construção do artigo encontra-se dividida em dois eixos. O primeiro engloba sobre contexto e exílio. A discussão sobre contexto diz respeito à atual conjuntura totalitária e suas especificidades no Brasil (Souza, 2019Souza, J. (2019). A elite do atraso. Rio de Janeiro, RJ: Estação Brasil.; Stanley, 2019Stanley, J. (2019). Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles”. Porto Alegre, RS: L&PM.; Tiburi, 2018Tiburi, M. (2018). Como conversar com um fascista. Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. Rio de Janeiro, RJ: Record.). No debate sobre o exílio político, consideramos: 1) perspectivas que abordam sobre o exílio político ocorrido na ditadura militar brasileira (Marques, 2011Marques, T. C. S. (2011). Militância política e solidariedade transnacionais: a trajetória política dos exilados brasileiros no Chile e na França (1968-1979) (Doctoral Dissertation). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS., 2017; Roniger, 2010Roniger, L. (2010). Exílio Massivo, Inclusão e Exclusão Política no Século XX. DADOS - Revista de Ciências Sociais, 53(1), 91-123.); 2) a discussão mais específica sobre o exílio político de brasileiros no contexto pós 2019 (Pinheiro-Machado, 2019Pinheiro-Machado, R. (2019, agosto 06). Fuga de cérebros e autoexílio: governo Bolsonaro reacende o trauma da ditadura. Ascensão da extrema direita e crise econômica levam à debandada de pesquisadores e ativistas desde a ditadura. Fuga de cérebros é fracasso de um país. The Intercept Brasil. Retrieved from https://theintercept.com/2019/08/05/fuga-de-cerebros-e-autoexilio-governo-bolsonaro-reacende-o-trauma-da-ditadura/
https://theintercept.com/2019/08/05/fuga...
; Villen, 2018Villen, P. (2018, novembro 09). Brasil, país de expulsão? Desemprego e emigração no Brasil. ComCiência. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. Retrieved from http://www.comciencia.br/brasil-pais-de-expulsao-desemprego-e-emigracao-no-brasil/
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); além de, 3) uma explanação sobre a dimensão subjetiva do exílio (Indursky & Conte, 2015Indursky, A. C., & Conte, B. S. (2015). Trabalho psíquico do exílio: o corpo à prova da transição. Ágora, 18(2), 273-288.).

O segundo eixo teórico versa sobre o trabalho, sua centralidade, função psicológica, seus modos de existência e resistência no exílio político, e teve como suporte referências apreendidas do campo psicanalítico (Freud, 1910Freud, S. (2006a). Sobre o narcisismo: uma introdução. In S. Freud (Ed.), Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: v. XIV (Trabalho original publicado em 1914). Rio de Janeiro, RJ: Editora Imago., 1914Freud, S. (2006b). Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In S. Freud (Ed.), Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: v. XVI(Trabalho original publicado em 1910). Rio de Janeiro, RJ: Editora Imago ., 1930Freud, S. (2006c). O mal-estar na civilização. In S. Freud (Ed.), Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: v. XXI (Trabalho original publicado em 1930). Rio de Janeiro, RJ: Editora Imago.) e do campo da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 1996Dejours, C. (1996). Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In J. Chanlat (Coord.), O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo, SP: Atlas., 2008Dejours, C. (2008). Addendum da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In S. Lancman, & L. I. Sznelwar(Orgs.), Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Brasília, DF: Paralelo 15.), dentre outras contribuições. Sobre esse eixo é necessário destacar que o mesmo foi construído durante e após a imersão no campo (ao que destaco, o campo do recolhimento da história de Marcia); foi o campo que nos guiou para a retomada dessa lente de teórico-analítica. Trata-se de um direcionamento epistemológico central para o trabalho com histórias de vida, no qual destaca-se um posicionamento segundo uma perspectiva reflexiva sobre o conhecimento - conhecimento que não é dado a priori, mas construído ao longo do processo de investigação (González Rey, 2005González Rey, F. (2005). Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning.). Além disso, reforça-se também a intenção dessa construção de investigação, na qual se busca, através do destaque à história de uma pessoa, compreender a perspectiva da mesma sobre si e sobre os fatos sociais, com base em sua própria capacidade de análise. Esse ponto foi crucial à nossa investigação; Marcia não apenas compartilhou sua experiência conosco, como também ela elucidou e instigou diversas considerações analíticas, teóricas e filosóficas a respeito do tema.

Nas reflexões finais do texto, retomamos a discussão sobre o contexto do fascismo, com enfoque ao que é possível refletir sobre essa condição a partir da história do exílio de Marcia Tiburi. Destacamos também as contribuições do artigo acerca da questão do expatriamento político, a dimensão do trabalho e suas contribuições para o campo organizacional. Por fim, sublinhamos a necessidade de uma agenda de pesquisa a ser considerada em futuros trabalhos sobre a temática.

CONJUNTURA DESPÓTICA

Nos anos recentes, vislumbramos em várias partes do mundo a ascensão de líderes de extrema direita. Ainda que com suas devidas particularidades, Stanley (2019Stanley, J. (2019). Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles”. Porto Alegre, RS: L&PM., p. 14) nos diz da necessidade de uma compreensão mais generalizada e descreve esse fenômeno sob o prisma do fascismo: “escolhi o rótulo ‘fascismo’ para qualquer tipo de ultranacionalismo [...], no qual a nação é representada na figura de um líder autoritário que fala em seu nome. Como Donald Trump declarou em discurso de 2016, ‘eu sou a sua voz’”.

Souza (2019Souza, J. (2019). A elite do atraso. Rio de Janeiro, RJ: Estação Brasil.), ao descrever a realidade brasileira no ano de 2018 e início de 2019, também remete às razões irracionais do fascismo. Em relação ao quadro brasileiro, o autor descreve a respeito das eleições realizadas no período dominadas por fakenews e acusações de financiamento ilegal de campanha, dentre outros. E lança o questionamento: “o que explicaria o fato de a maioria da nossa sociedade, sob o pretexto de evitar a chegada de um suposto ladrão à presidência, votar num candidato que faz apologia do assassinato e da tortura de opositores?” (Souza, p. 250). Cientes à complexidade dessa compreensão, que endereça obrigatoriamente à gênese histórica de nossos processos de colonização, escravização e dominação, a qual nos descreve o autor, destacamos aqui o fenômeno do fascismo, que, no Brasil contemporâneo, avança para além daquele historicamente ligado à maioria da classe média, e perpetua-se pelos cidadãos das classes sociais pobres. Sobre esse ponto, sublinha-se que:

Todo fascismo é, portanto, reflexo de uma luta de classes truncada, percebida de modo distorcido e, por conta disso, violento e irracional no seu cerne. Na sua base está a manipulação de emoções que geram agressividade, como medo, raiva, ressentimento e ansiedade sem direção, sempre com fins de manipulação política. A incompreensão racional, por parte da população, de processos políticos complexos é utilizada para a construção de bodes expiatórios, um modo historicamente eficiente de canalizar frustrações e ressentimentos sociais. A marginalização de grupos minoritários e a violência dissimulada, contaminando a sociedade como um todo, são as consequências inevitáveis de todo fascismo (Souza, 2019Souza, J. (2019). A elite do atraso. Rio de Janeiro, RJ: Estação Brasil., p. 252).

Souza (2019Souza, J. (2019). A elite do atraso. Rio de Janeiro, RJ: Estação Brasil.) nos afirma ainda sobre a urgência da compreensão do contexto do fascismo na atualidade, ao que denomina de um neofascismo contemporâneo. Sobre esse fenômeno, pairam as estratégias de políticas fascistas já vivenciadas outrora, com roupagens específicas à conjuntura atual: culto à tradição patriarcal e a um passado mítico, anti-intelectualismo, irrealidade, hierarquia, apelo à noção de pátria e desarticulação da união e do bem-estar público (Stanley, 2019Stanley, J. (2019). Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles”. Porto Alegre, RS: L&PM.). O fascismo remete diretamente também ao autoritarismo mais radical, condição na qual diálogo e participação coletiva são impensáveis fora daquilo que interessa a quem exerce o poder. Nessa condição, o ódio é igualmente fundante e estruturante - o ódio ao outro, o ódio à política: “o genocídio indígena, o massacre racista e classista contra jovens negros e pobres nas periferias das grandes cidades, a violência doméstica e o assassinato de mulheres, a homofobia, a manipulação das crianças, em palavras simples, o ódio ao outro cresce em uma sociedade em que está em jogo também o extermínio da política” (Tiburi, 2018Tiburi, M. (2018). Como conversar com um fascista. Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. Rio de Janeiro, RJ: Record., p. 29).

No caso específico brasileiro, observamos com o despontar desse contexto, a necessidade da saída de pessoas de seu próprio país em função das violências vivenciadas, situação que desponta para a existência de exílio no Brasil pós 2019.

“BRASIL, AME-O OU DEIXE-O2 2 Frase de slogan do período da ditadura militar brasileira e que foi recentemente reproduzida pela rede de televisão comercial SBT - Sistema Brasileiro de Televisão (Folha de São Paulo, 2018).

