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Um estudo de possíveis correlações entre representações docentes e o ensino de Ciências e Matemática para surdos

A study of possible correlations between teachers' representations and Science and Mathematics teaching to the deaf

Resumos

No presente trabalho, investigamos as representações docentes acerca dos temas relacionados ao universo do ensino de surdos. Professores que atuam no ensino de surdos nas cidades de Maringá e Londrina são ouvidos e questões diversas são tratadas, tais como: formação inicial, Língua de Sinais, intérpretes, infraestrutura, preconceito, ensino de ciências, avaliação de aprendizagem etc. Para a análise dos dados, utilizamos a proposta de Análise Textual Qualitativa. A expectativa é de que, por meio dessas representações docentes, possamos levantar a discussão acerca deste fenômeno: o ensino de matemática e ciências para surdos. Dez professores que atuam nessa modalidade são ouvidos, sendo realizado um processo de categorização das falas de cinco dos entrevistados neste artigo. Surgem, então, diversas questões a serem debatidas e, com isso, buscamos encontrar um caminho de investigação em busca de uma melhor educação em ciências e matemática para surdos.

Surdez; Ensino de Ciências e Matemática; Representações docentes


Throughout this paper, we have investigated some teachers' representations about issues related to the teaching of the deaf. Teachers who have worked in such educational contexts in the cities of Maringa and Londrina were recorded while different topics were addressed such as: pre-service teaching education, training, Sign Language, interpreters, infrastructure, prejudice, Science teaching, learning assessment, and others. For data analysis, we have used Qualitative Textual Analysis. The expectation is that, through the teachers' representations, we can raise the discussion about this phenomenon: the teaching of mathematics and science to deaf students. Five out ten teachers were categorized for the purposes of this paper. Several issues were raised and all were worthy to be discussed in trying to find a way for a better education in Science and Mathematics for the deaf.

Deafness; Science and Mathematics teaching; Teachers' representations


Um estudo de possíveis correlações entre representações docentes e o ensino de Ciências e Matemática para surdos

A study of possible correlations between teachers' representations and Science and Mathematics teaching to the deaf

Fábio Alexandre BorgesI,1 1 Rua Venezuela, 414, Jardim Alvorada - Maringá, PR, 87.033-360 ; Luciano Gonsalves CostaII

ILicenciatura em Matemática, mestre em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática. Docente, Departamento de Matemática, Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (FECILCAM). Campo Mourão, PR, Brasil. <fabioborges.mga@hotmail.com>

IIBacharelado em Física, doutor em Informática na Educação. Docente, Departamento de Física, Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá, PR, Brasil. <luciano@dfi.uem.br>

RESUMO

No presente trabalho, investigamos as representações docentes acerca dos temas relacionados ao universo do ensino de surdos. Professores que atuam no ensino de surdos nas cidades de Maringá e Londrina são ouvidos e questões diversas são tratadas, tais como: formação inicial, Língua de Sinais, intérpretes, infraestrutura, preconceito, ensino de ciências, avaliação de aprendizagem etc. Para a análise dos dados, utilizamos a proposta de Análise Textual Qualitativa. A expectativa é de que, por meio dessas representações docentes, possamos levantar a discussão acerca deste fenômeno: o ensino de matemática e ciências para surdos. Dez professores que atuam nessa modalidade são ouvidos, sendo realizado um processo de categorização das falas de cinco dos entrevistados neste artigo. Surgem, então, diversas questões a serem debatidas e, com isso, buscamos encontrar um caminho de investigação em busca de uma melhor educação em ciências e matemática para surdos.

Palavras-chave: Surdez. Ensino de Ciências e Matemática. Representações docentes.

ABSTRACT

Throughout this paper, we have investigated some teachers' representations about issues related to the teaching of the deaf. Teachers who have worked in such educational contexts in the cities of Maringa and Londrina were recorded while different topics were addressed such as: pre-service teaching education, training, Sign Language, interpreters, infrastructure, prejudice, Science teaching, learning assessment, and others. For data analysis, we have used Qualitative Textual Analysis. The expectation is that, through the teachers' representations, we can raise the discussion about this phenomenon: the teaching of mathematics and science to deaf students. Five out ten teachers were categorized for the purposes of this paper. Several issues were raised and all were worthy to be discussed in trying to find a way for a better education in Science and Mathematics for the deaf.

Keywords: Deafness. Science and Mathematics teaching. Teachers' representations.

Introdução

A idealização deste estudo se deu a partir de uma experiência pessoal no ato de estar ensinando Ciências e Matemática para surdos. Esse era um "mundo estranho" ao qual fomos apresentados quando estávamos "a dois passos da sala de aula", uma situação reveladora da impotência humana diante do desconhecido. Foi experimentando as limitações da nossa atuação no magistério, com educandos surdos, que vimos despertar o interesse pela transformação da prática pedagógica desse contexto.

Mas, que caminhos deveríamos seguir?

O ponto de partida foi admitirmos que, por mais problemática que a prática pedagógica considerada inadequada viesse a se apresentar, a ação docente é influenciada por ideias a respeito das coisas do universo da surdez, que precedem ao início da atuação do professor com estudantes surdos, ou que foram construídas até antes desses educandos serem admitidos no interior da instituição escolar.

Por isso, o que propomos aqui foi buscar "desnudar" a realidade escolar do educando surdo e encontrar questões que possam ser significadas além do interior da sala de aula.

