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O pacto contra violência doméstica na comunidade Menino Chorão (Campinas/SP): vitórias efêmeras

Resumo

Este artigo analisa o pacto contra a violência doméstica instituído na comunidade Menino Chorão, localizada na cidade de Campinas/SP. Esse pacto, que vigorou entre 2012 e 2016, tensionou as relações sociais de poder com o enfrentamento da violência doméstica, um dos pilares da construção social de gênero. Para analisá-lo parte-se do processo de urbanização corporativa e interseccionalizada que reproduz as desigualdades estruturais de gênero-raça-classe. O pacto é considerado uma vitória, ainda que efêmera e incompleta, da periferia urbana, pois aponta para uma possível superação do sistema capitalista-racista-patriarcal através da luta social organizada pelas mulheres, capaz de combater esse tipo de violência intensamente efetivada na sociedade brasileira. Indica-se, assim, para a potencialidade de uma racionalidade e modernidade alternativa à capitalista.

urbanização; ocupação de terras urbanas; violência doméstica; comunidade Menino Chorão; Campinas/SP

Abstract

This article discusses the pact against domestic violence implemented in the community Menino Chorão, located in the city of Campinas/SP. This pact, which was in effect between 2012 and 2016, has tensioned social power relations with the confrontation of domestic violence, one of the pillars of gender social construction. To analyze it, we consider the process of corporate and intersectional urbanization that reproduces gender-race-class structural inequalities. The pact is considered a victory of the urban periphery, even if ephemeral and incomplete, since it points to a possible overcoming of the capitalist--racist-patriarchal system through the organized social struggle by women that were capable of confronting an intensely reproduced violence in Brazilian society. It thus points to the potentiality of alternative rationality and modernity to capitalism.

urbanization; urban land occupation; domestic violence; Menino Chorão community; Campinas/SP

Introdução

A segregação socioespacial interseccionalizada ( Rizzatti, 2020RIZZATTI, H. (2020). Urbanização corporativa vista pelo avesso: periferização, interseccionalidade e lugar – uma análise a partir das ocupações de terras urbanas . Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. ), resultado do processo de urbanização brasileiro norteado pelos interesses corporativos que reproduzem as desigualdades estruturais da formação socioespacial brasileira (Santos, 2008b), é diariamente contrarrestada pela população residente nas diversas e enormes periferias urbanas das grandes cidades e metrópoles do País. Dentre as diferentes formas-conteúdo da periferização, intrínseca à urbanização corporativa e interseccionalizada, as ocupações organizadas de terras urbanas destacam-se pela capacidade efetiva e potencial de construir parcelas de cidades através de racionalidades e modernidades alternativas à capitalista.

A organização necessária para a instalação e manutenção desses lugares constitui modernidade alternativa ( Millán, 2013MILLÁN, M. (2013). Crisis civilizatoria, movimientos sociales y prefiguraciones de una modernidad no capitalista. Acta sociológica , n. 62, pp. 45-76. ) ao reproduzir e questionar essa urbanização por meio de gestos-fios ( Ribeiro, 2005RIBEIRO, A. C. T. (2005). Sociabilidade hoje: leituras da experiência urbana. Cadernos CRH , v. 18, n. 45, pp. 411-422. ) e eventos geográficos ( Santos, 2017SANTOS, M. (2017). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção . São Paulo, Hucitec. ) que constituem vitórias, ainda que efêmeras e incompletas, mas que devem ser valorizadas ( Chatterjee, 2008CHATTERJEE, P. (2008). “La política de los gobernados”. In: CHATTERJEE, P. La nación en tiempo heterogéneo y otros estudios subalternos . Buenos Aires, Siglo Veintiuno. ). Posto que a repetição e/ou o acúmulo dessas vitórias podem gerar consideráveis mudanças nas relações sociais de poder.

Para realizar esta análise, apresentamos a ocupação de terra Menino Chorão, localizada na cidade de Campinas/SP, que, através de uma líder mulher e feminista, dona Ramona,1 1 O nome da líder foi alterado. conseguiu organizar um pacto contra a violência doméstica que vigorou nesse lugar durante o período de quatro anos, entre 2012 e 2016. Esse pacto é uma demonstração dessas vitórias e, embora momentaneamente desfeito, tensionou a construção social de gênero ( Saffioti, 2015SAFFIOTI, H. (2015). Gênero, patriarcado e violência . São Paulo, Expressão Popular. ) e constituiu sujeitas coletivas ( Rodrigues, 1988RODRIGUES, A. M. (1988). Moradia nas cidades brasileiras . São Paulo, Contexto. ). Essas vitórias não acabaram com o rompimento do pacto, pois se acumulam enquanto saberes e conhecimentos da população que o realizou e manteve durante esse considerável período temporal.

O texto iniciará com a apresentação dos principais pressupostos metodológicos, com destaque para a urbanização corporativa e interseccionalizada, a modernidade alternativa e as vitórias efêmeras; na sequência, aprofundar-se-á a compreensão de lugar, da organização generificada do espaço urbano e da violência doméstica mobilizados nesta análise. Posteriormente, será apresentada a comunidade Menino Chorão; e, por fim, analisaremos o pacto contra a violência doméstica constituído nesse lugar.

Pressupostos metodológicos

A urbanização brasileira está diretamente associada ao processo de modernização conservadora do território (Santos, 2008a; Brandão, 2012BRANDÃO, C. (2012). Território & desenvolvimento. As múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas, Editora Unicamp. ), ambos ocorrendo por meio da racionalidade capitalista que se atualiza para manter-se ou para frear sua decadência, pela urbanização dada em escala mundial ( Harvey, 2011HARVEY, D. (2011). O enigma do capital: e as crise do capitalismo . São Paulo, Boitempo. ) e baseada, cada vez mais, numa sociedade do consumo exacerbado (Santos, 2008a; 2014). Como escreve Santos, “a extraordinária geração de riquezas, cada vez mais concentradas, não é contraditória com a enorme produção de pobreza cada vez mais difundida” (2008a, p. 115). Porém, visualizar essa difusão não é tarefa fácil, pois é preciso encontrar as especificidades. Mestre recorda que “O fenômeno da periferização [...] assume formas que escondem a essência dos processos, e a própria modernização das cidades é uma trajetória que oculta fórmulas de crescimento e pobreza” (2015, p. 245).

Entendemos que as diversas formas que a periferia urbana apresenta resultam de diferentes momentos da urbanização corporativa que exigiram diversificação nas estratégias da maior parte da população que nela vive para sobreviver e contrarrestar tal processo. Não se pode admitir, portanto, que a periferia urbana é uma forma-conteúdo que evolui linearmente, tendendo a homogeneizar frações do espaço e da sociedade. Trata-se, na verdade, da existência complexa de diversas formas-conteúdo que coexistem ao longo do tempo de maneira solidária e conflituosa. Resultam, entre outros fatores, de diferentes normas do planejamento urbano que, historicamente, forçam a adaptação da cidade aos câmbios do modo de produção e, concomitantemente, resultam de diferentes estratégias elaboradas pela sociedade para se adaptar, se reinventar, resistir e sobreviver. Como explica Santos (1999SANTOS, M. (1999). O território e o saber local: algumas características de análise. Cadernos Ippur, ano XIII, n. 2, pp. 15-26. , p. 17), é “uma forma que, por ter um conteúdo, realiza a sociedade de uma maneira particularizada, que se deve à forma”, dinamizando-se mutuamente.

