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Quem são os meninos que fracassam na escola?

Who are the boys failing at school?

Resumos

Com o objetivo de conhecer as formas cotidianas de produção do fracasso escolar mais acentuado entre meninos nas séries iniciais do ensino fundamental, o artigo baseia-se em estudo desenvolvido entre 2002 e 2003 com o conjunto das crianças e professoras de 1ª a 4ª séries de uma escola pública do Município de São Paulo. Busca compreender os processos que têm conduzido um maior número de meninos do que meninas, e, dentre eles, uma maioria de meninos negros e/ou provenientes de famílias de baixa renda, a obter conceitos negativos e a ser indicados para atividades de recuperação. Conclui pela necessidade de discutir a cultura escolar como fonte importante na construção das identidades de meninos e meninas, seja na reprodução de estereótipos e discriminações de gênero, raça e classe, seja na construção de relações mais igualitárias.

RELAÇÕES DE GÊNERO; RAÇA; CLASSE SOCIAL


This article aims at understanding the every day situations producing greater school failure among boys rather than among girls in the early grades of elementary school. It is based on a study conducted between 2002 and 2003 involving the ensemble of students and teachers at grades first to fourth at a public school in the municipality of São Paulo. This study seeks to understand the processes leading to the fact that a greater number of boys than girls - mostly black boys and/or boys from low income households - get poor grades and are directed to revision classes. The study concludes that there is a need for debate on school culture once it is an important ingredient in shaping boys and girls identities, whether by reproducing stereotypes, gender, race and class discrimination or by building more equalitarian relationships.

GENDER RELATIONSHIP; RACE; SOCIAL CLASS


TEMA EM DESTAQUE

EDUCAÇÃO E GÊNERO

Quem são os meninos que fracassam na escola?

Who are the boys failing at school?

Marília Pinto de Carvalho

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo mariliac@usp.br

RESUMO

Com o objetivo de conhecer as formas cotidianas de produção do fracasso escolar mais acentuado entre meninos nas séries iniciais do ensino fundamental, o artigo baseia-se em estudo desenvolvido entre 2002 e 2003 com o conjunto das crianças e professoras de 1ª a 4ª séries de uma escola pública do Município de São Paulo. Busca compreender os processos que têm conduzido um maior número de meninos do que meninas, e, dentre eles, uma maioria de meninos negros e/ou provenientes de famílias de baixa renda, a obter conceitos negativos e a ser indicados para atividades de recuperação. Conclui pela necessidade de discutir a cultura escolar como fonte importante na construção das identidades de meninos e meninas, seja na reprodução de estereótipos e discriminações de gênero, raça e classe, seja na construção de relações mais igualitárias.

RELAÇÕES DE GÊNERO – RAÇA – CLASSE SOCIAL

ABSTRACT

This article aims at understanding the every day situations producing greater school failure among boys rather than among girls in the early grades of elementary school. It is based on a study conducted between 2002 and 2003 involving the ensemble of students and teachers at grades first to fourth at a public school in the municipality of São Paulo. This study seeks to understand the processes leading to the fact that a greater number of boys than girls – mostly black boys and/or boys from low income households – get poor grades and are directed to revision classes. The study concludes that there is a need for debate on school culture once it is an important ingredient in shaping boys and girls identities, whether by reproducing stereotypes, gender, race and class discrimination or by building more equalitarian relationships.

GENDER RELATIONSHIP – RACE – SOCIAL CLASS

Em novembro e dezembro passados, diversos jornais brasileiros traziam em suas manchetes elogios ao sistema escolar brasileiro, apresentado ao mundo como exemplo, por um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef – a respeito das desigualdades entre os sexos no ensino fundamental. "País cumpre a meta de matricular mesma proporção de alunos e alunas", estampava a Folha de S.Paulo (2003), por exemplo, destacando que as moças obteriam melhores resultados escolares que os rapazes porque estes deixariam a escola para trabalhar e garantir o sustento da família. Na mesma linha, outros veículos, como O Globo (2003), apontavam o Bolsa Escola como um programa capaz de enfrentar esse problema, ao retirar as crianças do trabalho.

Bem mais ponderado, o texto original do relatório do Unicef (Bellamy, 2003) não apenas indica que o fenômeno do fracasso escolar dos meninos, até recentemente considerado um problema típico dos países industrializados, é já há algumas décadas uma característica da maioria dos países latino-americanos e do Caribe, como também afirma que essa "desigualdade invertida de gênero não é um fenômeno simples, mas ao contrário um tema no qual fatores relacionados com o gênero se combinam com questões raciais e de classe" (p.67, tradução minha). Diferentemente da interpretação oferecida pela imprensa, o relatório enfatiza o desinteresse dos rapazes pela educação escolar, articulando-o tanto com "sua socialização tradicional como homens" (p.64), quanto com as práticas escolares e as dificuldades de ingresso no mercado de trabalho.