Em particular, no campo da Pesquisa em Ensino de Ciências e Educação Matemática, a questão do ensino dos surdos ainda não foi investigada suficientemente. Seguramente, são inúmeras as interrogações2 2 Moreira (1988) salienta algumas questões consideradas como relevantes para o ensino de ciências como um todo e que se estendem ao ensino de ciências para surdos. Entre elas, o autor destaca: questões sobre a aprendizagem, sobre o ensino, quanto ao currículo, questões sobre a avaliação e sobre o contexto educacional. que permanecem sem respostas ou, ao menos, foram lançadas.

No plano metodológico, supomos que, para entender as questões particulares desse ensino, teríamos de nos autoquestionar a esse respeito, tendo como expectativa a constituição de outra ótica do ensino para surdos, que não a da reprodução das crenças vigentes. Acreditamos que resida, na atitude fenomenológica,3 3 "Isto implica um esforço de colocar entre parênteses as próprias ideias e teorias e exercitar uma leitura a partir da perspectiva do outro" (MORAES, 2003, p.193). a possibilidade de desvelar esse olhar novo sobre a problemática da influência das representações dos professores sobre a surdez no Ensino de Ciências/Matemática de surdos.

Sendo assim, foram ouvidos professores que atuam no Ensino de Ciências e Matemática para surdos em escolas especiais. Os docentes foram solicitados a descreverem suas experiências nessa situação específica de ensino, abordando temas como: a formação profissional, infraestrutura escolar e outros. Nossa tentativa é a de articular os elementos que compõem esse universo escolar na expectativa de se compreenderem possíveis relações entre a cultura pedagógica, as ideias sobre o surdo e a surdez e o atual estágio do seu ensino.

A investigação

Um estudo que busca compreender como se correlaciona a prática pedagógica e a surdez deve, necessariamente, envolver os professores que atuam no ensino desses estudantes.

Em se tratando de um tema ainda pouco investigado e considerando que as escolas que atendem exclusivamente alunos surdos são ambientes conhecidos por poucos, a opinião desses profissionais adquire maior importância, permitindo-nos uma incursão nessa realidade incógnita.

Do ponto de vista da pesquisa qualitativa4 4 Pesquisa qualitativa é entendida como a pesquisa que considera o caráter subjetivo do conhecimento, sem ligá-lo a relações positivistas de causa-efeito. O construtivismo, a fenomenologia, a hermenêutica, a etnografia podem ser considerados como partes integrantes da pesquisa qualitativa (Neves, 1991). , isso torna as opiniões construídas por professores importantes fontes de dados para um estudo dessa natureza.

De acordo com Moraes (2003, p. 191):

[...] a pesquisa qualitativa pretende aprofundar a compreensão dos fenômenos que investiga a partir de uma análise rigorosa e criteriosa desse tipo de informação, isto é, não pretende testar hipóteses para comprová-las ou refutá-las ao final da pesquisa; a intenção é a compreensão.

Nesse sentido, selecionamos, como o contexto da investigação, duas escolas que atendem exclusivamente pessoas surdas, ligadas à rede de educação escolar do Estado do Paraná, sendo uma delas na cidade de Londrina (escola B) e a outra na cidade de Maringá (escola A). Os professores foram visitados durante suas atividades docentes, sendo solicitados para falarem sobre suas vivências no ato de estar ensinando alunos surdos, conforme roteiro apresentado a seguir, e que fora concebido para nortear um tipo de entrevista semiestruturada (THIOLLENT, 1987). As questões abordavam problemáticas como: a formação profissional (inicial e continuada), a experiência no ensino de surdos, a representação particular sobre surdo e surdez, a contribuição do Ensino de Ciências para o estudante (surdo) e recursos didáticos utilizados nesse ensino.

A finalidade das questões foi fazer com que o entrevistado recorresse a seu repertório de experiências e conhecimentos para que pudéssemos estudar as tendências do seu pensamento de uma forma absolutamente dependente desses conhecimentos e experiências.

Foram ouvidos dez professores das disciplinas Ciências do Ensino Fundamental, e Matemática, Física, Biologia e Química do Ensino Médio, sendo cinco de cada escola envolvida nessa pesquisa.

A compreensão dos dados deste trabalho foi realizada de acordo com a metodologia da Análise Textual Discursiva5 5 O autor Moraes utiliza, em outros momentos de seu trabalho, o termo análise textual qualitativa. (MORAES, 2003).

Moraes (2003) considera a análise textual como um processo auto-organizado de construção de novas compreensões, pois possibilita, em seu todo, a emergência de novas percepções do fenômeno analisado, ainda que organizado por elementos racionalizados.

Com isso, a tarefa de análise do material coletado, o corpus6 6 "O corpus da análise textual, sua matéria-prima, é constituído essencialmente de produções textuais [...]. São vistos como produtos que expressam discursos sobre fenômenos e que podem ser lidos, descritos e interpretados, correspondendo a uma multiplicidade de sentidos que a partir deles podem ser construídos. Os documentos textuais da análise [...] são significantes dos quais são construídos significados em relação aos fenômenos investigados". (MORAES, 2003, p. 194) estudado na pesquisa, foi dividida em três etapas, com vistas a essa auto-organização e com o propósito de encontrar uma nova compreensão.

Num primeiro momento, o discurso de cada entrevistado foi lido e relido inúmeras vezes para que pudéssemos nos impregnar das ideias de cada professor envolvido. Feito isso, iniciou-se o trabalho de desconstrução e unitarização dos dados investigados. Nesse processo, foram extraídos, das falas, os trechos que comportariam os significantes que, possivelmente, contribuiriam na construção de novos significados da fenomenologia educacional em questão; os excertos da fala do professor foram denominados de unidades de significado.

