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Os preconceitos do “último homem” - Sobre a nova determinação da humanidade em Aurora* 1 É de notar que Nietzsche persegue em particular uma inversão da metaphysica specialis, para cuja divisão tripartite (psicologia, cosmologia e teologia) a maioria dos preconceitos podem ser remetidos. Essa posição é aprofundada em outra publicação.

The Prejudices of the “Last Man” - On the New Determination of Humanity in Dawn

Resumo:

O objetivo deste artigo é procurar o protótipo do último homem em Aurora (1881) e apresentar, à luz da crítica da moral, como ela é realizada nessa obra. Em particular, no terceiro livro dessa obra se encontra uma apresentação precisa do último homem. Entre os traços da humanidade moderna e de seus preconceitos, é sobretudo a aporia de um certo tipo de homem que Nietzsche sublinha, antes de ele, anos depois, viesse a exortar a chegada do além-do-homem.

Palavras-chave:
tipo de homem; sociedade moderna; ilusões; lógica do preconceito; indivíduo emancipado

Abstract:

The aim of this essay is to seek out the prototype of the last man in Dawn, Thoughts on the Presumptions of Morality (1881) and to present them in the light of the critique of prejudices as it is carried out in this work. In the third book, in particular, one can find an exact representation of the last man. Under the features of modern humanity and its prejudices, it is first and foremost the aporia of a certain type of man that Nietzsche highlights before appealing to the arrival of the superman a few years later.

Keywords:
Human types; modern society; illusions; prejudice logic; emancipated individual

O objetivo deste artigo é procurar o protótipo do último homem em Aurora (1881) e apresentar, à luz da crítica da moral, como ele aparece nessa obra. Como ponto de partida, o artigo tem as seguintes hipóteses: 1) de que Nietzsche, com esse livro, propõe as linhas fundamentais de uma antropologia filosófica, que se contrapõe a ideias ilusórias, provindas da tradição metafísica, sobre o homem e sobre o mundo;1 1 É de notar que Nietzsche persegue em particular uma inversão da metaphysica specialis, para cuja divisão tripartite (psicologia, cosmologia e teologia) a maioria dos preconceitos podem ser remetidos. Essa posição é aprofundada em outra publicação. 2) que essa consideração antropológica identifica um pendor para o preconceito profundamente ancorado na natureza humana e com isso forma um fio condutor para o ensaio filosófico de Aurora; 3) que o último homem representa o resultado daqueles preconceitos, juízos falsos e ideias ilusórias, cujas primeiras formas, introduzidas nos dois primeiros livros da obra, são metafísicas, religiosas e morais, e cujas manifestações mais externas, na sociedade do século XIX conduzem a humanidade - na forma de um tipo de homem determinado, o último homem - a um beco sem saída.

Isso provém sobretudo do terceiro livro de Aurora, que se concentra nos temas culturais, econômicos e sociopolíticos da sociedade moderna e sobre os quais se foca. Lá se encontra uma apresentação precisa do último homem, isto é, dessa figura que se contrapõe ao além-do-homem2 2 Cf. NF/FP 1882, 4[171], KSA 10.162: “A oposição entre além-do-homem e último homem: criei este ao mesmo que aquele”. É evidente que a figura do além-do-homem, assim como o Assim falava Zaratustra, provocou mais comentário do que sua figura oposta. , que, apesar de nomeado em Assim falava Zaratustra, é relativamente pouco esclarecido. Em outras palavras: o terceiro livro se concentra em determinados preconceitos que esboça um determinado tipo de homem, que é chamado de último homem no Zaratustra. Esses preconceitos podem se definir, através da crítica de Nietzsche, não apenas como um incidente do pensamento, como também indicam uma representação crítica do homem, na medida em que este necessita do preconceito para poder viver.

A hipótese fundamental deste artigo é também que uma lógica do preconceito é parte da natureza humana e determina essa natureza. Alguns aspectos da lógica do preconceito e em particular alguns preconceitos serão examinados, a fim de melhorar o entendimento da natureza humana por trás deles. Desse ponto de vista, o último homem aparece como a forma extrema da natureza humana, na medida em que esta depende de preconceitos. Ele é uma resposta possível à questão humana e atrai para si determinados preconceitos para os quais Nietzsche realiza uma critica aguda no terceiro livro de Aurora.3 3 Neste artigo, não se trata de analisar a figura do último homem no Zaratustra, mas, ao contrário, de acompanhar alguns traços fundamentais de sua caracterização, como ela é antecipada em Aurora, em relação aos preconceitos modernos. Sobre o último homem, ver: Goetz, 1998 e 2016; Mattéi, 2006; Constantinidès, 2006; Shaw, 2014, S. 345-380; Schmaus, 2016, p. 187-202. Nesses estudos, são questionados a natureza humana, o humanismo de Nietzsche (Constantinidès) e ainda sua concordância com o pós e o trans-humanismo (Goetz, Schmaus), às vezes é discutida a dimensão política do último homem (Shaw), mas Aurora é raramente mencionado e ninguém examinou essa figura do ponto de vista dos seus preconceitos e de seu pendor aos preconceitos; ninguém questionou a último homem como um tipo de homem que se inclina ao autoengano e que, por essa razão, está condenado a um beco sem saída.

(I) Inicialmente, são apresentadas, em traços gerais, a progressão e a estrutura do terceiro livro. (II) Depois, alguns aspectos da lógica do preconceito são examinados, com vários exemplos, a partir do fio condutor do terceiro livro. (III) Finalmente, a possibilidade de uma emancipação dos preconceitos é colocada em questão.

Aurora: Progressão e estrutura dos três primeiros livros

O primeiro livro de Aurora está dividido em duas partes principais. As primeiras 56 seções tratam da superstição e da credulidade humana, sendo examinadas suas várias condicionantes. A moralidade do costume, introduzida na seção 9, retornando recorrentemente, determina o conformismo, que, considerado a partir dos temas da mimicry [imitação] (M/A 26, KSA 3.36), da educação (M/A 30, KSA 3.40) e da hereditariedade (M/ A 30 e 35, KSA 3.40 e 44), ​​é depois analisado. Lapsos psicológicos, suas bases emocionais e fisiológicas são também trazidos, tais como mal-entendidos causais (M/A 6, 10-13, 20-21, 24, 28, 33, 37, 39, KSA 3.20ss), ciladas da linguagem (M/A 47, KSA 3.53), comportamentos pulsionais (M/A 30-38, KSA 3.39ss), paixões intensas como o temor (M/A 5, 9, 14, 18, 23, 42, 50, 53, KSA 3.20ss), além de estimulantes da afetividade em geral: os estados de humor e de emoção (M/A 28 e 49, KSA 3,38 e 54, respectivamente), sentimentos e sensações (M/A 1, 7, 9, 13-14, 18-19, 23, 28, 30, 32-35, 38-39, 41-43, 49-50, 52, 56, KSA 3.19ss), embriaguez espiritual (M/A 50 e 52, KSA 3.54 a 56), fantasia (M/A 10, 13, 36, 43, 50, 53-54, KSA 3.24ss), todos esses estados anímicos e capacidades que podem atrapalhar a operação normal do pensamento reto e da razão sadia. Isso põe em cena a oposição iluminista entre crença religiosa e conhecimento científico. Assim, uma imagem multifacetada dos preconceitos é apresentada.