A experiência de pesquisa que tenho acumulado desde 1999, na tentativa de explicar as diferenças de desempenho escolar entre os sexos nas séries iniciais do ensino fundamental, leva-me a concordar com essa ênfase do organismo internacional na complexidade do tema e na multiplicidade de fatores envolvidos. Após um estudo preliminar em uma escola municipal (Carvalho, 2001) e uma pesquisa qualitativa com duas classes de 4ª série, na qual investiguei os critérios de avaliação das professoras (Carvalho, 2001a), convenci-me integralmente da impossibilidade de investigar as diferenças de desempenho escolar entre meninos e meninas sem considerar as desigualdades de classe e, especialmente, de raça ou cor, como indicam outros estudos sobre o tema (Silva et al., 1999; Rosemberg, 1992, 2001).

Contudo, ao buscar aprofundamento nesta questão, percebe-se que, se há na Sociologia da Educação brasileira uma razoável bibliografia sobre as diferentes imbricações de classe social e desempenho escolar, herdeira especialmente da corrente francesa que se desenvolveu com base na obra de Pierre Bourdieu, o mesmo não se pode dizer das desigualdades raciais. Entre os textos que foi possível localizar, destaco o clássico de Maria Helena Souza Patto (1990), que já apontava o peso do racismo vigente em nossas escolas na produção do fracasso escolar, e a coletânea organizada por Fulvia Rosemberg e Regina Pahim Pinto (1987) em edição especial dos Cadernos de Pesquisa, a partir dos resultados de um seminário realizado em 1986, na qual estão presentes diversos textos seminais dos debates desenvolvidos a partir de então.

Ao mesmo tempo, um levantamento da literatura estrangeira mostra a existência de uma discussão relativamente ampla e antiga sobre o tema, tanto nos EUA como na França, na Inglaterra, no Canadá e na Austrália. A pergunta sobre quem são os meninos que vão mal na escola tem sido feita com insistência, especialmente por feministas de língua inglesa, no esforço de contrapor-se a discursos essencialistas e conservadores, bastante difundidos em seus países, discursos que falam de uma escola feminilizada, que prejudicaria os meninos em geral, acusando as professoras e o movimento feminista por um indiscriminado fracasso escolar do sexo masculino, no bojo de uma pretensa "crise da masculinidade"1 1 Entre muitos outros exemplos, pode-se citar a coletânea Failing boys? Issues in gender and achievement (Epstein et al., 1998), como obra que tem esse propósito como objetivo central. . Esses estudiosos e estudiosas têm-se preocupado não apenas em mostrar que a maioria dos meninos com dificuldades escolares pertence a minorias raciais e étnicas e provém de famílias de baixa renda, mas também em desmontar os estereótipos de mau aluno que estigmatizam os meninos negros e pobres, considerando-os a priori como fracassados, rebeldes, machistas, violentos etc. (Sewell, 1998; Ferguson, 2000). Essa literatura, que articula teórica e empiricamente as questões racial e de gênero com os temas do desempenho acadêmico e da violência escolar, é pouco conhecida e pouco explorada no Brasil, o que certamente contribui para o empobrecimento da compreensão da temática no país.

Tendo em vista esses elementos, o objetivo de conhecer as formas cotidianas de produção do fracasso escolar mais acentuado entre meninos impôs a necessidade de investigar as interações entre professores, professoras, alunos e alunas, sempre perpassadas por um conjunto de desigualdades sociais de raça, classe e gênero, assim como os critérios de avaliação adotados explícita ou implicitamente, mais ou menos conscientemente, pelos encarregados de avaliar os alunos. Não se trata, no caso desta pesquisa, de discutir se meninos ou meninas, negros ou brancos são mais aptos, mais rápidos ou mais afeitos à aprendizagem escolar em geral ou a alguma aprendizagem específica, mas sim de compreender os processos que têm conduzido um maior número de meninos que meninas e, dentre eles, uma maioria de meninos negros que brancos a obter notas baixas ou conceitos negativos, e a ser indicados para atividades de recuperação.

Com esses objetivos, desenvolvi entre 2002 e 2003 um estudo com o conjunto das crianças e professoras de 1ª a 4ª séries de uma escola pública no Município de São Paulo. Foram feitas entrevistas semi-estruturadas com as oito professoras de classe, com a coordenadora pedagógica e com a professora de Educação Física2 2 Todas as entrevistas foram realizadas na escola, em horários de trabalho pedagógico das professoras, e contaram com a presença da pesquisadora e uma auxiliar de pesquisa. Foi utilizado um roteiro de itens e as conversas foram gravadas e transcritas posteriormente. Duraram em média uma hora. ; um questionário de caracterização socioeconômica foi preenchido pelas famílias de alunos e alunas; e um breve questionário de autoclassificação racial foi respondido pelas crianças em sala de aula3 3 Agradeço a colaboração de Marina Figueiredo, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, e de Amélia Artes, aluna do mestrado em Educação da Faculdade de Educação da USP, que atuaram como auxiliares de pesquisa. . Trata-se da mesma escola na qual tenho desenvolvido pesquisas desde o ano de 2000, o que me assegura familiaridade com seu funcionamento e com as profissionais envolvidas no ensino das séries iniciais.