Moraes (2003) entende a unitarização como:

[...] processo de desmontagem ou desintegração dos textos, destacando seus elementos constituintes. Implica colocar o foco nos detalhes e nas partes componentes, um processo de divisão que toda análise implica. Com essa fragmentação ou desconstrução dos textos, pretende-se conseguir perceber os sentidos dos textos em diferentes limites de seus pormenores, ainda que compreendendo que um limite final e absoluto nunca é atingido. (MORAES, 2003, p. 195)

Num segundo momento, reportamos a nossa compreensão das ideias de cada entrevistado, designada, aqui, por descrição das ideias individuais.

Com as unidades de significado de cada discurso determinadas e a descrição das ideias de cada entrevistado, o processo seguinte foi o de categorização dessas unidades que, segundo Moraes (2003), é um processo de comparação constante entre as unidades definidas no processo inicial da análise, levando a agrupamentos de elementos semelhantes.

No caso desse trabalho, o método adotado para a definição destas categorias pode ser considerado misto, pois combina a dedução e a indução das categorias. Dedutivo, pois, ao buscarmos o discurso dos professores acompanhados de questões previamente definidas, já estaríamos possibilitando o surgimento de possíveis categorias (das representações, da formação profissional, do trabalho docente etc.), ou seja, um movimento do geral para o particular. Indutivo, pois, em nossa análise do corpus, procuramos encaminhar transformações gradativas a partir das questões adotadas para delinear o discurso dos professores. A indução de novas categorias se deu no momento em que atentamos para a convergência de ideias presentes em dois ou mais discursos.

Com a definição das categorias, o terceiro passo foi o da construção de um metatexto, que constitui uma tentativa de compreensão mais abrangente do fenômeno investigado, buscando encontrar novos sentidos, diferentes daqueles já existentes nos textos originais dos discursos.

Moraes (2003) utiliza-se da metáfora "Uma tempestade de luz" para explicar uma abordagem de análise textual qualitativa. Segundo o autor, o processo que descrevemos brevemente acima "consiste em criar as condições de formação dessa tempestade em que, emergindo do meio caótico e desordenado, formam-se flashes fugazes de raios de luz iluminando os fenômenos investigados, que possibilitam [...] expressar novas compreensões atingidas ao longo da análise" (p. 192).

Neste artigo, apresentamos, a seguir, a nossa compreensão das falas de cinco dos dez professores investigados. As categorias de convergência, porém, trazem unidades de significado de todos os entrevistados.

Descrição das ideias dos professores de surdos

Descrição das ideias do professor P1

O entrevistado denuncia a ausência de uma reflexão sistemática sobre as questões da surdez (identidade de surdo, bilinguismo etc.) no ambiente escolar. Diante do fato de nunca ter mantido contato com surdos, o professor afirma ter participado de um curso, denominado emergencial, que tratava especificamente de temas sobre a surdez, buscando preparar o docente para esse ensino.

Os cursos de pós-graduação (especialização e mestrado) garantiram-lhe importantes discussões que acarretaram mudanças na sua prática docente. Entretanto, acrescenta que atualmente, tendo participado dessas importantes discussões, ainda fica um sentimento de insegurança quanto a saber transformar todo esse conhecimento adquirido em uma atuação docente satisfatória. O sujeito entende que faltam, também, outros aspectos a serem considerados no ensino de surdos, os quais não esclarece em seu relato.

O sujeito considera que os cursos de formação de professores são insuficientes no sentido de que não possibilitam, aos professores, conhecerem o surdo e as especificidades apresentadas no trabalho de docência (linguagem, vocabulário etc.).

Para transmitir determinado conhecimento para o aluno, o professor deve, segundo o entrevistado, procurar a melhor forma para fazê-lo, adequando-se às características particulares de cada estudante e, com isso, proporcionar uma variabilidade na maneira de se pensar sobre um problema matemático.

A falta de uma comunicação ideal entre estudantes e professores gera, para esse educador, um comportamento agressivo por parte dos alunos. Ainda sobre a comunicação, acredita que o tempo dedicado ao treino da fala - no tempo em que a escola A adotava o método oralista - poderia ser aproveitado com um melhor desenvolvimento dos surdos, ajudando-os de maneira mais efetiva no seu aprendizado. Ainda sobre o período oralista da escola, o sujeito entende que foram incutidas muitas crenças nos pais dos alunos, como a de que todos os estudantes conseguiriam falar.

P1 afirma que os surdos têm, na linguagem, o diferencial relativamente aos ouvintes, o que influi diretamente na convivência e nas relações com outras pessoas. Os seus interesses, porém, são comuns aos de qualquer jovem da mesma idade. O professor considera, entretanto, que os surdos possuem maiores motivos para sentirem-se angustiados com relação ao futuro profissional. Para P1, o número de surdos que ingressam, hoje, no Ensino Superior aumentou, sendo que a disponibilização de intérpretes é insuficiente.

Sobre os intérpretes, ressalta que o seu papel não deve ser o de facilitar os estudos do surdo. O entrevistado relata notar que uma das questões mais preocupantes nesse ensino seria a falta de uma comunicação adequada às suas necessidades. Segundo ele, os alunos não gostam de pessoas que não sabem se comunicar com eles por meio da Libras. P1 salienta que o relacionamento familiar, com isso, fica prejudicado, visto que muitos pais não possuem condições para o aprendizado dessa nova língua, que exige, até mesmo, a habilidade manual, que muitos não possuem.

Acredita que o ensino de Ciências, para contribuir com os surdos, precisa ter um caráter de necessidade e poder ser utilizado na vida do aluno, da mesma forma que para o estudante ouvinte. Além disso, o professor ressalta, também, que alguns conteúdos matemáticos não são utilizados diariamente, porém, devem ser transmitidos por questões adversas, como o exame vestibular.