Em função de questões de ordem econômica, o Brasil já se configura, desde alguns anos, como um país de considerável índice de migração, com números que se triplicaram especialmente em 2017 e 2018, em função da crise observada nesse período. Pinheiro-Machado (2019Pinheiro-Machado, R. (2019, agosto 06). Fuga de cérebros e autoexílio: governo Bolsonaro reacende o trauma da ditadura. Ascensão da extrema direita e crise econômica levam à debandada de pesquisadores e ativistas desde a ditadura. Fuga de cérebros é fracasso de um país. The Intercept Brasil. Retrieved from https://theintercept.com/2019/08/05/fuga-de-cerebros-e-autoexilio-governo-bolsonaro-reacende-o-trauma-da-ditadura/
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), referindo-se a dados da Receita Federal concedidos ao The Intercept (agência de notícias), descreve que o número de imigrantes nesses anos triplicou quando comparado a anos anteriores: em 2011, por exemplo, o número de pessoas que declarava saída definitiva era de 8170; já em 2017 e 2018, cerca de 22 mil pessoas (Pinheiro-Machado, 2019Pinheiro-Machado, R. (2019, agosto 06). Fuga de cérebros e autoexílio: governo Bolsonaro reacende o trauma da ditadura. Ascensão da extrema direita e crise econômica levam à debandada de pesquisadores e ativistas desde a ditadura. Fuga de cérebros é fracasso de um país. The Intercept Brasil. Retrieved from https://theintercept.com/2019/08/05/fuga-de-cerebros-e-autoexilio-governo-bolsonaro-reacende-o-trauma-da-ditadura/
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). Ao cenário econômico, somam-se, na atualidade brasileira, os migrantes que partem em razão de questões políticas ligadas à ascensão de uma extrema direita no país. Trata-se de um desenraizamento forçado de pessoas que buscam abrigos em outros países em função de perseguições políticas e da consequente violência atrelada.

Pinheiro-Machado (2019Pinheiro-Machado, R. (2019, agosto 06). Fuga de cérebros e autoexílio: governo Bolsonaro reacende o trauma da ditadura. Ascensão da extrema direita e crise econômica levam à debandada de pesquisadores e ativistas desde a ditadura. Fuga de cérebros é fracasso de um país. The Intercept Brasil. Retrieved from https://theintercept.com/2019/08/05/fuga-de-cerebros-e-autoexilio-governo-bolsonaro-reacende-o-trauma-da-ditadura/
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) aponta para uma recente fuga de cérebros do Brasil e remete aos intelectuais que têm sido perseguidos como doutrinadores. “Seguindo a lógica fascista, estamos diante de uma inédita estigmatização do conhecimento acadêmico no Brasil que transforma o cientista no inimigo interno a ser destruído. Para quem não tem estabilidade no Brasil - e mesmo para quem tem -, só resta a rota de fuga forçada” (Pinheiro-Machado, 2019Pinheiro-Machado, R. (2019, agosto 06). Fuga de cérebros e autoexílio: governo Bolsonaro reacende o trauma da ditadura. Ascensão da extrema direita e crise econômica levam à debandada de pesquisadores e ativistas desde a ditadura. Fuga de cérebros é fracasso de um país. The Intercept Brasil. Retrieved from https://theintercept.com/2019/08/05/fuga-de-cerebros-e-autoexilio-governo-bolsonaro-reacende-o-trauma-da-ditadura/
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). Nesse cenário, a autora alerta para o retorno de um exílio político brasileiro e para a generalização do medo que ocorre entre acadêmicos, ativistas e intelectuais alvos de terror psicológico e sob ameaça de vida. “Estamos voltando ao quadro agudo de exílio. Nós teremos um número cada vez maior de pessoas que buscam proteção no exterior. Os casos mais conhecidos são do ex-deputado Jean Wyllys, da antropóloga e professora de Direito Debora Diniz e a da filósofa Márcia Tiburi, que residem no exterior por terem suas vidas ameaçadas por grupos de extrema direita” (Pinheiro-Machado, 2019Pinheiro-Machado, R. (2019, agosto 06). Fuga de cérebros e autoexílio: governo Bolsonaro reacende o trauma da ditadura. Ascensão da extrema direita e crise econômica levam à debandada de pesquisadores e ativistas desde a ditadura. Fuga de cérebros é fracasso de um país. The Intercept Brasil. Retrieved from https://theintercept.com/2019/08/05/fuga-de-cerebros-e-autoexilio-governo-bolsonaro-reacende-o-trauma-da-ditadura/
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).

O jornal “The Guardian” também aponta sobre uma “new generation of political exiles Phillips, D. (2019, julho 11). New generation of political exiles leave Bolsonaro’s Brazil ‘to stay alive’. The Guardian. Retrieved from https://www.theguardian.com/world/2019/jul/11/brazil-political-exiles-bolsonaro
https://www.theguardian.com/world/2019/j...
leave Bolsonaro’s Brazil ‘to stay alive’”. Além das pessoas acima citadas, o jornal acrescenta o caso de Anderson França (escritor, colunista, empreendedor social), e comenta: “the four exiles all describe a cocktail of threats from paramilitary gangs, rightwing extremists and a nihilistic dark-web forum whose users spew hate for leftists, women and black people”. Os quatro casos mencionados referem-se às pessoas que tornaram pública sua partida do Brasil em função da ascensão da extrema direita na recente história do país.

Villen (2018Villen, P. (2018, novembro 09). Brasil, país de expulsão? Desemprego e emigração no Brasil. ComCiência. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. Retrieved from http://www.comciencia.br/brasil-pais-de-expulsao-desemprego-e-emigracao-no-brasil/
http://www.comciencia.br/brasil-pais-de-...
), comenta, sobre a atual produção de refugiados políticos brasileiros, que começa a se tornar regra a partir do presente modo despótico, autoritário e persecutório que se instala contra:

as diversas formas de reação e crítica ao status quo, que atingem sobretudo as lideranças de movimentos sociais (como mostra o aberrante caso do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de muitos outros militantes), mas também professores e estudantes. Muitas dessas técnicas de governo já foram utilizadas durante o período ditatorial e retornam das “cinzas” para impor uma ordem antidemocrática de caráter conservador em diferentes dimensões - política, econômica, cultural e religiosa (Villen, 2018Villen, P. (2018, novembro 09). Brasil, país de expulsão? Desemprego e emigração no Brasil. ComCiência. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. Retrieved from http://www.comciencia.br/brasil-pais-de-expulsao-desemprego-e-emigracao-no-brasil/
http://www.comciencia.br/brasil-pais-de-...
).

Por tratar-se de pessoas que estão em situação de fuga e por ser o tema do presente artigo algo extremamente contemporâneo, torna-se improvável mencionar de maneira mais específica um quantitativo de pessoas que estejam deixando o Brasil nesse momento por motivos de perseguição política. Em conversa realizada com Marques sobre o assunto, a pesquisadora, especialista em exílio político, ressaltou sobre essa dificuldade, mesmo tendo como referência o exílio político do período da ditadura militar brasileira. Em sua investigação de tese de doutorado (Marques, 2011), a pesquisadora encontrou quantitativos de exilados dessa época que variavam entre 1.000 a 10.000 pessoas (uma enorme variação, pouco exata e difícil de definir). Tais dificuldades relacionam-se à própria natureza do exílio político, dentre outras questões.

O exílio político no Brasil foi algo fortemente presente durante o período ditatorial iniciado a partir de 1964. Em estudo realizado sobre os exilados dessa época, Marques (2017Marques, T. C. S. (2017). O Exílio e as Transformações de Repertórios de Ação Coletiva: A Esquerda Brasileira no Chile e na França (1968-1978). DADOS - Revista de Ciências Sociais, 60(1), 239-279.) discorre sobre o fenômeno, demonstrando como o mesmo torna-se característico de regiões nas quais as instituições são marcadas por instabilidade política, evidenciando-se enquanto um mecanismo de punição e exclusão seletiva. Roninger (2010) também aborda sobre o assunto e disserta a respeito do massivo processo de exílio na América Latina do século XX, destacando como este se configurou enquanto um mecanismo de exclusão política paralelo e preferível ao encarceramento ou ao sepultamento, sendo essa opção destinada, em geral, para as pessoas oriundas das classes mais populares. O autor destaca como o exílio se configura em uma fórmula política que permite o controle da esfera pública com menores custos e consequências para o poder autocrático vigente, configurando-se enquanto um mecanismo de exclusão institucionalizada favorável à manutenção de estruturas hierárquicas.

Além da compreensão pela esfera política, é necessário também atentar para as dimensões subjetivas que se relacionam à condição do exílio. Exilar-se vai além de “um afastamento geográfico e da impossibilidade de retorno à pátria, refere-se a um processo psíquico específico de desenraizamento da identidade” (Indursky & Conte, 2015Indursky, A. C., & Conte, B. S. (2015). Trabalho psíquico do exílio: o corpo à prova da transição. Ágora, 18(2), 273-288., p. 274). Os autores atentam para polissemia semântica da palavra exílio, especificamente na sua derivação do idioma francês, na qual a grafia é exil, que decomposta (ex-il), refere-se, no português a um “ex-ele”, que remete justamente à ideia da identidade que é perdida pela saída do país de origem. Os autores complementam:

A situação geopolítica de separação e impossibilidade do retorno à terra de origem nos revela, portanto, a condição psíquica de um sujeito em exílio de si mesmo que, situado em um hiato espaço-temporal, não se encontra nem aqui nem acolá, nem agora nem outrora, mas entremundos. O desenraizamento subjetivo que subjaz a tal condição repercute diretamente na possibilidade de filiação simbólica e identitária face ao novo país de acolhida. Paradoxo ressaltado pelo traço gráfico entre o sujeito e sua antiga identidade (Ex-il): se, por um lado, observamos o sinal de uma separação de tudo que permite ao indivíduo reconhecer-se enquanto sujeito do desejo; por outro, observamos seu irremediável pertencimento a tais significantes e objetos, como forma privilegiada de evocação simbólico/ imaginária de sua filiação. Como nos sugere Janine Altounian (2005), o sujeito exilado deverá colocar-se à prova de elaborar e traduzir as marcas de tais transições a fim de reinscrever suas memórias em outra espacialidade, e assim transmitir sua herança cultural (Indursky & Conte, 2015Indursky, A. C., & Conte, B. S. (2015). Trabalho psíquico do exílio: o corpo à prova da transição. Ágora, 18(2), 273-288., p. 277).

Tais explanações dizem de características, vicissitudes do exílio e da importância de sua compreensão de maneira ampla e interdisciplinar. Ainda que a ocorrência do exílio em si não necessariamente possa vir a desencadear-se em uma vivência traumática ou patológica, certamente o único fato de estar na condição de exilado demandará do sujeito um processo exigente de elaboração psíquica. A ausência de mediadores culturais, de demarcações espaço-temporais de escritura social de seus percursos e histórias, são algumas das questões que marcam esse percurso (Indursky & Conte, 2015Indursky, A. C., & Conte, B. S. (2015). Trabalho psíquico do exílio: o corpo à prova da transição. Ágora, 18(2), 273-288.).

