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Autonomia na inserção internacional do Brasil: um caminho histórico próprio

Autonomy in Brazil's international insertion: its own historical way

Resumos

O artigo trata da formação histórica do conceito de autonomia na política externa do Brasil. No contexto dos debates que já se avizinham em torno dos 200 anos do Brasil independente, o artigo argumenta que a inserção internacional do país, em perspectiva evolutiva, deve a formuladores e formulações que, no tempo, conferiram uma acepção própria, brasileira, do entendimento heurístico do conceito de autonomia. O artigo analisa, portanto, a longa duração, as acepções e processos de valorização desse conceito na diplomacia, na sociedade e na discussão dos estudiosos, brasileiros e estrangeiros, que trataram desse tema.

Autonomia; Inserção Internacional; Política Externa Brasileira; Helio Jaguaribe; Amado Cervo


The aim of the article is to evaluate some historical roots of the concept of autonomy in Brazil's foreign policy. It is argued that Brazil's historical experience of autonomy was particularly different when compared with Latin America during the two centuries of State formation. Facts, documents and historiography were submitted to this central argument in the article. The background of this discussion is the celebration of the 200 years of independency in Latin America, but the article is focused on Brazilian peculiarity.

Autonomy; International Insertation; Brazil's Foreign Policy; Helio Jaguaribe; Amado Cervo


ARTIGOS

Autonomia na inserção internacional do Brasil: um caminho histórico próprio

Autonomy in Brazil's international insertion: its own historical way

José Flávio Sombra Saraiva

Ph.D. pela Universidade de Birmingham, Inglaterra, e professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: jfsombrasaraiva@gmail.com

RESUMO

O artigo trata da formação histórica do conceito de autonomia na política externa do Brasil. No contexto dos debates que já se avizinham em torno dos 200 anos do Brasil independente, o artigo argumenta que a inserção internacional do país, em perspectiva evolutiva, deve a formuladores e formulações que, no tempo, conferiram uma acepção própria, brasileira, do entendimento heurístico do conceito de autonomia. O artigo analisa, portanto, a longa duração, as acepções e processos de valorização desse conceito na diplomacia, na sociedade e na discussão dos estudiosos, brasileiros e estrangeiros, que trataram desse tema.

Palavras-chaves: Autonomia – Inserção Internacional – Política Externa Brasileira – Helio Jaguaribe – Amado Cervo

ABSTRACT

The aim of the article is to evaluate some historical roots of the concept of autonomy in Brazil's foreign policy. It is argued that Brazil's historical experience of autonomy was particularly different when compared with Latin America during the two centuries of State formation. Facts, documents and historiography were submitted to this central argument in the article. The background of this discussion is the celebration of the 200 years of independency in Latin America, but the article is focused on Brazilian peculiarity.

Keywords: Autonomy – International Insertation – Brazil's Foreign Policy – Helio Jaguaribe – Amado Cervo

A ideia e a prática da "autonomia decisória", ou simplesmente "autonomia", permeiam a história da formação dos Estados modernos. Autonomia é o elo interno do Estado em sua inflexão para a conformação do sistema internacional. Acerca das conexões interno-externo e dos reconhecidos dois níveis (a unidade e o conjunto) nas Relações Internacionais contemporâneas, não faltam autores e tradições epistemológicas. Há teorias e narrativas acumuladas em torno do léxico das Relações Internacionais em seu esforço para ser ciência explicativa e baseada também na experiência histórica da inserção dos Estados.

O objetivo do presente artigo é analisar um caso próprio e histórico de construção do conceito de autonomia. O experimento empírico debruça-se sobre um Estado relativamente novo, o Brasil, que chegará ao ano de 2022 à busca do encontro do seu bicentenário como Estado formal, autônomo e ator crescente no sistema internacional do início do século XXI.

O argumento central do artigo é o de que há um padrão histórico que insiste na seta do tempo da inserção internacional do Brasil. A seta não é linear, move-se em oscilações ora tendente a mais autonomia, ora a menos, mas é garantida no tempo, no meio. É o senso de autonomia, em forma própria, diferente bastante até de seus vizinhos sul-americanos, mesmo do caso argentino. O padrão brasileiro expõe continuidade da política externa do Brasil (PEB) desde o início do século XIX aos tempos mais recentes.

O coração desse padrão de continuidade foi conformado em torno do exercício e da reflexão adensadas por muitos na história brasileira em torno do conceito de autonomia decisória. Mas as diferentes significações e ressignificações do conceito no tempo, do nascimento do Estado nacional em 1822 aos dias atuais, emanam do núcleo comum de pensamento que aproxima o Império brasileiro aos desafios do país em suas relações internacionais na segunda década do século XXI1 1 . As incursões acadêmicas crescentes advindas dos balanços iniciais dos 200 anos do Brasil independente, a serem celebrados em 2022, voltam-se também para a reavaliação da dimensão histórica da política externa do Brasil. Um exemplo são os três livros lançados em novembro de 2013, em torno da coleção organizada pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Outros livros e artigos estão sendo lançados em torno dos debates dos 50 anos da política externa independente (PEI). Nesse conjunto, vale relevar, como parte da inspiração do presente artigo, a coletânea de trabalhos de pesquisadores e diplomatas brasileiros em torno de três volumes que recuperam em parte essa linha do tempo, lançados no ocaso de 2013: Pensamento diplomático brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1964) (PIMENTEL, 2013). .

Em certos períodos históricos, como aquele do início dos anos 1960, o conceito de autonomia decisória se fez jargão da política externa. O conceito penetrou em várias camadas sociais e políticas, no seio da sociedade, do parlamento às ruas. É esse o caso da propalada política externa independente (PEI), marca dos governos dos presidentes Jânio Quadros e João Goulart (de 1961 a 1964), período imediatamente anterior ao golpe militar de 1964.

Nas circunstâncias de cinquenta anos atrás, o conceito de autonomia foi talvez mais compulsado pelos protagonistas da PEI que propria-mente o de independência. E, se esse conceito foi mais difundido nos discursos políticos dos anos 1960, não se pode falar de movimentos espasmódicos no seu uso. Mesmo sem a ênfase de antes, a inserção internacional atual convoca o conceito, em feição mais adaptada ao mundo que temos.

Nos dias atuais, tempo no qual a autonomia decisória adquiriu feição mais relacional às condições mutantes e rápidas do sistema internacional, o sentido da autonomia decisória é mais integração e associação ao mundo que isolamento. A globalização, a economia internacional em escala planetária e os novos ensaios de governança global vêm reduzindo a força telúrica do conceito de autonomia decisória mesmo nas economias centrais e nos países que se situam na condição de construtores de regras e regimes internacionais.

O conceito, no entanto, continua sendo compulsado, seguindo como alter ego na formação dos processos decisórios da política externa brasileira. Embora autores nacionais sugiram que o conceito de autonomia decisória é essência, e também anima de formulações, discursos, diretrizes e práticas da PEI, este artigo tentará demonstrar a feição própriaeahistoricidade do conceito de autonomia no país, em acepção distinta de alguns dos vizinhos na América Latina. Um exemplo da visão brasileira de autonomia foi revisitado, na história de um século atrás, nos trabalhos produzidos pelo Barão do Rio Branco, relançados em uma coleção de dez tomos intitulada Obras do Barão do Rio Branco (FUNAG, 2012c).2 2 . Com dez volumes dos escritos do Barão e um de introdução de estudos, a incluir estudo de Rubens Ricupero em torno da Introdução às obras do Barão do Rio Branco, de A. G. de Araújo Jorge (2012).