Um dos obstáculos apontado pelo entrevistado, que se opõe ao aprendizado, é a formação básica dos estudantes surdos, considerada insatisfatória. Para P1, faltam, também, para esses alunos, noções construídas na convivência familiar, como preços de produtos. Isso, porém, não é característica exclusiva dos alunos surdos, segundo o sujeito-professor.

Ao analisar a infraestrutura da escola A, P1 garante que o estabelecimento disponibiliza todas as oportunidades necessárias ao professor, sobretudo no que se refere à compra de materiais a serem utilizados nas atividades. No caso do tamanho das salas, o entrevistado considera inadequado, pois, a escola foi planejada para um método de ensino oralista, que permitia salas menores para um número pequeno de alunos. Hoje, a quantidade de alunos em cada sala aumentou, criando, assim, um novo obstáculo ao ensino. Destaca, também, que a escola possui sala de informática, mas sendo pouco utilizada por alunos e professores.

Outras atividades, como teatro, dança e educação para o trabalho, também são oferecidas. Contudo, a escola não recebe tantos recursos quanto na época em que a visão que se tinha sobre a Educação Especial era assistencialista, na qual os alunos dispunham de uma maior variedade de atividades.

O uso de jogos no ensino de surdos, segundo o sujeito P1, acaba contribuindo apenas para a memorização das palavras em português, modificando, com isso, os objetivos reais da realização desses jogos.

O professor P1 considera que, hoje, os docentes da escola A possuem menor liberdade para a realização de atividades extrassala, como projetos interdisciplinares, isso em relação a um período anterior (aproximadamente, três a quatro anos antes). O entrevistado ilustra sua fala alegando que, atualmente, as atividades se dão "mais nos muros da escola".

P1 entende que existe um acompanhamento mais próximo dos conteúdos a serem trabalhados nas aulas no ensino de ouvintes e que, na educação de surdos, os professores têm maior liberdade de decisão na escolha dos temas a serem trabalhados. A única consideração feita por todos os estabelecimentos é uma atenção maior na preparação para os exames vestibulares.

Descrição das ideias do professor P3

O sujeito P3 revela em seu discurso os motivos que o levaram a trabalhar na educação de surdos. Segundo ele, tudo começou com uma especialização em deficiência auditiva escolhida ao acaso, pois havia decidido melhorar seu salário como docente e, para isso, resolveu cursar a pós-graduação e, assim, "subir de nível", seguindo os critérios estabelecidos pelo Estado. O entrevistado alega jamais ter tido contato com surdos ou, mesmo, com o tema Educação Especial em sua graduação e no magistério. Ele ilustra o seu desconhecimento do tema quando diz que, para ele, surdos eram iguais aos deficientes mentais.

Para o entrevistado, o aluno surdo não se caracteriza como uma criança diferente no que se refere às capacidades de aprendizagem. O professor P3 considera que um dos obstáculos nesse ensino é a falta de domínio, pelo professor, da língua de sinais. No seu caso, que admite possuir domínio pleno dessa língua, os mesmos conteúdos do ensino de ouvintes são trabalhados com os surdos, não havendo uma defasagem no ensino desses últimos.

O professor comenta que a dificuldade normalmente atribuída aos alunos quanto à interpretação dos exercícios, no caso da Matemática, não é característica particular do ensino de surdos, pois, os ouvintes comumente demonstram essa dificuldade de interpretação, não sendo, portanto, uma questão de línguas diferentes (Português e Libras). O professor P3 conclui essa ideia dizendo que ser "bom" no aprendizado da Matemática independe de ser surdo ou ouvinte.

O sujeito confessa que, mesmo trabalhando com esses alunos, não consegue idealizar como é ser surdo.

O entrevistado se diz contra o Ensino de Ciências que se paute apenas no preparo para a vida, afirmando preocupar-se com a continuidade da vida acadêmica. Para ele, ao ensinar Ciências para os surdos, devemos possibilitar que eles conheçam as várias opções de formação profissional disponíveis.

Outro obstáculo apontado por P3 para a aprendizagem da Matemática pelos surdos seria uma proteção familiar maior que para crianças ouvintes. Segundo ele, seus alunos carecem de aprender, na sala de aula, coisas que os ouvintes, na grande maioria, chegam na escola já tendo vivenciado em casa. Cita o exemplo do extrato bancário, que, se, no caso do ouvinte, é comum ele ir ao banco retirá-lo, no caso dos surdos, os pais têm medo de que seu filho não consiga realizar essa tarefa.

O sujeito P3 assegura que seus alunos da escola B estão saturados de assistir vídeos, uma prática até então adotada pelo professor, que agora procura realizar outros tipos de atividades. Entre elas, cita o uso de revistas, depoimentos, recortes, brincadeiras e teatro.

O entrevistado acredita que, para o aluno aprender Matemática, ele precisa de três coisas: ter vontade, ter calma e treinar.

A estrutura física da escola B é considerada boa pelo professor P3. Ele destaca o número reduzido de alunos em cada sala como um fator colaborador do ensino e da aprendizagem.

Diante do fato de a escola ter adotado o oralismo por um tempo e o bilinguismo mais recentemente, o professor entende que os surdos deveriam se comunicar mais na forma oral, pois o mundo utiliza a oralidade como forma de comunicação, caracterizando a comunidade surda como minoritária.

Uma característica da escola de surdos apontada pelo professor e que deveria deixar de ser - isso em relação à escola de ouvintes - é o paternalismo ainda existente, que priva a liberdade dos alunos de fazerem coisas comuns entre jovens dessa idade. O entrevistado salienta que muitos alunos deixaram a escola para estudar em outros estabelecimentos que dispõem de intérpretes, por acreditarem poder encontrar essa liberdade.