PESQUISA HISTÓRICA EM ADMINISTRAÇÃO

Desde o final dos anos 1980, pesquisas na área de administração incorporam e legitimam, cada vez mais, a interdisciplinaridade. O diálogo estabelecido com outras áreas do conhecimento, como, por exemplo, a psicologia, a sociologia e a antropologia, contribuem para a compreensão e análise de seus fenômenos por meio de um olhar mais abrangente e multifacetado. Este também é o caso de áreas do conhecimento, como a história e os estudos de memória, que lidam com o passado e as suas representações. Como desdobramento, várias têm sido as discussões epistemológicas acerca de como conhecer e acessar o passado (Decker, Hassard & Rowlinson, 2020Decker, S., Hassard, J., & Rowlinson, M. (2020). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0018726720927443
https://doi.org/10.1177/0018726720927443...
; Godfrey, Hassard, O’Connor, Rowlinson & Ruef, 2016Godfrey, P. C., Hassard, J., O’Connor, E. S., Rowlinson, M., & Ruef, M. (2016). What is organizational history? Toward a creative synthesis of history and organization studies. Academy of Management Review, 41(4), 590-608.; Wanderley & Barros, 2018Wanderley, S., & Barros, A. (2018). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: towards a Latin American agenda, Management & Organizational History, 14(1), 79-97.; Wadhwani, Suddaby, Mordhorst & Popp, 2018Wadhwani, D. D., Suddaby, R., Mordhorst, M., & Popp, A. (2018). History as Organizing: Uses of the Past in Organization Studies. Organization Studies, 39(12), 1663-1683.) e discussões metodológicas de como utilizar as fontes históricas (escritas e orais) em trabalhos de administração (Lubinski, 2018Lubinski, C. (2018). From ‘History as Told’ to ‘History as Experienced’: Contextualizing the Uses of the Past. Organization Studies, 39(2), 1785-1809.; Schultz & Hernes, 2013Schultz, M., & Hernes, T. (2013). A Temporal Perspective on Organizational Identity. Organization Science, 24(1), 1-21.).

No que diz respeito mais especificamente às fontes orais, a sua utilização adquire ainda maior relevância uma vez que estas permitem complementar, relativizar e/ou problematizar versões históricas fundamentadas apenas em documentos oficiais escritos. É neste sentido que, como alternativa às fontes escritas, a oralidade permite o pensamento crítico e reflexivo sobre passados vitoriosos. Dizer o indizível. Ou seja, as diferentes formas de narrar trajetórias individuais (histórias de vida, biografias e autobiografias) permite ao pesquisador (e à sociedade) escutar o que antes era silenciado e posto à margem, como experiências individuais associadas ao sofrimento, ao trauma e às perseguições políticas (Ferreira & Serres, 2018Ferreira, M. L. M., & Serres, J. C. P. (2018). Museus e Narrativas do Sofrimento: Reflexões sobre os limites do dizível. In L. Bauer, & V. T. Borges(Eds.), História oral e patrimônio cultural: potencialidades e transformações. São Paulo, SP: Letra e Voz.).

A pesquisa em história de vida

“Contamos histórias porque, finalmente, as vidas humanas necessitam e merecem ser contadas” (Ricoeur, 1983Ricoeur, P. (1983). Temps et récit. Paris, France: Seuil.).

A pesquisa em história de vida é herdeira da tradição da Escola de Chicago (sociologia empiricista), momento no qual o método torna-se relevante para análises sociológicas, por permitir o contato direto com o “vivido” das pessoas, com a “matéria-prima” fundamental da investigação social (Ferraroti, 2007, p. 16). Tal investigação remete a uma variedade de possibilidades de orientações e manejo, conforme os diversos campos disciplinares nos quais se insere e pelos quais perpassa. Para a presente pesquisa, baseamo-nos na perspectiva da Psicossociologia, área que preza em seu debate, dentre outras pautas, pelas reciprocidades entre o individual e o coletivo, entre o psíquico e o social.

Pela etimologia da palavra “Histaur”, do grego, representa aquele que sabe, conhece e que pode, então, contar e produzir um relato. Trata-se do trabalho da reflexão sobre a matéria da experiência, que transita na dialética entre realidade material e realidade subjetiva. Conforme Ferraroti (2007)Ferrarotti, F. (2007). Las historias de vida como método. Convergencia. Revista de Ciencias Sociales, 14(44), 15-40., as histórias de vida consistem em um entrecruzamento dialético entre o indivíduo, a cultura e o momento (ou fase histórica), o que significa, apreender o nexo entre texto, contexto e intertexto. Sobre tal nexo, destaca ainda que essa relação define o indivíduo como parte de seu processo vivencial, ao mesmo tempo que agente histórico. O autor reforça também a importância das histórias de vida por sua capacidade de expressar o vivido cotidiano das estruturas sociais formais e informais - aporte fundamental à investigação social.

É fundamental destacar que, longe de tratar-se de um enfoque unicamente pautado na individualidade, a compreensão de uma história de vida é sempre um retorno ao coletivo e à sua respectiva historicidade. Ponto fundamental para a pesquisa com as histórias é buscar realizar uma “ponte” entre a história individual e coletiva, delineando o que podemos nominar como uma cartografia da trajetória individual em busca de seus assentos coletivos.

Sobre o trabalho com as histórias de vida, Arfuch (2010Arfuch, L. (2010). O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de janeiro, RJ: EdUERJ.) nos atenta a ponderações importantes. Uma delas diz respeito à metodologia de análise; sobre esse tema, reforça que os caminhos analíticos e de reconstrução de uma história, partem da história em si, que deve ser acima de tudo preservada em sua integralidade e contexto. Bosi reitera: “a liberdade do depoimento deve ser respeitada a qualquer preço. É um problema sério de ética da pesquisa. Se a memória não é passividade, mas forma organizadora, é importante respeitar os caminhos que os recordadores vão abrindo na sua evocação porque são o mapa afetivo da sua experiência e da experiência do seu grupo” (Bosi, 2003Bosi, E. (2003). O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo, SP: Ateliê Editorial., pp. 55-56).

Embora nossos exemplos precedentes sejam a favor dessa posição dialógica, sensível aos matizes, consciente do funcionamento da linguagem e da narração e disposta a reconhecer ao outro seu caráter de protagonista, não consideramos que, mesmo dentro desses parâmetros, exista uma metodologia de análise privilegiada. Como acontece com outros gêneros e discursos, o tipo de material textual, o corpus construído e o objetivo a alcançar impõem - ou sugerem — a forma e os caminhos de análise. O que talvez seja possível definir a priori seja aquilo que não deveria se fazer no trabalho com os relatos de vida produzidos em entrevistas: assumir sem precauções, à maneira da “mão de Deus”, o privilégio de aplanar, reduzir, elidir, glosar, cortar a palavra. Ainda que todo uso da citação, do fragmento, do enunciado faça dizer, e toda interpretação seja arbitrária, há graus dessa manipulação (Arfuch, 2010Arfuch, L. (2010). O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de janeiro, RJ: EdUERJ., p. 267).

Outro ponto importante a destacar, a respeito do método, é a relação entre os investigadores e aqueles que narram suas histórias. Para Ferraroti (2007)Ferrarotti, F. (2007). Las historias de vida como método. Convergencia. Revista de Ciencias Sociales, 14(44), 15-40., deve-se ocorrer uma relação significativa, uma interação autêntica e de confiança; nesse patamar, a investigação em si abandona sua estrutura assimétrica (tradicionalmente carregada de relações de poder). E acrescenta ainda que pesquisador(a) e pesquisado(a) devem encontrar-se igualmente implicados(as), o que inclui a implicação do(a) pesquisador(a) em olhar para a sua própria história de vida: as “histórias de vida ayudan a comprender que en la investigación social todo investigador es también un “investigado” (Ferraroti, 2007Ferrarotti, F. (2007). Las historias de vida como método. Convergencia. Revista de Ciencias Sociales, 14(44), 15-40., p. 17). Arfuch complementa sobre a consideração ao outro não simplesmente como um “caso”, ou como um “informante”, mas como um interlocutor (Arfuch, 2010Arfuch, L. (2010). O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de janeiro, RJ: EdUERJ.).

Sobre a condução da pesquisa em história de vida, para Bosi (2003Bosi, E. (2003). O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo, SP: Ateliê Editorial.), a entrevista ideal é aquela que permite a formação de laços de confiança: “tenhamos sempre na lembrança que a relação não deveria ser efêmera. Ela envolve responsabilidade pelo outro e deve durar quanto dura uma amizade. Da qualidade do vínculo vai depender a qualidade da entrevista. Se não fosse assim, a entrevista teria algo semelhante ao fenômeno da mais-valia, uma apropriação indébita do tempo e do fôlego do outro” (Bosi, 2003Bosi, E. (2003). O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo, SP: Ateliê Editorial., p. 60).

Ressaltamos ainda sobre o “caráter terapêutico” atribuído ao método. Afinal, por que narramos nossas vidas? Conforme nos aponta Chauí (1973), “lembrar não é reviver, é re-fazer”. De maneira geral, contar a vida, trata-se sempre da recuperação de algo impossível, mas sobre uma forma que lhe dá sentido e permanência; corresponde a uma forma de estruturação da vida e, portanto, da identidade. Nessa narração, “a memória deixa de ter um caráter de restauração e passa a ser memória geradora do futuro. É bom lembrar com Merleau-Ponty que o tempo da lembrança não é o passado mas o futuro do passado” (Bosi, 2003Bosi, E. (2003). O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo, SP: Ateliê Editorial., pp. 66-67).

