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Ser embruxado: Notas epistemológicas sobre razão e poder na antropologia* * As discussões que mantive com meus alunos da Universidade de Brasília foram fundamentais para a composição deste texto, apresentado em sua primeira versão no GT Entre fronteiras e disciplinas: estudos sobre África e Caribe, durante o encontro anual da Anpocs de 2008. A sessão em que apresentei a primeira versão deste artigo se intitulava Religião, feitiçaria e parentesco: novas perspectivas, e contou com Lygia Sigaud como debatedora. Não poderíamos ter tido uma leitora mais arguta ou comentadora mais inteligente e sensível do que ela. Não creio que seja o caso de dedicar este artigo à Lygia, mas muito mais de agradecê-la por ele. Posteriormente, compartilhei essas reflexões em outros fóruns. Sou igualmente grata às diversas contribuições recebidas ao longo desses anos e ao apoio financeiro do CNPq.

Being bewitched: Epistemological notes on reason and power in anthropology

Resumo:

A partir da experiência de farm dwellers sul-africanos em luta pelo direito a terras onde possam conviver com seus ancestrais, este texto aproxima Estado e Bruxaria a fim de discutir razão, poder, relativismo, cultura e universalismo. Ambos os conceitos, de alastrada presença na antropologia, mostram-se refratários aos projetos de transformação nos quais se empenham os sujeitos desta pesquisa, dedicados a se livrarem dos grilhões modernistas que, tendo por base um ideal de racionalidade, os segrega no tempo e no espaço. A perene e alastrada presença desses conceitos em etnografias contemporâneas tanto indica o caráter ativo do fardo modernista que a disciplina carrega como revela o quanto a abordagem antropológica se aproxima dos modos de embruxamento operados pelo Estado.

Palavras-chave:
África do Sul; Estado; bruxaria; etnografia

Abstract:

After an ethnographic account on a South African farm dweller simultaneous relation to a social movement and to the realm of his ancestors, the paper highlights how State and Witchcraft share conceptual features in anthropology since both are drawn upon categories like rationality, power, relativism, culture, and universalism – among others.

Keywords:
South Africa; State; witchcraft; etnography

Razão e poder na antropologia

Verão de 2010. Sentados na praça de alimentação no aeroporto de Johanesburgo, comíamos algo enquanto esperávamos a hora do vôo que Mangaliso Khubeka tomaria para Harare. Mangaliso, cuja contribuição teórica e epistemológica tem sido crucial à nossa pesquisa. há anos nos recebe na África do Sul.1 1 Neste texto o narrador ora aparece no plural, ora no singular. Essa imprecisão se deve ao fato de as situações aqui narradas, assim como as reflexões a seu respeito, nascerem de meu trabalho de campo e de meu diálogo incessante com Marcelo Rosa, que publicou recentemente (Rosa, 2011) um artigo sobre Mangaliso Khubeka, reconhecido lider dos chamados farm dwellers na África do Sul. Ele, antigo líder do Landless Peoples Movement e, recentemente, proprietário de uma pequena fazenda oferecida à sua família como recompensa pelas perdas sofridas durante o apartheid, participava com frequência de encontros nacionais e internacionais sobre a luta pela terra. Aquela viagem era mais uma com esse objetivo. Em meio à espera, toca seu celular. Os rudimentos de zulu que já manejo me permitiram entender que alguém o chamava para lhe fazer um alerta. Mangaliso desligou e confirmou, em inglês, minha intuição: “meu primo está sonhando comigo”. Talvez porque eu estivesse cansada. Talvez porque o cenário de um grande aeroporto precipita os elementos do que seria o “moderno”. Talvez porque o telefone tocou ali e não em Kwazulu-Natal, na rural Ingogo, onde mora Mangaliso. Talvez por tudo isso, mas especialmente porque naquele momento eu não me colocava no lugar de Mangaliso, não me sensibilizava com o mundo e questões existenciais da forma que ele o faz, tive uma reação vexaminosa: por um lapso de segundo reagi ao telefonema do primo sem me dar conta da gravidade da situação.

Adiante, ao longo deste texto, vou expor alguns outros diálogos que tive com Mangaliso. Por ora, basta dizer, que, depois de tantos anos de trabalho de campo intermitente na África do Sul, não me era autorizado não levar um sonho a sério (Chidester, 2008CHIDESTER, David. Dreaming in the contact zone: Zulu dreams, visions, and religion in nineteenth-century Sotuh Africa. Journal of the American Academy of Religion, v. 76, n. 1, p. 27-53, 2008.). Mangaliso faria uma viagem de avião, algo sempre perigoso. Estava às vésperas de cumprir 60 anos, já não era mais um jovem. No sonho, o primo o via ao lado de seu pai e do pai do próprio primo, irmão do pai de Mangaliso. Para quem já havia lido sobre parentesco zulu, o cousin em inglês era a tradução palatável aos ignorantes para uma relação que Mangaliso entendia como fraterna. Além disso, o sentido da cena (ele ao lado dos ancestrais) era unívoco: seu primo telefonara para lhe dizer que previa sua morte em sonho. E, como somente alguém embruxado morre jovem, ou seja, antes que parentes seus mais velhos tenham falecido, seu sonho sugeria ainda a existência oculta de um inimigo nefasto. Minha lentidão (i) indicava minha falta, mesmo que momentânea, de comprometimento afetivo e epistemológico com aquele evento e (ii) me aproximava consequentemente de pessoas cujas posições eu havia aprendido ao longo dos anos a apreciar criticamente e com ressalvas. Depois de me sentir constrangida, por fim, perguntei a Mangaliso o que ele faria, se estava receoso com a viagem etc.. Ele, benevolente, tomou meu interesse como genuíno, fazendo com que eu me esquecesse de mim mesma. Disse-me que viajaria, mas que na volta procuraria o primo e um curandeiro. No processo de metamorfose que passa uma pessoa, como se diz na gíria brasileira atual, “sem noção”, até se tornar um ser razoável, ou seja, na sua fase crisálida/antropóloga, ainda cometi mais um impropério: “mas, e se esse curandeiro não ajudar? se errar no diagnóstico e na prescrição correta de um tratamento para a aflição?” Mangaliso, outra vez, sublime, me esclareceu: “procuro outro; e, se esse falhar, outro; e mais outro”. Fiquei lívida, embaraçada. Eu, no afã de apagar os vestígios de minha gafe, dera um salto para o polo oposto, para o porto seguro do mundo perfeito da cosmologia nativa como vivida pelas antropólogas.2 2 Neste texto faço uso indistinto e aleatório do masculino e do feminino: ora falo de antropólogas ora de antropólogos, como forma de sublinhar um problema político que perpassa nossas formas de perceber e narrar a história e o presente da disciplina. Mangaliso amavelmente me ancorou nas águas turbulentas da realidade: para alguém ameaçado de morte, lutar para se manter vivo era uma questão séria. Não poderia acreditar em qualquer um. Não poderia se deixar vencer diante da primeira adversidade. Se mantendo cautelosamente afastado de meu claudicante relativismo, Mangaliso tão somente me assegurava que não há um único e infalível método ou teoria, especialmente em se tratando de um problema tão difícil de resolver.