Autores estrangeiros, particularmente das escolas europeias e nor-te-americanas, especializados nos temas das políticas exteriores da América Latina, observaram a especificidade brasileira. Há, para Thomas Skidmore e Andrew Hurrell, uma concepção própria no Brasil tanto quanto práticas próprias e sofisticadas do conceito de autonomia decisória. Concordam que a feição mais política do conceito de autonomia decisória teve elevação discursiva mais visível no início da década de 1960. Mas a noção de autonomia decisória teve, no tempo dos dois séculos da política externa do Brasil, um desenvolvi-mento próprio. Foi isso o que demonstrou o estudioso britânico Andrew Hurrell (1986, p. 276) em sua tese doutoral publicada na Universidade de Oxford, Inglaterra, nos anos 1980.

Houve momentos em que o conceito no Brasil foi apropriado pela direita nacionalista. Há outros contextos históricos nos quais sua feição esteve vinculada ao nacionalismo de esquerda. A articulação da noção de busca de autonomia decisória e de independência nos anos da PEI, por exemplo, foi parte do discurso político das esquerdas nacionalistas. Foi apresentada com grande mobilização social e política no país. Mas o conceito, em forma brasileira, já tinha base evolutiva anterior. E foi apropriada pela PEI.

Mesmo no regime militar de 1964 – ante suas características iniciais de maior associação aos conceitos da Guerra Fria e ao liberalismo internacional de abertura da economia nacional –, a política externa manteve o padrão anterior, ainda que no início do regime castrense, particularmente no primeiro governo militar de Castello Branco, a tônica discursiva fizesse transparecer certo universalismo liberal e ingênuo (MIYAMOTO, 1986).

Daí a relevância da valorização, em obra acadêmica que tem como objeto central o estudo do conceito de autonomia em política externa de Estados latino-americanos, do cabedal de continuidade do conceito de autonomia decisória no caso brasileiro. Deve-se levar em conta que o governo nacional recente, como aquele dirigido por Lula da Silva, recordou e reivindicou o léxico autonomista. Sugere este artigo que parte da subsistência discursiva e prática de autonomia decisória foi animada, no início do século XXI, com o viés anterior da PEI.

Mesmo em contexto de grande porosidade de poder no sistema internacional da globalização e diante dos desafios postos, nas primeiras décadas do século XXI, as novas assimetrias na política global permitiram um discurso de retomada de um lugar próprio do Brasil no sistema internacional. E, segundo formuladores de política externa do governo Lula, como Marco Aurélio Garcia, autonomia é conceito central a recuperar.3 3 . Entrevista com o professor Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência da República, Brasília, na Reitoria da Universidade de Brasília, em fevereiro de 2002.

Quase o mesmo se pode asseverar no que tange aos anos iniciais do governo da presidente Dilma Rousseff, de 2011 a 2014, ao propiciarem, ainda que de forma mais contida, celebrações e exortações de autonomia. Formuladores diplomáticos e setores intelectuais, bem como atores autonomistas nacionais no seio da sociedade brasileira, além de políticos interessados nos temas da política externa e mesmo setores militares e empresariais, além de fortes correntes da opinião, têm mantido o padrão discursivo autonomista. A crítica às medidas de saída da crise econômica dos europeus e norte-americanos, bem como os temas da espionagem internacional de agência dos Estados Unidos, são áreas de predileção do exercício do discurso autonomista de Rousseff.

Mesmo diante de nova onda de autoconfiança da ampliação do papel do Brasil no início do século XXI, marcada por outras formas de euforia autonomista, observam-se padrões de continuidade histórica. Como lembra Cervo, o Brasil, como país que busca caminhar com suas próprias pernas, deve manter seus construtos conceituais ao longo do tempo, com lembra Amado Luiz Cervo (2008). Para o professor emérito da Universidade de Brasília, mudam-se as circunstâncias, mas a capacidade de agir sobre o mundo e responder aos estímulos sistêmicos exige um quadro conceitual e lógico das possibilidades do Brasil.

Este artigo está organizado em quatro partes. A primeira sugere um caminho teórico brasileiro, anterior à PEI, de definições do conceito de autonomia decisória em política externa. Autores como Helio Jaguaribe e Amado Luiz Cervo são utilizados nas suas obras já clássicas para o estudo do conceito de autonomia no pensamento brasileiro de Relações Internacionais.4 4 . No caso de Helio Jaguaribe, vale anotar a reedição recente dos três grandes livros que explicitam a sofisticação da discussão desse intelectual brasileiro em relação ao tema deste artigo (JAGUARIBE, 2013a, 2013b, 2013c). A segunda parte acompanha o campo histórico e exemplifica aspectos formadores preliminares do conceito de autonomia em forma brasileira nos discursos e ações da política externa no Império brasileiro no século XIX.

A terceira parte do presente artigo explora a evidência pragmática, na seta do tempo, da recriação do conceito de autonomia decisória em política externa na era Vargas. O peso historiográfico do trabalho do historiador Gerson Moura é aqui reconhecido. A quarta parte explora o lugar específico das inovações discursivas e práticas da PEI no que tange ao conceito de autonomia decisória em contextos mais recentes da histórica nacional.

Finalmente, discute-se a atualidade do conceito na política externa do Brasil. Essa última parte está mais desenvolvida em torno das relações entre autonomia decisória e o Estado logístico, conceito de Cervo apresentado ao estudo da inserção do Brasil para o pós-desenvolvimentismo e o neoliberalismo. Sugere-se, ao final, que, depois dos modelos do nacional-desenvolvimentismo e do liberal experimentados no Brasil e em grande parte da América Latina no século XX e início do atual século, emergiu no Brasil nova possibilidade de autonomia decisória.

A conclusão do presente artigo sugere a noção de ressignificação discursiva do conceito de autonomia decisória no Brasil. Entende-se que a velha e tradicional acepção de autonomia decisória na política externa do Brasil se transmutou em novas e adaptáveis formas de autonomia como participação e integração logística do Brasil ao mundo contemporâneo.

Um Caminho Brasileiro: Autonomia e Mutação no Tempo

Um autonomista histórico e construtor de conceitos, Helio Jaguaribe declinou o sentido universalista da visão brasileira da ideia de autonomia decisória. Sua definição biunívoca, ao invocar o poder nacional e o meio internacional, contextualiza e amarra a noção de autonomia decisória às estruturas e conjunturas das relações internacionais em cada momento histórico. O conceito emerge relacional, contextual, biunívoco, ao contrário dos críticos de Jaguaribe que o observam como autor dos velhos conceitos realistas do poder nacional.

Embora persista em sua concepção inicial certo substrato realista clássico da vontade do Estado como o dever de estocar poder estático, a obra moderna de Jaguaribe é bastante sofisticada nesse campo. Não poderia ser classificada apenas como um nacionalismo atávico ou mero defensor do realismo político autonomista a qualquer custo. Ao contrário, autonomia em Jaguaribe não é um dado estável ou progressivo. Autonomia pode, para ele, parecer uma estrutura. Mas não é isso o que deixa escrito em seus últimos trabalhos. Sugere casos históricos de avanços e retrações no campo da autonomia dos Estados. Tais seriam os casos das pequenas potências europeias, como a BélgicaeaHolanda,que foramdotadas de grande autonomia decisória no passado, mas feneceram por baixa viabilidade nacional e capacidade de manterem o status internacional.

Outra dimensão da autonomia decisória são as circunstâncias em tor-no das quais a experiência de dependência e de subalternidade são superadas. Para tal, são necessários requisitos materiais e mentais como aqueles que criaram os alemães da era de Bismarck em relação ao capitalismo inglês. Ou os que ensaiam os iranianos de hoje em relação ao desenvolvimento de seu programa nuclear.

As situações históricas são múltiplas e os Estados e nações são muito diferentes ao enfrentarem, historicamente, o desafio da busca de autonomia. O acesso a autonomia, a seguir as ideias do maior elaborador teórico no estudo do conceito de autonomia no Brasil, exige condições sine qua non: viabilidade nacional e permissibilidade internacional.