Sobre a relevância da pesquisa em história de vida para compreensão dos exilados políticos, destacamos que

Alguns contextos são particularmente fecundos quando estudados através de histórias de vida, como os movimentos e mudanças sociais, os fenômenos de migração, de mobilidade social, de marginalização e exclusão, as repercussões de crises econômicas e sociais, o advento de certas formas de individualismo, de solidariedades, de sociabilidades, de resistências e de poder, assim como o trabalho e as trajetórias profissionais. O interesse por essas histórias decorre especialmente do acesso facilitado que oferecem às representações e à observação da maneira pela qual as pessoas vivem a sociedade, além da capacidade de fornecer hipóteses para explicações mais gerais (Barros & Lopes, 2014Barros, V. A., & Lopes, F. T. (2014). Considerações sobre a pesquisa em história de vida. In E. M. Souza (Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: uma abordagem teórico-conceitual. Vitória, ES: EDUFES., pp. 50-51).

É fundamental destacar que na pesquisa em história de vida, enquanto abordagem biográfica, a pessoa que se conta ocupa lugar central. É ela que apresenta a matéria-prima sobre a qual se trabalha, assim como vem dela a compreensão da realidade ou do acontecimento que se busca apreender. Temos assim, a possibilidade de aprofundamento em dimensões difíceis de serem apreendidas fora das histórias dos sujeitos, em detalhes que podem passar despercebidos e em ensinamentos que engrandecem a investigação, bem como auxiliam a ultrapassar os limites das histórias oficiais (Barros & Lopes, 2014Barros, V. A., & Lopes, F. T. (2014). Considerações sobre a pesquisa em história de vida. In E. M. Souza (Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: uma abordagem teórico-conceitual. Vitória, ES: EDUFES.).

A pesquisa em história de vida relaciona-se ao que Habermas (2009Habermas, J. (2009). A lógica das ciências sociais. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) define enquanto uma experiência da reflexão, que remete para a dialética entre o conhecimento do mundo e o autoconhecimento. A experiência da reflexão é um processo que só ocorre por meio da própria reflexão do sujeito sobre si: “[...] o sujeito também precisa contar a sua própria história; pois o estado final de um processo de formação não é alcançado antes que o sujeito se lembre dos caminhos de identificação e alienações, nos quais ele se constituiu”. Uma investigação, assim, funda-se numa perspectiva de ciência que, segundo Habermas, não tem por metas teorias gerais no sentido das ciências experimentais rigorosas, mas sim um sentido interpretativo geral (ao exemplo da Psicologia), que tem por metas a reflexão e o esclarecimento quanto ao próprio processo de formação: um interesse cognitivo emancipatório.

Em nossa investigação, além do recolhimento da história de Marcia, realizamos outras incursões em campo. Conforme nos alerta Ecléa Bosi, “antes do encontro com o depoente, convém recolher o máximo de informações sobre o assunto em pauta para formular questões que o estimulem a responder. Uma consulta às publicações: jornais, revistas, músicas, livros, imagens anedotas, enfim, tudo o que será feito o narrador vibrar na época que desejamos estudar” (Bosi, 2003Bosi, E. (2003). O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo, SP: Ateliê Editorial., p. 59). Assim, percorremos, durante o período na cidade do Rio de Janeiro, e em estadias pontuais na cidade de São Paulo, por cursos (a exemplo, citamos a participação no curso “Mutações. ainda sob a tempestade. Ciclo de palestras sobre o fascismo”, proferida por intelectuais como Vladimir Safatle, Maria Rita Kehl, Renato Janine Ribeiro; a participação no curso “Psicologias do Fascismo”, oferecido por Vladimir Safatle no departamento de Filosofia da USP - Universidade de São Paulo; dentre outros), palestras (a exemplo, citamos a palestra “A Crise da palavra. outros modos de ser Brasil - ou Brasis” proferida por Eliane Brum; a palestra “Constelações insurgentes: fim do mundo e outros mundos possíveis” proferida por Ailton Krenak e Suely Rolnik; dentre outras), observações (algumas delas realizadas, por exemplo, durante participação nos eventos do “Fórum da Resistência Democrática”), leituras (incluindo obras, vídeos e informações nas mídias digitais produzidas pelos próprios exilados sobre suas condições), além de nossas próprias vivências em solo brasileiro.

Também houve a oportunidade de refletir sobre o exílio e sobre a condição atual do Brasil, durante o estágio-doutoral realizado na França. O percurso em território francês caminhou pela participação nos seguintes seminários: “Actualité de la pensée politique au Brésil et dans le monde. Dialectique négative comme stratégie d’émergence”, proferido por Vladimir Safatle; “Séminaire de recherche. UFR11 - Science Politique. CRPS/CESSP. Université Paris 1 - Panthéon Sorbonne”, proferido por Teresa Cristina Schneider Marques; e o “Séminaire sur les mutations en cours au Brésil et dans le monde”, proferido por Rosana Pinheiro-Machado e Plinio Prado Junior.

A HISTÓRIA DE MARCIA

“Vai meu irmão Pega esse avião Você tem razão De correr assim desse frio” (Buarque & Toquinho, 1971Buarque, C., & Toquinho. (1971). Samba de Orly. Rio de Janeiro, RJ: Philips/Phonogram.).

O encontro da primeira autora com Marcia Tiburi ocorre em janeiro de 2020, na cidade de Paris - França, durante seu exílio. Após algumas trocas de e-mail, marcamos para uma conversa e nos encontramos pessoalmente. Nesse momento, Marcia já estava há aproximadamente 1 ano fora do Brasil; a necessidade de sair do país ocorre em função de uma série de violências e ameaças que a mesma sofreu ao longo de um período e intensificadas no ano de 2018.

Marcia é brasileira, nascida em Vacarias, no interior do Estado do Rio Grande do Sul, oriunda de uma família de imigrantes italianos que vieram para o Brasil na primeira metade do século XX. Filósofa, Marcia formou-se nesse curso aos 20 anos, terminou o mestrado com 23 anos e antes dos 30 anos já possuía o título de doutora. Além da Filosofia, é também formada em Artes, atuando desde bem cedo como professora universitária. Desde jovem, concebia a importância de que a Filosofia fosse acessível não apenas para o público acadêmico, mas sim inteligível para as pessoas de maneira geral, e também o seu desejo de promover um diálogo concreto e real com a sociedade por meio da Filosofia. Marcia comenta também sobre seu envolvimento com a esfera pública enquanto possibilidade de entrar em contato com o mundo e falar de Filosofia.

No começo dos anos 2000, Marcia teve presença forte nos meios de comunicação de massas (participou do programa de televisão “Saia Justa”, exibido pelo canal de televisão por assinatura brasileiro GNT). Conta que se tratava de ocupar aqueles meios e de conviver com eles de maneira digna e com um olhar crítico. Em suas formas de atuação, também comenta que usou bastante as redes sociais, mas que atualmente tem refletido sobre tais plataformas, e considera que as pessoas deveriam rever e ponderar tais usos. Ainda assim, tenta utilizar as plataformas com cuidado e observando até que ponto essa relação pode ou não danificar a integridade da nossa relação com a vida.

Sobre sua entrada formal na vida política, expõe que ingressou em um partido político (no caso, sua primeira afiliação foi ao PSOL - Partido Socialismo e Liberdade, no final de 2013) depois de muito estudar. De maneira similar, deu-se sua inserção no feminismo. Relata que ela não vem originalmente desses lugares - “nem de família, nem de sociedade, nem de cultura”. Conta que não advém de uma tradição partidária, nem de uma tradição de luta, mas sim daquela classe social “a mais acomodada, massacrada, e ao mesmo tempo, a mais silenciosa”. No entanto, através dos estudos, foi se enveredando e refletindo sobre a importância e necessidade de uma sociedade mais autônoma.

Em 2017, desfiliou-se do PSOL; à época, ela conta que foi contra algumas posturas do partido como a defesa da “Operação Lava-Jato”, a produção de um antipetismo e a desinformação decorrente. Após um ano da saída desse partido, filiou-se ao PT - Partido dos Trabalhadores. Em suas palavras: “num salto mortal, no momento em que o PT estava sendo massacrado, começo de 2018, Lula3 3 Luiz Inácio Lula da Silva foi o 35º presidente do Brasil (no período dos anos de 2003-2010). estava sendo preso, Marielle4 4 Marielle Franco elegeu-se vereadora do Rio de Janeiro para o período dos anos 2017-2020. Em 14 de março de 2018 foi assassinada. assassinada. Fui para o PT pois percebi que estávamos indo para um buraco e tive esse gesto para buscar uma atitude na contramão”. Em 2018, foi candidata ao governo do estado do Rio de Janeiro, pelo Partido dos Trabalhadores.

Perseguições, violências e tentativas de difamação

Marcia conta que, mesmo no tempo em que fazia televisão, já era muito perseguida por uma extrema direita. A exemplo, cita as perseguições que sofreu por volta de 2011, por Olavo de Carvalho5 5 Ensaísta brasileiro, figura pública, representante do conservadorismo no Brasil. . Ainda assim, relata que, nesse tempo, agia como se nada estivesse acontecendo; ela pensava: “gente chata, gente ignorante e gente que estava buscando uma catapulta para aparecer” (nesse momento, remete à essa expertise na qual figuras não conhecidas publicamente valem-se da notoriedade de outros, por meio da difamação, para se auto-promoverem).

Sobre as perseguições, comenta também sobre aquelas vividas em decorrência do lançamento de seu livro “Como conversar com um fascista”6 6 Tiburi, M. (2018). Como conversar com um fascista. Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. Rio de Janeiro, RJ: Record. , obra que sofreu ataques intensos da extrema-direita. Em 2017, sofreu diversas retaliações por ter feito uso da palavra “cú” no lançamento do livro “O Ridículo político”7 7 Tiburi, M. (2017). Ridículo Político. Uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto. Rio de Janeiro, RJ: Record. , na cidade de Belo Horizonte. As retaliações versavam, de maneira geral, sobre uma série de desinformações que foram intencionalmente construídas com o propósito de difamar - a partir da criação de fake news, imagens grotescas, frases não ditas e/ou recortadas de seus contextos, dentre outros.