As periferias urbanas são, assim, resultado da constante modernização seletiva do território; logo, a seu modo, elas também são modernidade. Como nomeado por Millán (2013)MILLÁN, M. (2013). Crisis civilizatoria, movimientos sociales y prefiguraciones de una modernidad no capitalista. Acta sociológica , n. 62, pp. 45-76. , com base em Bolívar Echeverría, trata-se de um tipo de “modernidade alternativa”. A autora explica a hipótese de que “ en el espacio abierto en y por las movilizaciones sociales de fines de siglo XX e inicio del XXI, movimientos que atraviesan y rompen con la modernidad realmente existente de la cual provienen, encontramos el laboratorio social, político, vivencial, imaginante y enunciativo, performativo y prefigurativo, de lo que denominamos modernidad alternativa, postcapitalista ” (p. 50).

Para isso, é necessário compreender a modernidade como algo diferente de capitalismo, ainda que inerente a ele. Como explica Millán (ibid.), a modernidade realmente existente é a modernidade hegemônica, ou seja, caracterizada pela “tendencia totalizante de una forma de la modernidad, al tiempo que hay la existencia de otras formas posibles de modernidad, como simultaneidad tensionada del tiempo presente” (p. 47). Nas palavras da autora, “si bien es cierto que no se puede concebir el capitalismo sin la modernidad, sería sin embargo posible imaginar una modernidad sin capitalismo, que ha existido en el pasado, como proyectos derrotados de una modernidad no capitalista; y que se nos presenta como potencia prefigurada en el presente” (ibid., p. 51).

Essa leitura parte da compreensão de que a colonização realizada na América Latina por mais de três séculos engendrou, além da sua posição periférica na divisão internacional do trabalho, também uma negação de toda a cultura, cosmologia, tecnologia, idioma das sociedades que aqui viviam. Logo, foi negado compreendê-las como modernidades. Especificamente tratando do Brasil, Santos explica que:

A colonialidade é ao mesmo tempo (1) o contraponto complementar da modernidade (não existiria modernidade sem colonialidade, e vice-versa); (2) herança, atualização e continuidade da colonização (que, mais do que a chegada do colonizador, era a chegada de um “pacote enredado de relações de poder”); e (3) uma forma de leitura totalizante do modo de produção capitalista que, ao invés de privilegiar uma forma específica de exploração, dominação e hierarquização (a relação de classe) como sendo aquela capaz de definir o todo, toma a ideia de que este modo de produção não se afirmaria sem a coexistência [...] de múltiplas formas de poder operantes na complexidade das interações e do tecido social. (2019, p. 4)

A partir disso, propomos compreender as periferias urbanas como um tipo de modernidade alternativa, ainda que em potencial, porque suas construções e manutenções só são possíveis por meio de um acúmulo de conhecimentos e sabedorias por parte da população que nelas vive ( Ribeiro, 2005RIBEIRO, A. C. T. (2005). Sociabilidade hoje: leituras da experiência urbana. Cadernos CRH , v. 18, n. 45, pp. 411-422. ). Há, assim, racionalidades alternativas que possibilitam a reprodução da vida nesses lugares. O termo periferia urbana é entendido, nesse texto, como relativo à “ausência de acessibilidade e dotação de bens e serviços [...] [e não à] distância física do centro” ( Santos, 2009SANTOS, M. (2009). Metrópole corporativa e fragmentada: o caso de São Paulo . São Paulo, Edusp. , p. 36), compreensão válida também para a população pobre residente nas áreas centrais que, embora esteja próxima a esses bens e serviços, muitas vezes, não tem acesso a eles.

Não obstante, quando se apreende a periferia a partir de seu cotidiano, amplia-se a complexidade quanto à sua dimensão espaço-temporal, abarcando a vida de relações que a constitui e que se constitui por meio dela. Como escreve Telles (2007TELLES, V. (2007). “Transitando na linha de sombra, tecendo as tramas da cidade (anotações inconclusas de uma pesquisa)”. In: RIZEK, C.; OLIVEIRA, F. A era da indeterminação . São Paulo, Boitempo. , p. 204), “há uma zona incerta que não se reduz às fronteiras físicas (se é que elas existem) do que chamamos de ‘periferia’, pois passa por todo o entrelaçado da vida social, pelas práticas e suas mediações, pelos circuitos da vida urbana e pelas conexões que se fazem nas dobraduras da vida social”. Essa afirmação da autora (2007) constata a necessidade de saberes e outras racionalidades necessárias à manutenção da vida de relações dessas enormes parcelas das cidades.

Analisamos as periferias urbanas desde sua escala enquanto lugar até sua reprodução por meio do processo de urbanização efetivado através de uma racionalidade capitalista-racista-patriarcal ( Saffioti, 2015SAFFIOTI, H. (2015). Gênero, patriarcado e violência . São Paulo, Expressão Popular. ; Biroli e Miguel, 2015BIROLI, F.; MIGUEL, L. F. (2015). Gênero, raça, classe: opressões cruzadas e convergências na reprodução das desigualdades. Mediações . Londrina, v. 20, n. 2, pp. 27-55. ). Apontamos, com isso, que, para aprofundar a análise da urbanização nacional, é necessário compreender que a sociedade civil é estruturada a partir de classe social, raça e gênero, que se interseccionam com outros marcadores sociais da diferença.2 2 O Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença (Numas), da Universidade de São Paulo, define os marcadores como “categorias classificatórias compreendidas como construções sociais, locais, históricas e culturais, que tanto pertencem à ordem das representações sociais – a exemplo das fantasias, dos mitos, das ideologias que criamos –, quanto exercem uma influência real no mundo, por meio da produção e reprodução de identidades coletivas e de hierarquias sociais”. Logo, as diferenças estão inscritas num conjunto de relações sociais. Embora a modernização capitalista tente negar, ela é totalmente dependente dessas diversidades que explora, domina, violenta, oprime, faz desaparecer e mata. Propomos, assim, a compreensão de um processo de urbanização que é corporativa e interseccionalizada3 3 A análise imbricacionista ganhou força nas pesquisas nos últimos anos a partir do conceito de interseccionalidade cunhado em 1989, nos Estados Unidos, pela afrojurista Crenshaw (1989) . No mesmo sentido, Collins (2019) propõe a ideia de matriz de dominação que associa as opressões de gênero, raça, classe e nação, sendo necessário “determinar quais são os elos entre esses sistemas” ( Collins, 2016 , p. 108). Diversas autoras brasileiras vêm tratando da questão da interseccionalidade, inclusive antes de o termo ter sido cunhado com destaque para Lélia Gonzalez ( Akotirene, 2019 ). ( Rizzatti, 2020RIZZATTI, H. (2020). Urbanização corporativa vista pelo avesso: periferização, interseccionalidade e lugar – uma análise a partir das ocupações de terras urbanas . Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. ). Nas palavras de Harvey (2011HARVEY, D. (2011). O enigma do capital: e as crise do capitalismo . São Paulo, Boitempo. , pp. 166 e 208)

Os imperialismos, as conquistas coloniais, as guerras anticapitalistas e as discriminações raciais [e a exploração dos trabalhos de reprodução da vida] têm desempenhado um papel dramático na geografia histórica do capitalismo. Nenhuma narrativa das origens do capitalismo pode evitar o confronto com o significado de tais fenômenos. [...] O racismo e a opressão das mulheres e crianças foram fundamentais para a ascensão do capitalismo. (Grifo nosso)

Dentre as formas-conteúdo da periferia urbana, destacamos, neste texto, as ocupações organizadas de terras urbanas, cada vez mais presentes nas metrópoles e nas grandes cidades do Brasil, a partir do início dos anos 1980, como manifestações atualizadas da urbanização corporativa e interseccionalizada. Trata-se de uma forma-conteúdo caracterizada pela rápida ação de construção de moradias, majoritariamente em terrenos públicos, mas também em terrenos privados, dentro do perímetro urbano, pela população de baixa renda e possível por um planejamento prévio para a escolha do local, do momento e da forma como ocorrerá a ocupação ( Rizzatti, 2015RIZZATTI, H. (2015). As maiores ocupações urbanas da cidade de Campinas-SP: resistências e permanências. Revista de Ciências Humanas , v. 49, n. 2, pp. 183-204. ). Assim como exige-se planejamento para construí-la e mantê-la por meio de novos usos dados aos objetos e às ações que compõem o espaço urbano ( Rizzatti, 2014RIZZATTI, H. (2014). O recente processo de urbanização da cidade de Campinas-SP (1990-2014): as ocupações urbanas – um estudo dos usos do território na Região Sul . Dissertação de mestrado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. ).