Abro este artigo com esta nota de campo de caráter tão pessoal para dar início a uma reflexão sobre razão e poder na antropologia, cuja história teórica há muito se relaciona com fenômenos reunidos sob o manto da bruxaria. Muitas foram as investidas teóricas para lidar com este “algo” que desafiava uma definição corrente do trabalho etnográfico – segundo a qual nosso ofício estaria calcado no tangível, ancorado na presença do antropólogo nos eventos e cenários em que estão também aquelas pessoas com as quais faz sua pesquisa. Envolvendo-se com a bruxaria, a antropologia encontra-se diante de um enigma de difícil solução: como refletir teoricamente sobre fatos cuja sequência fenomênica não é em geral tangível, perceptível e, no limite, narrável em termos naturalistas? Tanto a crença quanto a descrença na bruxaria remetem à capacidade ou incapacidade da antropóloga de estar presente em situações nas quais se tornam, se não tangíveis, ao menos sensíveis fenômenos que nem todos são capazes de perceber e, consequentemente, de entender. Essa observação, é sempre recomendável lembrar, já fora explorada por Malinowski em seu seminal Baloma, quando declarava que nem todos (em especial o antropólogo) têm a capacidade de perceber os espíritos dos mortos. Desde então, podemos afirmar que, estando sem condições de entender como os Outros, as antropólogas procuraram e ainda buscam inúmeras saídas para sua própria incapacidade – desde o mero rechaço, à consulta aos especialistas ou, mesmo, a um investimento pessoal em experiências da ordem do “oculto”.3 3 Algumas dessas distintas “saídas” podem ser apreciadas em Favret-Saada (1977), de quem tomo emprestada a inspiração para o título deste artigo, ou em Stoller e Olkes (1987) e, ainda, para uma discussão mais recente no âmbito da antropologia feita no Brasil, em Carvalho (2006) e Goldman (2003), dentre outros.

Nos argumentos clássicos, o particular de cada caso arranhava a superfície da razão universal, sem abalá-la por completo, pois muitas vezes o objetivo da empresa era defendê-la a todo custo. Em certas obras, como naquelas tributárias de Frazer, apresenta-se um lugar para a bruxaria e para aqueles que a entendem/que com ela lidam: um espaço segregado e inferior, que tende a ser suplantado por uma ordem racional em que (aos olhos dos antropólogos) estejam explícitos vínculos verdadeiramente lógicos entre uma sequência fenomênica e a reflexão teórica sobre tais fatos. A relação entre o quê acontece e as razões pelas quais este o quê acontece entram, assim, em triangulação com a percepção da antropóloga – tornada uma espécie de eixo zero de onde se afastam ou se aproximam – as formas teóricas “nativas”. Todos sabemos da escala evolutiva alastrada no final do século 19 que parte da magia, passa pela religião e alcança a ciência e em função da qual o antropólogo envolvido na empresa moderna torna-se capaz de ter clareza do que significaria a razão ocidental, cultura ocidental etc (Ardener, 2007ARDENER, Edwin. Social anthropology and the decline of modernism. In: ARDENER, Edwin. The voice of prophecy and other essays. Oxford: Berghan Books, 2007, p. 191-210.).

Atualmente, os que creem em bruxaria inspiram – em uma época de “revivalismo” do tema, como o aponta Geschiere (2000)GESCHIERE, Peter. The modernity of Witchcraft. Politics and the occult in Postcolonial Africa. Charlottesville: University of Virginia Press, 2000. – dois interesses distintos, ainda que complementares em antropologia. Por um lado tendemos a concordar que tanto menos científico – isto é, tanto menos translúcida a relação entre o que vemos a nossa frente, nossa interpretação sobre “isto” e aquela de nossos interlocutores – mais interessante se torna uma investigação etnográfica. Por outro, em uma zona totalmente distante, estudos em “antropologia da ciência” têm sugerido que os cientistas (esses seres racionais e temporais por excelência) conceberiam o mundo e sua dinâmica por meio de raciocínios não menos improváveis. Em ambos os casos, por vias tortas, se defende que para adentrar sua reflexão de maneira relevante, deveríamos levar a sério a saída teórica que os sujeitos com quem fazemos nossas pesquisas engendram sobre os fatos. Em suma, se bruxas não existem, ao menos nos interessariam as ideias que as pessoas fazem da bruxaria. Nessa trilha, alguns procuraram decifrar atos mágicos para revelar o que haveria “por trás” daquilo que as pessoas – por não terem meios de lidar com a verdade dos fatos de outra maneira – chamavam de bruxaria, mostrando o que “em realidade”, de fato, ocorre (Taussig, 2007TAUSSIG, Michael. Viscerality, faith, and skepticism: another theory of magic. In: TAUSSIG, Michael. Walter Benjamin’s Grave. Chicago: The University of Chicago Press, 2007. p. 121-155.).

Esse tipo de polaridade é um lugar comum, é certo – já vimos muito disso: crença versus representação, ou estrutura versus prática, e assim por diante. Podemos dizer, entretanto, que, a despeito dos diferentes caminhos, os antropólogos nas duas veredas almejavam o mesmo objetivo: revelar a essência, o que estava oculto, aquilo que as próprias pessoas não conseguiam perceber por falta de uma compreensão privilegiada como a da antropóloga. Esse modo de operar dos antropólogos, em certa medida, assemelhase ao comportamento de um feiticeiro: nos dois casos, o que temos é um envolvimento ativo com a fabricação de uma revelação que se faz presente como realidade, como verdade. As antropólogas, ao contrário dos feiticeiros, ao recorrerem ao social para darem conta de apontar a “razão oculta”, lançam mão de elementos advindos de um conjunto que não é o conjunto sob análise – procedendo, portanto, como mágicos que fazem surgir coelhos das cartolas.

Acusados de feitiçaria

No sul da África muita antropologia já foi feita. Uma dessas antropologias alimentou o que veio a se tornar a Escola de Manchester. Esta escola insistia na incessante transformação da tradição ou da cultura – ou por sua perda ou por sua (re)invenção. Os homens que viviam nos albergues ao redor das minas já não eram mais os mesmos da zona rural: eram modernos. Dançavam para aqueles que iam até as periferias das grandes cidades ver danças tribais. Danças que obviamente não eram danças do passado (Mitchell, 1956MITCHELL, James Clyde. The Kalela dance. Aspects of social relationships among urban africans in Northern Rhodesia. Manchester: Manchester University Press, 1956.). A insistência no caráter moderno daquilo que esses homens fabricavam – para além do carvão, do aço ou do ouro – não os deixou de segregar, pois tal perspectiva esquecia de enfatizar que apesar de serem os negros modernos, os brancos não dançavam para turistas. Com dois pesos e duas medidas essa literatura clássica não errava completamente – afinal, apontava para o caráter processual das transformações culturais porque passavam os trabalhadores negros. Entretanto, especialmente para o caso sul-africano, com o recrudescimento do apartheid, essa ênfase no caráter exótico – mesmo que contemporaneamente construído – das práticas periféricas (fosse nas homelands também conhecidas como bantustões, nas fazendas onde trabalhavam e moravam negros ou nas townships urbanas) serviu para afirmar um elo de ordem moral e cognitiva que aproximava negros uns dos outros – a despeito das distintas e violentas experiências históricas porque passaram.4 4 Explorei essa questão no texto que trata de uma leitura etnográfica dos filmes Tsotsi e Yesterday (Borges, 2008). A literatura contemporânea pós-apartheid sugere que havia investimentos ideológicos por parte do governo do apartheid (em suposto conluio com os chamados chefes tradicionais) para que essa comunhão moral e cognitiva fosse enfatizada (Ntsebeza, 2006NTSEBEZA, L. Democracy Compromised: Chiefs and the Politics of Land in South Africa. Cape Town: HSRC Press, 2006.; White, 2011WHITE, Hylton. Beastly whiteness: animal kinds and the social imagination in South Africa. Anthropology Southern Africa, v. 34, n. 3-4, 2011.). Em textos antropológicos favoráveis à ideia de uma “comunhão cultural”, apesar de viverem nas cidades, apesar de serem quase modernos, os negros das townships compartilhavam “práticas e crenças” comuns a negros vivendo igualmente segregados, em outras partes do país, com os quais mantinham pouco ou nenhum contato.