A escola atende a 670 alunos do ensino fundamental e médio, em dois períodos de funcionamento: das 7h:30 às 12 horas, estudam os jovens de 6ª série do fundamental até o 3º ano do médio; e das 13 às 17 horas, as crianças de 1ª a 5ª série do ensino fundamental. São quarenta professores e professoras, todos com curso superior e quase todos com jornada de 40 horas semanais, com um máximo de 20 horas em sala de aula e as demais voltadas a reuniões, preparação de aulas e aperfeiçoamento profissional. A equipe técnica conta com duas orientadoras educacionais e uma coordenadora pedagógica, além de diretor e vice-diretor, e os serviços de apoio operacional e secretaria dispõem de quatro inspetores de alunos, um técnico de laboratório, uma bibliotecária, um técnico de manutenção, um porteiro, uma secretária e cinco auxiliares administrativos, além de doze funcionários de limpeza. O prédio é grande, arejado e espaçoso, embora apresente problemas de conservação que chegam a comprometer o uso de determinados espaços.

Como se pode depreender, apesar de pertencer à rede pública, essa escola apresenta características próprias e condições de funcionamento particularmente adequadas. Todas as classes contam com trinta alunos e mesclam crianças provenientes de setores populares, médios e médios intelectualizados, abrangendo um grupo bastante heterogêneo em termos socioeconômicos, étnico-raciais e culturais, particularmente se comparada à homogeneidade que geralmente se encontra tanto nas escolas públicas de periferia, quanto nas escolas particulares de elite, numa cidade como São Paulo.

Essa pesquisa teve como foco as oito classes de 1ª a 4ª séries, com um total de 243 crianças. Nas duas primeiras séries elas são atendidas por uma única professora de classe, contando ainda com aulas de Educação Física e Artes, oferecidas por professores especialistas. Na 3ª e 4ª séries, além dos especialistas, as professoras dividem entre si as disciplinas, uma ensinando Português e Estudos Sociais e a outra Matemática e Ciências para ambas as classes de cada série.

Desde 1999, a escola adotou o sistema de avaliação por conceitos – PS (plenamente satisfatório), S (satisfatório) e NS (não satisfatório) – com dois ciclos no ensino fundamental (de 1ª a 4ª e de 5ª a 8ª séries), ao final dos quais pode haver retenção. Existe um sistema de recuperação paralela ao longo de todo o ano, chamado de "oficinas de reforço", que é oferecido pela própria professora de classe nas primeiras séries ou da matéria, nas séries finais. No caso das séries iniciais, que pesquisei, essas oficinas ocorriam pela manhã, uma vez por semana, com duração de duas horas e meia. As próprias professoras indicavam os alunos para o reforço e alguns permaneciam durante todo o ano, enquanto outros, que apresentavam dificuldades pontuais, eram atendidos por períodos variáveis e depois dispensados. Embora todos os alunos com NS tivessem direito a freqüentar o reforço, nem todos o faziam. Também havia alunos com conceito S, indicados pela professora para as oficinas, não existindo portanto uma relação estrita entre conceito obtido e indicação para o reforço. Na 1ª série havia um trabalho específico de apoio à alfabetização, desenvolvido pela coordenadora pedagógica, e na 4ª série um reforço especial para alunos com maiores dificuldades, principalmente na leitura e escrita.

CONSTRUINDO OS DADOS

As tabelas de 1 a 8 e os gráficos 1 e 2 sintetizam alguns dos resultados, com ênfase para os diferentes tipos de problemas escolares. A primeira linha de cada tabela traz os dados gerais para as oito classes, considerando um total de 203 crianças4 4 Foram retiradas da base de dados 40 crianças que não responderam ao questionário de autoclassificação racial ou que se autoclassificaram ou foram classificadas pelas professoras como "indígenas" ou "amarelos", principalmente devido às dificuldades dos alunos diante dessas classificações. Assim, dos 243 alunos de 1ª a 4ª séries, considerei apenas 203, concentrando a análise nas desigualdades raciais entre brancos e negros ("pretos" ou "pardos"). . Os conjuntos seguintes foram construídos a partir das indicações das professoras nas entrevistas, quando lhes perguntei: quem eram os alunos ou alunas que em algum momento do ano letivo de 2002 haviam sido indicados para o reforço (incluídas as atividades especiais desenvolvidas junto às 1ªs e às 4ªs séries); quem eram as alunas ou alunos que causavam problemas de disciplina; e, finalmente, quem elas elogiariam como bons ou boas alunos/as. Também foi consultado o livro de ocorrências da escola, no qual estão registrados casos de indisciplina que ocasionaram punições formais, como comunicação aos pais, suspensão ou expulsão. As crianças que não foram mencionadas em nenhuma dessas situações compõem o grupo de "não citados". Deve-se lembrar que há superposições entre os grupos, já que tanto algumas crianças indicadas para o reforço como outras elogiadas por seu desempenho tinham também problemas de disciplina.