A dialética entre viabilidade e permissibilidade foi desenvolvida em inúmeros trabalhos de Jaguaribe. O autor insiste que a viabilidade é uma categoria que se move. E o sistema está em permanente mobilidade. Veja a clássica definição, apresentada já nos estudos dos anos 1950, antes mesmo da PEI e das formulações de San Tiago Dantas:

[...] a viabilidade nacional de um país depende, para um determinado momento histórico, da medida em que disponha de um mínimo crítico de recursos humanos e naturais, incluindo-se a capacidade de intercâmbio internacional. Quanto mais exigentes as condições gerais de uma época, especialmente no que se refere às tecnologias e às escalas mínimas de operacionalidade, derivadas dessa tecnologia, maiores serão as massas mínimas de recursos humanos e naturais necessários, bem como suas características qualitativas (JAGUARIBE, 2008, p. 169).

Outra linhagem de pesquisa, ancorada na história da política exterior, percorre os mesmos trilhos, embora com diferenças teóricas e metodológicas em relação ao método da ciência política praticada por Jaguaribe. Amado Luiz Cervo (2008), em sua obra histórico-conceitual mais recente, refere-se a uma linha mais tradicional de autonomia decisória no caso brasileiro.

Para Cervo, a autonomia decisória está mais próxima do pensamento brasileiro das relações internacionais que dos cânones da dualidade cepalina. A dicotomia entre centro e periferia não caiu bem no figurino da experiência histórica do Brasil, mesmo antes da PEI. O pensamento brasileiro afastou-se da própria teoria da dependência, embora nem sempre se perceba esse traço ativista da ruptura da dualidade cepalina. As experiências social, política, econômica e internacional do Brasil mostraram outros caminhos.

Quais seriam esses caminhos trilhados pelo Brasil? Cervo (2008, p. 19) foi assertivo:

O dilema consistia em dosar o peso entre fatores externos e internos, com o fim de diminuir a distância entre centro e periferia e eliminá-la ao termo do processo. Em outras palavras, o que estava em jogo era a natureza da relação entre o centro e a periferia. Nesse ponto, a inteligência nacional cindiu-se na tentativa de dosagem dos fatores, inclinando-se uns para o recurso externo, outros para o interno. A ideia de cooperação internacional emergiu, assim, vinculando ambas as correntes de pensamento, porque lhes era comum. Uma visão de mundo cooperativo entre países desenvolvidos e aspirantes irá perpetuar-se como viga mestra do pensamento brasileiro aplicado às relações internacionais.

Os desdobramentos práticos dessas formas de inserção internacional do Brasil, que seguem em parte o conjunto teórico de Jaguaribe bem como o experimento conceitual e histórico de Cervo, são observados no quadro histórico do Brasil particularmente a partir dos anos 1840. Foi uma base social e política das elites do Império que, em alguma medida, forjou um lugar próprio do Brasil, diferente de suas matrizes europeias, mas um Estado unitário, com uma lógica da elevação racional e gradual no sistema internacional.

Essa base acumulada – e associada às diretrizes de não confrontação, porém universalistas, bem como de exercício permanente de autonomia decisória – alimentou o gosto no Brasil pelo papel indutor do Estado. A necessidade de planejar o desenvolvimento e, mais recentemente, a internacionalização logística do Brasil, são ganhos de uma evolução mais rica, histórica, da qual vários momentos e conjunturas nos 200 anos do Brasil fizeram parte. É como uma seta, no tempo, que vai se movendo, mesmo errática em algumas conjunturas, mas a formar uma trajetória coerente conceitualmente acerca do papel do Brasil no sistema internacional.

Brasileiros de múltiplas formações e funções de Estado empenharam-se na constituição do conceito brasileiro de autonomia decisória. Um deles, um visionário da segunda metade do século XX, com atuação política anterior à PEI, sofisticou, na prática e no exercício da ciência, a noção de autonomia decisória nacional.

Um admirável exemplo foi o caso do almirante Álvaro Alberto Mota e Silva, ao fazer parte da nascente Comissão de Energia Nuclear, criação onusiana que funcionou de 1946 a 1948. Foi ele o responsável por uma visão própria de autonomia nacional. Sofisticou a noção brasileira de autonomia decisória em plena "nipolaridade nuclear" (e depois bipolaridade).

Mota e Silva – mesmo em contexto de unipolaridade nuclear dos nor-te-americanos ainda naqueles anos que a União Soviética ensaiava seu programa nuclear, e ante as preocupações norte-americanas pós-Hiroshima – destacou-se na Comissão de Energia Nuclear por defender o desenvolvimento das potencialidades nucleares do Brasil, não pela política de "cercamento" de urânios e matérias-primas sensíveis, mas pelo desenvolvimento científico autônomo dos estudos nucleares com elemento do desenvolvimento nacional.

Para Mota e Silva, não se tratava de reduzir o Brasil a recebedor de informações na área nuclear, mas seria desejável a construção de informações e ciência autônoma, com capacidade decisória, em cooperação com os próprios norte-americanos, se necessário. Compreende-se, em parte, o nascimento sob sua primeira direção do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), ainda atual e importante no Brasil, criado no ano de 1951. Foi exemplo de congruência com o conceito brasileiro de autonomia decisória.

Um segundo exemplo se espraia pela diplomacia nacional nas negociações voltadas para a regulação do comércio internacional. Unidades decisórias de política externa brasileira, com o sentido de mover viabilidade autonômica, garantiram qualidade na participação do Brasil, já nos anos 1950, em torno dos debates voltados para as negociações tarifárias no GATT.5 5 . Ver, por exemplo, Farias (2009). A noção autonomista foi compartilhada nesse caso com unidades decisórias mais societárias dos setores industrialistas do Brasil, dirigidas para a busca de viabilidade do projeto de desenvolvimento nacional.

Tanto no caso anterior, quanto no campo comercial, a busca de autonomia e sua implementação foram construídas por setores com capacidade decisória própria. No caso do GATT, Souza Farias (2009, p. 29) é explícito:

O Itamaraty não tem o monopólio decisório de toda inserção internacional do Estado brasileiro. Outros órgãos do governo participam do processo decisório, de duas formas distintas. Primeiro, pela delegação de determinadas decisões para órgãos domésticos específicos; segundo, pela participação de outras instituições em arranjos burocráticos de decisão, geralmente coordenados pelo Palácio dos Arcos.

Os últimos exemplos fornecem elementos suficientes para confirmar que o conceito tinha peso histórico, força percuciente no ideário nacional, em uma versão de viabilidade e cooperação. Essa visão da autonomia parece mais sofisticada que a noção de autonomia como confronto. O desafio discursivo sem meios de agir não foi uma tendência histórica forte na inserção internacional do Brasil. E isso é pouco conhecido. Para vários e importantes autores da vizinhança latino-americana, o conceito de autonomia decisória é mais desafiador nos países fronteiriços do Brasil na América do Sul.6 6 . Aqui reside uma relevante diferença da historiografia autonomista da política exterior dos países de língua espanhola da América do Sul em relação à prática histórica do Brasil no tratamento do conceito de autonomia decisória. A forma brasileira é calcada no acúmulo diplomático, no cálculo das possibilidades, na absorção realista das potencialidades do exercício do que Gerson Moura chama de "autonomia na dependência" e Gelson Fonseca indica como "autonomia pela participação". Nesse último caso, analisado por Fonseca, os meios brasileiros da construção de poder próprio por meio da cooperação e da associação pragmática aos vizinhos são mecanismo preferencial da inserção internacional do Brasil no tempo. A cooperação com as grandes potências, por outro lado, exige pragmatismo, sem associação automática. Esse sentido pragmático do uso do conceito difere em parte da média dos países latino-americanos, ao buscarem ora relações "carnais" com as grandes potências, ora afastamento oco das mesmas por meio do uso de diversas formas de neutralidade, negação, rechaço, retórica anticolonial e desconfiança exacerbada em relação às grandes potências. Essas diferenças, embora ainda não muito estudadas, afastam a experiência brasileira do sentido semântico que acompanha parte da literatura sul-americana e latino-americana ao tratar de casos nacionais de busca de autonomia específicos na região. Ver, por exemplo, o entendimento de José Paradiso e Mario Rapoport, para o caso argentino. E, em especial, as novas formas bolivarianas de interpretação do conceito de autonomia nos Andes. Esse seria um contraste do Brasil com os seus vizinhos no que tange ao conceito.