Engana-se, porém, quem pense que esta constatação nascia de um reconhecimento etnográfico da agência dos ancestrais – dos mortos que vivem – na configuração do cotidiano e do extraordinário na vida das populações negras segregadas. Muitas antropólogas têm lançado mão desse modelo de análise e crítica para afirmar a persistência de “práticas e crenças” tradicionais – especialmente com a bruxaria – em função da alienação das massas. Dentre outros, podemos citar alguns colegas como Erik Bähre (2007)BÄHRE, Erik. Money and violence: financial self-help groups in a South African Township. Leiden: Brill, 2007., Adam Ashforth (2005)ASHFORTH, Adam. Witchcraft, violence, and democracy in South Africa. Chicago: The University of Chicago Press, 2005., além dos Comaroff (2002COMAROFF, Jean; COMAROFF, John. L. Alien-nation: zombies, immigrants and millennial capitalism. The South Atlantic Quarterly, Durham, v. 101, p. 779-805, 2002., 2006COMAROFF, Jean; COMAROFF, John. L. Criminal obsessions, after Foucault: post- coloniality, policing, and the metaphysics of disorder. In: COMAROFF, Jean; COMAROFF, John. L. (Org.). Law and Disorder in the Postcolony. Chicago: The University of Chicago Press, 2006. p. 273-298.). O primeiro estuda a economia em torno dos funerais, observando o que ele chama de persistência das acusações de feitiçaria diante de “evidências” do HIV-AIDS como causa (real) das mortes ocorridas na “periferia violenta” da Cidade do Cabo, em uma região habitada por negros e coloureds . Diante dos conflitos vividos pelos vizinhos, Bähre se depara com uma reluctant solidarity (solidariedade relutante), sinal unívoco da desagregação moral por que passam os moradores das antigas townships, que não respeitariam mais as leis de reciprocidade como o teriam feito no passado – um passado que, como nos lembra Mafeje (1997)MAFEJE, Archie. Who are the makers and objects of Anthropology? A critical comment on Sally Falk Moore’s Anthropology and Africa. African Sociological Review, v. 1, n. 1, p. 1-15, 1997., raros pesquisadores brancos ou negros investigaram. Em outros estudos, igualmente, a constatação das misérias do presente deixa margem, nas entrelinhas, a uma temerária nostalgia em relação aos tempos do apartheid quando um Estado (mesmo que autoritário) garantia o “bem-estar” da população. Ashforth, por sua vez, faz sua pesquisa em Soweto5 5 Soweto é um imenso conglomerado de bairros negros nas cercanias de Johanesburgo, cujo nome, de sonoridade apelativa ao que nosso senso comum evocaria como “bantu”, é um acrônimo para Southern Western Townships. e, ali, diante de casos de acusação de feitiçaria que acabam em linchamento ou em oclusão social dos supostos bruxos, pergunta-se como pode persistir tamanho “desatino” depois de findo o apartheid, depois de a África do Sul ter entrado definitivamente no mundo da democracia? Ashforth atribui à falta de investimento público em educação esse apego às “práticas e crenças” tradicionais, das quais as acusações de feitiçaria seriam o símbolo por excelência. Os antropólogos Comaroff, assim como Isak Niehaus et al. (2001)NIEHAUS, Isak; MOHLALA, Eliazaar; SHOKANE, Kally. Witchcraft, power and politics: exploring the occult in the South African lowveld. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2001., enfrentam o mesmo dilema ao analisarem os, em suas palavras, parcos avanços da comissão Ralushai, na África do Sul, dado um limite intransponível que a impediria de desmascarar zumbis ou as supostas acusações de feitiçaria, a saber: a falta de um entendimento nítido acerca da ação dos zumbis e outras formas de bruxas como um reflexo da escassez de oportunidades de trabalho na África do Sul contemporânea, que acaba jogando “os negros” do país contra os migrantes de fora, os “negros” da cidade contra os do interior etc.. Essa comissão, presidida pelo antropólogo e vice-reitor da Universidade de Venda, Victor Ralushai, estabeleceu, no seu relatório de 1996, que a feitiçaria era um problema real na África do Sul e que deveria ser tratada como tal pelo governo. Apesar de reconhecerem os avanços que comissão alcançou em seu texto, antropólogos como Niehaus criticam a inoperância do governo diante daquilo que, embora as pessoas nomeiem como bruxaria, se trate efetivamente de “uma atribuição de culpa pelo azar em um ambiente social marginalizado e incerto” (Niehaus, 2012NIEHAUS, Isak. Witchcraft as subtext: deep knowledge and the South African public sphere. Social Dynamics: A journal of African studies, v. 36, n. 1, p. 65-77, 2012., p. 71).

Em suma, nas palavras desses autores, “de fato” não existem bruxas ou zumbis – o que há é xenofobia e desemprego mascarado de “crença”, de “cultura”, dando vazão a acusações de feitiçaria que levam a riots e linchamentos (Comaroff; Comaroff, 2002COMAROFF, Jean; COMAROFF, John. L. Alien-nation: zombies, immigrants and millennial capitalism. The South Atlantic Quarterly, Durham, v. 101, p. 779-805, 2002.). Ao dispor o debate nestes termos, esta literatura reedita a perspectiva assimétrica de muitos textos canônicos que lemos em antropologia (Harnischfeger, 2000HARNISCHFEGER, Johannes. Witchcraft and the State in South Africa. Anthropos, Bd. 95, H. 1, p. 99-112, 2000.). Esses autores, não tenho dúvidas que com a melhor das intenções, defendem, seguindo os conselhos de Mbembe (2002)MBEMBE, Achille. African modes of self-writing. Public Culture, New York, v. 1, n. 14, p. 239-273, 2002., que a história da África não deve ser contada ou escrita apenas nas chaves da capitulação ou da resistência ao colonialismo. O mundo contemporâneo, segundo este último autor, é muito mais complexo do que os enquadramentos dualistas aos quais estamos acostumados. Deveríamos, por isso, notar que a persistência da crença dita nativa em algo “evidentemente” inexistente seria também e, preponderantemente, fruto da negligência ou da ação orquestrada das elites (negras) locais que, para o caso sul-africano em particular, atuaram de maneira despótica a despeito de toda a esperança liberal que os quatro cantos do mundo depositaram naquele país. Em resumo, como lá as expectativas de estabelecimento de uma democracia em termos conhecidos e legítimos ao olhar liberal eram grandes, a “traição” é tida como ainda mais aviltante e incompreensível.