O professor P3 revela não utilizar o laboratório da escola, que seria mais usado por outras disciplinas.

Uma das formas de avaliar o aprendizado dos alunos por esse professor tem como objetivo preparar o estudante para uma situação de nervosismo - sentimento comum em exames de seleção para vagas de emprego ou em instituições superiores de ensino. O sujeito classifica esta avaliação como não sendo construtivista, no sentido de que todos os professores precisam de um documento legal para comprovar a realização da avaliação, o que proíbe a possibilidade de se utilizar uma forma construtivista de se avaliar a aprendizagem.

O entrevistado encerra o discurso dizendo não admitir que seus alunos sejam formados para trabalharem apenas comomão de obra, mas que eles tenham o direito à escolha profissional.

Descrição das ideias do professor P5

No início do seu trabalho com alunos surdos, o sujeito P5 afirma ter percebido a necessidade de uma discussão mais ampla sobre os surdos e a surdez, visto que este tema fora tratado superficialmente na sua formação para professor. Surgiu então, a oportunidade de fazer uma pós-graduação específica sobre Educação Especial, após o seu ingresso na escola B. O entrevistado destaca que o curso possibilitou, satisfatoriamente, essas discussões, o que auxiliou diretamente na sua prática em sala de aula.

O professor entende que o profissional que atua na Educação Especial não se preocupa exclusivamente em ministrar os conteúdos programados das disciplinas, mas, também, em valorizar todo o conhecimento transmitido pelo aluno, adquirido no seu cotidiano, possibilitando uma maior aproximação entre estudante e professor e, a partir daí, trabalhar o conteúdo pedagógico.

Trabalhar com surdos é uma tarefa difícil, porém, gratificante, segundo o sujeito. Nesse ensino, o professor tem a possibilidade de criar um vínculo maior de afetividade com os alunos, pois estes últimos apresentam uma carência de afeto e de carinho muito grande. Essa empatia, para o entrevistado, pode gerar um fator facilitador no ensino e na aprendizagem, pois entende que a dificuldade no aprendizado desses alunos não reside apenas nos conteúdos, mas na falta de empatia com o professor.

O professor P5 revela que não sabia se comunicar em Libras quando entrou para o corpo docente da escola B e, para amenizar o problema da comunicação, procurava falar pausadamente para possibilitar que os alunos fizessem a leitura labial. O entrevistado considera, ainda, que cada disciplina escolar tem o seu vocábulo próprio, o que dificulta o aprendizado da língua dos sinais. Como uma das alternativas, o professor tentou, naquele momento, transmitir suas ideias, também, por outros meios, como teatro e gestos, sendo o objetivo do entendimento por parte do aluno alcançado. O professor P5 garante nunca haver tido dificuldade de comunicação com os alunos por falta da Libras, diante da disposição dos surdos em ajudá-lo. Segundo ele, estudantes surdos não aceitam o fato de muitos professores não saberem se comunicar por meio da língua dos sinais.

A fala do entrevistado evidencia a forma como são selecionados os professores para a Educação Especial. O professor P5 cita no relato que, no momento da comunicação da existência das aulas na escola B, por parte do Núcleo de Ensino de sua cidade, não lhe fora avisado de que se tratava de uma escola de surdos, mas apenas que seriam crianças especiais.

Entre as características dos surdos, observadas por este professor, considera que são pessoas preconceituosas com a própria surdez. O professor P5 afirma que os surdos sentem-se prejudicados na sociedade em que vivem com relação ao tratamento diferenciado para ouvintes e surdos, no qual os primeiros recebem um respeito maior como indivíduos.

Outra tipicidade observada nos seus alunos é que são pessoas inteligentes e que se sobressaem na percepção de muitos detalhes em relação aos ouvintes, ou seja, possuem uma experiência sensorial melhor elaborada. Além disso, o sujeito observa que os surdos não se limitam em entender apenas o conteúdo em si, mas sim, buscam investigar o máximo possível das atividades escolares. O professor P5 também entende que não é necessário tratarmos os surdos de maneira a facilitar o aprendizado diante das suas dificuldades, ou, mesmo, dar a eles uma atenção maior sobre o seu desenvolvimento com relação aos ouvintes. Eles precisam apenas de respeito.

Um caráter social do ensino das Ciências é considerado nas aulas de P5, que alega discutir sempre, em sala, os prejuízos e utilidades da Química, nunca se restringindo, apenas, aos temas abordados no livro didático.

Ainda sobre o livro didático, o entrevistado acrescenta que considera as maneiras particulares que o surdo utiliza para explicar um assunto, que jamais serão semelhantes à linguagem do livro. Os alunos irão transmitir suas ideias por meio da sua forma particular de se comunicar.

O professor P5 enfatiza que os surdos trazem muitas informações sobre fatos da sua vida cotidiana que contribuem enormemente no ensino. Essas informações são importantes e possibilitam trabalhar outros temas, entre eles: as possíveis atividades profissionais a serem desenvolvidas. Segundo o sujeito, para o ensino ser bem-sucedido, não devemos valorizar tanto algumas questões, como o preparo para os exames vestibulares, mas sim, preocupar-nos um pouco mais com a vida do aluno, sobre diversos aspectos que permitam o sucesso desse estudante.

O entrevistado denuncia um problema por meio do relato da história de uma aluna surda que estudou numa sala de ouvintes. O preconceito da família levou-os à ocultação da surdez da filha e, com isso, houve um insucesso dessa aluna. Nesse caso, um dos obstáculos à aprendizagem era o fato de que a professora explicava, muitas vezes, de costas para a turma de alunos. Segundo ele, esse fato não é exclusivo, tendo já ocorrido em várias circunstâncias.