Um Passeio pelas Origens Cosmopolitas do Autonomismo e o Recuo Provinciano

As classes dirigentes do Império brasileiro distinguiram-se em relação aos donos do poder das primeiras décadas do século XX. Os primeiros anunciaram e praticaram, depois das primeiras décadas da Independência em 1822, o cosmopolitismo internacionalista, mas com visões de correção em favor de um projeto industrialista brasileiro já na década de 1840.

Aquela elite, no entanto, recuou em parte ao paroquialismo na República iniciada em 1889. As oligarquias da República Velha, que governaram até 1930, recuaram aos aposentos de suas fazendas e posses. Os governantes do Império olhavam o mundo. Os seus sucessores republicanos miravam os currais eleitorais dos estados e os pequenos interesses regionais. Padeceram em sua diplomacia ornamental, abandonando em parte o que fizeram os do século anterior em matéria de indução de autonomia, mesmo diante do liberalismo inglês.

A política externa do Império brasileiro desenvolveu-se em parte apartada dos meios e métodos dos vizinhos do Brasil, apesar das guerras do Prata e outras iniciativas de corte continental. Formou-se, no Brasil, um Estado antes da nação, com base continental, centralista, mas tendencialmente parlamentar.

Uma invenção própria, o Brasil seguiu um caminho próprio. Esse caráter, observado pela historiografia, marca ainda traços diferenciais do Brasil em relação aos seus vizinhos latino-americanos. José Murilo de Carvalho, um dos maiores historiadores dedicados ao estudo dessas elites políticas, não deixa de relevar o sentido internacional e coerente dessas elites donas do Estado a partir de 1822, particularmente nos assuntos que animavam os temas da inserção de um Império nos trópicos.

Em alguma medida, sem bravatas e discursos contra a ex-metrópole, criou-se uma linha no tempo, em forma de uma seta, de acomodação internacional de um novo Estado, que havia sido centro de um império luso-brasileiro-africano, tanto em Salvador, como no Rio de Janeiro, mas agora imperial e independente.

A inserção internacional do Brasil foi profundamente impactada por esse quase século completo de realidade nacional brasileira. O contexto internacional e os dilemas de ser um novo Estado, mas diferenciado dos modelos "castelhanos", dos vizinhos divididos em projetos diferenciados do Brasil, foram também elementos de conformação de uma contrarreferência ao caminho próprio do Brasil no mundo.

O reconhecimento do Império foi uma operação diplomática sem grandes contradições, como lembra Cervo, desastrosa para a constituição de autonomia e independência. Os tratados desiguais assinados com os ingleses e portugueses reduziam as potencialidades comerciais e políticas da criação de um novo Estado autônomo. A imposição externa das taxas ad valorem sobre o comércio internacional do Brasil, os tratados desiguais e as imposições inglesas marcaram um sistema de associação pós-colonial que trazia os ranços do status anterior.

Foi apenas a partir dos anos 1840 que o Brasil exerceu, ao romper esses constrangimentos, o início de autonomia decisória em sua inserção internacional. Cervo e Bueno são precisos nessa matéria:

Quando se extinguiu, em 1844, o sistema dos tratados, houve condições para elaborar-se novo projeto de política externa, reclamado pela experiência e pela crítica. Inaugurou-se então um período, que se estenderia de 1844 a 1976 e seria caracterizado pela ruptura com relação à fase anterior e pelo robustecimento da vontade nacional. O novo projeto, autoformulado, envolveu uma definição das metas externas, a partir de novas percepções do interesse nacional, resultando numa política externa enérgica em seus meios e independente em seus fins (CERVO; BUENO, 2011, p. 73).

Essa política externa, autônoma e independente, ensaiou quatro movimentos que se perpetuam como um campo de exercício dos desígnios brasileiros em sua inserção internacional, do Império à política externa da PEI.

Em primeiro lugar, busca-se autonomia alfandegária como meio de normalizar e equalizar o comércio externo e promover a indústria. Em segundo, a busca do equacionamento da racionalidade da mão de obra, naqueles anos desqualificada e nas mãos de um sistema escravista, em favor de um modelo de estímulo à imigração. Terceiro, o arranjo das políticas de limites, garantindo paz e cooperação com os vizinhos em torno do conceito de Visconde do Rio Branco, pai do Barão, intitulado "cordialidade oficial" e cooperativa com os vizinhos, área natural de presença brasileira. Quarto, e último, uma decisão platina, que vem do século XIX ao Mercosul e à parceria argentino-brasileira do século XXI.

Autonomia decisória como operacionalização da viabilidade do novo Estado continental foi caminho intelectual e político menos doloroso para as elites imperiais. Como lembram Pandiá Calógeras no início do século XX e José Murilo de Carvalho no fim do mesmo século, o Brasil estabeleceu, por um sistema cosmopolita e incremental, uma política externa de autonomia no meio liberal, mesmo ante as pressões inglesas.

As elites políticas representadas no parlamentarismo brasileiro do século XIX e o peso do Conselho de Estado permitiriam continuidade e desígnio autonomista próprio. O Estado brasileiro tinha condições de desenvolver, como fez na prática, uma forma própria de elaboração e implementação da política externa de fundo autônomo. E mais: a política externa foi um dos relevantes instrumentos da conciliação doméstica, estendendo-se no tempo, a consolidar as realizações dos interesses nacionais e de autonomia relativa no sistema internacional sul-americano e mundial.

As sucessivas reformas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, nos anos 1847, 1851, 1852 e 1859, provocaram a adoção de normas, objetivos institucionais, uma visão de Estado e recrutamento de quadros habilitados. Nessa linha, estão de acordo Raymundo Faoro, Paulo Pereira Castro, João Cruz Costa, José Honório Rodrigues, Maria Beatriz Leite, Wilson Martins, Flávio de Oliveira Castro, Amado Cervo, Francisco Doratioto, Antonio Carlos Lessa e a nova corrente de historiadores da política externa brasileira voltada para o entendimento da formação do conceito autonomista na referida política.

Essa visão de Estado no Brasil do século XIX ajuda a entender certa linha no tempo e sua continuidade no século XX, mesmo com altos e baixos. Embora escravistas e oligárquicos, os condutores da política externa do Brasil do Império – na fase que segue dos anos 1840 ao advento da República – não serviram exclusivamente aos interesses da oligarquia fundiária. Em alguma medida, atendiam às percepções mais audaciosas de interesse nacional, como a industrialização, e não apenas a agroexportação, modelo dos vizinhos na América do Sul (CERVO; BUENO, 2011, p. 77).

O entendimento dessa forma própria de agir no mundo se fez original e permitiu a emergência do conceito de autonomia decisória no Brasil, não por meio apriori, mas gradualmente construída no dia a dia da inserção do novo Estado na política internacional, como demonstram Cervo e Bueno (CERVO; BUENO, 2011, p. 73-263). Parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros em nada apreciava o liberalismo radical, mas havia dúvidas e hesitações em torno da capacidade e meios do ensaio de um projeto industrialista. Em grande medida, os setores liberais divergiram desse caminho, mas a decisão seguiu mais próxima das ideias e dos conceitos de setores autonomistas da chancelaria.

Pesava o sistema internacional, como lembram Cervo e Bueno, referindo-se a essa quadra da inserção internacional do Império:

Se as condições internas eram nessa fase favoráveis à implementação de uma política externa independente, o contexto internacional requeria certa habilidade, porque algumas das metas estabelecidas se chocavam com desígnios poderosos das nações dominantes (CERVO; BUENO, 2011, p. 78).