No presente texto confrontamos os argumentos acima mencionados com reflexões nascidas de pesquisa etnográfica na África do Sul e, concomitantemente, com a literatura antropológica que trata dos limites da linguagem diante da experiência ordinária. De acordo com as propostas de Das (2007)DAS, Veena. Life and Words. Violence and the descent into the ordinary. California: University of California Press, 2007. e Siegel (2006)SIEGEL, James. Naming the witch. Stanford: Stanford University Press, 2006., as acusações de feitiçaria e o envolvimento ativo com tal assunto na vida ordinária devem nos fazer refletir sobre os limites da linguagem antropológica que se atém apenas ao tangível como fonte de explicação para os casos de feitiçaria. Como tentei ilustrar com a situação narrada no início deste texto, minha experiência de campo me leva a sugerir que a bruxaria revela-se como um processo perene de nomeação e, como tal, enfrenta o eterno dilema que nasce da separação entre a experiência e o discurso sobre a experiência – um dilema que se torna crítico em casos que se recusam a caber nas formas para nós canônicas e naturalizadas de se narrar o vivido. Como pretendo esclarecer adiante, as reflexões sobre casos de feitiçaria permitem aos sujeitos que conhecemos ressignificar gradualmente, de formas cada vez mais sutis, eventos que não apenas exigem mais do que uma explicação causal (como no caso da pergunta a que o Azande busca uma resposta: por que eu? por que agora?), mas que vão incorporando, sem receio de serem acusados de anacrônicos, as experiências do presente na expansão e complexificação dessa caracterização dos acontecimentos, jamais entendidos como estagnados e encerrados no passado. Em outras palavras, a fabricação do sentido para eventos passados não se faz por meio de cadeias causais igualmente pretéritas. Além dessas, acontecimentos inauditos, inesperados e, muitas vezes, incompreensíveis à primeira vista, entram na composição de um mural esclarecedor do que se passou e de suas implicações no tempo presente.

Aproximando o conceito de Estado ao de Bruxaria

Minhas reflexões sobre o tema da bruxaria nasceram de duas fontes, cada qual com um distinto néctar que se mescla na forma de minha atual apreciação a respeito do assunto. Parte advém do fascínio e incômodo com a literatura.6 6 Estas reflexões foram desenvolvidas em diálogo com os alunos que frequentaram meus cursos em Brasília e em Buenos Aires (respectivamente em 2007, 2008 e 2010). Agradeço a sua presença autoral nos argumentos que ora apresento. Por outro lado, meu envolvimento com as lutas de nossos anfitriões vinculados ao Landless Peoples Movement pelo direito ao funeral (constante em ao menos dois períodos de campo: entre janeiro e fevereiro de 2007 e entre janeiro e março de 2008) despertou minha atenção para a agência de algo que embora eu não visse ou “pudesse provar” que existia, determinava os fatos ao nosso redor (Borges, 2011BORGES, Antonádia. Sem sombra para descansar: etnografia de funerais na África do Sul contemporânea. Anuário Antropológico 2010/1, p. 215-247, dez. 2011.). Se parte considerável de meu interesse sobre o tema da bruxaria advém de minha experiência na África do Sul, engana-se, no entanto, aquele que apostaria em uma provável rotina de trabalho de campo em meio a contextos em que “forças ocultas” se fazem presentes. Pelo contrário, foi basicamente a partir de reflexões sobre o Estado que nasceram muitas de minhas inquietações. Outros, mais kafkanianos, já se adiantariam: ou seja, em meio a forças igualmente ocultas!

Se nos perguntarmos qual a definição de Estado que assumimos, imediatamente nos daremos conta de uma série de homologias que marcam nossa reflexão sobre este “ente” e nossas suposições sobre a bruxaria. A relação mais imediata é a de transformação: nem sempre o que entendemos por Estado existiu como o conhecemos em sua forma atual. Tampouco divergimos quanto ao fato de que contemporaneamente situações diversas, por vezes diametralmente opostas, sejam classificadas com este mesmo termo (Estado). E, ainda assim, continuamos a lançar mão da mesma terminologia.

Talal Asad (2004)ASAD, Talal. Where are the margins of the state? In: DAS, V.; POOLE, D. Anthropology in the margins of the state. Santa Fe: School of American Research Press, 2004. p. 279-288. nos chama atenção para um aspecto muito singelo e não menos importante a esse respeito: se o que conhecemos por Estado, nem sempre foi assim, qual é a definição de Estado que nós temos e de onde ela vem? Nossa definição comum de Estado tem uma feição abstrata; nela, a coisa à qual nos referimos não é contingente ou aleatória, embora se expresse em termos autônomos, arbitrários e assépticos como burocracia, poder, violência, direitos etc. Por outro lado, há outra face mais conjuntural, expressa nos governos, em territórios e nas fronteiras demarcadas, na população com ou sem cidadania. O mesmo acontece com o conceito de Bruxaria – temos o universo das “crenças” e os fenômenos práticos, os agentes ocultos e os feiticeiros com nome e endereço, que nem sempre acertam em seus diagnósticos e intervenções.

Se considerarmos, portanto, que nem sempre “o Estado” foi o Estado, por que não imprimimos a mesma dúvida epistemológica sobre o conceito de “Bruxaria”? Particularmente, dada a analogia na qual me enredei, aproximando Estado de Bruxaria, proponho refrasear as questões de Asad: que definição de Bruxaria nós temos? De onde ela veio? Em antropologia temos um grande apego pelo tempo presente que muito nos impede de tecer considerações a respeito de transformações na longa duração. Na maioria das vezes nos sentimos deslocados, fazendo sem o conhecimento e consentimento necessários, o trabalho de um historiador. Nossa saída costuma ser tímida: suspendemos nossas referências teóricas no tempo e no espaço e de lá pinçamos concepções com as quais entramos em um diálogo tangencial, afinal, muitos de nós crêem, como o faz Strathern, que nosso interesse é “[the] historical location of [our] analytical constructs” (Strathern, 1999STRATHERN, Marilyn. Property, substance and effect: anthropological essays on person and things. London: Athlone, 1999., p. 143).7 7 “Fieldwork was, as it turned out, ontologically timeless: ‘the Nuer’, not ‘the Nuer in 1936’. The discovery of social time outside time was the paradoxical result of the apparently technical advance – one that ironically laid great stress on ‘real time’, in long periods of fieldwork” (ARDENER, 2007, p. 204). Neste ponto encontro uma possível chave-mestra que abre muitas das caixas de nossas inquietações.

Em suma, é notável que esses dois termos (Estado e Bruxaria) sejam perenes em seu uso, a despeito das inúmeras transformações porque passaram “as coisas do mundo” às quais se referem. Com isso nos damos conta de que não estamos aqui no reino da referencialidade. Como sugere Veena Das (2007)DAS, Veena. Life and Words. Violence and the descent into the ordinary. California: University of California Press, 2007., esses dois conceitos expressam, com toda a força, os limites da linguagem diante da experiência, colocando para a agenda antropológica um desafio que costumamos evitar ou amortizar ao invocar um mantra sagrado, uma palavra mágica, um Abre-te, Sésamo!, como kula ou reciprocidade, faccionalismo ou disputa agonística, linhagem, território, descendência, aliança e assim por diante. O mesmo parece ocorrer com os esquemas conceituais canonizados em antropologia acerca do fenômeno da bruxaria, por meio dos quais, como sugere Tambiah (1985)TAMBIAH, Stanley. Form and meaning of magical acts. In: TAMBIAH, Stanley. Culture, thought, and social action. Cambridge: Harvard University, 1985. p. 60-86.,8 8 “It is inappropriate to subject these performative rites to verification [comentando a interpretação de Evans-Pritchard sobre o uso de ervas medicinais pelos Azande], to test wheter they are true or false in a referential assertive sense or whether the act has effected a result in terms of the logic of ‘causation’ as this is understood in science” (TAMBIAH, 1985, p. 81). referendamos nosso modo de conhecer ávido por analogias. É desta forma, por meio dessas fórmulas mágicas, que nos livramos da imprecisão localizada naquele abismo entre o nosso texto e tudo o que pensamos/vimos/sentimos ao longo de nossa pesquisa. E mais, além de evitarmos este aborrecimento epistemológico, também nos filiamos a um panteão de ancestrais que nos protegem de futuros acidentes de percurso.