A manutenção de uma ocupação urbana só é possível devido ao acúmulo de saberes e conhecimentos durante os trinta, quarenta, cinquenta anos, ou mais, de vida daqueles/as que a constroem. Como escreve De Certeau (2003DE CERTEAU, M. (2003). A invenção do cotidiano. Artes de fazer . Petrópolis, Vozes. , p. 47), “muitas práticas cotidianas [...] são do tipo táticas [...] [e] dependem de saberes muito antigos”. Sobreviver através da ação espontânea, da “arte do fazer” e de suas “táticas”, da “viração” ( Ribeiro, 2005RIBEIRO, A. C. T. (2005). Sociabilidade hoje: leituras da experiência urbana. Cadernos CRH , v. 18, n. 45, pp. 411-422. ) ou da “arte do contorno” ( Telles, 2015TELLES, V. (2015). “Fronteiras da lei como campo de disputa: notas inconclusas a partir de um percurso de pesquisa”. In: BIRMAN, P.; LEITE, M. P.; MACHADO, C.; SA CARNEIRO, S. Dispositivos urbanos e trama dos viventes: ordens e resistências . Rio de Janeiro, FGV. ), por si, exige esse acúmulo que remete, na verdade, para além do tempo que essas pessoas viveram. Só é possível pela sobreposição de saberes pretéritos que apontam, inclusive, a importância da comunicação para tal sobreposição e a coetaneidade4 4 Coetaneidade é a ideia de que, embora os saberes provenham do passado, eles fazem parte, também, do presente, constituindo uma continuidade entre esses dois momentos que podem ser captados coetaneamente. entre passado e futuro.

Assim, a construção e manutenção dessas periferias urbanas se dão através dos gestos-fios ( Ribeiro, 2005RIBEIRO, A. C. T. (2005). Sociabilidade hoje: leituras da experiência urbana. Cadernos CRH , v. 18, n. 45, pp. 411-422. ) e dos eventos geográficos ( Santos, 2017SANTOS, M. (2017). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção . São Paulo, Hucitec. ) que tecem o cotidiano que resiste e, ao mesmo tempo, reproduz o sistema capitalista-racista-patriarcal. Compreender com profundidade esses gestos-fios, anônimos e não planejados, e eventos geográficos, com maior grau de planejamento que os gestos-fios, podendo resultar de um conjunto deles, permite escapar da “narrativa generalizante da periferia” que silencia essas enormes parcelas do espaço urbano ( Paterniani, 2019PATERNIANI, S. Z. (2019). São Paulo cidade negra: branquidade e afrofuturismo a partir de lutas por moradia . Tese de doutorado. Brasília, Universidade Nacional de Brasília. ). É necessário enfrentar o desafio de analisar a periferia sem generalizá-la. Para isso, valorizar-se-ão as vitórias cotidianas, ainda que efêmeras e incompletas ( Chatterjee, 2008CHATTERJEE, P. (2008). “La política de los gobernados”. In: CHATTERJEE, P. La nación en tiempo heterogéneo y otros estudios subalternos . Buenos Aires, Siglo Veintiuno. ), pois, além de possibilitarem a permanência nesses lugares, dão continuidade ao fortalecimento do conjunto de saberes essenciais para a manutenção e a relativa melhora da vida da maior parte da população que reside na periferia do sistema-mundo.

A ação espontânea sustenta-se na comunicação e em saberes pretéritos [...]. Evidentemente, existe dominação da ação espontânea e preservada de aprendizados pretéritos, das relações hierárquicas e da vivência da escassez. Porém essa ação possui a capacidade de ir além do já concebido e previsto. Dos gestos-fios “impensados” podem vir descobertas radicalmente novas e vínculos imprevisíveis, o que também é necessário à tessitura do social, especialmente num período caracterizado pelo esgarçamento de relações sociais. Acrescente-se que o entendimento como “impensado” por determinado segmento social pode simplesmente expressar a existência de racionalidades alternativas, estranhas à lógica sistêmica (parcelar e excludente) dominante. ( Ribeiro, 2005RIBEIRO, A. C. T. (2005). Sociabilidade hoje: leituras da experiência urbana. Cadernos CRH , v. 18, n. 45, pp. 411-422. , p. 421)

Além disso, a formação de uma ocupação urbana não se inicia no dia da chegada da primeira pessoa àquele local. Geralmente, é uma formação que remete, no limite, à diáspora africana, às migrações entre as macrorregiões brasileiras e/ou à migração campo-cidade. É uma história narrada por meio da vida de muitas pessoas e que aponta linhas de fuga do presente: “rejeitar o presentismo, o monopólio branco sobre o futuro e a atualidade como definitiva são modos de não sucumbir à morte” ( Paterniani, 2019PATERNIANI, S. Z. (2019). São Paulo cidade negra: branquidade e afrofuturismo a partir de lutas por moradia . Tese de doutorado. Brasília, Universidade Nacional de Brasília. , p. 169). Escreve Milton Santos no desfecho da obra O espaço do cidadão: “ficar prisioneiro do presente ou do passado é a melhor maneira para não fazer aquele passo adiante, sem o qual nenhum povo se encontra com o futuro” (2014, p. 161).

Valorizar as vitórias que são, via de regra, incompletas e efêmeras não significa apoiar que a população viva de maneira precária, em diversos sentidos, na periferia urbana, mas que desvalorizar a importância dessas vitórias tampouco seja uma posição incólume. Como sustenta Chatterjee (2008)CHATTERJEE, P. (2008). “La política de los gobernados”. In: CHATTERJEE, P. La nación en tiempo heterogéneo y otros estudios subalternos . Buenos Aires, Siglo Veintiuno. , em relação à população que reside em irregulares de baixa renda e que logra permanecer nesses lugares, ainda que de forma instável e fragmentada, “ podemos (y debemos) decir que han expandido sus libertades por caminos que no estaban para ellos en la sociedad civil ” (p. 143). A partir disso, propõe-se, neste texto, analisar uma dessas vitórias constituídas no pacto contra a violência doméstica, realizada pelas mulheres residentes na comunidade Menino Chorão na cidade de Campinas/SP.