Marcia conta sobre o ocorrido em janeiro de 2018, quando estava em Porto Alegre, e na oportunidade foi convidada a acompanhar o julgamento de Lula no TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) durante a emissão de um programa da rádio Guaíba. Marcia comenta que nesse momento estava lançando um livro, o “Feminismo em comum”8 8 Tiburi, M. (2018). Feminismo em comum: para todas, todes e todos (6a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Rosa dos Tempos. , e o convite para estar na rádio também dizia respeito a uma apresentação dessa obra. Ela narra:

Nesse dia, eu tô começando a conversar com ele (o radialista), nem percebo que a coisa tá no ar (...) a gente tava ali conversando, conversando sem muita preocupação e de repente a porta abre e passa uma pessoa por mim, me dá um beijo no rosto. (...) Bom, quando ele senta na minha frente, aí é que eu me dou conta de que é o tal do Kim Kataguiri, que era o líder-mor, o guru do MBL9 9 Movimento Brasil Livre. . E aí eu levo um susto, porque evidentemente que eu sei que esses sujeitos que estavam naquela época começando uma campanha política, ainda em época que não se fazia campanha, estavam naquela mesma tática de se valer de uma figura pública para criar polêmica com essa figura pública (...) angariar para si mesmos uma notoriedade. E, naquela hora, eu nem formulei isso, mas a sensação de cair numa armadilha, numa sabotagem, numa emboscada né… eu percebi naquela hora 'isso é uma emboscada midiática pesadíssima'. Eu fiquei tão assustada, que eu não estava esperando, que eu falei coisas assim absurdas… eu saí muito assustada falando coisas (...), e fui-me embora (Marcia).

Esse fato caiu nas redes sociais, com intuitos de autopromoção em cima da destruição da imagem de Marcia, conforme ela nos relata. Nesse episódio, ela recebeu apoio de muitas pessoas, mas também ódio de outras. Começaram, juntamente, a contestar o seu livro “Como conversar com um fascista” (atualmente Marcia fez uma nova edição da obra).

Sobre as situações de perseguição e difamação, Marcia conta que essas também ocorreram no contexto da universidade. Comenta sobre um professor universitário que a difamou em sala de aula, diante de alunos: “Ele me chamava de ‘essa mulher’... típico de uma atitude misógina. Daí esse sujeito, ele falava assim: quando eu entro na livraria da Travessa eu pego esse livro e eu escondo” (referindo-se ao livro de Marcia). Assim, ela considera que o fascismo também cresce nas universidades, e reflete sobre a pseudo-esquerda nesses ambientes: “como sobreviver ao fascismo se essas pessoas que deveriam ser gente decente fazem esse tipo de coisa? Ele falava assim, me chamava de pipoqueira, dizia que eu vendia pipoca”.

Outro episódio que Marcia vivenciou, em relação às perseguições e difamações, foi quando pegaram um recorte de uma fala de 2015, na qual ela mencionava que já havia a construção de um golpe em curso. Nessa situação, ela comentava sobre a questão do assalto, explicando sobre a construção de um argumento e construindo sua fala em primeira pessoa: “por exemplo, eu posso dizer que eu sou a favor do assalto”. Tal fala foi então utilizada por difamadores, de maneira fortemente descontextualizada; ela narra que foram construídos centenas de memes, vídeos e mensagens de desinformação. Conta que ainda atualmente há quem a chame de defensora do assalto. O MBL colocou uma foto dela em seu site com o rótulo: “procura-se”. Relata que foram incitados uma horda de “jovem perdidos, sem futuro, que estão sendo mobilizados pela extrema direita”, e que esses começaram a participar de seus eventos com o intuito de agredir, difamar, aterrorizar. Narra sobre um episódio em um evento em Belo Horizonte, durante o lançamento de um de seus romances, no final de 2018, no qual apareceu um homem armado, portando uma arma dentro de saco plástico. Ao perceberem o sujeito, as pessoas chamaram a polícia, mas o mesmo fugiu. Relata ainda que em quase todos os eventos relacionados ao livro “Feminismo em comum”, em qualquer lugar que ela fosse, estava alguém para aterrorizar. No Mato Grosso do Sul, “espancaram e deixaram gente sangrando” (Marcia).

Também explana sobre perseguições que sofreu no ano de 2015, em função de sua defesa favorável à legalização do aborto. Na época, foi demitida da universidade na qual trabalhava em função de seu posicionamento, ainda que fosse uma professora altamente produtiva e estivesse há 8 anos ligada à instituição.

No final de 2018, Marcia lançou um romance10 10 Tiburi, M. (2018). Sob os pés, meu corpo inteiro. Rio de Janeiro, RJ: Record. e foi convidada a participar de um festival em Maringá, cidade no estado do Paraná. Alguns dias antes dela ir a esse evento, o MBL criou uma página na internet com os dizeres: “ela não” e começaram uma forte campanha contra sua participação.

Eles diziam: ‘vamos acabar com a raça desses petistas que vêm aqui’(..).

A segurança era tão pesada… E eu já tava usando segurança durante todo o ano: segurança nas livrarias, segurança no shopping, segurança para sair de casa, segurança para voltar para casa, segurança… já tinha usado uma segurança bem pesada durante a campanha, carro blindado e tudo que você possa imaginar (...) E aí, é pesadíssimo isso, porque nesse dia a segurança revistou… eu não sei se tinha 400 ou 500 pessoas, mas foi 1 hora e meia de revista. Atrasou em 1 hora e meia o evento, por causa dessa revista. Depois eu tava lá sentada, era uma conversa… um jornalista que tinha lido o meu livro me entrevistava. E aí eu falava, ficávamos conversando… E aí, todo o tempo que eu tive ali em conversa com esse jornalista eu fiquei com medo de levar um tiro, ou que ele levasse um tiro… e aí comecei a ter medo de que as pessoas ao meu redor levassem um tiro… que chegasse um maluco como fazem nos Estados Unidos e matasse um monte de gente. Aí eu pensei: isso aqui não é vida, nem para mim, nem para essas pessoas.

(...)

Aí nesse dia, aí eu não tive dúvida de que eu tinha que deixar o país, até porque eu fiz uma sessão de autógrafos… só que a sessão de autógrafos eu tive um homem, um guarda com um rifle todo o tempo do meu lado. E então eu pensei: não dá para ser escritor no Brasil, isso é uma farsa, é uma farsa. Não dá para ser um escritor no Brasil com esse tipo de situação, o que é isso? Aí eu pensei, a melhor coisa que eu faço por mim e por essas pessoas que gostam de mim é sair daqui. Então é por isso que eu saí (Marcia).

Sobre o desterro e o trabalho - “Acho que esse país não tem mais lugar para mim”

Sua saída do Brasil enquanto expatriada política ocorre no final de 2018. Nessa época, foi acolhida por uma instituição nos Estados Unidos que protege escritores perseguidos pelo mundo e em seus países. Comenta que os estadunidenses sobrevivem ao regime autoritário (pelo qual os Estados Unidos passam) através da solidariedade, o que, em sua opinião, não ocorre no Brasil.

A gente está em crise, a nossa solidariedade, a nossa generosidade nesse momento, nesse momento não, há bastante tempo, estão em queda. E isso também é um dos aspectos que vão levar o Brasil a uma derrocada ainda mais profunda da sua democracia. Porque para que a gente possa ter democracia, a gente tem que ter solidariedade, a gente precisa ter um senso de comunidade e valorizar a comunidade como um todo. E eu acho que isso hoje não acontece… Por isso o fascismo cresce, o chão para que o fascismo cresça e apareça tá muito bem arado, está muito adubado (Marcia).

Então eu fui para os Estados Unidos, primeiro por conta dessa instituição (que recebe escritores perseguidos), cheguei lá fiquei meses sozinha no meio da neve, sem família, sem ninguém… e eu não queria contar também que eu tinha saído do Brasil porque eu não sabia como isso ia ser recebido… nesse meio tempo, eu tava me organizando para ficar nos Estados Unidos, mas o meu marido resolveu fazer um pós-doc aqui. (...) Nisso, eu resolvi vir também e recebi um convite de uma universidade daqui que é a Paris 8, e vim para cá. E aí hoje tenho um contrato de professora visitante com essa universidade. Aí no Brasil saíram assim, aí veio a extrema direita de novo, falando inverdades sobre o meu marido, sobre mim, e as pessoas de extrema direita, essa gente ruim e má, ficam falando assim: “ah, a Marcia (...) vivendo com o dinheiro do governo, com o nosso dinheiro, a gente pagando tuas férias em Paris”. Mal sabem eles que meu dinheiro vem do governo francês (Marcia).

Ao sair do Brasil e ser acolhida na universidade estadunidense, as pessoas pediram à Marcia material para a construção de um dossiê sobre o que havia ocorrido para o exílio. Para isso, ela retomou sobre os fatos, com a ajuda de amigos e ex-alunos; conta que quando ela recebeu o material, ficou em estado de choque. Relata a dificuldade e sobre como foi assustador ver e lidar com tudo aquilo, mostrar e explicar para as pessoas. E reflete sobre o objetivo das violências a ela dirigidas: destruir a sua imagem para que ela se tornasse uma pessoa incapaz. Comenta: “se você se matar, se você ficar deprimido, se você desistir de lutar - ponto pra eles, já ganharam”.

Relembra a condição de imigração de sua família e diz sentir-se acostumada a lidar com a relação de abandono. Comenta também sobre os conteúdos de seus últimos romances, que de maneira geral, tratam a questão da imigração.

Essa questão do abandono, essa questão da imigração, essa questão da perda da pátria… isso tá na minha família de origem paterna e… tanto que eu reproduzo, eu trabalho com isso nesses romances, mas eu nunca pensei que isso pudesse me atingir dessa maneira política. Quer dizer, esse abandono vivido lá pelos antepassados, meus antepassados italianos, é político… de mil maneiras indiretas, chegam até mim, me constroem em algum sentido, mas eu nunca pensei que isso pudesse acontecer comigo de um jeito tão direto (Márcia).