É interessante que, também nesse contexto, seja introduzido o tema do autoconhecimento humano (seja ele entendido como indivíduo ou espécie): “Conhece-te a ti mesmo” (M/A 48, KSA 3.53), quer dizer, programaticamente, com uma reminiscência socrático-délfica. Na seção seguinte, essa busca pelo entendimento da natureza humana é aprofundada e problematizada. O homem não pode mais ser entendido como imago dei, como imagem de Deus, como pensa a antropologia cristã, pois a naturalização do homem proíbe isso: “à sua porta está o macaco”, diz, com palavras darwinistas. Então, talvez nossa determinação divina, que não pode ser encontrada na nossa origem, possa ser alcançada no futuro? Essa inversão salvaria a dignidade humana, graças à fé no progresso, o que conformaria uma visão iluminista e contudo compatível com a tradição cristã. Mas isso é, do mesmo modo, preconceituoso e, mais ainda, aporético: “com isso também não temos nada!”. Uma imagem falsa do homem é substituída por outra igualmente falsa. O que está no fim, como estava o macaco no início? “Ao fim desse caminho está a urna funerária do último homem e seu coveiro” (M/A 49, KSA 3.54 para as três últimas citações).4 4 Markus Winkler (em preparação) vê, em sua análise de M/A 49, KSA 3.53s, o último homem de forma mais nuançada do que como aqueles que encerram uma era e ao mesmo tempo antecipa uma nova; ele indica, no entanto, que esta segunda tarefa cabe ao além-do-homem, de sorte que o último homem permanece, antes de tudo, como uma figura do impedimento e da estagnação. Aproveito aqui para agradecer a Winkler pela oportunidade de ler seu texto antes da publicação. Sobre a tensão entre imago dei e o darwinismo, ver: Schmidt e Kaufmann, 2015, S. 142. É importante notar que Nietzsche introduziu essa menção ao último homem (assim como a célebre citação de Terêncio, “Nihil humani a me alienum puto” [nada que é humano me é estranho], o que cria uma ligação - problemática - entre o último homem e a tradição humanística) numa versão prévia, como adendo, atribuindo-lhe, com isso, um significado particular.5 5 http://www.nietzschesource.org/DFGA/Mp-XV-1,42. Ambos os termos da oração são precedidos pela abreviatura “Add”. Entretanto, deve-se notar que este é o único texto preparatório de M/A 49, de sorte que não é certeza se essa anotação curta foi pensada inicialmente como adendo a M/A 49. Talvez tenha sido considerada como continuação de outro texto. Em ambos os casos, o último homem possui uma importância particular em M/A 49, sendo seu elemento-chave. Sobre o humanismo: Simonin, 2023a (em preparação).

Este é o significado primeiro, literal, do último homem. Essa figura personifica os ultimíssimos sobreviventes da humanidade na Terra, e como tal coloca a questão sobre sua natureza numa forma altamente dramática.6 6 Cf. NF/FP 1872, 19[131]; 1873, 29[181] e WS/AS 14, KSA 2.549. Trata-se de uma exposição do ponto final da humanidade, sobre a qual o terceiro livro manterá várias particularidades e que será depois introduzido de forma mais próxima. Dessa perspectiva, é marcante que se encontrem, no manuscrito, diversas outras versões imediatamente próximas dessa versão, entre os quais muitas seções do terceiro livro de Aurora (a saber, M/A 201, 202 e 206, KSA 3.175ss). Isso prova o vínculo entre o último homem, no que diz respeito a M/A 49, e o tipo de homem que é destacado no terceiro livro.

Depois de introduzir o pendor humano à superstição e expor duas características que se completam mutuamente e que salientam a separação entre homem e Deus, ele se concentra, no segundo livro, no cristianismo. Apesar de o cristianismo já ter sido mencionado anteriormente, é apenas a partir da seção 57 que se torna tema principal, como as anáforas mostram: “O cristianismo teve”; “O cristianismo é”; “Pode-se dizer, que se quer: o cristianismo teve”; “Estes homens sérios, hábeis, honestos, profundamente sensíveis, que agora ainda são cristãos de coração” (respectivamente M/A 57, 58, 59, 60 e 61, KSA 3.59ss). Da seção 57 à 96, até o fim do primeiro livro, trata-se de representações religiosas da fé cristã (tais como a revelação, o juízo final, o inferno ou ainda Deus), de modo que os preconceitos morais aparecem, vistos no fundamento, como preconceitos teológicos.

A lógica do preconceito aponta também, em todo o primeiro livro, uma dicotomia, uma fissão axiológica que parece ser inerente a todos os preconceitos e até fundamental para o preconceito cristão. Algo é subestimado e o oposto é superestimado: inferno e céu, carne e espírito, danação e redenção, sobretudo o homem entendido como imagem de Deus ou como macaco e último homem. Não apenas ambos os polos dos pares distorcem de forma preconceituosa, mas a lógica do preconceito consiste justamente em fantasiar esses dualismos. Isso conduz à falsa avaliação, melhor dizendo à subestimação pessimista tanto do mundo quanto do homem, cujo sentido e valor dependem de Deus, sendo separado entre um ideal valioso e uma realidade sem valor. Isso é importante para entender, no terceiro livro, a natureza do homem moderno e do próprio último homem.

Sobre isso, o segundo livro de Aurora trata de alguns dos preconceitos mais importantes, sobretudo a motivação da ação e a liberdade da vontade (M/A 97, 101-104, 109-110, 120, 124-130, KSA 3.89ss), depois a compaixão (M/A 131-148, KSA 3.122ff), de modo que a própria moral aparece como um preconceito.

Igualmente importante é a crítica aguda da subjetividade, que funda a contraposição entre egoísmo e altruísmo, e da qual tem como consequência a moralidade do costume introduzida no primeiro livro. O indivíduo não se conhece mais, não conhece seus limites; ele não sabe se pode separar sua personalidade das de outros homens e também não sabe se pode considerar que significados e valores são seus próprios. A questão universal “O que é o homem?” significa apenas: “Quem sou eu?”, algo ainda mais fundamental, na medida em que a questão do homem pode ser considerada como uma generalização desta última questão. Nossa imagem falsa da humanidade provém da imagem falsa de nós mesmos. Em ambos os casos reina o desconhecimento. Por isso também a crítica da moral: o que sou eu? O que devo fazer? Essas questões permanecem sem resposta quando o indivíduo não se conhece.

Por isso esse segundo livro possui também reflexões epistemológicas em relação às condições de possiblidade do conhecimento e autoconhecimento humanos. Já que estes são bastante estreitos, os preconceitos se tornam erros necessários sobre o mundo, sobre os outros e sobre nós mesmos. Quando o livro vai introduzindo paulatinamente mais elementos para um melhor entendimento da lógica do preconceito, a crítica dos preconceitos morais se torna cada vez mais uma crítica da moral como preconceito e ainda mais radicalmente como análise dos preconceitos e erros humanos sobre o homem, sua natureza, seu lugar no mundo e sua relação com os outros homens. Por isso, não se trata apenas de preconceitos determinados, mas, mais radicalmente, de uma lógica do preconceito, que talvez pertença necessariamente à natureza humana.

O terceiro livro aprofunda essa perspectiva e se concentra em temas culturais, entre eles sobretudo questões políticas e socioeconômicas, assim como em determinadas instituições. É de notar que a maioria delas são bastante modernas ou são tratadas sob um ponto de vista moderno. Depois de ter examinado preconceitos pré-históricos ou cristãos, ele se interessa por alguns preconceitos de sua época, entre outros, iluministas, liberais, industriais, capitalistas e nacionalistas. Através de tais formas de manifestações culturais da sociedade moderna, Nietzsche quer melhorar o entendimento da natureza humana.