Esses limites, infelizmente, foram os que dominaram a vinda do século XIX para o século XX. Mesmo com o Barão do Rio Branco, o provincianismo republicano da primeira fase, até 1930, recuara a vontade de autonomia, em favor de certa diplomacia frouxa. Os estudos de Clodoaldo Bueno, Francisco Doratioto e Eugenio Vargas explicaram recentemente as falas e os atos da diplomacia ornamental da Primeira República.7 7 . Ver as teses doutorais e estudos mais recentes de Francisco Doratioto e Eugenio Vargas, entre outras, defendidas no Programa de Pós-graduação em História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília, dos anos 1990 aos dias atuais. Era a diplomacia dos currais, que seria substituída a partir de 1930, ante a Revolução de 1930 e a elevação de ambições industrialistas do Brasil de Getúlio Vargas. Aí o conceito de autonomia decisória já se inscrevera na história das relações internacionais do Brasil.

O Desenvolvimentismo, a Autonomia e a Era Vargas

Autonomia na dependência foi o retrato do Brasil da era Vargas. Título de livro magistral do historiador da política externa brasileira Gerson Moura, o autor explora as especificidades da noção brasileira de autonomia. Essa autonomia, mesmo exercida em circunstância de dependência econômica e sob a mira das grandes potências, pode exercer sua viabilidade nacional. Aí coincide o historiador carioca com as ideias de Cervo e Jaguaribe.

Note-se o resumo que sugere Gerson Moura na sua tese doutoral defendida em Londres no início dos anos 1980, agora vertida em livro traduzido ao português trinta anos depois de sua defesa:

O alinhamento brasileiro com a política estadunidense durante a Segunda Guerra Mundial tem sido compreendido de maneiras diversas e até contraditórias. Diferentes autores têm encarado o alinhamento como uma política que explorou a boa vontade dos Estados Unidos com oportunismo maquiavélico de modo a obter vantagens políticas, militares e econômicas para o Brasil, ou como um movimento que significou nada menos que a inauguração da hegemonia política e econômica estadunidense sobre o Brasil.

Um estudo de seu envolvimento na Segunda Guerra Mundial mostra que o traço mais significativo da política externa do Brasil foi sua capacidade de negociar os termos nos quais este alinhamento iria se dar. Esta capacidade derivava de circunstâncias que podiam ser manipuladas pelo governo brasileiro com relativo sucesso (MOURA, 2012, p. 153-154).

As relações do Brasil com os Estados Unidos foram pautadas, a partir desse momento, com a busca de autonomia no seio das barganhas, da economia à política, da Guerra Fria aos dias da globalização. A era Vargas inaugurou esse padrão específico em relação à grande potência do norte das Américas, superpotência na Guerra Fria e no pós-Guerra Fria.

Por outro lado, para a região mais próxima, a América do Sul e a América Latina, a visão de Vargas e o nacional-desenvolvimentismo brasileiro aproximaram o Brasil de seus vizinhos. Embora a integração moderna seja fenômeno anotado pela história recente da parte sul-americana da América Latina, o Brasil já buscava um meio de interferir sem ferir sua área geográfica e culturalmente ligada pela história colonial e pós-colonial, especialmente as saídas do rio da Prata e as dificuldades das fronteiras amazônicas.

Daí a importância da integração do Brasil com seus vizinhos como um processo que se iniciou, em forma logística, na era Vargas. E isso fazia parte do conceito autonomista de Vargas e seu chanceler Oswaldo Aranha. A busca de exercício da autonomia por meio da criação de elos com os vizinhos veio daquele tempo. E tal projeto poderia ser avançado pela aproximação logística, por intermédio de pontes e ferrovias, além de ligações de forma econômica e cooperativa no campo político.

Tais conceitos se acoplaram a uma ideia de autonomia decisória que levasse em conta a renovação do paradigma da cordialidade oficial do Império. Ao sublinhar a dimensão cooperativa nas suas relações com os vizinhos na América do Sul, Vargas e particularmente o seu chanceler Oswaldo Aranha avançaram as bases do que hoje temos como uma articulação mais adiantada de integração na região.

Exemplos podem ser traduzidos nas iniciativas que levariam, nos anos e décadas seguintes, ao suicídio de Vargas e à continuidade logística desse plano. Destaca-se a inauguração da Estrada de Ferro Brasil-Bolívia, já sob a Presidência de Café Filho, no Brasil, e de Paz Estenssoro, em Santa Cruz de la Sierra, em 1955. O esforço brasileiro nesse projeto era o de conectar a visão industrialista de autonomia à da paz cordial com os vizinhos.

Retomava-se, mas com outro significado, o conceito clássico do século XIX, forjado pelo Visconde do Rio Branco, voltado para a ideia da prática da cordialidade oficial e instrumental com os vizinhos, de preferência a seguir a linha fronteiriça do rio da Prata às fronteiras amazônicas. Essa linha no tempo sugere histórias e ressignificações que chegam a nossos dias com o conceito de integração logística da América do Sul no início do século XXI.

Dez anos depois da inauguração da Estrada de Ferro Brasil-Bolívia, em 1965, era Castello Branco quem inaugurava a estrutural e logística Ponte da Amizade, um dos mais importantes movimentos históricos da integração do Brasil com seus vizinhos. Amarrando definitivamente o Paraguai ao Brasil, preparava o ambiente para o projeto Itaipu e para a integração societária e econômica que ligam hoje os dois países e suas economias. Ligava-se com o ato o Paraguai ao Porto de Paranaguá, às rodovias e à pungente economia em industrialização e do modelo nacional-desenvolvimentista praticado pelo Brasil.

Evidenciam-se, com esses exemplos, os passos céleres que realizou o Brasil, em termos logísticos, em torno de um conceito dinâmico de autonomia decisória. Autonomia era cooperação com o vizinho, paz na fronteira, em favor do desenvolvimento nacional. Essas iniciativas dos anos 1950 e 1960, em alguma medida, seguem conceitos da diplomacia do Barão do Rio Branco ao concretizar, em abril de 1912, a primeira grande ligação amazônica do Brasil com o Peru e a Bolívia por meio da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

Obras difíceis e engenharias complexas foram alguns dos esforços brasileiros pioneiros na integração regional. Exemplos e conceitos aplicados de autonomia pragmática há cem anos remetem, de alguma maneira, à visão de Cardoso ao propor a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) em 2000 e as iniciativas de integração levadas em curso por Lula da Silva na década passada.

Há uma linha no tempo, uma seta de coerência no que tange aos movimentos racionais e equilibrados na relação da paz e do desenvolvimento com os vizinhos, sem muito apego aos regimes políticos e características das lideranças dos seus governantes. Essa linha de conduta, seja ao lado de regimes domésticos mais ou menos democráticos, seja ao lado de regime autoritário, não alterou de forma radical o padrão da ação externa no Brasil.

Fatores econômicos e estratégicos tiveram mais peso na ideia autonomista brasileira, na história, do que os regimes políticos. Nesse sentido, notou-se, mais recentemente, o avanço da cooperação brasileira com a Colômbia ao mesmo tempo em que se ligavam as economias da Venezuela ao Brasil (obra dificílima no tempo anterior) por meio de uma política de entendimento do regime semidemocrático levado adiante pelo ex-presidente Hugo Chávez por catorze anos.

Por outro lado, outras forças profundas, mesmo difusas, tiveram e ainda têm peso ante o crescimento de atores múltiplos domésticos e contextos externos, mesmo latino-americanos, na conformação da inserção internacional do Brasil. Foi mesmo Cervo e eu que confluímos com essa conclusão no livro lançado em 2006:

A formação de inteligência brasileira nas relações internacionais daquelas décadas (de 1950 e 1960) não pode ser subestimada como força profunda. O desenvolvimento de um pensamento brasileiro na área é também fator causal do adensamento da política exterior do Brasil e raiz de uma tradição que, em contato posterior com outras fontes, como o pensamento cepalino e com os teóricos da dependência, ampliaram o raio de ações dessas formulações pelo espaço latino-americano. As forças intelectuais – como estrutura imaterial que se forma no sistema de causalidades das relações internacionais – já provaram seu vigor na causalidade na pavimentação da prática dos estados, como lembra Pierre Renouvin (SARAIVA, 2005, p. 60).