A renda mensal familiar foi obtida mediante questionário respondido pelas famílias5 5 Elaborado de comum acordo com a escola, o questionário incluía outros itens e foi entregue pelas professoras às crianças, que o levaram para casa. Foram devolvidos 230 questionários respondidos. . Em algumas tabelas, considerou-se dois grupos – famílias com renda mensal inferior a dez salários mínimos e com renda igual ou acima desse valor – e em outras, procurou-se detalhar a informação, dividindo os alunos em faixas de renda mais precisas. Enquanto o sexo das crianças não foi difícil de determinar, sua cor ou raça é considerada uma "variável dependente", isto é, uma classificação ambígua, não fixa e que busquei estudar exatamente em suas relações com as demais "variáveis"6 6 O conceito de raça adotado é o de "raça social", conforme explicitado por Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, isto é, não se trata de um dado biológico, mas de "construtos sociais, formas de identidade baseadas numa idéia biológica errônea, mas eficaz socialmente, para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios" (1999, p.153). . Procurei perceber se a classificação de cor ou raça das crianças feita pelas professoras (heteroatribuição) variava conforme o sexo, renda familiar, o desempenho e comportamento escolares, comparando-a com a classificação feita pelas próprias crianças (auto-atribuição) e não considerei nenhuma delas a classificação verdadeira ou a mais adequada7 7 Esta abordagem está baseada em Telles (2003) e em Telles e Lim (1998). .

A auto-atribuição foi obtida mediante pequeno questionário respondido pelas crianças em sala de aula, com uma questão aberta e uma fechada, utilizando as categorias de cor da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – FIBGE (preto, pardo, branco, amarelo e indígena). Já a heteroclassificação foi solicitada às professoras durante as entrevistas, quando, tendo à frente a lista de alunos, elas indicaram como classificariam cada um/a, utilizando os mesmos critérios de cor da FIBGE8 8 As diferenças entre essas duas formas de classificação e a complexidade do processo de atribuição de raça ou cor no âmbito escolar, assim como suas conseqüências para o desempenho de meninos e meninas não serão exploradas detalhadamente neste artigo por questões de espaço. .

No caso das classes de 3ªs e 4ªs séries, atendidas por duas professoras, cada criança foi heteroclassificada duas vezes, gerando um grupo de "discordâncias", casos em que as professoras não concordaram em relação à cor do aluno. Tomando-se a cor (branco, preto ou pardo), houve 19 discordâncias entre as professoras. Mas tomando-se a raça, quando se considera apenas brancos e negros (agrupando pretos e pardos), são 14 divergências. Assim, algumas tabelas apresentam um total de 189 alunos, excluindo essas 14 discordâncias entre professoras.

Todas as entrevistadas demonstraram algum incômodo com essas categorias, particularmente "pardo" e "preto". Geralmente, apenas alunos classificados como pardos ou pretos foram objeto de comentários, dúvidas, explicitação de critérios e mudanças de opinião, enquanto as classificações como brancos ocorreram mais rápida e silenciosamente. Todas as educadoras, ao final, mencionaram ter considerado principalmente a cor da pele em sua classificação e secundariamente outros traços como tipo de cabelo. A distinção entre branco e pardo apareceu como maior dificuldade:

Porque preto, amarelo e índio a gente não tem muita... o índio, até que às vezes a gente fica em dúvida se é índio ou pardo, no caso da D., por exemplo. Mas... eu acho que entre o branco e o pardo é mais complicado. Porque o branco existe várias tonalidades. Mesmo até o sol faz diferença. Eu, na verdade, estou moreninha. Estou morena por causa do feriado, peguei um sol danado na praia, mas eu sou muito mais branca que isso. Então, a cor de pele às vezes varia.

Embora não fossem generalizados, preconceitos explícitos estiveram presentes em algumas falas, assim como certa curiosidade em saber como as crianças tinham se autoclassificado:

A J. é pardinha, tem o cabelo ruim, hem [ri]. Esse menino aqui eu vou colocar PA, para você saber que é pardo. O J., a mãe dele é bem preta, retinta, mas ele é branco, fazer o quê? [ri]. A mãe dele é bem acentuada, o cabelo ruim, mesmo, daqueles bem "bombril"; mas ele deve ter colocado branco. A L. também é branca. Esse L. eu classificaria como preto. Como dizia a minha bisavó – minha bisavó era dona de escravos, então na minha família o preconceito era muito forte. Pro meu pai, preto para ser bom tinha de ter alguma coisa de branco, pelo menos a alma. Você lembra disso?

Todas as professoras relataram que a questão racial não era objeto de discussão na equipe escolar:

Não, entre colegas, assim, uma vez ou outra eu acho que a gente acaba falando alguma coisa a respeito, mesmo porque preconceito não é só racial, existe em qualquer instância, né? E a gente acaba discutindo essas questões. Alguma discussão específica, não me recordo agora, provavelmente nós devemos ter discutido sobre isso.

E isso levava a que o tema fosse tratado apenas esporadicamente com as classes, de acordo com as convicções pessoais de cada professora, e geralmente diante de situações de conflitos e xingamentos racistas entre as crianças:

Eu trabalho muito esse tipo de coisa com as crianças. [...] O que é que a gente tem de comum, o que é que a gente tem de diferente. Somos todos iguais, a gente não fala isso? [...] Então, ontem mesmo, a gente estava trabalhando em função justamente disso: "Olha, se eu tiver cabelo crespo, continuo ser humano" [sic].