(...) porque meus 3 romances foram… de 2012, que eu conto a história, trabalho com o aspecto da imigração da família do meu pai, que eu trago ali questões… é um romance sobre a condição do sujeito desterrado. O romance de 2016, que chama: “Uma fuga perfeita é sem volta”11 11 Tiburi, M. (2016). Uma fuga perfeita é sem volta. Rio de Janeiro, RJ: Record. , que aliás foi muito lido por vários psicanalistas, esse romance também... é um sujeito que vai embora do Brasil há 40 anos e que vive aquela travessia entre o sul do Brasil e na Alemanha…. Ele se descobrindo estrangeiro na própria casa (Marcia).

Nessa condição de expatriada, Márcia comenta que o que a salva é justamente o trabalho.

Hoje eu acho que o que me salva, o que me faz não ficar deprimida, muito triste, muito melancólica evidentemente, como qualquer pessoa numa situação dessas, com as perdas e lutos que a gente faz na vida… mais eu acho que o que me salva é que eu escrevo, escrevo e escrevo. Seja um ensaio, seja um romance, eu tô sempre elaborando. (...) Eu acho que eu fico bem porque eu escrevo (Marcia).

A condição de Márcia nos atenta, conforme seu relato, a uma dimensão importante para a reflexão sobre trabalhadores em exílio político, ou desterro (expressão utilizada por ela), que diz respeito à importância e centralidade do trabalho: para a (re)organização, manutenção e equilíbrio da vida. Ainda que tenha sido o trabalho (o trabalho engajado na ação política, seja como escritora, professora, militante, ou como candidata ao governo do Rio de Janeiro), um elemento (dentre outros) que deflagra as perseguições experenciadas por ela, é pelo trabalho que Marcia afirma manter-se em bem-estar (ainda que diante de condições frágeis que circundam as vidas de pessoas expatriadas).

A discussão sobre a importância do trabalho já é tema de diversos estudos há tempo considerável. No entanto, faz-se necessário retomá-la para pensarmos a questão do exílio político. Clot (2006Clot, Y. (2006). A função psicológica do trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes.) afirma que o trabalho não é uma atividade dentre tantas outras, na medida em que se diferencia pela centralidade que ocupa na vida do sujeito, adquirindo uma função psicológica. O trabalho configura-se como uma das principais dimensões da vida do homem, na medida em que interfere em sua inserção na sociedade, delimita espaços de mobilidade social e aparece como um dos fatores constitutivos da identidade dos indivíduos. Viegas (1989Viegas, S. (1989). Trabalho e vida. In Anais da Conferência Para os Profissionais do Centro de Reabilitação Profissional do INPS, Belo Horizonte, MG.) destaca o trabalho em sua via de crescimento e realização; ou seja, construir a si mesmo enquanto ser, enquanto indivíduo. Nessa concepção, o trabalho significa mais do que uma ocupação ou um ato de servir; também oportuniza o desenvolvimento e o preenchimento da vida do homem.

[...] quanto mais o homem coloca de si no mundo, mais conteúdo interior ele vai adquirindo. E é exatamente esse o sentido de trabalho vinculado à vida. Trabalho é a forma humana de fazer jus à vida, é a forma humana de produzir, não no sentido de criar objetos reificados, simplesmente, mas no sentido de criar significações. [...] o trabalho acrescenta o que sou ao que não sou, acrescenta o que não sou ao que sou. Ele dá uma dimensão virtual para o meu ser (Viegas, 1989Viegas, S. (1989). Trabalho e vida. In Anais da Conferência Para os Profissionais do Centro de Reabilitação Profissional do INPS, Belo Horizonte, MG., pp. 10-11).

Sobre a função psicológica do trabalho, Dejours (1996Dejours, C. (1996). Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In J. Chanlat (Coord.), O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo, SP: Atlas.) reforça a importância de o trabalho possibilitar condições concretas de sublimação. A sublimação é um processo que diz respeito à libido objetal e consiste em o instinto se dirigir no sentido de uma finalidade diferente e afastada da finalidade da satisfação sexual original. A sublimação corresponde ao processo que canaliza os impulsos libidinais para uma postura socialmente útil e aceitável; é a capacidade de substituir seu objetivo imediato por outros desprovidos de caráter sexual e que possam ser mais altamente valorizados (Freud, 2006aFreud, S. (2006a). Sobre o narcisismo: uma introdução. In S. Freud (Ed.), Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: v. XIV (Trabalho original publicado em 1914). Rio de Janeiro, RJ: Editora Imago., 2006bFreud, S. (2006b). Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In S. Freud (Ed.), Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: v. XVI(Trabalho original publicado em 1910). Rio de Janeiro, RJ: Editora Imago .). Freud (2006c)Freud, S. (2006c). O mal-estar na civilização. In S. Freud (Ed.), Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: v. XXI (Trabalho original publicado em 1930). Rio de Janeiro, RJ: Editora Imago. destaca que a sublimação atua como uma técnica para afastar o sofrimento, pois possibilita deslocamentos de libido, reorientando os objetivos instintivos de maneira que eludam à frustração do mundo externo. Dessa forma, “obtém-se o máximo quando se consegue intensificar suficientemente a produção de prazer a partir das fontes do trabalho psíquico e intelectual” (Freud, 2006c, p. 87). Ainda que não seja interesse neste trabalho maiores aprofundamentos no conceito psicanalítico, o que é necessário destacar aqui é a via produtiva e construtiva que o trabalho de Marcia representa à ela em seu momento de vida atual.

Dejours (1996Dejours, C. (1996). Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In J. Chanlat (Coord.), O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo, SP: Atlas., 2008Dejours, C. (2008). Addendum da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In S. Lancman, & L. I. Sznelwar(Orgs.), Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Brasília, DF: Paralelo 15.) nos atenta para as possibilidades de sofrimento e prazer pela atividade, por meio dos diversos processos de subjetivação possíveis da relação do ser humano com o trabalho. Para essa apreensão, é necessário compreender o trabalho em sua interioridade e subjetividade (Freitas, 2000Freitas, M. E. (2000). A questão do imaginário e a fronteira entre a cultura organizacional e a psicanálise. In F. C. P. Motta, & M. E. Freitas(Orgs.), Vida psíquica e organização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). Conforme a autora, o trabalho pode ser palco de repetições vinculadas às vivências passadas, relacionadas a uma cadeia de significações pessoais, estando, muitas vezes, no campo do inconsciente. Dessa forma, uma representação passada não é abolida, e sim “deslocada”, permanecendo ativa. As situações passadas são ressignificadas no momento presente, e o sujeito pode repetir sua história, a fim de responder a uma situação atual. Freitas destaca ainda que as organizações são também lugares de transferência. Nestas, os indivíduos podem vivenciar relações novas e genuínas, mas podem também re-atualizar seu repertório afetivo, resgatando motivações que possuem suporte em reminiscências de construções passadas.

Nesse processo de destinação das experiências e sofrimentos originais, o trabalho pode se configurar, conforme a terminologia dejouriana, em dois modos: como via da instauração de um sofrimento patológico (a via do “sofrimento”), que consiste na repetição exata e estéril das questões essenciais, ou pela via da produção/criação de um sofrimento criativo (a via do “prazer”), na qual a sublimação é processo de destaque. Tal via representa a possibilidade de ressignificação, ou seja, o trabalho como uma possibilidade bem-sucedida entre o conteúdo singular do sujeito e o coletivo do trabalho, como uma condição de reconciliação entre o inconsciente e os objetivos da produção. No contexto da história apresentada e conforme as experiências narradas, é flagrante a dimensão produtiva do trabalho ligada especialmente ao trabalho intelectual e criativo de Marcia.

Voltando à história, Marcia nos diz que formalmente não está exilada, porque no Brasil não há essa condição jurídica, e que também não pediu asilo político, pois é cidadã italiana. No entanto, afirma que se necessário, o pedirá. Conta que adoraria voltar para o Brasil, mas para um país democrático.

Não tenho porque voltar para o Brasil… é melhor eu ficar aqui fazendo minhas coisas do que eu voltar para o Brasil e ter que ficar me escondendo dos maníacos que correm atrás de mim. Também porque a gente precisa trabalhar… Aqui vou continuar trabalhando, construindo minha vida, lá não posso fazer isso, teria que viver escondida, clandestina, sempre tomando cuidado (Marcia).

Tal relato de Marcia nos atenta ainda para uma outra dimensão relacionada às possibilidades produtivas e construtivas de obtenção de prazer pela atividade - a questão do espaço público. Para Dejours (1996Dejours, C. (1996). Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In J. Chanlat (Coord.), O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo, SP: Atlas.), a obtenção de prazer e saúde mental pela atividade se faz possível, dentre outras questões, pela instauração de um espaço da palavra ao espaço público. Este processo consiste em existir no e pelo trabalho a possibilidade da palavra, da expressão autêntica do ser, da elaboração, da ressignificação, que irá ocorrer então nos espaços públicos da atividade laboral. Nas palavras de Dejours (1996Dejours, C. (1996). Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In J. Chanlat (Coord.), O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo, SP: Atlas., p. 171), “para resumir esse enfoque do sofrimento criativo, seria possível dizer que a transformação do sofrimento em criatividade passa por um espaço público na fábrica. Em troca, cada vez que o espaço público tende a se fechar, a criatividade estará ameaçada”, e o sofrimento patogênico estará instaurado.