Em minha opinião, essa perenidade conceitual se deve a alguns pilares construídos em torno de uma questão principal: o controle racional. A atemporalidade das reflexões teóricas sobre o Estado (assim como as sobre a Bruxaria) ancora-se no pernicioso pressuposto da razão iluminista: em qualquer tempo ou espaço, qualquer homem, razoável, se dedicará à arte de governar. Em outras palavras, como nos habituamos a repetir, em toda parte haverá poder e disputa por esse poder. Quanto à bruxaria, insisto outra vez mais, nossa tendência é transferir para outro cadinho esses dois elementos a serem macerados – a razão e o poder. Colocados em contato, fora do contexto europeu, a relação de analogia se inverte – aqueles que crêem em bruxaria o fazem não porque não sejam racionais em um sentido cartesiano ou aristotélico (afinal, abrimos mão disso, pelo menos desde Evans-Pritchard), mas porque se sentem impotentes (como defendem os Comaroff, dentre outros). Em suma, para uns o Estado; para os outros, a Bruxaria. Além disso, gradualmente, em meu percurso de pesquisa tenho começado a me dar conta de que minhas investigações sobre o Estado, agora iluminadas por essa outra margem conceitual que é a Bruxaria, me permitem sugerir que uma das razões pelas quais o Estado se impõe (para as pessoas comuns e para as teorias sociológicas e antropológicas) deriva de um controle sobre o Tempo: para o primeiro a Atemporalidade, para nós, a implacabilidade do Tempo/do Século.

No Recanto das Emas era o Tempo de Brasília (Borges, 2004BORGES, Antonádia. Tempo de Brasília. Etnografando lugares eventos da política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.). Na África do Sul, é o tempo igualmente. No Brasil e na África do Sul me aproximei de pessoas que, por diversas razões e por diferentes meios, buscam ter direito a um teto, a um pedaço de terra. Nos dois casos, os termos estatais exigem um tempo (de sofrimento e privação) como índice de merecimento capaz de hierarquizar a multidão de demandas diante das exíguas políticas públicas que podem ser ofertadas à população. Um tempo que demonstre o quanto estiveram batendo à porta de um Estado que normalmente não escuta as pessoas justamente porque elas são transitórias, mas que ainda assim, em alguns momentos, abre uma fresta e diz:

  • – “Sim?! Agora estamos escutando.

  • – Não, não entendemos essa linguagem ordinária, que lança mão de termos cotidianos, que descreve a vida com cores fortes.

  • – Menos emoção, por favor!

  • – Nós [do Estado] temos categorias precisas, formulários bem dimensionados, fórmulas infalíveis.

  • – Preencha aqui.

  • – O que?! Vocês não sabem escrever?! Suponho que também não saibam ler. Impressionante…”.

    E fecha-se a porta. Lá dentro, regozijam-se:

  • – “Apesar de nada fazermos, essas pessoas não desistem. Continuam a nossa porta…”.

O drama e a frustração de quem vive sob o manto da democracia nasce ou deriva justamente dessa crença na equivalência, que desperta a inesgotável e insolúvel tensão entre o universal e o particular, entre o que é de caráter geral e o que é específico. Sugiro que no Brasil democrático e na África do Sul pós-apartheid o princípio do relativismo não difere muito dessa indiferença do Estado (Herzfeld, 1993HERZFELD, Michael. The social production of indifference. Chicago: The University of Chicago Press, 1993.). Talvez seja por isso que ao afirmarmos, como o fazem os Comaroff, que não somente zumbis não existem, mas que sua existência oculta uma alienação difusa, ou quando alguém nos confidencia um sonho e precisamos de alguns segundos para “ativar” nosso lado etnográfico e só assim parecer entender do que se trata o diálogo, em todas essas situações, agimos de modo opressivo e transcendente. Não quero que meu argumento seja lido como um manifesto a favor da incomensurabilidade mas, como muito já foi discutido, para que o antropólogo encontre equivalentes de tudo o que presencia, é preciso que se encontre do lado de fora ou “acima disso tudo”. E, insisto, nenhuma outra forma de agir é mais parecida com a estatal do que esta. Aqui talvez tenhamos uma das possíveis razões ou motivos que levam a antropologia a contribuir com suas etnografias e reflexões teóricas a construir o Estado: o princípio da democracia e da equivalência serve tão bem a uma quanto ao outro.

Na África do Sul temos nos deparado com essa ingerência perene do Estado sobre a população, em especial sobre aquela classificada como tribal (Mafeje, 1971MAFEJE, Archie. The ideology of “tribalism”. The Journal of Modern African Studies, v. 9, n. 2, p. 253-261, 1971.). Em nosso trabalho de campo temos visto que, sobretudo os brancos (ainda que nascidos e criados naquele país), repercutem este modelo ao remeterem todos os negros a uma essência própria da África pré-colonial, garantindo por essa via sua própria europeia racionalidade.9 9 Em diversos encontros acadêmicos dos quais participei na África do Sul, tive a oportunidade de escutar professores brancos, nascidos naquele país, se referindo aos seus colegas negros como African, a fim de explicar diferenças e divergências seja no âmbito da política dos departamentos ou da produção científica. Esta operação catapulta a todos – que convivem no tempo presente – ao momento genético do encontro colonial em que “a civilização” deparava-se com “a vida tribal” (Fabian, 1983FABIAN, Johannes. Time and the other. How anthropology makes its object. New York: Columbia University Press, 1983.; 2006FABIAN, Johannes. The other revisited. Critical afterthoughts. Anthropological Theory, v. 6, n. 2, p. 139-152, 2006.). Tal prática de suspensão do tempo histórico por meio do eterno retorno ao século 16 reproduz, no plano das relações ordinárias, o mesmo modo de operação do Estado. Por essa via, ativistas brancos, militantes de ONGs, em diversas ocasiões excluem os negros do conjunto daqueles que podem entender a razão do Estado devido à sua origem histórica e, logo, tendo como fundamento o respeito à diversidade, sua especificidade cultural. Muitas vezes ouvimos declarações do tipo: “Vejam só o tipo de política que eles fazem. Isso é porque vivem às voltas com questões como família, ancestrais e, mesmo, acreditando em bruxaria”. Obviamente esses brancos que conhecemos também vivem para suas famílias e etc., só que no caso deles, isso não afetaria sua compreensão e adequação ao que é burocrático e, por vezes, democrático (Ferguson, 1994FERGUSON, James. The anti-politics machine: development, depoliticization, and bureaucratic power in Lesotho. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.). Com esta atitude, promovem constantemente a “nativização” dos negros com o propósito de esclarecer, como me disse um fazendeiro branco que vendeu suas terras ao Estado que, por sua vez, as restituiu à família negra que de lá fora expulsa em meados do século 20: “eles, os africanos, não pensam como nós”.10 10 A declaração do Sr. Smith no contexto do processo de restituição de terra para a família Impendle é explorada em Borges (2010).