Como estou há bastante tempo trabalhando com Matemática e Ciências, eu discuto, mas só assim... na classe, é momentâneo, quando tem alguma crise entre os alunos por conta de cor. A gente conversa, discute, mostra as diferenças e as semelhanças. Agora, eu não costumo trabalhar o tema porque ele é mais trabalhado em Língua Portuguesa e em História e Geografia.

Contudo, parece que a própria situação de pesquisa na escola e principalmente a presença de uma professora de Educação Física negra, bastante atenta às questões de discriminação racial, vinham modificando esse quadro e criando condições para uma discussão coletiva do tema, como indicou a coordenadora pedagógica:

Eu acho que tem sido uma coisa que as pessoas estão ficando mais atentas. Eu acho que assim, por exemplo, não sei como foi sua entrevista com os professores, mas todos os professores dizem que não são preconceituosos, que não tem nada disso, mais ou menos como senso comum. Mas eu acho que é muito interessante a gente ter uma oportunidade de ficar mais atento a essa questão.

Finalmente, lembremos que todos os números neste caso são muito pequenos do ponto de vista estatístico, não se tratando de um estudo quantitativo, mas de um esforço para analisar alguns dados de forma comparativa, daí a utilidade das porcentagens, que foram sempre arredondadas para números inteiros. Essas proporções devem ser tomadas apenas como indicadores de tendências e é preciso olhar com cautela as pequenas variações.

PROBLEMAS ESCOLARES, ELOGIOS E INVISIBILIDADES

Um primeiro olhar para as tabelas obtidas revela que, dos 203 alunos em estudo, 67 estiveram no reforço e 43 têm problemas de disciplina, num total de 91 crianças com algum problema escolar. Ao mesmo tempo, 60 crianças foram elogiadas por seu desempenho e 65 não foram mencionadas, seja para elogios seja para queixas.

Seguindo a tabela 1, pode-se afirmar que a renda faz diferença para o desempenho escolar dos alunos dessa escola, particularmente para as crianças provenientes de famílias com rendimento mensal até cinco salários mínimos ou, no outro extremo, aquelas cujas famílias têm os rendimentos mais altos. Os alunos e alunas com renda familiar até cinco salários mínimos, perfazendo 22% do total da escola, são 36% entre os indicados para o reforço, uma diferença de 14 pontos percentuais a mais. Já aquelas pertencentes a famílias com renda mensal entre cinco e dez salários mínimos formam o grupo mais numeroso na escola, correspondendo a 37%, mas constituem apenas 28% dos alunos em reforço, uma diminuição de nove pontos percentuais. Na faixa de renda seguinte essa diminuição não se verifica e as crianças estão representadas exatamente na mesma proporção (22%) tanto na escola quanto no reforço. Já aquelas provenientes de famílias com renda acima de 20 salários mínimos mensais representam apenas 13% do total de alunos e estão em proporção ainda menor no reforço (6%). Isso significa que mais da metade (53%) das crianças na faixa de renda mais baixa (até cinco salários mínimos) está no reforço, enquanto o mesmo acontece com apenas 15% daquelas pertencentes a famílias com renda mensal acima de 20 salários mínimos.

Já entre os merecedores de elogio, as crianças de famílias com mais alta renda estão representadas numa proporção que é mais que o dobro de sua presença na escola: 28% entre os elogiados, sendo apenas 13% na escola. A proporção de elogiados decresce à medida que decresce a renda, e os alunos na faixa entre cinco e dez salários mínimos já estão sub-representados (são 37% da escola e 33% dos elogiados). Aqueles pertencentes à faixa de renda mais baixa (até cinco salários mínimos), sendo 22% na escola, são apenas 12% entre os apontados como bons alunos9 9 Um olhar mais detalhado sobre o grupo de 16 crianças com renda familiar até dois salários mínimos revela uma proporção grande de alunos elogiados entre elas: são quatro, correspondendo a 25%. Seria interessante que se desenvolvesse uma pesquisa específica sobre as trajetórias escolares dessas crianças e o significado para elas e suas famílias do fato de terem tido acesso a essa escola, considerada de boa qualidade e até mesmo um privilégio. .

A destacar que nenhuma criança cuja família deixou de preencher o questionário socioeconômico ("sem informação") foi elogiada pelas professoras.

Quanto à disciplina, porém, a renda não é decisiva e em quase todas as faixas as crianças estão representadas no grupo com problemas disciplinares em proporções próximas à sua presença na escola, com exceção da faixa entre cinco e dez salários mínimos, sobre-representada em sete pontos percentuais entre os indisciplinados (37% na escola e 44% no grupo). As crianças de famílias nessa faixa de renda são também as menos visíveis para as professoras, constituindo quase a metade do grupo de "não citados" (46%). Há um grupo de 14 crianças que é elogiado pelas professoras em termos de seu desempenho, mas apresenta problemas de disciplina; desse grupo, nove são meninos e nove provêm de famílias com renda mensal acima de dez salários mínimos.