O espaço da palavra, que propicia aos sujeitos a transformação do sofrimento em iniciativa e em elaboração criativa, Dejours o considera convencionar como um espaço público. Afinal, a ideia de um espaço da palavra significa a possibilidade da discussão coletiva, da inteligibilidade dos comportamentos. É pelo espaço da palavra que surgem conhecimentos sobre o trabalho real, que até então estavam ocultos pelo sofrimento e pelas defesas contra o sofrimento. Para a condução deste espaço, são fundamentais a transparência, a confiança e a solidariedade, que irão operar na construção de espaços de reconhecimento e afiliação, os quais são opostos ao individualismo e coadunam com a construção do coletivo de trabalho. Fala-se aqui de uma condição diversa da técnica; fala-se da condição da ética. A condição ética constitui-se como condição necessária, apesar de não suficiente, para o estabelecimento das relações intersubjetivas entre os trabalhadores que lhes permitam construir defesas coletivas contra o sofrimento e dar a este a possibilidade da significação em sofrimento criativo. O espaço público de trabalho consiste ainda na na elaboração da palavra psicológica à palavra política (Karam, 2003Karam, H. (2003). O Sujeito entre a alcoolização e a cidadania: perspectiva clínica do trabalho. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 25(3), 468-474.). Tal autora nos esclarece que, para tanto, é fundamental reconhecer não apenas a centralidade do trabalho para o homem, mas seu papel como operador de saúde mental mediante a promoção da cidadania.

No caso de Marcia e da situação de exílio, tal reflexão faz-se sobremaneira importante. Afinal, é justamente pela supressão da palavra (dentre outras impossibilidades de existir em sua pátria) que ocorre sua saída do Brasil. As inúmeras violências dirigidas à Marcia remetem a uma tentativa de aniquilação de sua existência - física, psíquica e social, dimensões todas elas atravessadas pela palavra. Nesse contexto, exilar-se é condição de resistência e existência, para que a vida, e a palavra enquanto vida, possam continuar.

O espaço público da palavra descrito por Dejours, nos remete também aos necessários vínculos de uma genuína solidariedade para sua ocorrência. No atual contexto do Brasil, ao qual nos remetemos para a escrita deste artigo, e conforme a descrição realizada por Márcia, há um flagrante abalo dos laços de solidariedade (o que podemos ainda atribuir à dimensão individualista de um projeto fascista de sociedade). Nesse contexto, têm-se ainda mais empecilhos para a existência de espaços públicos da palavra, obstáculos para a própria existência em si. Em situações nas quais a solidariedade e o coletivo encontram-se abalados, tem-se a situação de abandono.

O abandono é um sentimento o qual Marcia descreve para refletir sobre o exílio, conforme já apresentado em sua narrativa. Abandono em função da percepção de falta de solidariedade em seu país, abandono advindo da própria condição de expatriamento por si. É pelo trabalho, por sua função psicológica, que Marcia elabora e transpõe tal sentimento, e se mantém em resistência e existência, do corpo e da palavra, no país do exílio. É por essa via que Marcia continua existindo a despeito do desterro, do refúgio, da necessidade de saída forçada de sua pátria em função da violência instaurada no cenário político e social brasileiro.

E enfim, então, eu acho que o desterro é o termo adequado. (...) e aí eu fui embora. Voltar... acho que não seja possível. Não tenho mais casa no Brasil, não tenho emprego no Brasil (...) Lastimo demais… e não vejo como que eu possa colaborar lá hoje. Imagino assim que eu acho que se eu voltasse para fazer uma campanha política eu ia ser perseguida de novo, eu imagino que seu fosse lançar meus livros (...) eu continuo recebendo mensagens de ódio constantemente (...).

É assim que eu percebo o fio né, que eu costuro, que eu entendo o que aconteceu. Mas eu acho que eu ainda não entendi um monte de coisas sabe (Marcia).

TRABALHAR, EXISTIR, RESISTIR

Eu sou forte né. A gente é forte né… A gente tem que ser. Quem sobrevive ao patriarcado é capaz de tudo. A gente aguenta. A gente aguenta cada coisa. O problema que é tem gente que não sobrevive. Olha Marielle… olha as mulheres vítimas de violência doméstica, feminicídio… olha a violência política bizarra que existe hoje. E as tantas violências contra mulheres… e essa guerra ideológica que esses malucos que inventaram a expressão ideologia de gênero, coisas do tipo. Olha o que são essas fascistas em ação, produzindo e construindo discurso de ódio a todo tempo. Mas a gente vai continuar, a gente vai seguir na luta (Marcia, grifo nosso).

Em uma perspectiva mais singular de análise, destacam-se, na história de Marcia, as possibilidades sublimatórias que o trabalho oferece e seu valor positivo. Marcia nos afirma sobre isso, especialmente ao destacar sobre sua atividade de escrita e como essa tem sido crucial nesse momento de sua vida: “mais eu acho que o que me salva é que eu escrevo, escrevo e escrevo” (Marcia). O trabalho é um ponto que ela destaca de maneira muito especial em seu relato. Obter pela atividade possibilidades concretas de sublimação é ponto primordial para a obtenção de prazer e saúde, para a elaboração do conteúdo singular do sofrimento original e para sua transformação em conteúdos produtivos ao sujeito. Trata-se de um processo de elaboração do próprio ser e que é notável na história de Marcia (a escrita de obras com o tema do desterro, conforme relatado na sessão anterior do artigo, é um bom exemplo desse processo de elaboração que o trabalho, especialmente o trabalho vida, o trabalho arte, possibilita).

Sobre os processos mais singulares de elaboração subjetiva de uma situação de exílio, retomamos aqui as reflexões de Indursky e Conte (2015Indursky, A. C., & Conte, B. S. (2015). Trabalho psíquico do exílio: o corpo à prova da transição. Ágora, 18(2), 273-288.) acerca do trabalho psíquico nessa condição. Trata-se de uma circunstância na qual se coadunam dois traumas: os traumas advindos da saída do país de origem (violências, perseguições, ameaças) que se juntam àqueles relacionados à condição do exílio em si (lembremo-nos da ideia do “ex-eu”, do francês “ex-il”, e o desenraizamento identitário do exilado). Sobre as perdas identitárias relacionadas ao exílio, citamos, como exemplo: o distanciamento dos marcadores e parâmetros culturais, das referências familiares e afetivas, os processos de adaptação às novas sensorialidades, o aprendizado de um novo idioma, o desconhecimento do espaço, dentre outras condições que se ligam a um desenraizamento geo/psíquico/social. A respeito das dificuldades do exílio, vale destacar também sobre as vicissitudes relacionadas à “escolha” por exilar-se. Indursky e Conte (2015)Indursky, A. C., & Conte, B. S. (2015). Trabalho psíquico do exílio: o corpo à prova da transição. Ágora, 18(2), 273-288. destacam como essa se configura enquanto uma opção entre a própria vida ou a própria pátria, e recorrem à metáfora de um assalto como auxílio para essa compreensão:

A bolsa ou a vida? — intimação ameaçadora, que um larápio nos impõe quando da decisão ingrata de escolher nosso destino ressoa de forma instigante, se justaposta à decisão de partir em refúgio. Ao escolher a bolsa, ou seja, permanecer em sua pátria, o sujeito fica sem os dois. Se escolher a vida, fica separado daquilo que lhe engendra a decisão — seja a bolsa, seja a pátria (Indursky & Conte, 2015Indursky, A. C., & Conte, B. S. (2015). Trabalho psíquico do exílio: o corpo à prova da transição. Ágora, 18(2), 273-288., p. 276).

A história de Marcia (aliada às reflexões teóricas) nos aponta como, diante da situação de trauma inerente ao exílio, o trabalho se destaca enquanto um eixo estruturante e norteador. Por esses eixos de compreensão, reforçamos como a atividade laboral se torna uma possibilidade de estruturar a continuidade da existência, da própria história, da própria identidade - um modo de estruturação que possibilita direção e sequência à própria vida. As perdas identitárias relacionadas ao distanciamento geográfico, psíquico e social do país de origem encontram no espaço do trabalho no país de destino a oportunidade de re(estruturação) e de contiguidade.

Situações de perda exigem a concepção de novos modos de existência. A elaboração das referências perdidas demandam, do sujeito em exílio, processos de (re)invenção e (re)construção; na história de Marcia, o trabalho resplandece enquanto via privilegiada para tal: uma via de reestruturação e também de não ruptura com a sua origem e mesmo com a sua pátria.

Trabalhar se sobressai igualmente, conforme o relato de Marcia, enquanto um modo de existência e resistência, não apenas no plano individual, mas também no contexto mais amplo da ação política. “Aqui vou continuar trabalhando, construindo minha vida, lá não posso fazer isso” (Marcia); resgatamos esse trecho da fala de Marcia, para enfatizar mais uma função do trabalho no contexto do exílio. Além das possibilidades de elaboração para existir e resistir na dimensão individual e singular da história de vida da pessoa, trabalhar possibilita ainda a continuidade da ação política do sujeito: justamente aquela que lhe é negada no contexto fascista de uma sociedade. Assim, o exílio viabiliza a permanência e a existência de um trabalho que é resistência e luta ao fascismo que o expurga. O expatriamento se torna, por essa acepção, possibilidade de seguir atuante na luta para a transformação e superação desse quadro. Reforçamos assim, conforme já destacado no texto, o momento do exílio enquanto possibilidade de (re)instauração de um espaço público, de um espaço da palavra livre, autêntica, resistente e política.

Trabalhar também pode significar o (re)estabelecimento de laços de solidariedade, laços abalados no contexto fascista do país de origem, conforme o relato de Marcia. Em pesquisa realizada com exilados políticos brasileiros na época da ditadura militar, Marques (2011Marques, T. C. S. (2011). Militância política e solidariedade transnacionais: a trajetória política dos exilados brasileiros no Chile e na França (1968-1979) (Doctoral Dissertation). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.) demonstra que apesar de haver no exílio uma intenção de isolamento do militante, o que ocorreu naquela época, tanto nas experiências de exílio no Chile, como nas experiências de exílio na França, contrariou tal expectativa, visto que grande parte dessas pessoas transformaram o exílio em um espaço de combate político através de redes de solidariedade. Para o caso do exílio recente de brasileiros, e conforme a história de Marcia, podemos já afirmar sobre a (re)ocorrência dessa possibilidade via o trabalho.