Construção social de gênero, organização generificada do espaço urbano e violência doméstica a partir do lugar: o campo de enfrentamento

Sendo o espaço geográfico uma indissociabilidade, contraditória e complementar, entre configuração territorial e relações sociais ( Santos 2017SANTOS, M. (2017). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção . São Paulo, Hucitec. ), estudar a urbanização nos exige atenção em toda a sua trama. Da totalidade ao lugar, tem-se que compreender como vão se construindo um ao outro, sociedade e espaço. A partir do cotidiano do lugar, realizado pelas relações entre sociedade, Estado e corporações indissociáveis das materialidades ( Santos, 1999SANTOS, M. (1999). O território e o saber local: algumas características de análise. Cadernos Ippur, ano XIII, n. 2, pp. 15-26. ), também se tece a urbanização. Assim, adentrar a escala do lugar é encontrar como as estruturas da urbanização corporativa e interseccionalizada se manifestam, sendo reproduzidas e contrarrestadas, no cotidiano. Como explica Saffioti (2013SAFFIOTI, H. (2013). A mulher na sociedade de classe . São Paulo, Expressão Popular. , pp. 80 e 81),

Não há um plano macro e um plano micro, como creem certos intelectuais [...]. Evidentemente, há uma malha grossa e uma malha fina, uma sendo o avesso da outra, e não níveis diferentes. A rigor, poder-se-ia dizer que os processos sociais apresentam duas faces: uma micro e outra macro, sobressaindo-se uma ou outra, dependendo das circunstâncias. Transmitindo as palavras de plano e nível a ideia de hierarquia, as pessoas põem logo o macro acima do micro. Essa nova terminologia [do nó frouxo] pretende evitar essa hierarquização, além de mostrar o emaranhado desses processos. E as mulheres sabem como tecer a malha social, operando em processos macro e em processos micro. (Grifo nosso)

A partir disso, a compreensão geográfica do lugar foi sintetizada por Ribeiro (2005)RIBEIRO, A. C. T. (2005). Sociabilidade hoje: leituras da experiência urbana. Cadernos CRH , v. 18, n. 45, pp. 411-422. como: o encontro entre os vetores da modernização com a cultura dos lugares, a qual ela define também como unidade básica da vida social, composta pela densidade comunicacional, pela pedagogia da copresença e pelos laços sociais criados por experiências compartilhadas, sabores e gestos que estimulam a memória coletiva (Ribeiro, 2013a). Enquanto os vetores da modernização são compostos pela velocidade, capacidade de convencimento e modelagem dessa vida social (ibid.). Ou seja, são relações imbricadas.

Essa compreensão de lugar, a nosso ver, coaduna com a proposta de Massey (2000)MASSEY, D. (2000). “Um sentido global do lugar”. In: ARANTES, A. (org.). O espaço da diferença . Campinas, Papirus. , como uma combinação de fluxos instituída a partir de relações locais e mais amplas, logo, cheios de conflitos. Nas palavras da autora:

em vez de pensar os lugares como áreas com fronteiras ao redor, pode-se imaginá-los como momentos articulados em redes de relações e entendimentos sociais, mas onde uma grande proporção dessas relações, experiências e entendimentos sociais se constroem numa escala muito maior do que costumávamos definir para esse momento como o lugar em si, seja uma rua, uma região ou um continente. [...]os lugares não têm de ter fronteiras no sentido de divisões demarcatórias. (Ibid., p. 184)

Fundamentada nessa proposta, entende-se os eventos geográficos do lugar como manifestação das ações que respondem ao projeto e às intenções de sobrevivência da população pobre. Esses eventos sendo uma mediação entre ações e objetos. A efemeridade deles não lhes tira a importância, pois o cotidiano dos lugares é composto por ela, os gestos-fios que costuram a sociabilidade ( Ribeiro, 2005RIBEIRO, A. C. T. (2005). Sociabilidade hoje: leituras da experiência urbana. Cadernos CRH , v. 18, n. 45, pp. 411-422. ).

Com esse intuito, será analisado um evento geográfico que nos permite vislumbrar possíveis mudanças nas relações sociais de poder, algumas resistindo a essas relações, outras fortalecendo-as e muitas fazendo as duas coisas ao mesmo tempo: o pacto contra a violência doméstica instituído na ocupação de terra Menino Chorão (Campinas/SP). Para isso, é necessário compreender as desigualdades de gênero constituídas a partir da construção social de gênero. Como explica Scott (1989SCOTT, J. (1989). Gênero: uma categoria útil para análise histórica . Nova York, Columbia University Press. , p. 21)

o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem à mudança nas representações de poder, mas a direção da mudança não segue necessariamente um sentido único.

A autora aponta, ainda, para a gestação de outros futuros possíveis, por ora utópicos, a partir das mudanças, por ora efêmeras, nas relações sociais de poder. Ela escreve que “essa nova história abrirá possibilidades para a reflexão sobre as estratégias políticas feministas atuais e o futuro (utópico), porque ela sugere que o gênero tem que ser redefinido e reestruturado em conjunção com a visão de igualdade política e social que inclui não só o sexo, mas também a classe e a raça” (ibid., p. 29). Nota-se que a construção social de gênero é concomitantemente uma lógica externa e interna ao lugar.

Destacamos que a luta social necessária para a construção e manutenção das ocupações urbanas é essencial e historicamente composta por mulheres, embora não só por elas. Porém, considerando a opressão-dominação-exploração imposta a elas por meio do sistema patriarcal-capitalista-racista, deve-se atentar em como as mulheres se fazem presentes nas lutas ao redor da reprodução e manutenção da vida ( Massey, 1994MASSEY, D. (1994). Space, place and gender . Mineápolis, University of Minnesota Press. ; McDowell, 2000McDOWELL, L. (2000). Género, identidad y lugar: un estudio de las geografías feministas . Madrid, Ediciones Cátedra. ; Silva, 2009SILVA, J. M. (2009). Geografias subversivas: discursos sobre espaço, gênero e sexualidades . Ponta Grossa, Todapalavra. ; Simões, Campos e Rafael, 2017; Garcia, 2009GARCIA, A. dos S. (2009). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, cidade D’oxum, e Rio de Janeiro, Cidade de Ogum . Rio de Janeiro, Garamond. ; Helene, 2015HELENE, D. (2015). Preta, pobre e puta: a segregação urbana da prostituição em Campinas – Jardim Itatinga. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. , 2019HELENE, D. (2019). Gênero e direito à cidade a partir da luta dos movimentos de moradia. Cadernos Metrópole . São Paulo, v. 21, n. 46, pp. 951-974. ; Tavares, 2015TAVARES, R. (2015). Indiferença à diferença: espaços urbanos de resistência na perspectiva das desigualdades de gênero . Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. , entre outras).

É preciso analisar essa intensa presença do corpo feminino na luta que é mencionada, mas insuficientemente problematizada, e valorizar suas vitórias. Assim, “ Avancemos, pues, para explorar los aspectos materiales del género y sus relaciones, sin perder nunca de vista la idea de “lugar” como intersección de un conjunto variado de corrientes e interacciones que operan en un abanico de escalas espaciales ” ( McDowell, 2000McDOWELL, L. (2000). Género, identidad y lugar: un estudio de las geografías feministas . Madrid, Ediciones Cátedra. , p. 19). Nas palavras de Ribeiro (2013b, p. 198),

Estas outras formas de poder incluem vínculos comunitários, experiências religiosas, relações étnicas e aprendizados ancestrais. (...) é preciso realizar o estudo das tendências contra-hegemônicas. Este estudo exige a pesquisa de outras formas de poder que, reunidas na cena urbana, adquirem visibilidade e grande influência nos momentos mais agudos de mudança conjuntural.