Considerando o sexo dos alunos e alunas (Tab. 2), percebe-se que é um fator decisivo para ambos os tipos de problema e de forma mais marcante do que a renda tomada isoladamente. Enquanto os meninos são 49% na escola, eles são 65% no reforço e 71% no grupo com problemas de disciplina (diferenças positivas de 16 e 22 pontos percentuais, respectivamente). Já com as meninas acontece o inverso: elas são 51% na escola, mas apenas 34% no reforço e 28% nos problemas disciplinares, neste último caso, uma diferença de 23 pontos percentuais para baixo. As meninas são mais elogiadas e menos visíveis que os meninos, compondo 65% do grupo de "não citados".

Também a raça atribuída pelas professoras corresponde a diferenças significativas na composição do grupo de reforço: enquanto percebem 28% de todas as crianças da escola como negras (pretas ou pardas), no reforço essa proporção é de 38%. Isto significa que 28% das crianças percebidas como brancas e 43% das percebidas como negras têm problemas de aprendizagem. É também significativamente maior a proporção de alunos percebidos como brancos entre os elogiados (oito pontos percentuais a mais que no conjunto da escola), resultando no fato de que 32% dos classificados como brancos e apenas 21% dos negros tenham recebido elogios. Contudo, no que se refere à disciplina, a percepção é de proporções de negros muito semelhantes no total da escola e entre os alunos com problemas (28% e 29% respectivamente); ou, visto de outra forma, de acordo com a classificação das professoras, exatamente 20% do total de alunos brancos e 20% dos negros são indisciplinados.

Para comparar as tabelas 3 e 4 é preciso atentar para o fato de que as professoras tenderam a classificar um número muito maior de alunos como brancos do que eles mesmos o fizeram na auto-atribuição de cor. Para as educadoras, seriam 136 crianças brancas e 53 negras (pretas ou pardas), enquanto para os alunos e alunas seriam 80 brancos e 109 negros. Considerando-se estes dados, podemos observar que, segundo a autoclassificação, alunos negros e brancos estão representados em proporções quase equivalentes a seu total na escola dentro dos diferentes grupos de problemas escolares, particularmente no reforço. Isto é, de forma diferente da percepção das professoras, para alunos e alunas não havia maior concentração de negros no reforço e apenas pequena diferença nas proporções de crianças não citadas e elogiadas, em relação ao conjunto da escola. No que se refere à disciplina, porém, os alunos autoclassificados como brancos estão sobre-representados em dez pontos percentuais.

Considerando alguns desses dados de forma conjunta, pode-se constatar, na tabela 5, que uma renda maior diminui mas não é suficiente para contrabalançar o peso do sexo na definição do grupo de alunos com problemas escolares. Os meninos de todas as faixas de renda familiar estão sobre-representados no grupo com dificuldades de aprendizagem. Enquanto foram indicadas para reforço apenas 16% das meninas com renda mensal familiar acima de dez salários mínimos e 26% daquelas com renda inferior, os meninos são indicados na proporção de 38% entre os de renda superior e 45% no grupo com renda familiar abaixo de dez salários mínimos. Quanto à disciplina, essas faixas de renda praticamente não fazem diferença e temos 32% e 35% de meninos provenientes de famílias com rendas mensais respectivamente acima e abaixo de dez salários mínimos entre os indisciplinados, enquanto as meninas comparecem na proporção de 13% e 12%, o que nos leva a concluir que o fator principal na definição do grupo com problemas de disciplina é o sexo e não a renda, enquanto no reforço esses dois fatores se combinam.

Já para os elogios, a renda parece ser determinante, embora o sexo tenha algum peso, favorecendo as meninas: são destacados como bons alunos 44% dos meninos e 49% das meninas provenientes de famílias de renda alta, mas apenas 19% dos garotos e 25% das garotas de renda mais baixa.

A raça atribuída pelas professoras também não chega a inverter a influência do sexo, mas soma-se a ela e, dessa forma, meninos percebidos como brancos ou negros estão presentes em proporções mais altas do que as crianças de sexo feminino, tanto no reforço quanto nos problemas disciplinares. A destacar que meninos percebidos como negros pelas professoras estão presentes no grupo com dificuldades de aprendizagem numa proporção (28%) que é o dobro de sua presença na escola (14%), o que significa que 63% deles estão no reforço, enquanto isso acontece com apenas 35% dos garotos percebidos como brancos (ver Gráf. 1). No caso do desempenho de meninos percebidos como negros, raça atribuída e sexo combinam-se de forma perversa e, embora numericamente sejam poucos, eles estão em proporção especialmente alta entre os alunos com dificuldades de aprendizagem (ver Gráf. 1).