Nietzsche persegue também, no terceiro livro, a mais nova representação da cultura moderna e da sociedade, criticando-as a partir do mesmo ponto de vista do preconceito. Entre elas se encontram instituições como o casamento, a educação ou o Estado; poderes como o governo, políticos e legisladores, a justiça, a imprensa ou o dinheiro; ideologias como o socialismo, assim como o anarquismo, o nacionalismo ou o capitalismo; ou certos lugares-comuns em relação à ordem social e às classes sociais (aristocracia, burgueses, cidadãos, trabalhadores), às particularidades culturais, ao espírito do povo de diversas nações, etc. O livro Introdução ao estudo da sociologia, de Herbert Spencer, que possui um capítulo sobre os preconceitos da educação, de classe e da política, pode tê-lo influenciado.7 7 SPENCER, 1875 (BN). VER PARTICULARMENTE O VOLUME I, CAPÍTULO 8 E VOLUME II, CAPÍTULO 9-11. NIETZSCHE ADQUIRIU ESSES VOLUMES EM 1875 E ELES SE ENCONTRAM AINDA HOJE NA BIBLIOTECA PARTICULAR DE NIETZSCHE (CF. CAMPIONI ET AL., 2003, P. 578 [DORAVANTE: BN]). MARIA CRISTINA FORNARI (1998, P. 558) MOSTROU QUE ESSE LIVRO PODE SER VISTO COMO FONTE PARA FW/GC 43, KSA 3.409S; VER, DA MESMA AUTORA, 2006, P. 126. DIVERSAS PASSAGENS PODEM SER CONSIDERADAS COMO FONTES PARA AURORA. SPENCER REALIZA, POR EXEMPLO, UMA CRÍTICA À CREDULIDADE DOS LEVANTINOS EM RELAÇÃO ÀS MIL E UMA NOITES (I, P. 147), PASSAGEM MARCADA COM UM TRAÇO NA MARGEM. NIETZSCHE UTILIZA UMA COMPARAÇÃO COM RICHARD WAGNER PARA CRITICAR A SOCIEDADE OCIDENTAL MODERNA. “TODA ÉPOCA TEVE SEU CONTADOR DE MIL E UM NOITES. O NOSSO ATUAL É WAGNER” (NF/FP 1880, 4[3], KSA 9.103). SPENCER SUSTENTA “QUE EMBORA A NATUREZA HUMANA SEJA MODIFICÁVEL EM LARGA MEDIDA, NENHUMA MODIFICAÇÃO PODE SER REALIZADA DE FORMA BRUSCA” (I, P. 148, COM UM TRAÇO NA MARGEM E SUBLINHADO POR NIETZSCHE; VER TAMBÉM P. 149) E NIETZSCHE APROVEITA ESSA IDEIA, ENTRE OUTROS LUGARES, EM NF/FP 1880, 6[378], KSA 9.294 E EM M/A 534, KSA 3.305. SPENCER ESCREVE TAMBÉM: “NA MEDIDA EM QUE ADMITE QUE AS ESTRELAS SÃO IMÓVEIS E QUE AS MONTANHAS SÃO ETERNAS, CHEGA À CONCLUSÃO DE QUE O PRÓPRIO HOMEM CONTINUA IMUTÁVEL POR VÁRIOS SÉCULOS” (I, P. 148, COM DOIS TRAÇOS NA MARGEM), E NIETZSCHE USA ESSE ARGUMENTO, IRONICAMENTE, CONTRA ELE: “NADA MAIS ME INTERESSA DO QUE QUANDO ALGUÉM FAZ UM DESVIO SOBRE POVOS E ESTRELAS LONGÍNQUAS PARA ENFIM CONTAR ALGO SOBRE SI MESMO” (NF/FP 1880, 5[20], KSA 9.185). SPENCER IDENTIFICA “HÁBITOS INDUSTRIAIS COM HÁBITOS DE SUBORDINAÇÃO” (I, P. 248, COM UM DESENHO DE ORELHA DE BURRO) E NIETZSCHE SE LEMBRA, ENTRE OUTROS LUGARES, EM M/A 174 E 178-179, KSA 3.154SS, ASSIM COMO EM NF/FP 1880, 6[377], KSA 9.294: “O ESTADO INDUSTRIAL NÃO É MINHA ESCOLHA, COMO É A ESCOLHA DE SPENCER. SPENCER ADVERTE SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS DE “QUANDO METADE DA VIDA É GASTA EM ATIVIDADES CRIATIVAS” (II, P. 72, COM ORELHAS DE BURRO), E NIETZSCHE SE LEMBRA DISSO EM M/A 173, KSA 3.154 E, ALÉM DISSO, JÁ EM MA I/HH I 283, KSA 2.231S: “QUEM NÃO POSSUI DOIS TERÇOS DO DIA PARA SI É UM ESCRAVO”.

Nessas questões, Nietzsche leva em consideração sobretudo uma determinada espécie de homem, um tipo particular, que na modernidade se tornou a natureza humana. Tal humanidade permite que o leitor pense em muitas características do último homem apresentado no Zaratustra e parece valer como resposta definitiva da questão do homem o coveiro de M/A 49. Esse tipo de homem transformado é pequeno-burguês, citadino, luta por segurança, conforto e bem-estar material e, para esse fim, com prazer se deixa usar. Ele avalia tudo segundo o padrão dominante, segue a tirania da maioria e faz o mesmo que o vizinho para evitar qualquer risco. A moralidade do costume pré-histórica, que foi introduzida no primeiro livro, transforma-se no conformismo moderno. O homem se torna um ser nivelador; é a dominação do preconceito e da opinião pública. Ao contrário, Nietzsche tenta criticar esses preconceitos modernos, a fim de esboçar um tipo contrário. O animal de rebanho contra o indivíduo autêntico: dois modelos de humanidade que se contrapõem na medida em que alguém se submete aos preconceitos ou se liberta deles. O futuro da humanidade depende disso.

Fatores favoráveis para a lógica do preconceito

A palavra “preconceito” aparece cinco vezes no terceiro livro. Isso ajuda a entender de que não se trata mais de preconceitos religiosos ou morais, como nos livros anteriores, mas preconceitos sociopolíticos da sociedade moderna.8 8 Na seção 19 de Aurora como um todo. Na primeira seção do terceiro livro, trata-se do “preconceito grosseiro” do conformismo, segundo o qual “não [é] essencial que um de nós também faça o que os outros fazem e sempre fizeram” (M/A 149, KSA 3.141). Em dois momentos, trata-se de preconceitos econômicos: primeiro, do “maior preconceito” dos “homens de negócio”, qual seja, seu “negócio” (M/A 186, KSA 3.160), o que é externo, o que toca apenas na aparência e funciona como uma máscara. O aspecto econômico influencia, com isso, a natureza desse homem, na medida em que ele se determina através do seu negócio e por assim dizer externamente. Então o dinheiro “determina agora […] o pequeno ou grande preconceito moral de um homem conforme o quanto ele tenha!” (M/A 203, KSA 3.179). Trata-se, também, da relação entre os nobres gregos com os “preconceitos de classe”, que eles inocentemente desprezavam, para se estabelecerem, individualmente, como “tiranos” (M/A 199, KSA 3.174). Temos aqui também uma figura antipreconceituosa que ainda será introduzida. Finalmente, trata-se de, na última seção do terceiro livro, de preconceitos que dizem respeito aos alemães, em particular “o preconceito do rigor e da seriedade” (M/A 207, KSA 3.186). O texto explica que os alemães não hesitam de utilizar essas características superficiais em sua relação com outros povos.

Esses cinco usos da palavra “preconceito” mostram também diferentes coisas importantes: 1) No geral, Nietzsche critica desde o início o estabelecimento conformista de preconceitos; 2) Ele apresenta também uma espécie de homem (aqui os gregos) que pode se emancipar dos preconceitos; 3) Os preconceitos morais se tornam preconceitos socioeconômicos e políticos, dependendo do padrão de vida de determinados homens ou de um pretenso espírito de um povo. O objetivo desse terceiro livro é, portanto, descartar tais preconceitos culturais e sociais em virtude de seu conformismo e oferecer uma alternativa.

Agora alguns aspectos da lógica do preconceito devem ser examinados a partir da observação de determinados preconceitos.

Um primeiro aspecto importante do preconceito é intelectual e cognitivo: submeter-se a um preconceito pelo fato de que se pensa e se infere erroneamente. Esse aspecto recebeu bastante atenção nos livros anteriores, e a última seção do segundo livro afirma, enfim, que a moral seria resultado de “alguns erros intelectuais” (M/A 148, KSA 3.139). Mais exemplos podem ser encontrados no terceiro livro: o erro seria mais simples do que a verdade, o que explica, entre outras coisas, por que nós modernos temos tantas opiniões (cf. M/A 168, KSA 3.151); são trazidos também confusões causais, como por exemplo uma “conclusão grosseira” (M/A 182, KSA 3.158) que extraímos a respeito de um pretenso caráter carismático, tendo por base uma observação grosseira ou o “grosseiro mal-entendido” em relação ao desenvolvimento histórico, quando os alemães acreditam que “a revolução da sociedade” seria uma “consequência” do “Iluminismo” (M/A 197, KSA 3.171). Esses são alguns exemplos de preconceitos que dizem respeito à história e ao passado da humanidade, assim como à avaliação dos homens contemporâneos, e que repousam em erros de pensamento. Ao contrário disso, a cientificidade da medicina é revalorizada contra o preconceito moral da responsabilidade do criminoso (cf. M/A 202, KSA 3.176ss). Nietzsche é da opinião de que o criminoso (que aparece regularmente como figura positiva do espírito livre que se distancia da norma) não poderia ser considerado de forma tão moral como culpado, mas, antes, cientificamente, como doente - uma ideia que ele compartilha com a corrente higienista e a patologia criminalística então em voga.9 9 Daí a leitura posterior de August Krauss, 1884 (BN) e Charles Féré, 1888 (BN). Alguns anos antes Samuel Butler, em seu romance Erewhon (1872), tratou, de forma original, da hipótese contrária de que numa sociedade imaginária os doentes seriam criminalizados. Sobre o criminoso, ver também: M/A 187 e 366, KSA 3.160 e 243, assim como Stellino (2009, S. 221-229) e Balke (2003, p. 171-205).