Nesta esteira podemos aventar a possibilidade de levar ainda mais adiante a aproximação entre Estado e Bruxaria. Pensemos, por exemplo, nos suportes materiais pelos quais o Estado constrói sua reputação de agente capaz de decifrar dimensões não conhecidas pelos cidadãos a respeito de suas próprias vidas, ao mesmo tempo em que “torna invisíveis o artifício de sua produção” (Coronil, 1997CORONIL, Fernando. The magical State. Nature, money, and modernity in Venezuela. Chicago: The University of Chicago Press, 1997., p. 3). Por um lado temos o controle burocrático, administrativo, sob a forma de documentos (Peirano, 2006PEIRANO, Mariza. A lógica múltipla dos documentos. In: PEIRANO, Mariza. A teoria vivida e outros ensaios de Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.). Por outro, temos o controle estatístico, o controle da economia política, o controle da população pelo que ela representa em termos numéricos, geralmente traduzidos em imposto, em taxações (Roitman, 2005ROITMAN, Janet. Fiscal Disobedience. An anthropology of economic regulation in Central Africa. Princeton: Princeton University Press. 2005.; Redding, 2006REDDING, Sean. Sorcery and Sovereignity. Taxation, Power, and Rebellion in South Africa, 1880-1963. Athens: Ohio University Press, 2006.). Documentos e estatísticas têm um estatuto de realidade similar ao de qualquer outro oráculo. Como sugere Michael Taussig (2007)TAUSSIG, Michael. Viscerality, faith, and skepticism: another theory of magic. In: TAUSSIG, Michael. Walter Benjamin’s Grave. Chicago: The University of Chicago Press, 2007. p. 121-155., seria leviano imaginar que a magia do feiticeiro produz-se por engano do enfermo e concomitante cinismo do bruxo (Lévi-Strauss, 1958LÉVI-STRAUSS, Claude. Le Sorcier et sa Magie. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. Anthropologie structurale. Paris: Plon, 1958. p. 183-203.). Da mesma forma, pensando sobre papéis e números produzidos pelo Estado, não podemos sustentar que as pessoas todas sejam enganadas por algo que “não existe”. Apesar de atemporal e das poucas transformações porque passou, o conceito de Estado, assim como a Bruxaria, tem ancoragem no real. Voltamos assim a mais uma intersecção entre as concepções de Bruxaria e de Estado quando observamos que esses dois conceitos compartilham o fato de se referirem a uma vastidão de casos e situações, e que a despeito de sua imprecisão, não perdem seu poder explanatório quando “operando” no vivido. Tanto a Bruxaria quanto o Estado existem como coisa abstrata, mas também como coisa visível – aos olhos de quem os (re-)conhece. Entretanto, como já explorou Michael Herzfeld (1993)HERZFELD, Michael. The social production of indifference. Chicago: The University of Chicago Press, 1993. acerca da noção de indiferença que permearia a relação meramente burocrática, mesmo em casos de aplicação estrita dos princípios universais, um sujeito particular que não veja atendida sua demanda junto ao Estado perceberá algo de “pessoal”, algo que se dirige contra ele e a ninguém mais. Como nos casos de acusação de feitiçaria, o sujeito busca formular hipóteses sobre o porquê de lhe ter sucedido certo evento – por que o lote foi distribuído até a pessoa que tinha 5.697 pontos e ele, que somara 5.600 não recebera o seu? Os números são precisos, mas por que o Estado fez o corte sem considerar o seu caso, excluindo-o por míseros 97 pontos? (Borges, 2004BORGES, Antonádia. Tempo de Brasília. Etnografando lugares eventos da política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.). As acusações de feitiçaria e bruxaria observam questões similares àquelas que orientam o modo estatal de ação e classificação, ou seja, por um lado suspeitando e por outro aventando interpretações sob a forma de revelação.

Retornando aos julgamentos sobre a capacidade ou incapacidade que as pessoas têm de entender os processos democráticos de decisão ou a burocracia, o funcionário do governo ou o ativista da ONG e, por vezes, a antropóloga, simplesmente afirmarão que o pleito dessa pessoa não é razoável, ou seja, afirma-se que aquela pessoa é irracional. Afinal, por que aquele sujeito que contesta sua pontuação na lista de espera por um lote não percebe que foi um problema burocrático? Por que ele acha que é alguma coisa privada, pessoal, que o problema é com ele?! A Bruxaria, assim como o Estado, funciona – de acordo com as nossas teorias políticas e antropológicas sobre os dois conceitos – graças a uma aceitação tácita de um princípio de equivalência entre os sujeitos envolvidos com casos de feitiçaria ou com casos burocráticos. O Estado só age da forma como age se aceitamos que essa ação seja igual para todos – direitos para todos os cidadãos civilizados e violência para todos osselvagens.

Emergência da suspeita

A suspeita ocupa o espaço entre a lei e a sua aplicação, ou seja, há suspeitas por todos os lados, quando a aplicação da lei não acontece como prevê a lei. Como perceber que um fenômeno é tanto da ordem da emoção, quanto da ordem da razão? E que, assim como alguém morre porque foi embruxado (Siegel, 2006SIEGEL, James. Naming the witch. Stanford: Stanford University Press, 2006.), as pessoas também podem ficar tão amarguradas porque um processo burocrático não deu certo, a ponto de ficarem doentes ou mesmo morrerem (Das, 2007DAS, Veena. Life and Words. Violence and the descent into the ordinary. California: University of California Press, 2007.)? Creio que seja difícil para os antropólogos suportarem teoricamente essas situações, assim como o é para o Estado. Em suma, se não há nada do que se suspeitar, por que as suspeitas surgem? Segundo Geschiere (2000)GESCHIERE, Peter. The modernity of Witchcraft. Politics and the occult in Postcolonial Africa. Charlottesville: University of Virginia Press, 2000. e outros, a proporção de acusação de bruxaria é tanto maior quanto menos se consegue traduzir a vida social em termos de ação racional. O limite dessas interpretações encontra-se no fato de tomarem de maneira referencial as declarações do tipo “Azande”, como formuladas por Evans-Pritchard, por que comigo, por que agora? Uma refutação dos mecanismos burocráticos nesses termos revela teorias que remetem ao que aconteceu e concomitantemente ao que deveria ter acontecido. Não seria, portanto, uma declaração pura e simplesmente reveladora de um sistema classificatório retrospectivo. Em minha opinião, trata-se bem mais de uma declaração em forma de questionamento cuja lógica implica uma vontade de transformação. As situações e declarações de suspeitas, os depoimentos, eventos, atos que nós presenciamos e que parecem ter alguma coisa de obscuro, ou de atemporal, indicam que os sujeitos estão envolvidos em um processo de investigação muito sério. Nesses momentos de desespero e agonia, em que as pessoas se vêem prostradas diante dos enigmas que o Estado lhes interpõe, barrando seu caminho, vemos de modo radical o que significa uma vida preponderantemente voltada para a investigação, para a pesquisa (Borges, 2009BORGES, Antonádia. Explorando a noção de etnografia popular: comparações e transformações a partir dos casos das cidades-satélites brasileiras e das townships sul-africanas. Cuadernos de Antropología Social, Buenos Aires, v. 29, p. 23-42. 2009.). Quem, diante dessa concepção abstrata de Estado, de lei etc., não tem que ter certo espírito de investigador?

  • “– Por aonde eu vou agora?

  • – Qual o formulário que eu preencho primeiro?”