Para analisar como os gestos-fios podem levar a uma alteração conjuntural das desigualdades de gênero, problematizaremos neste artigo dois componentes intrínsecos a essas desigualdades: a divisão dicotômica entre espaço público e espaço privado, relacionando-os com espaços produtivos e espaços reprodutivos e fomentando a organização generificada do espaço urbano; e a violência doméstica.

Federici (2017)FEDERICI, S. (2017). Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva . São Paulo, Elefante. , ao analisar como as desigualdades de gênero se reestruturaram na origem do modo de produção capitalista, a partir da Europa ocidental, enfatiza a necessidade de dominação do corpo feminino, através da sua opressão, assim como da exploração do trabalho “reprodutivo” das mulheres. Processo no qual se constituiu, também, a organização urbana generificada “que institui espaços públicos e privados a partir da separação [dicotômica] entre espaços produtivos e espaços reprodutivos” ( Helene, 2019HELENE, D. (2019). Gênero e direito à cidade a partir da luta dos movimentos de moradia. Cadernos Metrópole . São Paulo, v. 21, n. 46, pp. 951-974. , p. 959). Constantemente, esses espaços e esses trabalhos se misturam (Sabaté, Rodríguez e Díaz, 1995; Okin, 2008OKIN, S. M. (2008). Gênero, o público e o privado. Estudos Feministas . Florianópolis, v. 16, n. 2, pp. 305-332. ).

Como explica Okin (ibid.), nessa divisão dicotômica ‘“o privado’ [...] [é] usado para referir-se a uma esfera ou esferas da vida social nas quais a intrusão ou interferência em relação à liberdade requer justificativa especial, e ‘o público’ para referir-se a uma esfera ou esferas vistas como geralmente ou justificadamente mais acessíveis” (p. 306). Trata-se, na verdade, de uma separação (nunca dicotômica, posto que possui diversas imbricações) entre espaço público e espaço doméstico. Afinal, há inúmeras questões relativas, por exemplo, à família (que pertenceria somente ao espaço privado numa visão dicotômica) que ocorrem e/ou necessitam da esfera pública (que costuma ser definida como a do Estado), ignorando a “natureza política da família, a relevância da justiça na vida pessoal e, consequentemente, uma parte central das desigualdades de gênero” (ibid., p. 307). As próprias ocupações de terras urbanas atravessam as fronteiras entre espaço público e doméstico. Assim, mais do que alterar a definição de um e outro, consideramos pensá-los de maneira relacional, ou seja, são os usos dados ao espaço que os definem, e essa definição não pode propor-se imutável nem excludente.

Quando se pensa a violência doméstica, esse questionamento da dicotomia entre público e doméstico é, também, constantemente ultrapassado. Saffioti (2015)SAFFIOTI, H. (2015). Gênero, patriarcado e violência . São Paulo, Expressão Popular. , ao analisar a violência, primeiramente se baseia nos direitos humanos, definindo-a como “todo agenciamento capaz de violá-los”5 5 A definição do que são direitos humanos também deve ser problematizada. Nesse sentido, a autora aponta para a importância, e urgência, de se aprofundar a compreensão dos direitos humanos no âmbito feminino ( Saffioti, 2015 , p. 78). (ibid., p. 76). A partir disso, a autora (ibid.) explica que a violência de gênero é aquela que acontece entre pessoas que estabelecem uma relação sexual entre si, o que independe de ser com pessoas de gêneros diferentes; entretanto essa violência pode abarcar a violência doméstica. Esta última é delimitada em referência ao domicílio, embora não seja só dentro dele que ela ocorra. Esse tipo de violência indica uma relação de poder entre gêneros e interna ao domicílio, como caráter familiar, ainda que, tampouco, se restrinja a esse caráter. E sem se relacionar com as diferenças geracionais que levariam à violência intrafamiliar, também relacionada ao universo da violência doméstica. Esta trata-se, assim, de uma violência obrigatoriamente do gênero masculino ( Saffioti, 2015SAFFIOTI, H. (2015). Gênero, patriarcado e violência . São Paulo, Expressão Popular. ), mas que pode ser realizada por uma mulher, quando assume o papel patriarcal ou, em obediência ao chefe domiciliar, contra as crianças que vivem na casa. Assim, a violência doméstica extrapola e interliga os limites da violência de gênero, intrafamiliar e no espaço doméstico. E é um dos principais componentes dos altos índices de feminicídios vividos no País.6 6 Segundo o Atlas da Violência do Brasil ( Ipea, 2019 , p. 40), “[...] há reconhecimento na literatura internacional de que a significativa maioria das mortes violentas intencionais que ocorrem dentro das residências é perpetrada por conhecidos ou íntimos das vítimas. Portanto, a taxa de incidentes letais intencionais contra mulheres que ocorrem dentro das residências é uma boa proxy para medir o feminicídio. Naturalmente, ainda que o número real de feminicídios não seja igual ao número de mulheres mortas dentro das residências (mesmo porque vários casos de feminicídio ocorrem fora da residência), tal proxy pode servir para evidenciar a evolução nas taxas de feminicídio no país”.

De acordo com o Atlas da violência ( Ipea, 2019IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2019). Atlas da violência . São Paulo. ), são vítimas de assassinato 13 mulheres por dia, o equivalente a uma mulher a cada duas horas, aproximadamente. Do total de vítimas, entre 2007 e 2017, 66% eram mulheres negras, e o crescimento desse crime no País, nesse período, foi de 29,9% paras as negras e 4,5% para as não negras. Especificando-os como casos definidos como de feminicídio, tem-se que, entre 2007 e 2017, pelo menos 28,5% dos homicídios contra a mulher ocorreram dentro da residência, número que pode chegar a 39,3%, devido às inconstâncias das análises feitas a partir dos microdados da saúde (ibid., p. 40). Soma-se, a isso, a reduzida porcentagem de denúncia desses casos, posto que, na grande sua maioria, vítima e algoz vivem na mesma casa.

Há inúmeros elementos que exigem muita coragem por parte de uma mulher, pobre e negra, de denunciar o próprio companheiro, como questões financeiras, ausência de apoio, falta de opção de lugar para onde ir após a denúncia, entre inúmeros outros motivos. “Há [...] uma ideologia de defesa da família, que chega a impedir a denúncia [da violência doméstica e intrafamiliar], por parte de mães, de abusos sexuais perpetrados por pais contra seus (suas) próprios(as) filhos(as), para não mencionar a tolerância, durante anos seguidos, de violências físicas e sexuais contra si mesmas” ( Saffioti, 2015SAFFIOTI, H. (2015). Gênero, patriarcado e violência . São Paulo, Expressão Popular. , p. 74). Assim, na perspectiva das mulheres, o lar pode significar o contrário do espaço de proteção e ser o lugar da violência, do medo, do silenciamento, pois é justamente no lar o principal lugar que as mulheres sofrem violência doméstica ( Massey, 1994MASSEY, D. (1994). Space, place and gender . Mineápolis, University of Minnesota Press. ). Nas palavras de Saffioti (2015SAFFIOTI, H. (2015). Gênero, patriarcado e violência . São Paulo, Expressão Popular. , p. 75):

Efetivamente, a questão [da violência doméstica contra as mulheres] se situa na tolerância e até no incentivo da sociedade para que os homens exerçam sua força-potência-dominação contra as mulheres, em detrimento de uma virilidade doce e sensível, portanto mais adequada ao desfrute do prazer. O consentimento social para que os homens convertam sua agressividade em agressão não prejudica, por conseguinte, apenas as mulheres, mas também a eles próprios. A organização social de gênero, baseada na virilidade como força-potência-dominação, permite prever que há um desencontro amoroso marcado entre homens e mulheres.