Essa orientação intelectual permanece, embora de forma secundária, no terceiro livro. Ela consiste, primeiramente, em retirar, de características psicológicas, como o temor, a arrogância ou a consolação. Trata-se, primeiro, do “temor de todo individual” que conduz ao elogio do trabalho como “melhor polícia” (M/A 173, KSA 3.154), ou do temor do alemão de “depender de si mesmo” (M/A 207, KSA 3.186), portanto o temor da individualidade, seja dos outros homens ou de si mesmo. Em ambos os casos essa constituição psicológica do homem moderno conduz à fixação do conformismo, contra o qual Nietzsche defende, na primeira seção do terceiro livro, “pequenas ações desviantes” (M/A 149, KSA 3.141).10 10 Ver também M/A 164, KSA 3.147: “O desviante não deve ser mais sacrificado”. Então se trata de arrogância, por exemplo, na forma de desmedida e húbris em comparação com a “medida” grega (M/A 156, KSA 3.144), ou da beleza “inchada, monstruosa e nervosa” dos modernos, em comparação com a “moral da medida” (M/A 161, KSA 3.145) dos gregos. Entre essas duas seções, trata-se da moderna versão do adulador que “não mais devem ser buscados na vizinhança dos príncipes”, mas sim “do banqueiro e do artista” (M/A 158, KSA 3.145). Seguem-se então duas seções sobre a vaidade, primeiramente dos historiadores românticos, que acreditam poder ressuscitar o passado, e então da vaidade em geral, na medida em que ela parece mais importante que o desejo e o entendimento (cf. M/A 159 e 160, KSA 3.145). O temor e a vaidade perturbam assim o uso normal das faculdades do espírito e explicam por que os homens cultivam a crença nos preconceitos. Esses preconceitos se referem principalmente aos homens mesmos, sejam os homens contemporâneos, da humanidade pretérita ou da própria natureza do sujeito.

Deve-se mencionar também a consolação, que surge, entre outras, na seção 154. Nietzsche nota que os gregos se consolavam do perigo da vida cotidiana com “o pensamento e o conhecimento” (M/A 154, KSA 3.143), enquanto para os homens da modernidade, ao contrário, o pensamento seria perigoso e a vida se tornaria mais segura e tranquila. Quando alguém se decepciona, procura uma satisfação substituta. Assim se pode talvez concluir que nós, modernos, nos lançamos na vita practica e na atividade para não pensar, e, de forma geral, que os preconceitos mais disseminados da humanidade podem ser considerados o resultado de um comportamento escapista que está ancorado profundamente na natureza humana.11 11 Schmidt e Kaufmann, 2015, p. 234-235, 252 et passim pensam observar aqui uma estratégia de (sobre)compensação. Sobre a aproximação entre consolação e divertimento em Blaise Pascal, cujos Pensamentos Nietzsche leu nessa época, ver: Simonin, 2023b (em preparação). Considerando psicologicamente, os homens padecem portanto de preconceitos pelo fato de serem seres medrosos e vaidosos, que privilegiam ideias consoladoras e valorizadoras.

Ao lado dessas características psicológicas, podem ser mencionados também aspectos fisiológicos e afetivos, que se implicam na lógica dos preconceitos, na medida em que influenciam a faculdade de julgar e distorcem a avaliação. O mais importante deles é o sentimento. Nietzsche já tinha caracterizado, na seção 18, a “lógica do sentimento” como um resíduo do pensamento primitivo, que oferece resistência à atividade normal da razão. No terceiro livro, pode-se encontrar frequentemente o sentimento. Ele se torna típico do sentimentalismo romântico moderno (de sua “hipersensibilidade” (M/A 203, KSA 3.179)) e portanto um aspecto importante da lógica do preconceito que reina na modernidade. O sentimento atrapalha o pensamento; é frequentemente conformado pelo excesso ou pela imaginação ou pelas paixões. O tipo de homem moderno repousa particularmente em preconceitos porque ele se deixa levar por sentimentos.

O terceiro livro ressalta várias vezes o prisma do sentimento. O mais importante não é a coisa mesma, mas o sentimento dela, que não necessariamente reflete a realidade e por isso compartilha da lógica do preconceito. Nietzsche fala da “segurança do sentimento” e do “sentimento de segurança” (M/A 154 e 174, KSA 3.143 e 154), do bem-estar (M/A 156, KSA 3.144), do sentimento de ser responsável (M/A 166, KSA 3.148), do sentimento de falta de liberdade (M/A 172, KSA 3.153), do sentimento de viver (M/A 202, KSA 3.177) ou também, diversas vezes, do sentimento de superioridade, ou seja, de potência (M/A 176, 184, 189, 199, 201, 204-205, KSA 3.156ff), no que se deve atentar para o fato de que o poder exterior, seja político ou financeiro, repousa nos “sentimentos fantásticos” (M/A 189, KSA 3.162), sendo algumas vezes pura aparência do “sentimento de potência” e nada mais que uma “peça de teatro” (M/A 201, KSA 3.175).12 12 Mais sobre o sentimento de potência, que se pode definir como o impulso mais fundamental e que está atrás de características psicológicas como o temor e a presunção, acima mencionados, e em particular o sentimento de potência ilusório, que repousa no cerne dessa lógica do preconceito: Simonin, 2022.

Antes de tudo, Nietzsche destaca o primado dos sentimentos nos homens modernos, que por isso são, em sua maioria, inclinados para o autoengano. Na seção 163, Nietzsche realiza uma crítica ao rousseaunismo, isto é, à mesquinharia dominante da civilização moderna e sua moralidade da compaixão (cf. M/A 163, KSA 3.146). Então os “sentimentos incondicionais” (M/A 167, KSA 3.148) são criticados, no que Nietzsche sublinha, em tal incondicionalidade, o vínculo entre o sentimento e a convicção.13 13 Em outro lugar isso é também chamado fanatismo, como em M/A 204, KSA 3.180. Em seguida, Nietzsche escreve, em relação aos gregos: “como ainda estavam longe da sentimentalidade de nossos citadinos!” (M/A 172, KSA 3.153). E mais tarde isso é expresso da forma mais clara possível: nos alemães, segundo Nietzsche, reina “o culto ao sentimento”, que teria sido erigido “em lugar do culto à razão” (M/A 197, KSA 3.171). Em todas as esferas da cultura alemã (na arte, na religião, na moral, na política, etc.), Nietzsche reafirma o domínio do delírio sentimental, da piedade cega e da crença entusiasmada, a qual se opõe a ciência esclarecida. Nietzsche conta entre eles a filosofia kantiana. A partir desse ponto de vista de uma contraposição entre crença e sentimento, de um lado, e de saber esclarecido e conhecimento, de outro, ele cita aproximativamente, a célebre afirmação de Kant: “abrir novamente caminho para a fé, mostrando ao saber os seus limites” (M/A 197, KSA 3.172).14 14 Cf. Kant, KrV B 19: “Tive portanto de suprimir o saber para dar lugar à crença”. Enquanto o leitor pode pensar, com os livros anteriores, que Nietzsche oporia Iluminismo e cristianismo, o próprio Iluminismo se torna, no terceiro livro, um preconceito (moderno). Embora Nietzsche elogie a atitude iluminista, ao mesmo tempo ele mostra quão pouco esclarecidos os iluministas são. Com isso ele acerta suas contas com a antropologia de Kant, na medida em que ele leva ao topo o tipo de homem determinado que se segue à resposta de Kant à pergunta “o que é o homem?”. Enquanto a forma de consideração kantiana atribui ao homem, constitutivamente e legitimamente, um horizonte de crença, a resposta de Nietzsche à pergunta “o que é o homem?” é completamente distinta. O homem seria, na sociedade moderna, sempre condicionado por sentimentos delirantes, por preconceitos ilegítimos e por simples credulidade, embora e talvez justamente porque ele se ilude a esse respeito.

Assim uma emancipação é alcançável? Como os homens podem abandonar as ilusões que eles sequer querem reconhecer como tais?

Tipos contrários para uma humanidade futura sem preconceito

Para entender precisamente o tratamento específico dos preconceitos modernos no terceiro livro, podemos mencionar uma outra característica dos preconceitos: sua mudança no decorrer do tempo.