Nesse sentido, reforça-se aqui, conforme destacado por Marques (2011Marques, T. C. S. (2011). Militância política e solidariedade transnacionais: a trajetória política dos exilados brasileiros no Chile e na França (1968-1979) (Doctoral Dissertation). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.), as motivações que fazem com que o sujeito não solicite a condição legal de exilado no país de destino; ainda que essa condição represente proteção ao indivíduo, tal status jurídico impede a pessoa de manifestar-se politicamente, o que é, de maneira geral, justamente a natureza do trabalho de pessoas que estão nessa condição (seja um artista, um intelectual, um militante, um servidor público, etc). Assim, enquadrar-se legalmente como um exilado político significa justamente a interrupção do próprio trabalho e de suas potencialidades de existência e resistência, conforme argumentamos nesse texto, além da cessação do espaço público da palavra

REFLEXÕES FINAIS

Percorrido esse caminho, retomamos alguns pontos, que dizem respeito às reflexões já tecidas neste trabalho, e apontamos outros caminhos que consideramos necessários para a continuidade da discussão.

Sobre a importância do estudo, destacamos a necessidade dessa discussão para se pensar o atual contexto brasileiro. Nesse, o exílio político apresenta-se enquanto realidade; assim, interessa-nos, juntamente à investigação acadêmica sobre o exílio, registrar esse fenômeno e seus contornos atuais. Em relação ao nosso registro, faz-se essencial ressaltar particularidades valiosas dessa investigação, dentre elas, a oportunidade de desenvolvimento da pesquisa e o recolhimento das informações (pesquisa de campo) in loco et tempore, ou seja, no exato momento no qual Márcia se encontra exilada, e justamente no local de seu exílio. Tal condição é sobremaneira relevante.

A respeito da dimensão do trabalho em uma situação de exílio político, destacamos, conforme a história de Marcia, sua importância e centralidade enquanto via para que o trabalhador exilado (re)construa-se e siga sua existência em potência, e mesmo, em saúde. Afinal, a condição de existência é justamente aquilo que lhe é negado em violências, ameaças, hostilidades, agressões. Assim, trabalho produtivo e espaço público - possibilidades impugnadas no país de origem, tornam-se os pontos de retomada de existência, resistência e vida.

Na história relatada por Marcia, o trabalho se destaca enquanto um elemento fundamental em sua narrativa. Em nossa análise, e com a referência à literatura, trouxemos os diversos sentidos que o trabalho pode apresentar para o exilado. No plano individual temos o trabalho enquanto modo de (re)estruturação para alguém que vive em sua experiência processos de desenraizamento geo/psíquicos/sociais e suas consequentes perdas identitárias, além da situação do duplo trauma, já comentados; um modo de dar continuidade à própria existência, de resistir, de (re)existir. Concomitantemente, no plano do social, o trabalho se configura em um modo de ação política, uma maneira de seguir com a luta pela transformação, justamente aquela que é interditada no contexto fascista de sociedade; uma maneira também fundamental da existência, resistência, (re)existência. Ademais, tem-se ainda as possibilidades de reconstrução de laços de apoio e solidariedade que podem advir pelo trabalho, em contraponto ao sentimento de abandono que perpassa uma situação de exílio.

Para o campo organizacional de investigação, reforçamos também as contribuições deste trabalho. Uma delas refere-se à abordagem da ocorrência de exílio político no Brasil contemporâneo. Esse dado por si já alerta para a situação grave e problemática enfrentada no país em seus anos recentes. Aliado a esse dado, trazemos também as discussões acerca do contexto de ascensão da extrema direita ao poder no Brasil (o que se denomina de um neofascismo contemporâneo), juntamente ao debate sobre exílio político, e reforçamos a originalidade e a necessidade dessa discussão no âmbito da Administração. Ainda que a reflexão sobre trabalho e expatriamento sejam temáticas amplamente debatidas nas ciências administrativas, visibilizar a questão do exílio político, no caso o de brasileiros, agrega fatos contemporâneos à essa discussão.

Trazer a experiência de uma exilada a partir da pesquisa em história de vida também é uma contribuição que consideramos valiosa, tanto para a apresentação da problemática deste artigo, como enquanto demonstração de uma rica possibilidade metodológica de investigação para os trabalhos que versam sobre refugiados e pessoas deslocadas em seu trabalho. Abordar a essa questão pelo ponto de vista do sujeito e pelas dramáticas daqueles que vivem essa situação em suas próprias existências remete a sensibilidades e competências muitíssimo necessárias aos estudiosos do campo do trabalho.

Ainda que os estudos acerca dos sentidos e da centralidade do trabalho sejam numerosos e estejam presentes no campo da Administração desde um longo período, é sempre necessário revisitar essa discussão, por sua devida importância e, especialmente, quando do surgimento de novos fenômenos ou o reaparecimento dos antigos, mas com novas roupagens, o que é o caso do exílio. No presente artigo, destacamos ainda, o resgate e o diálogo interdisciplinar entre a literatura de base psicanalítica e psicossociológica, com as referências teóricas do campo da ciência política sobre trabalho, exílio político e fascismo.

Sobre o fascismo, consideramos a história de Marcia um caso relevante para refletirmos acerca do neofascismo na atualidade e sobre as consequências dessa situação. O caso apresentado também nos remete a uma outra dimensão, a qual intentamos retomar em futuros estudos: a faceta patriarcal das configurações autoritárias. Sobre esse ponto, Marcia nos alerta:

“o patriarcado é um sistema de opressão baseado no privilégio masculino, no culto do macho. É a versão de gênero do capitalismo. O capitalismo está para o capital, assim como o patriarcado está para o gênero. O que é o fascismo no meio disso tudo? O fascismo é uma observação do ódio das massas com o objetivo de negação do outro. o fascismo é paranóico. É um sistema organizado que depende de todas as formas de preconceito. Depende da misoginia, depende da homofobia, depende do racismo… (...) às vezes o fascismo dá espaço para as mulheres; desde que elas sejam machistas. Se elas forem colaboracionistas” (Marcia).

Além da égide patriarcal de tais relações autoritárias, consideramos ainda outros elementos, que também nos são suscitados pela história de Marcia. No campo da Administração, refletimos ainda sobre características sociais contemporâneas que engendram uma condição neofascista de sociedade, como por exemplo: o enfraquecimento dos sindicatos e organizações associativistas, o isolamento individual, o desemprego e as perdas nos direitos trabalhistas, o fenômeno da “empresarização de si mesmo”, dentre outros processos de perdas do coletivo e das solidariedades (pontos que Marcia nos aponta em suas experiências). Tais processos propiciam um desenraizamento político e social das pessoas, tendo como base a lógica e dominação do capitalismo financeiro em seu estágio atual. “Esse indivíduo isolado e indefeso é assolado por uma agressividade que não compreende e, desse modo, ele ou dirige contra si próprio a raiva que sente por sua própria pobreza e privação ou a canaliza contra bodes expiatórios construídos para este fim” (Souza, 2019Souza, J. (2019). A elite do atraso. Rio de Janeiro, RJ: Estação Brasil., p. 253). Enfim, tratam-se de questões para aprofundamento em futuros estudos, e que dizem respeito à complexidade da compreensão desse fenômeno e do contexto no qual a história que apresentamos emerge.

Por fim, intentamos que a discussão aqui apresentada, a respeito do trabalho no contexto do exílio político de brasileiros, seja contributiva ao dossiê em questão, cujo foco é a experiência de refugiados e pessoas deslocadas em circunstâncias diversas. A história de Marcia e as reflexões acerca do exílio político e do contexto neofascista nos demonstram como o trabalho é uma atividade central para a existência e a resistências de pessoas nessa situação. Além disso, ressoar essa discussão no campo da Administração nos parece uma ação também necessária para se refletir sobre essa realidade e sobre as maneiras pelas quais organizações, líderes e formuladores de políticas podem auxiliar pessoas nessas condições a encontrar trabalho, manter emprego e resultados positivos na vida, dentre outros (tal como preconizado nos objetivos da presente chamada de trabalhos).

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem à Marcia Tiburi pela disponibilidade e confiança em nos narrar sua história de vida, o que muito nos honra; aos pareceristas da Cadernos EBAPE.BRpelas valiosas contribuições ao texto; à Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EA/UFRGS) pelo apoio ao pós-doutorado; ao grupo Pesquisa Histórica em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IAG/PUC-Rio); ao Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IAG/PUC-Rio); à Dominique Lhuilier e ao Centre de Recherche sur le Travail et le Développement du Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM-Paris). Esta pesquisa teve o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia - Brasil (CNPq), processo no. 308191/2019-6.

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  • 1
    Os trechos narrados em primeira pessoa referem-se a experiências e memórias da primeira autora do artigo.
  • 2
    Frase de slogan do período da ditadura militar brasileira e que foi recentemente reproduzida pela rede de televisão comercial SBT - Sistema Brasileiro de Televisão (Folha de São Paulo, 2018).
  • 3
    Luiz Inácio Lula da Silva foi o 35º presidente do Brasil (no período dos anos de 2003-2010).
  • 4
    Marielle Franco elegeu-se vereadora do Rio de Janeiro para o período dos anos 2017-2020. Em 14 de março de 2018 foi assassinada.
  • 5
    Ensaísta brasileiro, figura pública, representante do conservadorismo no Brasil.
  • 6
    Tiburi, M. (2018). Como conversar com um fascista. Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. Rio de Janeiro, RJ: Record.
  • 7
    Tiburi, M. (2017). Ridículo Político. Uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto. Rio de Janeiro, RJ: Record.
  • 8
    Tiburi, M. (2018). Feminismo em comum: para todas, todes e todos (6a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Rosa dos Tempos.
  • 9
    Movimento Brasil Livre.
  • 10
    Tiburi, M. (2018). Sob os pés, meu corpo inteiro. Rio de Janeiro, RJ: Record.
  • 11
    Tiburi, M. (2016). Uma fuga perfeita é sem volta. Rio de Janeiro, RJ: Record.
  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2020
  • Aceito
    08 Out 2020
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