Pessoas que enfrentam os enigmas da burocracia em momentos particulares, encontram saídas diferentes: da mesma forma como um curandeiro pode aplacar o sofrimento e a doença de um enfermo e não ter o mesmo sucesso com outro doente. Ou o doente com outro curandeiro. Dependendo do padrão da burocracia de um determinado momento, existe uma série de relações que são prescritas. Claro que nem todo mundo entra nessas relações da mesma maneira, mas os enigmas (documentos, formulários etc.) exigem um envolvimento em forma de investigação. A suspeição é, portanto, condição sine qua non para que o Estado, assim como a Bruxaria, tenham a existência atemporal e o poder que lhes é singular. Nós reconhecemos que o Estado em abstrato, que existe no espírito das leis, não ocorre nas práticas da mesma maneira. Sendo assim, vejo a suspeição como o elemento que une essas duas existências em um único amálgama. A suspeição obviamente se opõe à confiança. Nessa tensão entre crenças e dúvidas, não é o Estado ou a Bruxaria que ficam na berlinda, mas esta ou aquela pessoa ou situação em particular. Os sujeitos esforçam-se para diminuir a margem de incerteza, entre o que acreditam e as dúvidas que emergem constantemente: acreditam que devem preencher o formulário, digamos assim, mas sabem que só isso não basta, tem alguma outra coisa.

  • “– Que outra coisa?

  • – Quem vai me dizer?

  • – Como vou saber?”

Estado e bruxaria como experiência ordinária

As experiências de campo que temos tido nos levam a sugerir a necessidade de levar adiante etnografias de experiências específicas da Bruxaria e do Estado. Como argumentam Das e Poole (2004)DAS, Veena; POOLE, Deborah. Anthropology in the margins of the State. Santa Fe: School of American Research Press, 2004., por meio dos processos de vida cotidiana podemos ver como o Estado é reconfigurado nas suas margens. Em Veena Das (2007)DAS, Veena. Life and Words. Violence and the descent into the ordinary. California: University of California Press, 2007., a noção de ordinary surge teoricamente após sua formulação acerca dos critical events (Das, 1995DAS, Veena. Critical Events: an anthropological perspective on contemporary India. New Delhi: Oxford University Press, 1995.). Se retomarmos seu argumento, nos recordaremos que o primeiro livro tratava da forma como incidentes inesperados chacoalhavam a vida das pessoas, forçando-as a se manifestarem sobre algo “que não esperavam”. Gradualmente esta autora passou a perceber que depois, por exemplo, do acidente de Bopal, em sua vida cotidiana, as pessoas atingidas formulavam razoamentos políticos incessantes, nem sempre na forma como ela previa. Neste momento, Das começou a se dar conta de que os eventos críticos, além de promoverem o sofrimento social que explorara, tornavam explícito o insuportável limite da linguagem diante da experiência. Na Índia, a pergunta Azande não se colocava – ninguém questionava o porquê do acontecimento. Simplesmente, não tinham palavras para sequer abordar o sucedido. Das reconhece que a forma de abordagem da antropologia – quando busca recuperar por meio de depoimentos eventos passados – assemelha-se em muitas das situações que presenciou ao modo de ação do Estado, com suas perguntas e linguagem alheias ao cotidiano das pessoas com as quais se relaciona. Nessa mesma linha argumentativa, Ndebele (2006)NDEBELE, Njabulo. Rediscovery of the Ordinary: Essays on South African Literature and Culture. Durban: University of Kwazulu-Natal Press, 2006. tece pesadas críticas ao modo como, nos Tribunais de Verdade e Reconciliação, as experiências de sofrimentos foram “postas em palavras”, ou seja, lapidadas para o paladar do olhar humanitário internacional, perdendo a força e significado que possuíam quando “pedra bruta”. Se tomassem reflexões como a de Ndebele ou como as de Krog et al. (2009)KROG, A.; MPOLWENI, N.; RATELE, K. There was this goat. Investigation the Truth Comission Testimony of Notrose Nobomvu Konile. Durban: University of Kwazulu-Natal Press, 2009. em consideração, os antropólogos Comaroff certamente teriam menos certeza na hora de tecer suas afirmações sobre o caráter quimérico dos zumbis.

Desprezo e respeito: a busca da evidência e a intolerânciado relativismo

A aposta na igualdade sustenta a operação constante que fazemos em busca de equivalências e reduções. É esta aposta que nos permite afirmar, sem titubeios, que zumbis não somente não existem como mascaram a nefasta situação de insegurança que leva algumas pessoas negras na África do Sul a promover ataques xenofóbicos a seus vizinhos africanos, aos quais deveriam uma solidariedade ancestral que todos reconhecem quando nos falam de Ubuntu.

Nas arenas “estritamente” políticas e modernas, palco do ativismo de um líder de um movimento social como Mangaliso, alusões a “práticas e crenças” ou a “zulu culture” são apressadamente julgadas como “irracionais” exatamente porque seus interlocutores, como ele mesmo nos disse, não são capazes de entender o que lhe passa (Rosa, 2011ROSA, Marcelo C. Mas eu fui uma estrela do futebol! As incoerências sociológicas e as controvérsias sociais de um militante sem-terra sul-africano, Mana, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 365-394, 2011.). Sem ser relativista, Mangaliso consegue ser mais tolerante do que aqueles que agem como eu mesma o fiz quando me mantive alheia aos sonhos como um de seus pilares mais ativos de suas inquietações. Dramas privados do mesmo teor daquele que presenciei no aeroporto de Johanesburgo não costumavam ser reconhecidos como válidos pelos membros da ONG que garantia algumas das ações do movimento dos sem-terra, liderado por Mangaliso, por uma simples razão: ninguém pretendia tratá-lo como um dos muitos “insanos” que diariamente povoam as páginas dos jornais “sensacionalistas” da África do Sul, envolvidos em casos de feitiçaria – como ataques de tokoloshes ou invasões de cobras. Curiosamente, se fosse um “ocidental”, Mangaliso poderia descumprir certos acordos, justificando estar sofrendo transtornos psicológicos. Entretanto, sendo um “nativo”, deveria saber que no mundo da militância política moderna não há espaço para o ritmo das crenças e costumes tribais. O desprezo era, para nossos interlocutores brancos, um sinal de respeito. Sua forma de ser e perceber o mundo era evidentemente melhor, e Mangaliso deveria ser aproximado desse pólo da racionalidade. Não seria justo, aos seus olhos, que Mangaliso estivesse ora dentro (do campo das lutas pelos direitos dos trabalhadores sem terra, localmente chamados de farm dwellers) ora fora – em lutas das quais os brancos não possuíam qualquer evidência. Sem querer buscar homologia entre os problemas mundanos de Mangaliso e suas aflições espirituais, nossos interlocutores brancos pareciam ao menos mais honestos em seu raciocínio que outros analistas em situações similares. Os trabalhos com os quais dialogamos – penso particularmente nos Comaroff, em Ashforth e Bähre – caminham sobre a tensa fronteira entre o particularismo e o universalismo, perguntando-se o quanto de particularidade uma pessoa pode ter e ainda assim fazer parte do todo universal. Nossos interlocutores, ao contrário, recusavam-se terminantemente a colocar os dois conjuntos (de crenças) lado a lado. Simplesmente negavam a existência deste outro. Para eles, no mundo moderno “isso” (fosse o que fosse) não existia. “Isso” era coisa deles, “dos Africanos”. Sobre “isso” não há o que se dizer. “Isso” não pode constar no repertório da luta pelo desenvolvimento, nem em pressão junto ao Estado ou a donors internacionais. “Isso”, portanto, não importa. No mundo em que impera a referencialidade – isto é, a relação automática entre um significante preciso e um significado único – tudo o que não pode ser narrado de modo supostamente unívoco não existe.