Embora alguns preconceitos se mantenham inalterados, eles se propagam e se fortalecem graças à hereditariedade e à educação, algo que Nietzsche já havia esclarecido no primeiro livro (ver, por exemplo, M/A 30 e 33-35, KSA 3.40ss, sobre a hereditariedade de sentimentos, atitudes mentais e lapsos de pensamentos). Um eco disso pode ser encontrado no terceiro livro, por meio dos preconceitos em relação às instituições do casamento e da educação (respectivamente no início, M/A 149-153, KSA 3.141ss e por volta do fim do terceiro livro, M/A 178, 190, 194-196 e 198, KSA 3.157ff). Assim como Schopenhauer,15 15 Cf. Schopenhauer, 1873 (BN), Cap. 43 e 44, p. 591-651 (com alguns rastros de leitura de Nietzsche). Nietzsche comprou o livro em 1875, mas se sabe que ele já tinha lido a principal obra de Schopenhauer em 1865. Cf. Sommer e Simonin, 2023 (em preparação). Nietzsche dá bastante espaço, em suas reflexões sobre o casamento, à questão da reprodução e reclama mais de uma vez dos efeitos deletérios dos preconceitos que envolvem esses temas (ver particularmente M/A 150 e 151, KSA 3.142s). No que diz respeito à educação, Nietzsche salienta sobretudo a transmissão dos preconceitos de preconceitos de professores e da cultura da época. A educação moderna não emancipa, não produz nenhum indivíduo, mas apenas repete as ideias dominantes e opiniões. Elas são, ao contrário, conformação e domesticação: “não se permite que [o jovem] dê uma direção para si mesmo” (M/A 178, KSA 3.157); os mestres morais “querem muito dar prescrições para todos” (M/A 194, KSA 3.167). Nietzsche reclama, com um vocabulário da economia, “o desperdício de nossos jovens” devido à “educação formal” e ao “classicismo” (M/A 195, KSA 3.168 e 169), que oferecem educadores comuns, grosseiros e amorfos. Nossa “forma de cultura” fala de “travessuras” mas não possibilita aos jovens colocar para si questões pessoais (M/A 196, KSA 3.170).

O mal-entendido se aplica, entre outros, ao conhecimento de culturas pretéritas. Aqui também reina o preconceito: “A verdade é aqui tão emaranhada e retorcida, que relutamos em desenredá-la” (M/A 168, KSA 3.151), nota Nietzsche, pouco antes de ele sugerir uma seção intitulada “A estranheza do grego para nós” (M/A 169, KSA 3.151). Isso, infelizmente, torna um conhecimento preciso dos gregos impossível, eles que eram indivíduos autênticos e não padeciam dos nossos preconceitos modernos e debilitadores. Mas justamente isso torna tal conhecimento impossível: somos tão diferentes que não somos mais o mesmo tipo de homem. Aqui, mais uma vez, Nietzsche ressalta a importância do sentimento, para enfatizar essa diferença antropológica. Ele pensa que temos uma “outra perspectiva do sentimento” (M/A 170, KSA 3.152) em comparação com os gregos. Nossa “chamada educação clássica” não “produz” nenhum sentimento, “o que para os antigos valia mais do que para os modernos” (M/A 195, KSA 3.168 e 169). Finalmente, Nietzsche escreve que, em comparação com o alemão moderno, “os gregos e os romanos sentiam de forma diferente” (M/A 207, KSA 3.188).

Mas isso significa, ao mesmo tempo, que nós, modernos, temos os nossos próprios preconceitos, e que não podemos mais entender ideias do passado. Vivemos na nossa própria perspectiva. O mesmo vale, além disso, entre as gerações posteriores. Assim Nietzsche ilustra a variabilidade dos preconceitos e o surgimento de novos preconceitos. Ele escreve, por exemplo, que as “novas gerações” (M/A 176, KSA 3.156) criticam seus pais para se afirmar contra eles. De forma semelhante, ele compara a monarquia dos pais com o parlamentarismo dos jovens e pensa que ambas são opiniões que pertencem a seu tempo (cf. M/A 183, KSA 3.159).

Portanto, os preconceitos também se renovam, assim como os temas tratados por Nietzsche. Ele havia falado da lógica do sentimento e fala agora do sentimentalismo moderno: a mimicry se transforma em conformismo; do temor surge a ambição contrária por segurança; o uso utilitário conduz à instrumentalização socioeconômica do homem, e o papel da autoridade na moralidade do costume para temas políticos como governo, partidos, culto à personalidade, opinião pública, etc. Às vezes, Nietzsche ressalta que esses mesmos impulsos básicos permanecem, mas se satisfazem através de meios modificados e renovados (quer dizer, preconceitos). Esse, por exemplo, é o caso da última seção citada sobre “Os idosos e os jovens”: o primeiro se subordina ao “senhor benevolente”, o último à “política do partido” (M/A 183, KSA 3.159), mas, em ambos os casos, no fundo, trata-se da mesma subordinação do indivíduo a uma autoridade.

Depois lemos: “Os meios da ânsia de poder mudaram, mas o mesmo vulcão ainda arde [...]: e o que antigamente se fazia ‘em nome de Deus’ hoje se faz pelo dinheiro, isto é, por aquilo que agora proporciona o máximo de sentimento de potência e boa consciência” (M/A 204, KSA 3.180). Essa citação mostra que os preconceitos teológicos do primeiro livro (aqui: Deus) se desenvolveram, na modernidade, numa forma mundana (aqui: o dinheiro). O preconceito pode admitir a si mesmo ou a uma nova forma, trata-se sempre da lógica do preconceito, isto é, de uma espécie e forma social de criar opinião e a intercambiar.

Mas uma questão permanece em aberto: é possível um tipo de homem sem preconceito? O último homem aparece nesse livro como uma animal de rebanho, que é uma mistura de seus sentimentos, artigos de crença e convicções, além de suas ideologias. Esse homem habita nas cidades industriais e lê jornais, pensa e age segundo a tradição como sempre se pensou e agiu ou, de acordo com a moda, como todos agem, sempre e sobretudo como lhes é exigido.

Contra tal instinto de rebanho, seja na forma da maioria, da classe social, de uma geração inteira ou de alguma espécie de grupo, poderíamos pensar nos grandes homens e nas figuras carismáticas como uma alternativa individual. Mas Nietzsche pensa que procurar modelos e líderes para imitar é sempre perigoso para o indivíduo. Por isso, por exemplo, a crítica a três modelos: Schopenhauer para a filosofia, Wagner para a música e Bismarck para a politica, portanto três “grandes homens” (M/A 167, KSA 3.148) que nunca poderíamos entender realmente e imitar, justamente por serem tão complexos, ricos e, numa palavra, únicos. Como dito, o mesmo que vale para o mestre ou também para o “comerciante”, com seus próprios preconceitos, vale para “os grandes conquistadores” (M/A 189, KSA 3.162).16 16 Um texto preparatório se chama Napoleão: NF/FP 1880, 4[197], KSA 9.149. Tais modelos são ou inimitáveis, se são indivíduos autênticos, ou são falsos modelos, porque eles simplesmente abusam dos valores dominantes, incorporam a norma de forma exemplar e se destacam como tais. Às vezes, mentem e representam também, para conseguir fama e projeção. Tem-se de prestar atenção também aos grandes homens como depois se prestará, em Assim falava Zaratustra, aos grandes acontecimentos (cf. Za/ZA, Dos grandes acontecimentos, KSA 4.167). Eles não são realmente extraordinários, mas são os arquétipos mais exitosos das normas e valores que eles portanto fortalecem. Por isso eles não são, de forma nenhuma, adequados para se opor aos preconceitos, já que sua própria aura repousa em preconceitos.

O modelo extraordinário é portanto tão perigoso quanto a norma geral, de que é contrapartida. A solução de Nietzsche é por isso um radical anticonformismo individualista, que não segue um modelo, e sim experimenta. Pense-se nos desviantes mencionados, em favor dos quais Nietzsche acrescenta: “devem ser feitas inúmeras tentativas novas de existência e de comunidade”. Mas essa seção se chama: “Talvez prematuro” (M/A 164, KSA 3.146). Se os preconceitos tradicionais olham para o passado e os preconceitos da moda se imiscuem no presente, então permanece aberto para o indivíduo apenas o futuro. O indivíduo nada tem de fazer do que já foi feito, mas novos caminhos se abrem: “Há tantas auroras que ainda não brilharam”, diz a epígrafe do livro.17 17 Albert Camus lembrou que ele escreveu no caderno de anotações para O primeiro homem (2000, S. 365-366): “Somos os primeiros homens - não aqueles do declínio como berram nos jornais, mas aqueles de uma aurora indecisa e diferente”. Cf. Mattéi (2006, § 2). Por isso Nietzsche recomenda aos “pobres-diabos nas grandes cidades da política mundial” a “aprenderem [a] solidão”, como ele recomenda a solidão aos “jovens” (M/A 177, KSA 3.156f) que gostariam, ambiciosamente, de lançar-se no mundo, com o risco de se perderem. Essa é a única possibilidade de começar algo novo. A solidão contra a sociabilidade, o futuro contra o passado e o presente: “tornamo-nos incapazes de acreditar num futuro determinado para nós, como os antigos acreditavam” (M/A 155, KSA 3.144), lamenta Nietzsche. Pode-se encontrar em várias seções o tema do futuro, como, por exemplo, quando Nietzsche procura renovar o “futuro do nobre” (M/A 201, KSA 3.175),18 18 Ver também M/A 171, KSA 3.152: “Vivemos entre um passado que tinha um gosto mais insano e obstinado que o nosso, e um futuro que terá talvez um gosto mais seletivo - vivemos demasiado no meio.” longe da política e no âmbito do conhecimento como espírito livre. Disso se segue que uma natureza espiritual que busca a solidão e o futuro forma uma terceira característica do indivíduo vindouro.