Autonomia Decisória e o Início dos Anos 1960

O início dos anos 1960 foi um momento especial do histórico do conceito de autonomia. Autonomia e PEI encontraram um caminho de conjugação que vinculou os processos históricos anteriores às circunstâncias do turbulento início dos anos 1960 no Brasil, na América Latina e no mundo.

São claras as ênfases discursivas que colam as tradições de autonomia decisória, como o conceito brasileiro portador de nuance própria, na acepção que lhe conferia o chanceler de mais proeminência intelectual da PEI, San Tiago Dantas:

Temos cada vez mais consciência do papel internacional reservado ao nosso país; se por um lado a nossa política há de ser animada pelo objetivo nacional que perseguimos e há de ter como finalidade assegurar por todos os meios nosso desenvolvimento econômico, nosso progresso social e a estabilidade das instituições democráticas em nosso país; de outro lado, cada vez mais estamos conscientes da nossa contribuição a levar à causa da paz, essa grande causa que é o pressuposto e a base de todas as outras e na qual todas as nações, grandes, médias e pequenas são igualmente responsáveis.8 8 . Discurso de posse de San Tiago como chanceler, em 1961 (apud FUNAG, 2012b, p. 6).

San Tiago Dantas, Afonso Arinos de Melo Franco e Araújo Castro formaram a tríade da formulação conceitual da política externa independente, no início dos anos 1960. Como lembra o embaixador Antonio Patriota, em discurso proferido em sua condição de chanceler, nas celebrações do centenário de San Tiago Dantas, em 2011, o chefe da casa de Rio Branco reconheceria a influência da PEI no Brasil de hoje:

Muito mudou o mundo desde que o Chanceler San Tiago Dantas proferiu essas palavras. O mundo não é o mesmo, o Brasil tampouco, especialmente na esfera social. A posição do Brasil no mundo vem adquirindo nova estatura. O espírito da política externa de San Tiago Dantas continua, entretanto, vivo e continua a inspirar-nos. É com esse princípio que buscamos implementar uma ação externa voltada à promoção de uma multipolaridade da cooperação, em parte da necessidade de reformulação das estruturas da governança global tornando-as mais legítimas e democráticas. O fundamento dessa postura é a execução de uma política verdadeiramente universal, pautada pelo interesse nacional e pela busca da paz. Orientam-nos os imperativos do desenvolvimento econômico, social e tecnológico. Buscamos entendimento com todos. As prioridades atribuídas por nossa ação diplomática, com especial destaque para a cooperação com nossos vizinhos sul-americanos, não se dão em detrimento de outros relacionamentos com aliados tradicionais e com novos atores.9 9 . Trecho do discurso proferido pelo chanceler embaixador Antonio Patriota no seminário voltado para as celebrações do centenário de San Tiago Dantas e a política externa independente (apud FUNAG, 2012b, p. 7).

O discurso do ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil corrobora parte do argumento central deste artigo. E aproxima o conceito de Patriota ao de Gelson Fonseca, ao sugerir que esse comportamento histórico do Brasil faria lembrar certa "autonomia pela participação" e não pela obstrução. Fechamento nacional e "autonomia por meio de bravatas anticolonialistas", discursos que ainda permeiam parte da política externa de países da América Latina, não comporiam com a acepção brasileira do conceito.

Nos dias de hoje, momento das celebrações do cinquentenário da chamada política externa independente, um quase lugar-comum da diplomacia nacional dos anos 1961-1964 é extraído de suas essências e conteúdos. São elementos que vinculam o meio século aos debates da nova inserção internacional de Lula e Dilma.

Parece relevante reconhecer que a política externa independente foi, em todo caso, um laboratório particular de emanações discursivas em torno do conceito de autonomia em política externa. Ancorada nos tempos da Guerra Fria, da descolonização afro-asiática, da crise cubana, da tensão nuclear e da bipolaridade estratégica, a PEI foi marcada por grandes debates internos no Brasil do início dos anos 1960. Um exemplo é o caso do lançamento de uma operação no Atlântico Sul naqueles anos de desafio.

A política africana do Brasil, celebrada nos dias de hoje no Brasil como um retorno necessário à dimensão atlântica da política externa nacional, foi recriada em significado na PEI. Isso já foi demonstrado nas obras de José Honório Rodrigues naqueles anos. O grande historiador brasileiro já lembrava os antecedentes da política africana do Brasil. Mas foi reescrita em anos mais recentes, conforme a revisão da nova historiografia da política externa do Brasil, como o livro de minha autoria, ao estudar a PEI e a renascença da política africana no Brasil no início dos anos 1960:

O lançamento da política africana do Brasil, cujas raízes já tinham sido plantadas no final da década anterior, foi fato marcante da reinserção brasileira no cenário internacional. A dramaticidade no gesto de redefinição das relações do Brasil com a África, e implicitamente com Portugal, pode ser observada antes mesmo da posse do jovem presidente Quadros. Horas antes de tomar assento presidencial, ele anunciou que o barco Santa Maria, que havia sido sequestrado por opositores do regime salazarista, tinha permissão para atracar no Recife justa-mente no instante de sua posse. A crise iminente com Portugal e a OTAN, comentada pelo historiador José Honório Rodrigues, foi o palco da cena do nascimento da política africana do Brasil (SARAIVA, 1996, p. 59-60).

O Brasil procurava um caminho do meio, próprio, de ação internacional. O clima doméstico e os debates políticos levaram a política externa para o centro do debate, até mesmo para o campo popular. A relação entre política externa e democracia foi levada à ágora. Momento especial da formação da política externa brasileira foi a fase da PEI, particularmente com as características das lideranças da política externa como Afonso Arinos, San Tiago Dantas e Araújo Castro. Foi um desses raros momentos no Brasil no qual a política externa foi discutida tanto nas mesas de bar quanto nos salões do parlamento.

E já se pode dizer que essa incursão africana dos anos da PEI conversa tanto com o conceito de autonomia decisória quanto com o conceito de atlantismo brasileiro. Este último conceito, diferente dos conceitos da OTAN e do sistema de sanções e intervenções arquitetadas pelos países do Atlântico Norte, foi retomado pela era Lula. O Atlântico Sul vem se fazendo mediterrâneo, objeto de vontade autônoma. Ganhou força societária a relação do Brasil com o continente africano no início do século atual. O país vem utilizando os seus movimentos dinâmicos no plano das coalizões na região e a pauta comercial de produtos diversificados como parte do conceito contemporâneo de autonomia decisória (SARAIVA, 2012, p. 24).10 10 . também o tema das novas coalizões ao Sul, como parte dessas novas formas múltiplas de exercício de autonomia decisória, com a recente publicação que analisa o caso dos BRICS: Funag (2012a).

A política externa independente vinculou um padrão histórico que insiste na seta do tempo, do século XIX aos tempos mais recentes. Trata-se do conceito de autonomia decisória. Esse conceito, até mais que o de independência, foi o traço mais evidente da quadra histórica do início dos anos 1960. A política externa independente deslanchou a partir do artigo do presidente Jânio Quadros intitulado "Nova política externa do Brasil", publicado na prestigiosa Foreign Affairs em 1961 e na Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI)em 1962. O artigo foi considerado um libelo da Independência do Brasil em relação a blocos fechados de poder, no Leste ou no Oeste.

Embora fosse natural a vinculação da noção de autonomia decisória aos anos dos governos de Jânio Quadros e João Goulart, o conceito, em forma brasileira, era anterior e já havia mostrado capilaridade prática na política externa do Brasil. E há que se reconhecer que esse cabedal herdado de elementos de continuidade segue presente nos atores e protagonistas da política externa brasileira dos nossos dias.