Conclusão

Retomo, por fim, àquela porta fechada na cara de quem demanda algo junto ao Estado – termo que se estende aos governos, às ONGs (chamadas jocosamente de next government officials pelos militantes do Landless Peoples Movement). Ao cerrar a porta e se isolar do mundo lá fora, essa voz que reclama dos pedidos constantes e mal encaminhados, das demandas sem razoabilidade e da falta de comprometimento dos necessitados, não coloca em dúvida se essa gente toda “continua mesmo lá fora”, parada, prostrada, simplesmente à espera. Nossa experiência com pessoas como Mangaliso demonstra que sua ação é percebida como inconstante pelos sujeitos que trabalham para o governo ou para as ONGs porque eles estão “atrás da porta”, pensando que Mangaliso está do lado de fora, ao relento ou sob o sol escaldante, simplesmente à espera de continuar o diálogo – a troca – do ponto em que decidirem retomar a discussão aqueles que a deram por encerrada, sem qualquer explicação aos que estão ali por necessidade. Essa forma de menosprezar o que as pessoas fazem depois que as autoridades do Estado delas se cansam explica o eterno retorno ao encontro colonial – ao momento fundacional em que europeus razoáveis encontram nativos tribais. Não por acaso, muitos de nós demoramos igualmente a entender que, entre uma ida ao campo e outra, tampouco nossos amigos ficaram inertes, à espera de nosso retorno. Autoconfiantes a respeito de sua autoridade, esses sujeitos não conseguem reconhecer que, como Mangaliso, as pessoas andaram por outras paragens, fizeram milhares de outras coisas que penetraram por vias e graus variados a natureza de seus problemas, com o Estado e com muito mais. O que viveram modifica suas reivindicações, as quais, por sua vez, transbordam os estreitos escaninhos das categorias estatais. Essa alteração nas demandas – porque nascida de experiência autônoma – jamais é reconhecida como legítima porque tais experiências não podem ser narradas em termos reconhecidos pelo Estado. Elas se deram na zona turva dos fenômenos não presenciados, impalpáveis, alguns diriam, oníricos – como se os sonhos fossem matéria inefável.

  • *
    As discussões que mantive com meus alunos da Universidade de Brasília foram fundamentais para a composição deste texto, apresentado em sua primeira versão no GT Entre fronteiras e disciplinas: estudos sobre África e Caribe, durante o encontro anual da Anpocs de 2008. A sessão em que apresentei a primeira versão deste artigo se intitulava Religião, feitiçaria e parentesco: novas perspectivas, e contou com Lygia Sigaud como debatedora. Não poderíamos ter tido uma leitora mais arguta ou comentadora mais inteligente e sensível do que ela. Não creio que seja o caso de dedicar este artigo à Lygia, mas muito mais de agradecê-la por ele. Posteriormente, compartilhei essas reflexões em outros fóruns. Sou igualmente grata às diversas contribuições recebidas ao longo desses anos e ao apoio financeiro do CNPq.
  • 1
    Neste texto o narrador ora aparece no plural, ora no singular. Essa imprecisão se deve ao fato de as situações aqui narradas, assim como as reflexões a seu respeito, nascerem de meu trabalho de campo e de meu diálogo incessante com Marcelo Rosa, que publicou recentemente (Rosa, 2011ROSA, Marcelo C. Mas eu fui uma estrela do futebol! As incoerências sociológicas e as controvérsias sociais de um militante sem-terra sul-africano, Mana, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 365-394, 2011.) um artigo sobre Mangaliso Khubeka, reconhecido lider dos chamados farm dwellers na África do Sul.
  • 2
    Neste texto faço uso indistinto e aleatório do masculino e do feminino: ora falo de antropólogas ora de antropólogos, como forma de sublinhar um problema político que perpassa nossas formas de perceber e narrar a história e o presente da disciplina.
  • 3
    Algumas dessas distintas “saídas” podem ser apreciadas em Favret-Saada (1977)FAVRET-SAADA, Jeanne. Les mots, la mort, les sorts. La sorcellerie dans le Bocage. Paris: Gallimard, 1977., de quem tomo emprestada a inspiração para o título deste artigo, ou em Stoller e Olkes (1987)STOLLER, Paul; OLKES, Cheryl. In Sorcery’s Shadow: a memoir of apprenticeship among the Songhay of Niger. Chicago: The University of Chicago Press, 1987. e, ainda, para uma discussão mais recente no âmbito da antropologia feita no Brasil, em Carvalho (2006)CARVALHO, José Jorge de. Uma visão antropológica do esoterismo e uma visão esotérica da antropologia. Série Antropologia, UnB, n. 406, 2006. e Goldman (2003)GOLDMAN, Marcio. Os tambores dos mortos e os tambores dos vivos. Etnografia, antropologia e política em Ilhéus, Bahia. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 2, n. 46, p. 423-444, 2003., dentre outros.
  • 4
    Explorei essa questão no texto que trata de uma leitura etnográfica dos filmes Tsotsi e Yesterday (Borges, 2008BORGES, Antonádia. Tsotsi and Yesterday: an anthropological appraisal. Vibrant, Brasília, v. 5, n. 2, 2008.).
  • 5
    Soweto é um imenso conglomerado de bairros negros nas cercanias de Johanesburgo, cujo nome, de sonoridade apelativa ao que nosso senso comum evocaria como “bantu”, é um acrônimo para Southern Western Townships.
  • 6
    Estas reflexões foram desenvolvidas em diálogo com os alunos que frequentaram meus cursos em Brasília e em Buenos Aires (respectivamente em 2007, 2008 e 2010). Agradeço a sua presença autoral nos argumentos que ora apresento.
  • 7
    “Fieldwork was, as it turned out, ontologically timeless: ‘the Nuer’, not ‘the Nuer in 1936’. The discovery of social time outside time was the paradoxical result of the apparently technical advance – one that ironically laid great stress on ‘real time’, in long periods of fieldwork” (ARDENER, 2007ARDENER, Edwin. Social anthropology and the decline of modernism. In: ARDENER, Edwin. The voice of prophecy and other essays. Oxford: Berghan Books, 2007, p. 191-210., p. 204).
  • 8
    “It is inappropriate to subject these performative rites to verification [comentando a interpretação de Evans-Pritchard sobre o uso de ervas medicinais pelos Azande], to test wheter they are true or false in a referential assertive sense or whether the act has effected a result in terms of the logic of ‘causation’ as this is understood in science” (TAMBIAH, 1985TAMBIAH, Stanley. Form and meaning of magical acts. In: TAMBIAH, Stanley. Culture, thought, and social action. Cambridge: Harvard University, 1985. p. 60-86., p. 81).
  • 9
    Em diversos encontros acadêmicos dos quais participei na África do Sul, tive a oportunidade de escutar professores brancos, nascidos naquele país, se referindo aos seus colegas negros como African, a fim de explicar diferenças e divergências seja no âmbito da política dos departamentos ou da produção científica.
  • 10
    A declaração do Sr. Smith no contexto do processo de restituição de terra para a família Impendle é explorada em Borges (2010)BORGES, Antonádia. Uma propriedade, diversas propriedades: etnografia da distribuição de benefícios públicos no Brasil e na África do Sul. In: NEIBURG, F. et al. (orgs.). Brasil em Perspectiva, Rio de Janeiro: Sete Letras, 2010..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2012

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2012
  • Aceito
    28 Set 2012
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