Aurora pertence, de fato, à época e às obras em que Nietzsche chamará depois de “seu momento completo de ‘espírito livre’” (Carta a Lou von Salomé, de 3 de julho de 1882, KSB 6.217). O espírito livre é mencionado expressamente em seis seções de Aurora: naturalmente no primeiro livro, em tensão com o cristianismo (cf. M/A 56, KSA 3.57s), e por volta do fim do segundo livro, no contexto da crítica do altruísmo e em ligação com “as consequências próximas” que “passam por cima dos mais próximos” (M/A 146, KSA 3.137). No terceiro livro encontramos, entre outros, esse uso nobre (cf. M/A 201, KSA 3.175f).19 19 Ver também M/A 192, KSA 3.166 e então, nos livros seguintes, M/A 209 e 562, KSA 3.189 e 327. O que interessa particularmente é a recorrente contraposição, no terceiro livro, entre espiritualismo e materialismo. Também aqui Nietzsche parece querer secularizar a cisão cristã entre o espiritual e o mundano. Em oposição ao bem-estar material da burguesia moderna que se segue a ideologia iluminista do progresso industrial e que quer sobretudo eternizar o conforto presente, Nietzsche defende o isolamento e a independência, para a qual oferece o espírito livre aristocrata como exemplo. Então ele contrapõe, ao “objetivo pequeno” e à “satisfação fácil e regular”, o “prazer pela independência” (M/A 173, KSA 3.154). Do mesmo modo ele lamenta o “consumo do espírito” e dos “espíritos mais talentosos” a serviço da “segurança geral” e outros objetivos “inferiores e medíocres”, antes de concluir: “Nossa época, embora fale tanto de economia, é esbanjadora: esbanja o que é mais precioso, o espírito” (M/A 179, KSA 3.158). Pode-se ler, também, a respeito do preconceito dos comerciantes que eles são “Diligentes no negócio - mas preguiçosos no espírito” (M/A 186, KSA 3.160).20 20 Nietzsche pôde encontrar críticos do materialismo prático em diversos livros, como Lecky (s/d, p. 259) (BN), com diversas anotações de Nietzsche em passagens sobre “doutrinas econômicas equivocadas” (ele sublinha) como do sistema mercantilista: “Essa doutrina se baseia na crença de que toda riqueza consiste em metais preciosos” (Nietzsche sublinha e escreve na margem: “estranho”, como Beat Röllin me confirmou, pelo que agradeço, Nietzsche toma distância dessa crença. Ver também Lange, (1887, S. 33) (BN). Nietzsche possuía também a primeira edição desta obra, que exerceu uma influência grande e duradoura em seu pensamento; ele comprou ainda a edição de 1887, a única que consta em sua biblioteca atualmente. Sobre essa leitura, ver sobretudo: Stack, 1983.

Portanto, a economia é encontrada com frequência nesse panorama da sociedade moderna: trata-se da pobreza do proletariado, da riqueza das classes privilegiadas, do dinheiro, e Nietzsche dedica duas seções seguidas à “sociedade dos negócios” e à cultura do negociante” (respectivamente, M/A 174 e 175, KSA 3.154 e 155), nas quais o homem moderno é definido como homo œconomicus. Tal tipo de homem determina todas as coisas, homens e qualidades sob o ponto de vista quantitativo das necessidades materiais, que são niveladas, não se desviando das normas. Por causa desse ponto de vista são desperdiçados o mais valioso, o mais importante, o mais raro e o mais extraordinário, na medida em que o tipo de homem dominante é o último homem, como foi caraterizado acima.

Considerações econômicas podem ser entendidas também sob um ponto de vista metafórico: enquanto o homem moderno economiza nas coisas supérfluas e por consequência desperdiça o essencial, o tipo oposto de Nietzsche está pronto para investir a longo prazo no futuro da humanidade. Também sua economia pulsional pessoal é definida de forma nova: enquanto o homem moderno sacrifica toda orientação desviante e submete suas particularidades à regra homogeneizadora, e portanto a tudo nivela, o espírito independente tenta criar uma nova hierarquia a partir de sua perspectiva singular. Para isso, o homem tem de destruir todos os preconceitos dominantes; para isso, ele tem de deixar de ser o último homem.

Conclusão

Procurou-se, neste artigo, tematizar a natureza e em particular o tipo de homem moderno, assim como as condições de possibilidade de tipos alternativos, a partir dos pontos de vista da dependência e da emancipação dos preconceitos. Até o momento os homens padeceram de diversos preconceitos porque eles não quiseram se arriscar a pensar independentemente. Era mais seguro, simples e confortável ser conformista. O terceiro livro examina as piores formas desse conformismo na sociedade ocidental do século XIX. Nietzsche tenta, a partir desse solo, criar um tipo oposto, anticonformista e individualista, que de fato permanece indeterminado e pode ser pensado no plural, já que ele evita qualquer imitação. Os franceses contra os alemães; os gregos contra os modernos; os aristocratas contra os burgueses; uma internacional de trabalhadores ou de judeus contra o nacionalismo; o espírito contra o materialismo, etc. Sua estratégia contra os preconceitos é a pluralização de perspectivas. Se um tipo de homem sem preconceitos é afinal possível é algo que permanece em aberto. Talvez não haja escapatória, mas é preciso pelo menos se satisfazer com a substituição de determinados preconceitos por outros, que sejam “melhores” (segundo diversos critérios hierárquicos, que uma formulação posterior apresentará como o desenvolvimento e a intensificação da vontade de potência) ou cujas consequências serão possivelmente menos deletérias. Nesse sentido, talvez o eterno-retorno e o além-do-homem não sejam nada além senão preconceitos de Nietzsche...

Em todo o caso, os elementos centrais da contraposição posterior entre o último homem e a moral de rebanho, de um lado, e o além-do-homem, de outro, já podem ser encontrados a partir da perspectiva do preconceito e no enquadramento de Aurora. Algumas figuras em Aurora, como o espírito livre, o desviante ou, no quinto livro, o pensador e o sábio21 21 O tom algo diferente do quinto livro é a razão da suposição de H. M. Wolff, rejeitada por Marco Brusotti, de que “Nietzsche teria escrito, primeiro, os primeiros quatro livros de Aurora, e só então o quinto” (Brusotti, 1997, p. 216; cf.Wolff, 1956, S. 133s). Brusotti mostra que a numeração das seções e sua divisão em cinco livros surgiram depois do documento que Wolff cita para sustentar sua hipótese. , são às vezes indicações interpostas que antecipam o novo tipo de homem. Nesse sentido, Aurora parece se dedicar, em grande parte, à crítica do último homem, a corporificação mais destacada do tipo de homem aporético da época de Nietzsche (e talvez também da nossa), enquanto a alternativa não permanece clara. Em Assim falava Zaratustra, ao contrário, seu tipo oposto, o além-do-homem, é destacado e colocado em primeiro plano (sem no entanto ficar muito explicado), enquanto a critica já estabelecida ao último homem tem a função principal de apresentar um impedimento para o surgimento do além-do-homem. Isso confirma a importância de Aurora, em sua relação complementar com Assim falava Zaratustra, assim como a afirmação posterior de Nietzsche: “Na leitura de ‘Aurora’ e da ‘Gaia Ciência’, achei, além disso, que ali não há quase nenhuma linha que não pudesse servir de introdução, preparativo e comentário ao chamado Zaratustra” (Carta a Franz Overbeck, de 7 de abril de 1884, KSB 6.496; ver também a carta para Resa von Schirnhofer, início de maio de 1884, KSB 6.502).