A partir da compreensão da desigualdade de gênero, balizada pela construção social de gênero e fomentada através, também, da produção do espaço urbano por meio da organização generificada, a violência doméstica apresenta-se como um pilar da manutenção dessas desigualdades. Assim, analisaremos o pacto contra essa violência constituído na comunidade Menino Chorão, na cidade de Campinas/SP, devido à vitória que logrou contra essa estrutura desigual pelo período em que vigorou. Trata-se de uma vitória efêmera e incompleta que, ainda assim, se constituiu como acúmulo de sabedoria e conhecimento desse lugar e das pessoas que nele viveram durante esse período.

Comunidade Menino Chorão (Campinas/SP): o lugar

Essa ocupação organizada de terra urbana construída no sul da cidade de Campinas e na região do Jardim Campo Belo foi iniciada no ano de 2010 e, apesar de sofrer uma grande pressão do poder público municipal para sua remoção, devido à expansão do Aeroporto Internacional de Viracopos,7 7 Segundo os planos de expansão do aeroporto, na área ocupada pela Menino Chorão seriam construídos estacionamentos particulares, além dos que já existem dentro do próprio macrofixo de transporte. ela ainda se mantém no local com 381 casas. Essa quantidade de casas indica que há um número maior de famílias, tendo em vista a coabitação. Trata-se de, aproximadamente, 1.500 pessoas, embora não haja um controle oficial por parte da comunidade do contingente populacional. A ocupação localiza-se nas margens da rodovia Santos Dumont (SP-75) e da rodovia Engenheiro Miguel Melhado de Campos (SP-324) que margeiam toda a região do Jardim Campo Belo. Essa parcela da cidade de Campinas é constituída majoritariamente por ocupações de terras, com aproximadamente 7.500 famílias em 20 bairros ( Moysés, 2016MOYSÉS, M. (2016). Urbanização corporativa e os conflitos urbanos em Campinas-SP: uma análise a partir da região do Jardim Campo Belo . Trabalho de Conclusão de Curso. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. ). No Mapa 1 , é possível visualizar a comunidade, o fixo aeroportuário, as rodovias e a região do Jardim Campo Belo.

Mapa 1
– Mapa de localização – Campinas/SP

A ocupação possui uma das piores situações de implantação de extensores urbanos e equipamentos coletivos da região onde está inserida, porque não foi incluída no Projeto de Inclusão Social Vip-Viracopos, que fazia parte do Programa de Urbanização de Assentamentos Precários do Programa de Aceleração do Crescimento, de âmbito federal, realizado entre os anos 2007 e 2010 ( Rizzatti, 2015RIZZATTI, H. (2015). As maiores ocupações urbanas da cidade de Campinas-SP: resistências e permanências. Revista de Ciências Humanas , v. 49, n. 2, pp. 183-204. ). Ainda assim, a comunidade possui sistemas de distribuição de água e de energia elétrica, ambos instalados inicialmente de maneira irregular e informal e hoje formalizados, embora sigam com ligações irregulares.

Não há nenhum movimento social organizado que apoia ou coordena essa ocupação, mas há uma líder desde seu início, dona Ramona, que é apoiada pelo grupo de mulheres moradoras da comunidade; grupo que vai constantemente se alterando, devido à intensa dinâmica de chegada e saída de novas famílias nas ocupações urbanas. Essa seria a composição da associação de moradores da comunidade, entretanto, não é formalizada nem regularizada. Segundo a líder, há uma presença majoritária de mulheres na comunidade, pois, desde o começo, ela teve um viés feminista para sua construção.

Dona Ramona relata, como muito orgulho, que foram as mulheres que construíram esses sistemas de água e eletricidade no começo da instalação da comunidade. Essas características se devem, em certa medida, à postura da própria líder que se considera feminista e tenta construir uma comunidade também feminista segundo seus relatos. A ocupação, inclusive, ficou conhecida, em Campinas/SP, pela ampla divulgação realizada pela líder do pacto contra a violência doméstica que analisaremos na sequência.

O pacto contra a violência doméstica:8 a vitória (efêmera e incompleta)

Para analisar o pacto contra a violência doméstica que vigorou na comunidade Menino Chorão, entre 2012 e 2016, observa-se que a história pessoal da líder se mescla constantemente com a história do lugar, posto que ambas se constituem concomitantemente. O mesmo tende a passar com a história pessoal da população residente na área, posto que as desigualdades de gênero, por serem estruturais, estão presentes em todas as relações sociais ( Motta, 2017MOTTA, D. (2017). Desvendando o nó: a experiência de auto-organização das mulheres catadoras de materiais recicláveis do Estado de São Paulo . Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. ).

Dona Ramona relata que, durante sua vida, sempre esteve em defesa das mulheres, ainda que tenha sofrido violência doméstica de todos os seus maridos (ela conta que foram sete), chegando a perder uma gestação de cinco meses e parte de sua dentição devido a episódios violentos. Assim, sua formação como feminista, segundo ela, deu-se por toda a vida e se fortaleceu com o acolhimento recebido na Organização Não Governamental “SOS Ação Mulher” e, posteriormente, com seu ingresso no movimento social Marcha Mundial de Mulheres (MMM), ambos existentes na cidade de Campinas/SP.

Ela conta que, depois de ouvir muitas mulheres sendo espancadas,9 9 Termo utilizado pela líder. na comunidade Menino Chorão, chamar a segurança pública (a Polícia Militar ou a Guarda Municipal) e nada acontecer, começou a debater o assunto nas reuniões com os/as moradores/ras que já contavam com a presença majoritária de mulheres. Até que decidiram pela constituição do pacto segundo o qual, se houvesse violência contra a mulher “dentro da favela”, elas “iriam atrás para impedir”. Utilizaram o jargão refeito pelo movimento feminista brasileiro para explicar a proposta: “em violência contra a mulher se mete a colher”. A versão original desse ditado é “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”, e sua alteração rompe também com as fronteiras teoricamente bem delimitadas entre espaços (e assuntos) públicos e domésticos. Os ditados populares, assim como essa visão dicotômica dos espaços, são meios, dentre inúmeros outros, pelos quais o machismo se difunde e se retroalimenta ( Saffioti, 2015SAFFIOTI, H. (2015). Gênero, patriarcado e violência . São Paulo, Expressão Popular. ). Como a autora explica, a saída da situação de violência doméstica praticamente obriga a intervenção de uma influência externa, ou seja, obrigando o rompimento dos limites do espaço doméstico.

O pacto foi instituído em concordância entre as moradoras mulheres, que incluía a dona de um dos dois únicos bares existentes no local. Acordou-se que o homem que cometesse violência doméstica seria castigado: não poderia consumir bebida alcóolica nesse bar, não poderia jogar futebol no único campo que há na ocupação, e a agressão poderia ser revidada pelo grupo de mulheres, caso a agredida decidisse por isso. Nesse ponto, nota-se o que Saffioti (ibid.) chama de “violência reativa”. As mulheres agredidas, de uma ou de outra maneira, sempre reagem à violência que sofrem, o que se deve distinguir de mulheres violentas que, embora existam, “são, todavia, muito raras, dada a supremacia masculina e [...] a socialização [das mulheres] para a docilidade” (p. 82). Além disso, essa abertura às mulheres agredidas de definirem se queriam revidar ou não a agressão demonstra o entendimento do grupo de que sempre há características individuais em meio a fenômenos sociais amplos. Observa-se, com isso, a importância tanto da cultura do lugar, como da diversidade que a compõe.