Implicações da Autonomia Decisória na Inserção Internacional do Brasil

Há discussão no Brasil acerca da pertinência de reivindicação do conceito de autonomia no mundo poroso que se sucede ao fim da Guerra Fria. Há obras a antepor os dois governantes mais importantes dessa última quadra: Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro haveria abandonado o conceito autonomista, segundo seus críticos. O segundo teria recolocado o léxico da autonomia decisória em política externa, mas exagerado o tamanho da língua.

A história do presente já sugere que houve mais continuidade entre esses dois governos que diferenças essenciais. E que ambos cuidaram da acepção brasileira do conceito de autonomia. O primeiro exprimiu autonomia à noção de associação às ondas da globalização assimétrica. Reconheceu a necessidade da normalização econômica do Brasil por meio da normalização do interno, particularmente a espiralinflacionáriaeacriação de uma moeda real e flutuante, o real. O segundo moveu a inserção internacional para a internacionalização das empresas brasileiras, a integração regional e o ativismo diplomático global para promover um papel mais ativo do Brasil na construção de regras internacionais.

Embora se perceba que o pensamento brasileiro aplicado à inserção internacional do Brasil não tenha sido homogêneo, os conceitos de autonomia não foram tão diferentes nos dois períodos presidenciais. Isso se nota na ausência de contraste da ideia de "autonomia pela participação", como sugeriu o diplomata Gelson Fonseca para os anos 1990, com a ideia de certo "Estado logístico", de Cervo, que sublinha uma internacionalização do Brasil, mas a manter um núcleo decisório interno e capaz de criar novas capacidades para os novos desafios do sistema internacional.

Em todo caso, as contingências dos anos 1990 foram diferentes das dos anos da primeira década do novo século. As orientações difusas e confusas reconhecidas na política externa de Cardoso foram, em alguma medida, realinhadas no curso do governo Lula, particularmente no que tange à dialética entre as capacidades internas para agir no mundo e o meio internacional em constante mutação.

Há, portanto, implicações contemporâneas na aplicação, ainda viva no Brasil, do conceito de autonomia decisória. Há correntes de opinião que divergem umas das outras, ora em favor da continuidade do conceito de autonomia nas últimas décadas, ora a chamar a atenção para as diferenças entre Cardoso e Lula-Dilma. Mas o debate está apenas começando, uma vez que as condições de pressão e porosidade do sistema internacional também foram se alterando entre o período Cardoso e Lula, e deste em relação a sua sucessora.

Em todo caso, uma inserção internacional madura, de um país continental, com economia de escala, com população em elevação de renda e consumo, são traços de um caminho mais decisivo na ressignificação do conceito de autonomia decisória nas primeiras décadas do século XXI. Parece ser essa a forma mais adaptativa do Brasil ao conceito flexível, mas desejado, de autonomia decisória ao longo do século que se desenha.

Finalmente, as implicações contemporâneas, para o caso brasileiro, do novo quadro internacional, bem como as dificuldades e oportunidades do momento, estão apresentadas no livro mais conceitual escrito por Amado Luiz Cervo, na sua discussão em torno da construção do conceito de Estado logístico (CERVO, 2008; CERVO, BUENO, 2011, p. 488-489).

Conclusão

O conceito de autonomia decisória, em ressignificação pelos atores e autores da política externa do Brasil, foi renovado no início do século XXI para ser conservado como uma seta no tempo da inserção internacional do país. Embora gêneses autonomistas e correntes de pensamento nacionalistas tenham sido mantidas em grande parte nas fases republicanas da história do Brasil como parte da agenda da direita, a política externa independente permitiu que essa agenda pudesse migrar também para a esquerda política. Essa foi uma junção histórica que tem impactos até os dias atuais, na política externa e nos discursos diplomáticos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Recolhem-se os frutos, alguns mais positivos, da tradição. E alguns azedos, dado certo retorno de nacionalismo atávico criticado até pelo próprio Helio Jaguaribe. Em todo caso, espraia-se certa confiança no papeldoBrasilnoiníciodoséculo XXI.

Conceitualmente, há algo que se repete nos dias atuais e que se assemelha ao vocabulário dos anos 1960. Percebe-se, entretanto, redução na retórica presente de euforia autonomista. Cinquenta anos depois do lançamento da PEI, dois grandes autores brasileiros, professores, Helio Jaguaribe e Amado Luiz Cervo, marcaram, com seus livros, a própria história do conceito de autonomia. O primeiro já escrevera na Revista Brasileira de Política Internacional, nos anos 1960 e hoje, seu conceito. Autores e atores políticos como José Honório Rodrigues, San Tiago Dantas, Cleantho de Paiva Leite, Afonso Arinos de Melo Franco, Cyro de Freitas Valle, Gustavo Capanema, Haroldo Valadão e Josué de Castro, entre tantos outros, ajudaram a formar esse léxico, naqueles anos, do conceito de autonomia. E seguem, em outros nomes atuais, até os dias correntes.

Helio Jaguaribe segue a cativar, apesar da sua idade avançada. Recebeu, no Rio de Janeiro, em novembro de 2013, uma grande homenagem do ministro das Relações Exteriores, onde estiveram muitos admiradores desse construtor de conceito. Outro, Amado Luiz Cervo, professor emérito da Universidade de Brasília, publica, nos últimos anos, de forma profícua, quase sempre em torno dos conceitos brasi-leiros de Relações Internacionais, com alguma influência epistemológica sobre o pensar e o agir do Brasil no sistema mundial (LESSA; ALMEIDA, 2012, p. 5-9).11 11 . Como mencionam Lessa e Almeida (2012, p. 7): "No segundo semestre, o número 19 (de setembro de 1962) se abria com um novo artigo do diplomata economista Otávio Dias Carneiro sobre um dos temas mais relevantes da diplomacia econômica brasileira durante décadas: o comércio internacional de produtos de base; eles são, ainda hoje, uma presença constante na pauta exportadora brasileira, até com maior intensidade do que nas décadas imediatamente seguintes, ocupadas pela promoção comercial e a busca de novos mercados para os produtos manufaturados brasileiros. José Honório Rodrigues também voltava a abordar O presente e o futuro das relações africano-brasileiras (II), enquanto o diplomata jurista Geraldo Eulálio Nascimento e Silva discorria sobre a conferência de Viena sobre relações e imunidades diplomáticas, ainda uma das bases das relações internacionais contemporâneas. Entre os livros resenhados, encontra-se a primeira edição da coleção de discursos e artigos de San Tiago Dantas, Política externa independente, que a Fundação Alexandre de Gusmão acaba de republicar, em nova edição ampliada com estudos contemporâneos."

Jaguaribe e Cervo ainda mostraram, em seus escritos, que a política externa do Brasil, por meio de seus próprios conceitos – como o de autonomia decisória –, causou no passado e ainda hoje algum impacto no meio internacional. Seguem, em alguma medida, criticados pelos globalistas, ao manterem essa linha de conduta para a compreensão heurística da política externa do Brasil, mesmo na porosidade das relações internacionais da segunda década do século XXI.

O maior legado dos construtores de conceitos autonomistas no Brasil, bem como seus práticos, é o de terem contribuído, com a autoridade da crítica, mas com a força telúrica do seu meio e em linguagem genuinamente brasileira, para o entendimento dos fatos. As formas próprias e resilientes que compuseram o conceito de autonomia decisória praticado pelos brasileiros mereceram, nas diferentes partes deste artigo, explicação causal e histórica.

Em síntese, o conceito e a prática de autonomia decisória deixaram cabedal no Brasil de hoje. As práticas deixam para hoje uma boa base de informação para voos do Brasil no sistema internacional complexo, sincrético, multipolar, econômico e estratégico, que vivemos.