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  • 1
    É de notar que Nietzsche persegue em particular uma inversão da metaphysica specialis, para cuja divisão tripartite (psicologia, cosmologia e teologia) a maioria dos preconceitos podem ser remetidos. Essa posição é aprofundada em outra publicação.
  • 2
    Cf. NF/FP 1882, 4[171], KSA 10.162: “A oposição entre além-do-homem e último homem: criei este ao mesmo que aquele”. É evidente que a figura do além-do-homem, assim como o Assim falava Zaratustra, provocou mais comentário do que sua figura oposta.
  • 3
    Neste artigo, não se trata de analisar a figura do último homem no Zaratustra, mas, ao contrário, de acompanhar alguns traços fundamentais de sua caracterização, como ela é antecipada em AuroraNIETZSCHE, F. Aurora. Tradução: Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004., em relação aos preconceitos modernos. Sobre o último homem, ver: Goetz, 1998 GOETZ, B. “Le ‘dernier homme’ de Nietzsche”. In: Le Portique [online], 1, 1998, online. Acesso em 5 de julho de 2022. URL: http://journals.openedition.org/leportique/349 .DOI:https://doi.org/10.4000/leportique.349.
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    e 2016GOETZ, B. “Surhomme ou ‘Supersinge’” ? In:Le Portique[online], 37-38, 2016. Acesso em 5 de Julho de 2022. URL: URL: http://journals.openedition.org/leportique/2883 ; DOI : https://doi.org/10.4000/leportique.2883.
    http://journals.openedition.org/leportiq...
    ; Mattéi, 2006MATTEI J.-F. “Le dernier homme: ‘amour? création? désir? étoile?’” In: Noesis [online], 10, 2006. Acesso em 5 de julho de 2022, URL : http://journals.openedition.org/noesis/492 .
    http://journals.openedition.org/noesis/4...
    ; Constantinidès, 2006CONSTANTINIDES, Y. “‘Le désert croît…’. Nietzsche et l’avilissement de l’homme”. In:Noesis[online], 10, 2006, online. Acesso em 5 de Jullho de 2022. URL: http://journals.openedition.org/noesis/482 .
    http://journals.openedition.org/noesis/4...
    ; Shaw, 2014SHAW, T. “The ‘Last Man’ Problem: Nietzsche and Weber on Political Attitudes to Suffering”. In: KNOLL, M.; STOCKER, B. (orgs). Nietzsche as Political Philosopher. Berlin/Boston: Walter de Gruyter, 2014, p. 345-380., S. 345-380; Schmaus, 2016SCHMAUS, Th. “Nietzsches letzter Mensch als transhumanistische Dystopie”. In: HEIT, H.; THORGEIRSDOTTIR, S. (orgs). Nietzsche als Kritiker und Denker der Transformation. Berlin/Boston: Walter de Gruyter, 2016, p. 187-202., p. 187-202. Nesses estudos, são questionados a natureza humana, o humanismo de Nietzsche (Constantinidès) e ainda sua concordância com o pós e o trans-humanismo (Goetz, Schmaus), às vezes é discutida a dimensão política do último homem (Shaw), mas AuroraNIETZSCHE, F. Aurora. Tradução: Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. é raramente mencionado e ninguém examinou essa figura do ponto de vista dos seus preconceitos e de seu pendor aos preconceitos; ninguém questionou a último homem como um tipo de homem que se inclina ao autoengano e que, por essa razão, está condenado a um beco sem saída.
  • 4
    Markus Winkler (em preparaçãoWINKLER, M. “Nietzsches Figurationen des ‘letzten Menschen’ im Spannungsfeld von Welttheater, Eschatologie und Dystopie”. In: KAUFMANN, S.; A. U. SOMMER (orgs). Nietzsches Philosophien. Berlin/Boston: Walter de Gruyter (no prelo).) vê, em sua análise de M/A 49, KSA 3.53s, o último homem de forma mais nuançada do que como aqueles que encerram uma era e ao mesmo tempo antecipa uma nova; ele indica, no entanto, que esta segunda tarefa cabe ao além-do-homem, de sorte que o último homem permanece, antes de tudo, como uma figura do impedimento e da estagnação. Aproveito aqui para agradecer a Winkler pela oportunidade de ler seu texto antes da publicação. Sobre a tensão entre imago dei e o darwinismo, ver: Schmidt e Kaufmann, 2015SCHMIDT, J.; KAUFMANN, S. Kommentar zu Nietzsches Morgenröthe, Idyllen aus Messina. Berlin/Boston: Walter de Gruyter, 2015., S. 142.
  • 5
    http://www.nietzschesource.org/DFGA/Mp-XV-1,42. Ambos os termos da oração são precedidos pela abreviatura “Add”. Entretanto, deve-se notar que este é o único texto preparatório de M/A 49, de sorte que não é certeza se essa anotação curta foi pensada inicialmente como adendo a M/A 49. Talvez tenha sido considerada como continuação de outro texto. Em ambos os casos, o último homem possui uma importância particular em M/A 49, sendo seu elemento-chave. Sobre o humanismo: Simonin, 2023a SIMONIN, D. “Les illusions de la nature humaine : de l’humanisme aux sciences de l’homme”. In: BILATE, D. ; JULIÃO, J. N. (orgs). Nietzsche e o humanismo, in: Estudos Nietzsche, Espírito Santo, 2023a (in Vorb.).(em preparação).
  • 6
    Cf. NF/FP 1872, 19[131]; 1873, 29[181] e WS/AS 14, KSA 2.549.
  • 7
    SPENCER, 1875 SPENCER, H. Einleitung in das Studium der Sociologie. Leipzig: F. A. Brockhaus, 2 Bände, 1875 (BN).(BN). VER PARTICULARMENTE O VOLUME I, CAPÍTULO 8 E VOLUME II, CAPÍTULO 9-11. NIETZSCHE ADQUIRIU ESSES VOLUMES EM 1875 E ELES SE ENCONTRAM AINDA HOJE NA BIBLIOTECA PARTICULAR DE NIETZSCHE (CF. CAMPIONI ET AL., 2003CAMPIONI, G.; P. D’IORIO; M. C. FORNARI; F. FRONTEROTTA; A. ORSUCCI. Nietzsches persönliche Bibliothek. Berlin/New York: Walter de Gruyter, 2003., P. 578 [DORAVANTE: BN]). MARIA CRISTINA FORNARI (1998FORNARI, M. C. “Nachweis aus Herbert Spencer, Einleitung in das Studium der Sociologie. Zweiter Teil (1875)”. In: Nietzsche-Studien, Berlin, vol. 27, 1998, p. 558., P. 558) MOSTROU QUE ESSE LIVRO PODE SER VISTO COMO FONTE PARA FW/GC 43, KSA 3.409S; VER, DA MESMA AUTORA, 2006FORNARI, M. C. La morale evolutiva del gregge. Nietzsche legge Spencer e Mill. Pisa: ETS, 2006., P. 126. DIVERSAS PASSAGENS PODEM SER CONSIDERADAS COMO FONTES PARA AURORA. SPENCER REALIZA, POR EXEMPLO, UMA CRÍTICA À CREDULIDADE DOS LEVANTINOS EM RELAÇÃO ÀS MIL E UMA NOITES (I, P. 147), PASSAGEM MARCADA COM UM TRAÇO NA MARGEM. NIETZSCHE UTILIZA UMA COMPARAÇÃO COM RICHARD WAGNER PARA CRITICAR A SOCIEDADE OCIDENTAL MODERNA. “TODA ÉPOCA TEVE SEU CONTADOR DE MIL E UM NOITES. O NOSSO ATUAL É WAGNER” (NF/FP 1880, 4[3], KSA 9.103). SPENCER SUSTENTA “QUE EMBORA A NATUREZA HUMANA SEJA MODIFICÁVEL EM LARGA MEDIDA, NENHUMA MODIFICAÇÃO PODE SER REALIZADA DE FORMA BRUSCA” (I, P. 148, COM UM TRAÇO NA MARGEM E SUBLINHADO POR NIETZSCHE; VER TAMBÉM P. 149) E NIETZSCHE APROVEITA ESSA IDEIA, ENTRE OUTROS LUGARES, EM NF/FP 1880, 6[378], KSA 9.294 E EM M/A 534, KSA 3.305. SPENCER ESCREVE TAMBÉM: “NA MEDIDA EM QUE ADMITE QUE AS ESTRELAS SÃO IMÓVEIS E QUE AS MONTANHAS SÃO ETERNAS, CHEGA À CONCLUSÃO DE QUE O PRÓPRIO HOMEM CONTINUA IMUTÁVEL POR VÁRIOS SÉCULOS” (I, P. 148, COM DOIS TRAÇOS NA MARGEM), E NIETZSCHE USA ESSE ARGUMENTO, IRONICAMENTE, CONTRA ELE: “NADA MAIS ME INTERESSA DO QUE QUANDO ALGUÉM FAZ UM DESVIO SOBRE POVOS E ESTRELAS LONGÍNQUAS PARA ENFIM CONTAR ALGO SOBRE SI MESMO” (NF/FP 1880, 5[20], KSA 9.185). SPENCER IDENTIFICA “HÁBITOS INDUSTRIAIS COM HÁBITOS DE SUBORDINAÇÃO” (I, P. 248, COM UM DESENHO DE ORELHA DE BURRO) E NIETZSCHE SE LEMBRA, ENTRE OUTROS LUGARES, EM M/A 174 E 178-179, KSA 3.154SS, ASSIM COMO EM NF/FP 1880, 6[377], KSA 9.294: “O ESTADO INDUSTRIAL NÃO É MINHA ESCOLHA, COMO É A ESCOLHA DE SPENCER. SPENCER ADVERTE SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS DE “QUANDO METADE DA VIDA É GASTA EM ATIVIDADES CRIATIVAS” (II, P. 72, COM ORELHAS DE BURRO), E NIETZSCHE SE LEMBRA DISSO EM M/A 173, KSA 3.154 E, ALÉM DISSO, JÁ EM MA I/HH I 283, KSA 2.231S: “QUEM NÃO POSSUI DOIS TERÇOS DO DIA PARA SI É UM ESCRAVO”.