Foi estimulada também, nas diversas reuniões e reflexões necessárias para o estabelecimento e manutenção desse pacto, a realização de “greve de sexo generalizada”, caso ocorressem episódios de agressão dentro da comunidade. Nota-se, aqui, uma reação sexual a uma violência que, justamente, mistura relações de gênero com relações domésticas e sexuais. Logo, para reagir a ela é necessário enfrentar todos esses elementos. Líder e moradoras relatam que essa estratégia de luta se demonstrou bastante eficiente, pois, após seu início, as questões ao redor das desigualdades de gênero começaram a ser mais debatidas no âmbito doméstico-familiar. Afinal, “o pessoal é político”, como diz um dos mais importantes lemas da luta feminista.

As moradoras usaram, ainda, apitos como estratégia de proteção, assim, quando as mulheres ouvissem alguém sendo agredida, deveriam apitar próximo ao local até que outras se juntassem e pudessem entrar na casa e interromper a violência. Aqui, novamente, vê-se a permeabilidade entre público e doméstico.

Durante o período que se manteve esse pacto, os moradores homens avisavam as novas famílias que chegassem para morar no local sobre esse acordo, pois, se não lhes agradassem (principalmente ao homem recém-chegado), era recomendado que fossem para outro local da região do Jardim Campo Belo. Essa comunicação entre os antigos moradores e os novos pode indicar a ratificação do pacto por parte daqueles. Afinal, a construção social de gênero também impõe opressões aos homens que se veem forçados a se portarem de acordo com as delimitações das caraterísticas associadas ao gênero masculino ( Saffioti, 2015SAFFIOTI, H. (2015). Gênero, patriarcado e violência . São Paulo, Expressão Popular. ). Nenhum deles tinha a obrigação de permanecer no local e, se o faziam e, ainda, ajudavam na divulgação do pacto, parece-nos assertivo compreender tal ação com um possível apoio. Acima de tudo, a luta feminista é pela igualdade e não pela continuidade das opressões.

Além disso, o pacto influenciou uma área mais ampla do que o local especificamente da comunidade Menino Chorão, porque, no período em que esteve vigente, ocorreu o assassinato de três mulheres numa mesma noite, dentro de suas próprias casas, na região do Jardim Campo Belo. E as moradoras da comunidade Menino Chorão, junto à líder, manifestaram-se contra essa violência, bloqueando durante algumas horas o fluxo da avenida Engenheiro Miguel Melhado de Campos. Essa manifestação contou com o apoio da Marcha Mundial de Mulheres, organização de amplitude nacional, e foi veiculada pela mídia local10 10 http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2013/10/apos-serie-de-mortes-mulheres-protestam-contra-violencia-domestica-em-campinas.html ; acesso em: 16 abr 2020. ( Moysés e Rizzatti, 2017MOYSÉS, M. e RIZZATTI, H. (2017). A urbanização de Campinas-SP e os recentes conflitos urbanos na região do Jardim Campo Belo. Boletim Campineiro de Geografia , v. 7, n. 1, pp. 131-153. ). Assim, a existência do pacto possibilitava um mínimo apoio às mulheres para além do local da ocupação.

Não se pode esquecer que, durante o período de duração do pacto, dona Ramona não tinha companheiro fixo, de modo que apresentava menor predisposição de passar por um episódio de agressão e ter a coragem necessária para denunciar o próprio companheiro. Para compreender a dimensão desse pacto, é essencial lembrar da complexidade que envolve uma denúncia desse tipo, além dos motivos já citados. Muitas mulheres não quererem que seus ex-companheiros sejam encarcerados, posto que o cárcere é uma das principais tecnologias para manutenção das desigualdades estruturais brasileiras ( Akotirene, 2020AKOTIRENE, C. (2020). Ó pa í, prezada! Racismo e sexismo institucionais tomando bonde nas penitenciárias femininas. São Paulo, Pólen. ; Borges, 2018BORGES, J. (2018). Encarceramento em massa. Coordenação Djamila Ribeiro. Feminismos Plurais. Belo Horizonte, Letramento e Justificando. ).

Os índices de feminicídio11 11 Segundo a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de Violência Contra a Mulher, de 2013, o feminicídio é “a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração do seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante”. Essa definição pode ser encontrada em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/feminicidio/ ; acessado em: 30 jul 2019. no País são enormes e se concentram na população negra e pobre, como já apresentado neste artigo. Pelo mesmo motivo, dona Ramona vivia uma possibilidade iminente de ser agredida ou até de sofrer feminicídio, como uma estratégia para desmobilizar tal pacto. Assim, intentando proteger-se e concomitantemente fortalecer o pacto, a líder foi eficiente nas ações de comunicação, divulgando-o o quanto pode. Após a veiculação de algumas reportagens relatando-o, houve uma ampla resposta positiva de diversas instituições locais.12 12 Matéria do Brasil Urgente Campinas, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0vt8rm0jHF4 , acesso em: 16 abr 2020. Dona Ramona participou de palestras e rodas de conversa nas universidades públicas e privadas de Campinas/SP, foi entrevistada por outras mídias locais, assim como expandiu sua participação nas organizações em defesa da mulher. Essas ações comunicacionais se mostraram essenciais para a manutenção e eficiência do pacto.13 13 Em algumas participações da líder, principalmente, nas universidades e faculdades, ela foi criticada pelo uso de violência contra os agressores. Consideramos essa crítica descabida. Quem vive no lugar decide a dimensão de seus atos. Pessoas de fora não têm ideia de qual era a realidade da violência que elas viviam e não estão em posição que lhes permita realizar tal crítica. Soma-se a isso a complexa questão do encarceramento no País que não se apresenta como uma solução para o problema. Segundo a líder, a violência doméstica foi zerada na comunidade durante três anos, entre 2012 e 2014, período em que as divulgações do pacto foram mais constantes.

A intensa dinâmica de chegada e saída de famílias, que caracteriza as ocupações urbanas, era um desafio a mais para a manutenção do pacto. Além disso, a partir do ano de 2014, ampliou-se a crise política e econômica vivida no País e agravada desde o questionável impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (PT/2011-2016). Esse processo político em âmbito nacional, que se aproxima em demasia de um golpe parlamentar, fortaleceu diversos discursos que vão no sentido contrário ao pacto contra a violência doméstica, como: o questionamento da luta pela igualdade de gênero e pelo direito à sexualidade, a combatividade aos direitos humanos, a reafirmação do armamento da população como política de segurança nacional, o fomento de discursos de ódio, entre outros. Essas importantes mudanças políticas vividas no País, junto à intensa dinâmica populacional das ocupações urbanas e ao enorme enfrentamento das desigualdades estruturais que marcam a formação socioespacial brasileira que esse pacto sustentava, são elementos importantes para compreender seu desgaste.

Finalmente, no ano de 2016, com a instalação das primeiras instituições religiosas dentro da comunidade, seus líderes iniciaram uma intensa campanha de desmobilização do pacto e contra a líder, até que ele foi totalmente desarticulado. Apesar disso, no ano de 2018, após a descoberta de que alguns desses líderes cometeram assédio e violência sexual contra moradoras do lugar, eles foram expulsos “ à base de pedrada ”, como relata a líder. Entretanto, até o momento, o pacto ainda não foi reconstituído, o que não significa que isso não ocorrerá, mas a líder destaca que é necessário reestabelecer os debates nas reuniões da comunidade e recomeçar esse caminho de conscientização e enfrentamento, posto que são poucas as mulheres que viviam na comunidade quando da vigência do pacto e que se mantêm até hoje lá.