O professor entende que, ensinar ciências aos surdos, pode contribuir para diminuir o sentimento de inferioridade que eles apresentam em relação aos ouvintes. Para ele, a contribuição virá se esse ensino fizer com que os surdos se autoconheçam e se autovalorizem. O professor P5 destaca que esses alunos nunca consideram as suas potencialidades, mas sim, a sua surdez como uma deficiência, que os impede de manter uma comunicação com os ouvintes.

Quanto aos recursos didáticos utilizados pelo entrevistado, o professor P5 afirma utilizar uma diversidade de materiais que privilegiem mais a experiência visual dos alunos, pois, caso a aula seja transmitida apenas por meio da escrita na lousa, o ensino não será satisfatório no caso dos surdos. O professor relatou, também, valorizar aulas em outros ambientes, como visitas a laboratórios de empresas e fábricas, o que permite uma associação entre teoria e prática por parte dos alunos.

O sujeito P5 usa a comparação entre o ensino nas Séries Iniciais, Fundamental (5ª a 8ª séries) e Médio, para avaliar a infraestrutura da escola. Segundo ele, as séries iniciais dispõem de melhores recursos, sobretudo os visuais, que poderiam contribuir melhor para o ensino das Ciências. Além disso, alega que a carga horária de trabalho do professor não permite uma adequação do material didático por parte do docente, necessitando, com isso, de um maior apoio da equipe pedagógica.

Outro obstáculo ao ensino, mencionado pelo professor P5, são os livros didáticos, visto que as editoras não estão preocupadas em produzir livros adaptados às necessidades dos alunos surdos.

A avaliação do aprendizado, segundo o entrevistado, não deve se restringir apenas a um documento escrito, apesar de este documento ser necessário. O professor P5 costuma avaliar os alunos em todas as situações educacionais, e afirma que não devemos nos limitar a uma análise do aprendizado dos conteúdos, mas de tudo aquilo que o estudante tenha compreendido nas aulas.

O professor P5 considera que o trabalho com alunos surdos conduz o professor ao aprendizado. Segundo ele, após ter vivido a experiência desse ensino, passou a atentar para alguns detalhes que são indispensáveis, também, no ensino de ouvintes. Entre eles, cita que todos os alunos são únicos no que se refere à maneira de compreender os fenômenos e que muitos carecem de um atendimento individual, adequado às suas necessidades.

O discurso se encerra com a afirmação de que um professor irá compreender, realmente, o surdo somente quando tiver a experiência de atuar no ensino desses alunos.

Descrição das ideias do professor P6

A fala do entrevistado P6 aponta algumas das reações do profissional que inicia sua atuação com alunos surdos. Estas reações ("angustiada", "eu assustava", "queria sair correndo") se justificam em seu discurso pela revelação do total desconhecimento do surdo e da surdez no momento do seu ingresso no quadro de professores da escola B.

Um dos empecilhos à aprendizagem do Ensino de Ciências (Biologia), segundo o sujeito P6, é a dificuldade com os termos que se apresentam na Língua Portuguesa. Para ele, os alunos demonstram ter grande dificuldade para aprender essa língua, dificuldade que se acentua quando o estudante surdo se depara com a terminologia científica. O professor sugere que, uma das possíveis soluções para auxiliar nesse problema, seria a informática, possibilitando não somente o aprendizado dos termos, mas a visualização e correlação entre objetos e nomes.

Sobre a presença de intérprete em sala de aula, o entrevistado acha que este profissional não consegue alcançar a compreensão por parte do aluno.

O sujeito P6 destaca que, quando um professor tem uma pessoa com necessidade especial na família, sua forma de analisar essa pessoa é diferente, e isso se reflete na atuação em sala. No caso de possuir um familiar com algum tipo de necessidade, surge, no ensino, uma preocupação com questões sociais, com destaque ao preparo para o exercício de sua cidadania.

O entrevistado considera que devemos proporcionar o máximo de informação ao surdo como forma de amenizar essa ausência de experiência sonora e prepará-lo para a "vida", pois o mundo onde este estudante está inserido é "sonoro". Entende que o surdo convive com o sentimento de solidão diante da dificuldade de se comunicar na ausência da oralidade, e que a escola especial seria uma das saídas que o estudante possui para poder se comunicar por meio da Língua de Sinais.

O professor P6 alega que uma das suas preocupações seria a integração do surdo na "sociedade ouvinte", pois, sem integrá-los, corre-se o risco de formarem-se guetos que poderão ser benéficos ou prejudiciais aos estudantes. E destaca a potencialidade dos surdos no que tange à capacidade de desenvolver atividades e salienta que as limitações são características particulares de cada ser humano, independente se ele consegue ouvir ou não. Entretanto, considera que não existe uma valorização dessas capacidades, no sentido da criação de oportunidades para que o surdo demonstre suas aptidões profissionais.

Sobre as contribuições proporcionadas ao surdo pelo Ensino de Ciências, P6 entende esse ensino como um instrumento para a integração social do estudante, que deve proporcionar a discussão de situações cotidianas.

O sujeito P6 sugere que o ideal para a Educação Especial seria que o aluno permanecesse em tempo integral na escola. Ele afirma que o investimento, por parte do Estado, deveria ser maior, que o aluno "especial" não pode ser tratado da mesma forma que o aluno "normal". No caso específico dos surdos, P6 justifica esse tratamento diferenciado pelo fato de que um aluno ouvinte consegue obter informações importantes também fora da escola, o que não ocorre com a mesma facilidade para o surdo, diante da sua dificuldade para se comunicar.

Para o entrevistado, o aluno, hoje, tanto o ouvinte quanto o surdo, vê a escola como um castigo, que ele deve enfrentar apenas como uma obrigação.