Ao mesmo tempo, entre os indisciplinados, estão praticamente um terço tanto dos meninos vistos como brancos (20 em 63), quanto dos classificados como negros (8 em 27). Isso parece indicar que há uma correlação entre a raça atribuída pelas professoras e a presença de dificuldades de aprendizagem entre as crianças de sexo masculino, o que não acontece com os problemas de disciplina. Essa correlação contradiz uma expectativa e uma imagem social, presentes de forma marcante na mídia brasileira, que associa o pertencimento à raça negra a características como violência e agressividade. Essa associação é relatada com muita freqüência na literatura internacional (Connolly, 1998; Ferguson, 2000), indicando que os estereótipos a respeito de uma suposta violência dos homens negros são transferidos para os meninos, transformados em potenciais suspeitos de toda indisciplina, como por exemplo, na análise de Paul Connolly dos discursos correntes entre os professores de uma escola primária de Londres:

Na medida em que esses discursos eram eles mesmos construídos por meio de estereótipos racistas relacionados a uma suposta natureza indisciplinada e violenta dos homens negros, não era surpreendente que os meninos negros na escola tendessem a tornar-se agudamente visíveis em momentos de crise. Isto é, pode-se argumentar que quanto mais o/a professor/a era forçado a agir rapidamente, sem a oportunidade de investigar e discernir qual criança era a principal culpada por qualquer indisciplina específica, mais esses discursos racializados tinham tendência de encorajar alguns professores a focalizar nas crianças negras em meio ao mar de rostos nas assembléias ou nas salas de aula. (Connolly, 1998, p.78, tradução minha)

Entretanto, contrariando essas expectativas, pelo menos no caso dessa escola a associação da heteroclassificação como negro com o baixo desempenho na aprendizagem era mais intensa do que com problemas de comportamento, embora não se possa esquecer que ambos os problemas – de disciplina e desempenho – aparecessem correlacionados nas falas das professoras, levando à indicação para o reforço.

Já entre as meninas, aquelas percebidas como negras estavam ligeiramente mais representadas em ambos os grupos de problemas que suas colegas classificadas como brancas. Mais uma vez cabe ressaltar que o sexo é um fator preponderante: em qualquer dos grupos raciais (conforme a percepção das professoras) a proporção de meninos é superior à das meninas e as porcentagens de meninas brancas e negras estão muito próximas entre si.

As crianças de famílias com renda acima de dez salários mínimos e percebidas como negras são somente dez em toda a escola e são muito visíveis para as professoras: nenhuma delas deixou de ser citada (Tab. 7). No caso dessas crianças, a renda não tem peso suficiente para livrá-las dos problemas de aprendizagem: 40% delas (quatro em dez) estão no grupo de reforço, exatamente a mesma proporção (40%) dos alunos de renda baixa classificados pelas professoras como negros. Já para as crianças percebidas como brancas, entre as provenientes de famílias na faixa de renda acima de dez salários mínimos, 25% estão no reforço e entre as de famílias de renda baixa, 37%, índice muito próximo ao das crianças negras de qualquer renda (ver Gráf. 2). Destaquemos ainda que são elogiados como bons alunos 37% dos brancos e apenas 20% dos negros (heteroatribuição) com renda acima de dez salários mínimos. Essas proporções são bastante eloqüentes para nos permitir afirmar que a atribuição de raça feita pelas professoras não se relacionava exclusivamente às características fenotípicas das crianças e à renda de suas famílias, mas também a seu desempenho escolar. Se consideramos que a avaliação escolar utilizada neste caso é construída pelas próprias professoras, podemos supor tanto que elas tendem a perceber como negras as crianças com fraco desempenho, com relativa independência de sua renda familiar, quanto que tendem a avaliar negativamente ou com maior rigor o desempenho de crianças percebidas como negras. Cabe enfatizar que não se trata de acusar as professoras de uma deliberada discriminação racial, mas de perceber como o racismo presente na sociedade como um todo percorre também as relações escolares, se não for combatido por meio de um debate coletivo e de um esforço permanente de autocrítica.

Com relação à disciplina, parece haver um problema específico junto ao pequeno grupo de dez crianças de renda alta que as professoras percebem como negras: quatro delas (40%) são indisciplinadas, índice muito mais alto do que em todos os demais grupos, já que têm problemas disciplinares apenas 16% das crianças de renda alta e 24% das de renda baixa vistas como brancas, ao lado de 19% das de renda baixa percebidas como negras (ver Gráf. 2). Uma investigação específica sobre esse grupo poderia revelar os processos de construção tanto das posturas das crianças quanto das percepções das professoras, possivelmente um círculo em que cada pólo reforça e confirma atitudes e pressupostos do outro pólo.

Como já mencionado anteriormente, considerando-se a autoclassificação racial (Tab. 8), as proporções de alunos com problemas e no conjunto da escola aproximam-se muito. Chamam a atenção, nessa tabela, a alta proporção, entre os "não-citados", de alunos com renda familiar até dez salários mínimos e que se classificam como negros10 10 Embora a maior parte dos detalhes sobre esse processo de auto-atribuição de cor não esteja desenvolvida neste artigo, cabe ressaltar que, no total, apenas 13 crianças se autoclassificaram como "pretas", enquanto 103 o fizeram como "pardas". , assim como a forte presença de alunos de renda alta, autoclassificados como brancos, no grupo elogiado.

DESIGUALDADES SOCIOECONÔMICAS

Deste conjunto de dados, podemos deduzir que os problemas de aprendizagem nessa escola – da forma como são percebidos pelas professoras, levando-as a indicar a criança para o reforço – estão relacionados à renda familiar até cinco salários mínimos, ao sexo masculino e à heteroclassificação como negro (preto ou pardo). Em linhas gerais, esse resultado tem semelhanças com o que se encontra no país como um todo e mesmo no plano internacional, quando se mede o desempenho das crianças por meio de testes padronizados.