O conceito de autonomia decisória ainda tem sua viabilidade em um país como o Brasil no século que se inicia. A concepção aqui demonstrada, que aproxima o passado do presente, é importante para a discussão das formas de inserção de um país com as características e porte do Brasil no sistema internacional do século XXI. E permanece relevante continuar os debates. E vale continuar essa linha de estudo, em especial do contraste dos sentidos do conceito de autonomia praticado no meio latino-americano, para ver se há, de fato, alguma contradição com a via brasileira.

Notas

Artigo recebido em 17 de dezembro de 2013 e aprovado para publicação em 6 de junho de 2014.

  • CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: a formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
  • ______; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil4.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
  • FARIAS, Rogério de Souza. O Brasil e o Gatt (1973-1993): unidades decisórias e política externa (1973-1993). Curitiba: Juruá Editora, 2009.
  • FUNAG Fundação Alexandre de Gusmão. O Brasil, os BRICS e a agenda internacional Brasília: Funag/MRE, 2012a.
  • ______. O centenário de San Tiago Dantas e a política externa independente Brasília: Funag/MRE, 2012b.
  • ______. Obras do Barão do Rio Branco Brasília: Funag, 2012c.
  • HURRELL, Andrew. TheQuest forAutonomy: The Evolution of Brazil's Role in the International System, 1964-1985. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) Universidade de Oxford, Oxford, 1986.
  • JAGUARIBE, Helio. Brasil, mundo e homem na atualidade: estudos diversos. Brasília: Funag/MRE, 2008.
  • ______. Estudos filosóficos e políticos Brasília: Funag, 2013a.
  • ______. Introdução ao desenvolvimento social Brasília: Funag, 2013b.
  • ______. O nacionalismo na atualidade brasileira Brasília: Funag, 2013c.
  • JORGE, A. G de Araujo. Introdução às obras do Barão do Rio BrancoBrasília: Funag, 2012.
  • LESSA, Antonio Carlos; ALMEIDA, Paulo Roberto de. O ano que ainda não terminou nas relações internacionais: 1962 nas páginas da RBPI (editorial). Revista Brasileira de Política Internacional, ano 55, n. 2, p. 5-9, 2012.
  • MOURA, Gerson. Relações exteriores do Brasil (1939-1950): mudanças na natureza das relações Brasil-Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial. Brasília: Funag/MRE, 2012.
  • MIYAMOTO, Shiguenoli. Do discurso triunfalista ao pragmatismo ecumênico (geopolítica e política externa no Brasil pós-64) Tese (Doutorado em Ciência Política) Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986.
  • PIMENTEL, José Vicente de Sá (Org.). Pensamento diplomático brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1964). Brasília: Funag, 2013. 3 volumes.
  • SARAIVA, José Flávio Sombra. O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa do Brasil (de 1946 a nossos dias). Brasília: Editora da UnB, 1996.
  • ______. Entre a retórica e o realismo: o peso da política exterior de Vargas a Lula. In: ______; CERVO, José Flávio S. (Org.). O crescimento das relações internacionais no Brasil Brasília: IBRI, 2005.
  • ______. África parceira do Brasil atlântico: relações internacionais do Brasil e da África no início do século XXI. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012.
  • ______; CERVO, Amado (Org.). O crescimento das relações internacionais do Brasil Brasília: IBRI, 2005.
  • 1
    . As incursões acadêmicas crescentes advindas dos balanços iniciais dos 200 anos do Brasil independente, a serem celebrados em 2022, voltam-se também para a reavaliação da dimensão histórica da política externa do Brasil. Um exemplo são os três livros lançados em novembro de 2013, em torno da coleção organizada pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Outros livros e artigos estão sendo lançados em torno dos debates dos 50 anos da política externa independente (PEI). Nesse conjunto, vale relevar, como parte da inspiração do presente artigo, a coletânea de trabalhos de pesquisadores e diplomatas brasileiros em torno de três volumes que recuperam em parte essa linha do tempo, lançados no ocaso de 2013:
    Pensamento diplomático brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1964) (PIMENTEL, 2013).
  • 2
    . Com dez volumes dos escritos do Barão e um de introdução de estudos, a incluir estudo de Rubens Ricupero em torno da
    Introdução às obras do Barão do Rio Branco, de A. G. de Araújo Jorge (2012).
  • 3
    . Entrevista com o professor Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência da República, Brasília, na Reitoria da Universidade de Brasília, em fevereiro de 2002.
  • 4
    . No caso de Helio Jaguaribe, vale anotar a reedição recente dos três grandes livros que explicitam a sofisticação da discussão desse intelectual brasileiro em relação ao tema deste artigo (JAGUARIBE, 2013a, 2013b, 2013c).
  • 5
    . Ver, por exemplo, Farias (2009).
  • 6
    . Aqui reside uma relevante diferença da historiografia autonomista da política exterior dos países de língua espanhola da América do Sul em relação à prática histórica do Brasil no tratamento do conceito de autonomia decisória. A forma brasileira é calcada no acúmulo diplomático, no cálculo das possibilidades, na absorção realista das potencialidades do exercício do que Gerson Moura chama de "autonomia na dependência" e Gelson Fonseca indica como "autonomia pela participação". Nesse último caso, analisado por Fonseca, os meios brasileiros da construção de poder próprio por meio da cooperação e da associação pragmática aos vizinhos são mecanismo preferencial da inserção internacional do Brasil no tempo. A cooperação com as grandes potências, por outro lado, exige pragmatismo, sem associação automática. Esse sentido pragmático do uso do conceito difere em parte da média dos países latino-americanos, ao buscarem ora relações "carnais" com as grandes potências, ora afastamento oco das mesmas por meio do uso de diversas formas de neutralidade, negação, rechaço, retórica anticolonial e desconfiança exacerbada em relação às grandes potências. Essas diferenças, embora ainda não muito estudadas, afastam a experiência brasileira do sentido semântico que acompanha parte da literatura sul-americana e latino-americana ao tratar de casos nacionais de busca de autonomia específicos na região. Ver, por exemplo, o entendimento de José Paradiso e Mario Rapoport, para o caso argentino. E, em especial, as novas formas bolivarianas de interpretação do conceito de autonomia nos Andes.
  • 7
    . Ver as teses doutorais e estudos mais recentes de Francisco Doratioto e Eugenio Vargas, entre outras, defendidas no Programa de Pós-graduação em História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília, dos anos 1990 aos dias atuais.
  • 8
    . Discurso de posse de San Tiago como chanceler, em 1961 (apud FUNAG, 2012b, p. 6).
  • 9
    . Trecho do discurso proferido pelo chanceler embaixador Antonio Patriota no seminário voltado para as celebrações do centenário de San Tiago Dantas e a política externa independente (apud FUNAG, 2012b, p. 7).
  • 10
    . também o tema das novas coalizões ao Sul, como parte dessas novas formas múltiplas de exercício de autonomia decisória, com a recente publicação que analisa o caso dos BRICS: Funag (2012a).
  • 11
    . Como mencionam Lessa e Almeida (2012, p. 7): "No segundo semestre, o número 19 (de setembro de 1962) se abria com um novo artigo do diplomata economista Otávio Dias Carneiro sobre um dos temas mais relevantes da diplomacia econômica brasileira durante décadas: o comércio internacional de produtos de base; eles são, ainda hoje, uma presença constante na pauta exportadora brasileira, até com maior intensidade do que nas décadas imediatamente seguintes, ocupadas pela promoção comercial e a busca de novos mercados para os produtos manufaturados brasileiros. José Honório Rodrigues também voltava a abordar
    O presente e o futuro das relações africano-brasileiras (II), enquanto o diplomata jurista Geraldo Eulálio Nascimento e Silva discorria sobre a conferência de Viena sobre relações e imunidades diplomáticas, ainda uma das bases das relações internacionais contemporâneas. Entre os livros resenhados, encontra-se a primeira edição da coleção de discursos e artigos de San Tiago Dantas,
    Política externa independente, que a Fundação Alexandre de Gusmão acaba de republicar, em nova edição ampliada com estudos contemporâneos."
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      17 Dez 2013
    • Aceito
      06 Jun 2014
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