Assim, o pacto contra a violência doméstica instituído na comunidade Menino Chorão, que vigorou entre os anos de 2012 a 2016, resiste à estrutura instituída pelas desigualdades de gênero balizada na construção social de gênero e é compreendido como uma vitória, ainda que efêmera e incompleta. Uma vitória constituída a partir do tensionamento das relações sociais de poder e tendendo a uma racionalidade e modernidade alternativa, ao imbricar lógicas questionadoras com lógicas reprodutoras dessas relações de poder.

Considerações finais

O pacto contra a violência doméstica é um evento geográfico possível por meio do acúmulo de gestos-fios na vida pessoal tanto da líder da comunidade Menino Chorão na cidade de Campinas/SP, quanto das outras moradoras e da história do lugar. Parte dessas mulheres se conheceu tempos antes em outras ocupações e momentos de suas vidas e foi se fortalecendo e se constituindo conjuntamente até atingir o ápice dessa resistência que se dá no estabelecimento do pacto. Este é compreendido como uma vitória da população e do lugar, ainda que sob considerável efemeridade e incompletude, posto que foi desarticulado. Apesar disso, todas as pessoas que vivenciaram seu estabelecimento e manutenção acumularam saberes e conhecimentos sobre as desigualdades de gênero e a luta social, constituindo-se enquanto “sujeitas” coletivas.

Para o estabelecimento e manutenção desse pacto, foi necessário o tensionamento da construção social de gênero no cotidiano do lugar. O estabelecimento de laços de confiança entre as mulheres que mantiveram o pacto é essencial, assim como a possibilidade de manejar alguns estabelecimentos locais, como o bar e o campo de futebol. Ambos os elementos são possíveis, pelo fato de que as ocupações urbanas são parcelas de cidade construídas de maneira organizada pela população que nela reside. Tal característica exige o estabelecimento de uma vida de relações intensa no lugar, possibilitando o estabelecimento de laços entre as pessoas que nele vivem. Além disso, a considerável ratificação dos moradores homens e o uso estratégico da comunicação difundindo o pacto para além das fronteiras do local se mostraram essenciais para sua manutenção e eficiência.

Nota-se, assim, a possibilidade de constituição de racionalidades e modernidades alternativas que questionem a construção social de gênero característica do modo de produção capitalista, logo, de sua racionalidade e modernidade. Consideramos que essas vitórias compõem o cotidiano das periferias urbanas existentes por todo o País, sendo necessário que as pesquisas sobre o espaço urbano e a urbanização se atentem a elas, registrando-as e estudando-as de modo que possamos compreender os processos socioespaciais que questionam o sistema racista-capitalista-patriarcal e que não são poucos. Dessa maneira, o vislumbre de uma sociedade pós-capitalista poderá se ampliar e concomitantemente permitir sua apreensão que é essencial para seu fortalecimento.

Nota de agradecimento

O presente trabalho foi realizado com apoio da Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo n. 140553/2017-7.

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Notas

  • 1
    O nome da líder foi alterado.
  • 2
    O Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença (Numas), da Universidade de São Paulo, define os marcadores como “categorias classificatórias compreendidas como construções sociais, locais, históricas e culturais, que tanto pertencem à ordem das representações sociais – a exemplo das fantasias, dos mitos, das ideologias que criamos –, quanto exercem uma influência real no mundo, por meio da produção e reprodução de identidades coletivas e de hierarquias sociais”. Logo, as diferenças estão inscritas num conjunto de relações sociais.
  • 3
    A análise imbricacionista ganhou força nas pesquisas nos últimos anos a partir do conceito de interseccionalidade cunhado em 1989, nos Estados Unidos, pela afrojurista Crenshaw (1989)CRENSHAW, K. (1989). Mapping the margins: intersectionality, Identity Politics, and violence against women of color. Disponível em: https://negrasoulblog.files.wordpress.com/2016/04/mapping-the-margins-intersectionality-identity-politics-and-violence-against-women-of-color-kimberle-crenshaw1.pdf. Acesso em: 11 ago 2019.
    https://negrasoulblog.files.wordpress.co...
    . No mesmo sentido, Collins (2019)COLLINS, P. H. (2019). Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento . São Paulo, Boitempo. propõe a ideia de matriz de dominação que associa as opressões de gênero, raça, classe e nação, sendo necessário “determinar quais são os elos entre esses sistemas” ( Collins, 2016COLLINS, P. H. (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado , v. 31, n. 1, pp. 99-127. , p. 108). Diversas autoras brasileiras vêm tratando da questão da interseccionalidade, inclusive antes de o termo ter sido cunhado com destaque para Lélia Gonzalez ( Akotirene, 2019AKOTIRENE, C. (2019). O que é interseccionalidade? Belo Horizonte, Letramento. (Coleção Feminismos Plurais, coordenação Djamila Ribeiro). ).
  • 4
    Coetaneidade é a ideia de que, embora os saberes provenham do passado, eles fazem parte, também, do presente, constituindo uma continuidade entre esses dois momentos que podem ser captados coetaneamente.
  • 5
    A definição do que são direitos humanos também deve ser problematizada. Nesse sentido, a autora aponta para a importância, e urgência, de se aprofundar a compreensão dos direitos humanos no âmbito feminino ( Saffioti, 2015SAFFIOTI, H. (2015). Gênero, patriarcado e violência . São Paulo, Expressão Popular. , p. 78).
  • 6
    Segundo o Atlas da Violência do Brasil ( Ipea, 2019IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2019). Atlas da violência . São Paulo. , p. 40), “[...] há reconhecimento na literatura internacional de que a significativa maioria das mortes violentas intencionais que ocorrem dentro das residências é perpetrada por conhecidos ou íntimos das vítimas. Portanto, a taxa de incidentes letais intencionais contra mulheres que ocorrem dentro das residências é uma boa proxy para medir o feminicídio. Naturalmente, ainda que o número real de feminicídios não seja igual ao número de mulheres mortas dentro das residências (mesmo porque vários casos de feminicídio ocorrem fora da residência), tal proxy pode servir para evidenciar a evolução nas taxas de feminicídio no país”.
  • 7
    Segundo os planos de expansão do aeroporto, na área ocupada pela Menino Chorão seriam construídos estacionamentos particulares, além dos que já existem dentro do próprio macrofixo de transporte.
  • 8
    Os dados e informações contidos nessa parte do texto são resultado de trabalhos de campos interativos, por meio de entrevistas e oficinas realizadas na comunidade pela pesquisadora, entre o período de 2014 e 2020, para a realização de projeto de extensão e pesquisas de mestrado e doutorado.
  • 9
    Termo utilizado pela líder.
  • 10
  • 11
    Segundo a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de Violência Contra a Mulher, de 2013, o feminicídio é “a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração do seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante”. Essa definição pode ser encontrada em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/feminicidio/ ; acessado em: 30 jul 2019.
  • 12
    Matéria do Brasil Urgente Campinas, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0vt8rm0jHF4 , acesso em: 16 abr 2020.
  • 13
    Em algumas participações da líder, principalmente, nas universidades e faculdades, ela foi criticada pelo uso de violência contra os agressores. Consideramos essa crítica descabida. Quem vive no lugar decide a dimensão de seus atos. Pessoas de fora não têm ideia de qual era a realidade da violência que elas viviam e não estão em posição que lhes permita realizar tal crítica. Soma-se a isso a complexa questão do encarceramento no País que não se apresenta como uma solução para o problema.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2020
  • Aceito
    6 Jul 2020
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