A respeito de sua avaliação da aprendizagem dos estudantes, P6 classifica sua avaliação como "tradicional" quando se refere àquela em que os surdos devem responder às questões na forma escrita.

Descrição das ideias do professor P8

No início de sua atuação como professor no Ensino de Ciências para surdos, o entrevistado P8, que alega não ter visto, em sua formação, nenhuma abordagem do tema Educação Especial, contou com o auxílio de um intérprete nas suas aulas. Aos poucos, esse auxílio tornou-se desnecessário, na medida em que o professor foi aperfeiçoando-se na comunicação em Libras. Para ele, não basta participar do curso que ensina a Libras para tornar-se apto à comunicação com os alunos. A convivência com os surdos, essa sim, torna-se a melhor "escola" no que se refere à preparação docente. Essa convivência, segundo ainda P8, possibilita que o professor pratique o exercício da comunicação em Libras.

O sujeito P8 destaca que o material e a preparação das aulas para os surdos devem ser diferenciados, apesar de considerá-los iguais aos outros (ouvintes). O professor não revela especificamente quais seriam esses materiais, mas acrescenta que não basta transmitir as ideias para os alunos apenas por meio da escrita, porém, mostrar-lhes, para que eles possam fazer essa associação entre a palavra e o objeto. Salienta também que esse ensino acaba sendo um ensino "normal", como numa sala de ouvintes.

O entrevistado afirma que, ao conviver com alunos surdos, passou a vê-los de maneira diferente. Com o tempo, foi se acostumando com eles a ponto de nem perceber mais que aqueles estudantes não conseguem ouvir sua voz, tornando-se a "deficiência" imperceptível. O sujeito P8 entende que cabe, aos surdos, saberem lidar com a surdez, pois, as pessoas ouvintes acabam tratando-os de maneira normal, sobretudo os professores, como se a surdez daqueles estudantes inexistisse. Considera ainda que o surdo possui pequenas limitações, passíveis de serem superadas.

O professor P8 ressalta a importância da representação que a família possui sobre a surdez, o que pode influenciar diretamente na educação de uma criança surda. Essa ideia fica clara no discurso de P8, quando ele relata a história de uma menina que teve dificuldades para se socializar com os outros, até mesmo alunos surdos. Essa dificuldade se deveu ao fato de que a família "escondeu" a criança dentro de sua casa, o que reflete o preconceito familiar com a surdez.

O sujeito P8 entende que o Ensino de Ciências contribui para a vida do estudante surdo, da mesma forma que no ensino de ouvintes. Entre essas contribuições, ressalta a preparação para os exames de seleção das instituições de Ensino Superior.

Quando interrogado sobre os recursos didáticos e a infraestrutura do estabelecimento, o professor P8 destacou os serviços prestados aos alunos por outros profissionais não diretamente ligados ao ensino - como serviços odontológicos, psicológicos e médicos -, considerando, com isso, a estrutura da escola satisfatória. Os materiais mais utilizados pelo sujeito são os livros, cartazes e transparências.

Quanto à avaliação de aprendizagem, o entrevistado afirma avaliar os alunos em todas as atividades. Essa atitude é justificada por P8 pela pequena quantidade de aulas de sua disciplina e, também, pela disposição variável dos próprios alunos em participar de atividades avaliativas.

A convergência das falas

A análise de convergências, nas falas dos professores de surdos entrevistados, revela, na sua essência, um panorama que ainda é bastante desfavorável à consecução da ideia básica da inclusão, no contexto da educação, das pessoas surdas (Quadro 1). Por um lado, o quadro apresentado aponta diferentes fatores que concorrem para a definição de um cenário excludente. E, com isso, a incompreensão acerca das coisas do universo da surdez define uma prática escolar que é deficiente o uso (didático) de linguagens impróprias e as expectativas normalistas são exemplos de elementos presentes no imaginário dos entrevistados que contribuem para a consagração dessa tese. Por outro, os seus perfis ideográficos são igualmente positivos ao permitirem que sejam concebidos caminhos menos inseguros para buscar-se a reversão desse quadro, como é o caso do encorajamento da reflexão sistemática sobre as questões da surdez.


À guisa de conclusão

As falas dos professores de surdos são reveladoras de aspectos do Ensino de Ciências e Matemática desses educandos, e podem lançar "luzes" sobre a questão da influência da percepção coletiva do ensino dos surdos.

Os educadores expõem uma formação inicial que não contempla o preparo para atuar com as diferenças dos alunos, sejam elas intelectuais ou físicas. Na maioria dos casos, verifica-se uma completa ausência de abordagens do tema Educação Especial. Diante disso, o que pode ser percebido foi um grande esforço dos educadores no sentido de adquirirem conhecimento sobre o assunto até então desconhecido e, assim, poderem diminuir, ao máximo, as dificuldades encontradas já durante o trabalho docente.

No caso dos surdos, o desconhecimento da temática surdez impõe suas barreiras particulares e, talvez, a mais evidente seja a da comunicação - fator esse de extrema importância na garantia de um ensino e aprendizagem efetivos. Quando não se estabelece uma linguagem ideal em um ambiente pedagógico, poderão ocorrer distorções conceituais, o que, também, não é característica exclusiva do ensino para surdos. Na presença de um intérprete dentro da sala de aula, mesmo que ele possua um conhecimento amplo da Língua de Sinais, o intérprete acaba transmitindo ideias que passam pelo seu conhecimento, transmitindo muitas vezes uma informação divergente da desejada pelo professor, mesmo porque a LIBRAS possui um conjunto de sinais reduzido com relação a outras línguas.