  • 8
    Na seção 19 de AuroraNIETZSCHE, F. Aurora. Tradução: Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. como um todo.
  • 9
    Daí a leitura posterior de August Krauss, 1884 KRAUSS, A. Die Psychologie des Verbrechens. Ein Beitrag zur Erfahrungsseelenkunde. Tübingen: H. Laupp, 1884 (BN).(BN) e Charles Féré, 1888 FERE, Ch. Dégénérescence et criminalité. Essai physiologique. Paris: F. Alcan, 1888 (BN).(BN). Alguns anos antes Samuel Butler, em seu romance Erewhon (1872), tratou, de forma original, da hipótese contrária de que numa sociedade imaginária os doentes seriam criminalizados. Sobre o criminoso, ver também: M/A 187 e 366, KSA 3.160 e 243, assim como Stellino (2009STELLINO, P. “Der Verbrecher bei Nietzsche und Dostojewskij”. In: Nietzscheforschung, Berlin, vol.16, 2009, p. 221-229., S. 221-229) e Balke (2003BALKE, F. Die “Figuren des Verbrechers in Nietzsches Biopolitik”. In: Nietzsche-Studien, vol.32, 2003, p. 171-205., p. 171-205).
  • 10
    Ver também M/A 164, KSA 3.147: “O desviante não deve ser mais sacrificado”.
  • 11
    Schmidt e Kaufmann, 2015SCHMIDT, J.; KAUFMANN, S. Kommentar zu Nietzsches Morgenröthe, Idyllen aus Messina. Berlin/Boston: Walter de Gruyter, 2015., p. 234-235, 252 et passim pensam observar aqui uma estratégia de (sobre)compensação. Sobre a aproximação entre consolação e divertimento em Blaise Pascal, cujos Pensamentos Nietzsche leu nessa época, ver: Simonin, 2023b SIMONIN, D. “Aspects de l’illusion : Nietzsche lecteur de Pascal”. In: Bocchetti, A., Caldarone, R.; Le Moli, A.; Rosciglione, C. (orgs.). The Hermeneutic Passion: Nietzsche and his Philosophers, in: Epekeina, Palermo, t.15, n.1, 2023b (no prelo).(em preparação).
  • 12
    Mais sobre o sentimento de potência, que se pode definir como o impulso mais fundamental e que está atrás de características psicológicas como o temor e a presunção, acima mencionados, e em particular o sentimento de potência ilusório, que repousa no cerne dessa lógica do preconceito: Simonin, 2022SIMONIN, D. Le Sentiment de puissance dans la philosophie de Friedrich Nietzsche. Paris: Classiques Garnier, 2022..
  • 13
    Em outro lugar isso é também chamado fanatismo, como em M/A 204, KSA 3.180.
  • 14
    Cf. Kant, KrV B 19KANT, I. Gesammelte Schriften, Bd. 3: Kritik der reinen Vernunft, zweite Auflage 1787. Berlin: Preussische Akademie der Wissenschaften, 1911.: “Tive portanto de suprimir o saber para dar lugar à crença”.
  • 15
    Cf. Schopenhauer, 1873 SCHOPENHAUER, A. Sämtliche Werke, Bd. 3: Die Welt als Wille und Vorstellung. Zweiter Band, welcher die Ergänzungen zu den vier Büchern des ersten Bandes enthält. Leipzig: F. A. Brockhaus, 1873 (BN).(BN), Cap. 43 e 44, p. 591-651 (com alguns rastros de leitura de Nietzsche). Nietzsche comprou o livro em 1875, mas se sabe que ele já tinha lido a principal obra de Schopenhauer em 1865. Cf. Sommer e Simonin, 2023 SOMMER, A. U.; SIMONIN, D. “Ce que Nietzsche a lu et ce qu’il n’a pas lu”. In: D’IORIO, P.; AVRIL, A.; SIMONIN, D. (orgs). Nietzsche et la France. Paris: CNRS Éditions, 2023 (no prelo).(em preparação).
  • 16
    Um texto preparatório se chama Napoleão: NF/FP 1880, 4[197], KSA 9.149.
  • 17
    Albert Camus lembrou que ele escreveu no caderno de anotações para O primeiro homem (2000CAMUS, A. Le Premier homme. Paris: Gallimard, 2000., S. 365-366): “Somos os primeiros homens - não aqueles do declínio como berram nos jornais, mas aqueles de uma aurora indecisa e diferente”. Cf. Mattéi (2006MATTEI J.-F. “Le dernier homme: ‘amour? création? désir? étoile?’” In: Noesis [online], 10, 2006. Acesso em 5 de julho de 2022, URL : http://journals.openedition.org/noesis/492 .
    http://journals.openedition.org/noesis/4...
    , § 2).
  • 18
    Ver também M/A 171, KSA 3.152: “Vivemos entre um passado que tinha um gosto mais insano e obstinado que o nosso, e um futuro que terá talvez um gosto mais seletivo - vivemos demasiado no meio.”
  • 19
    Ver também M/A 192, KSA 3.166 e então, nos livros seguintes, M/A 209 e 562, KSA 3.189 e 327.
  • 20
    Nietzsche pôde encontrar críticos do materialismo prático em diversos livros, como Lecky (s/dLECKY, W. E. H. Geschichte des Ursprungs und Einflusses der Aufklärung in Europa. Leipzig/Heidelberg: C. F. Winter, Bd. 2, o. J. (BN)., p. 259) (BN), com diversas anotações de Nietzsche em passagens sobre “doutrinas econômicas equivocadas” (ele sublinha) como do sistema mercantilista: “Essa doutrina se baseia na crença de que toda riqueza consiste em metais preciosos” (Nietzsche sublinha e escreve na margem: “estranho”, como Beat Röllin me confirmou, pelo que agradeço, Nietzsche toma distância dessa crença. Ver também Lange, (1887LANGE, F. A. Geschichte des Materialismus und Kritik seiner Bedeutung in der Gegenwart. Iserlohn/Leipzig: J. Baedeker, 1887 (BN)., S. 33) (BN). Nietzsche possuía também a primeira edição desta obra, que exerceu uma influência grande e duradoura em seu pensamento; ele comprou ainda a edição de 1887, a única que consta em sua biblioteca atualmente. Sobre essa leitura, ver sobretudo: Stack, 1983STACK, G. J.Lange and Nietzsche. Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1983..
  • 21
    O tom algo diferente do quinto livro é a razão da suposição de H. M. Wolff, rejeitada por Marco Brusotti, de que “Nietzsche teria escrito, primeiro, os primeiros quatro livros de AuroraNIETZSCHE, F. Aurora. Tradução: Paulo César Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004., e só então o quinto” (Brusotti, 1997BRUSOTTI, M.Die Leidenschaft der Erkenntnis. Philosophie und ästhetische Lebensgestaltung bei Nietzsche von Morgenröthe bis Also sprach Zarathustra. Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1997., p. 216; cf.Wolff, 1956WOLFF, H. M. Friedrich Nietzsche. Der Weg zum Nichts. Bern: Francke, 1956., S. 133s). Brusotti mostra que a numeração das seções e sua divisão em cinco livros surgiram depois do documento que Wolff cita para sustentar sua hipótese.
  • **
    Tradução de André Luís Mota Itaparica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2022
  • Aceito
    15 Nov 2022
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