Alguns professores demonstraram surpresa ao descobrirem que o Ensino de Ciências e Matemática para surdos se dava de maneira muito semelhante ao ensino dos ouvintes. Mas então por que chamá-lo de Especial? Entendemos que essa conduta, que busca homogeneizar as pessoas e, consequentemente, desrespeitar as especificidades de cada educando, reflete, também, uma formação inicial insuficiente.

Definitivamente, há pouca repercussão das inovações propostas nos currículos, tanto no discurso como na prática pedagógica do professor.

A exposição tão divulgada da ideia de inclusão social afirma que a sociedade deve se preparar para receber as pessoas com necessidades especiais, para que estas possam comungar de um mesmo convívio social e desfrutar do direito aos serviços sociais disponíveis. A escola assumiria, então, um papel fundamental rumo a possibilitar uma transformação ainda na formação dos nossos cidadãos. Com o descaso em relação ao tema, a Educação Especial se encontra "às margens" do ensino e, se o professor não estiver incluído nessa problemática, como promover a inclusão dos surdos?

Não podemos ser ingênuos em achar que a inclusão, para ocorrer, dependerá de ações emergenciais ou setoriais isoladas. Ela pressupõe um período de reflexão, no qual é necessária a remoção de barreiras, tanto físicas quanto aquelas presentes nos currículos e metodologias adotadas. É um processo de transformação permanente, que depende da tomada de medidas que sejam fecundas, por parte dos gestores do sistema de ensino.

Aliás, acreditamos que o sistema de ensino não é capaz de incluir os estudantes com necessidades educacionais especiais nessa escola "velha", que já vem fracassando há muito tempo, inclusive com os alunos considerados "normais". Essa mesma escola tem o seu funcionamento orientado para a exclusão daqueles que distorcem uma normalidade ideal, proporcionando uma educação questionável.

Os mesmos excluídos da Idade Média, do "oitocentismo" capitalista, da Grécia Antiga, entre outros períodos, mantiveram-se excluídos em meio à promessa de "Educação para todos". Com a institucionalização das "deficiências", a exclusão apenas se acobertou, tornou-se, talvez, menos evidente por estar sendo legitimada dentro da escola.

Quanto aos recursos didáticos e a infraestrutura, segundo os professores, as escolas investigadas estão em melhores condições em relação aos outros estabelecimentos "não-especiais". No entanto, as circunstâncias consideradas por eles ideais, no que diz respeito aos recursos materiais, não são suficientes para garantir o sucesso do ensino e da aprendizagem dos alunos. Mesmo com a ampliação do quantitativo de alunos com acesso às novas tecnologias, com destaque para a internet, a escola não se apropriou desses meios, que poderiam auxiliar o ensino, especialmente de alunos com necessidades especiais.

Outra reflexão proveniente das diversas leituras dos relatos dos professores é o fato de que o processo pelo qual se avalia o desempenho dos alunos surdos também não contempla suas especificidades. A Libras, que as próprias escolas envolvidas com a pesquisa classificam como uma primeira língua, acaba sendo ignorada nas avaliações. Na educação (especial?) de surdos, a quantificação também prevalece em detrimento da qualificação dos educandos.

Portanto, o sistema escolar parece ser incapaz de lidar com a deficiência, haja vista que suas deficiências se revelam maiores que as dos "deficientes"!

Além disso, entendemos que a "transposição das barreiras" que se impõem a um ensino mais adequado às especificidades dos educandos surdos passa por uma revisão do processo de formação inicial para que, quiçá, algum dia, haja uma maior coordenação entre as práticas pedagógicas e a práxis política.

Artigo recebido em junho de 2010 e aceito em outubro de 2010.

  • MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003.
  • MOREIRA, M. A. O professor-pesquisador como instrumento de melhoria do ensino de ciências. Em aberto, Brasília, v. 7, n. 40, p. 43-54, 1988.
  • NEVES, M. C. D. Uma perspectiva fenomenológica para o professor em sua expressão do: "o que é isto, a ciência?". 1991. 167f. Tese (Doutorado em Educação) -Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1991.
  • THIOLLENT, M. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. São Paulo: Polis, 1987.
  • 1
    Rua Venezuela, 414, Jardim Alvorada - Maringá, PR, 87.033-360
  • 2
    Moreira (1988) salienta algumas questões consideradas como relevantes para o ensino de ciências como um todo e que se estendem ao ensino de ciências para surdos. Entre elas, o autor destaca: questões sobre a aprendizagem, sobre o ensino, quanto ao currículo, questões sobre a avaliação e sobre o contexto educacional.
  • 3
    "Isto implica um esforço de colocar entre parênteses as próprias ideias e teorias e exercitar uma leitura a partir da perspectiva do outro" (MORAES, 2003, p.193).
  • 4
    Pesquisa qualitativa é entendida como a pesquisa que considera o caráter subjetivo do conhecimento, sem ligá-lo a relações positivistas de causa-efeito. O construtivismo, a fenomenologia, a hermenêutica, a etnografia podem ser considerados como partes integrantes da pesquisa qualitativa (Neves, 1991).
  • 5
    O autor Moraes utiliza, em outros momentos de seu trabalho, o termo análise textual qualitativa.
  • 6
    "O corpus da análise textual, sua matéria-prima, é constituído essencialmente de produções textuais [...]. São vistos como produtos que expressam discursos sobre fenômenos e que podem ser lidos, descritos e interpretados, correspondendo a uma multiplicidade de sentidos que a partir deles podem ser construídos. Os documentos textuais da análise [...] são significantes dos quais são construídos significados em relação aos fenômenos investigados". (MORAES, 2003, p. 194)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      Jun 2010
    • Aceito
      Out 2010
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