Maria Lígia de Oliveira Barbosa (1999), por exemplo, analisando o resultado de testes de Linguagem e Matemática aplicados a crianças de 4ª série do ensino fundamental do Rio de Janeiro, no bojo de uma pesquisa de âmbito internacional, concluiu que as variáveis mais significativas na explicação das diferenças de desempenho foram o sexo da criança, a escolaridade da mãe, os anos de pré-escola freqüentados e a existência de seguridade social na família (estes três últimos tomados como indicadores do status socioeconômico da família). Assim, a posição social dos alunos seria o fator central na determinação do desempenho escolar, com o sexo pesando a favor das meninas, particularmente na prova de Linguagem.

Maria Eugenia Ferrão e colaboradores (2001), com base nos resultados nacionais do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica –Saeb – de 1999, também encontraram uma clara correlação entre o nível socioeconômico e o desempenho dos alunos de 4ª série no teste. Dados do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – Inep – sobre os resultados do Saeb 2001 – vão na mesma direção (Inep/ MEC, 2003).

No caso de nosso estudo, é possível supor que o nível socioeconômico do aluno tenha menor influência no desempenho escolar em comparação com dados nacionais, devido ao fato que, na população como um todo, à baixa renda soma-se o acesso a um ensino de pior qualidade (escolas menos equipadas, professores com menor qualificação etc.). O assim chamado "efeito escola", isto é, o impacto de fatores ligados à qualidade da escola e dos professores sobre o desempenho dos alunos, tem sido estudado por diversos autores. Maria Eugenia Ferrão e Cristiano Fernandes (2001), por exemplo, utilizando os dados do Saeb de 1997 para o desempenho em Matemática dos alunos de 4ª série da região Sudeste do país, encontraram evidências de que "as variáveis de infra-estrutura e equipamentos escolares têm forte impacto na proficiência dos alunos", assim como as "características associadas ao professor e à sua interação com a turma" (p.169).

Na escola investigada, crianças de diferentes faixas de renda estão reunidas nas mesmas classes, estudando sob as mesmas boas condições, o que parece ter amenizado os efeitos da desigualdade socioeconômica, embora ela continue sendo um fator importante na determinação de seu desempenho escolar avaliado pelas professoras, particularmente para as faixas abaixo de cinco salários mínimos mensais.

Apesar de não ser consenso entre todas as professoras, um tipo de fala que se refere ao "repertório" de cada aluno explicita muito claramente como podem ser considerados, na avaliação de desempenho das crianças, critérios relacionados à renda, traduzidos em termos de capital cultural. Uma professora, por exemplo, solicitada a descrever aqueles que considerava como bons alunos (ou boas alunas), assim se expressou:

Tem alguns bons alunos nessa classe. A B. é uma excelente aluna, o C. – esse menino tem um repertório maravilhoso, de quase tudo ele sabe. [Ri. Nomeia um conjunto de nove meninos e meninas.] Tem bastante criança com um repertório muito extenso de informações [...] você levanta um tema: "Ah, eu sei, eu já vi isso em algum lugar", daí vai. [...] Tem muito de postura. Por exemplo, o L., ele é uma criança muito estimulada em casa, veio de uma escola particular, já chegou escrevendo com letra cursiva, textos [...] uma coisa de em casa puxarem muito por isso. O C., ele é uma criança que também os pais dão muita..., tem muito acesso a essa questão de cultura, de cinema, de teatro, de viagem. Ele conta coisas do Pantanal porque há uns dois anos atrás viajou para o Pantanal. São vivências que eles acabam trazendo e que fazem diferença.

Outras professoras enfatizavam mais a idéia de "postura", também mencionada nessa fala, ou de "compromisso com a escola", "envolvimento", "responsabilidade" e "participação", conceitos que freqüentemente não se referiam apenas ao aluno, incluindo a família, e eram evocados principalmente no caso de problemas de desempenho, na forma de "falta de compromisso" ou de "falta de envolvimento". Embora esses critérios não se articulem tão explicitamente ao status social quanto os mencionados na fala citada, sabemos que as famílias de mais baixo nível socioeconômico encontram maiores dificuldades em suas relações com a escola e no desenvolvimento de atitudes consideradas adequadas pelas professoras.

De forma contrastante, uma professora que se destacou pela clareza de critérios de avaliação, estritamente articulados a sua concepção de aprendizagem, recusou-se a destacar bons alunos em sua classe e, mesmo questionada diretamente, negou a influência do "repertório" extra-escolar das crianças em seu desempenho acadêmico:

Ah, Marília, eu não consigo pensar assim [ri], a minha cabeça não dá. Eu já vi tantos progressos, que eu não consigo. Eu acho assim: esse repertório que um tem, ele vem trazendo de muito tempo, mas o outro está percebendo agora que a leitura é muito legal e está lendo muitos livros, isso não faz o outro ser melhor do que esse. Não tem, não consigo ver. [...] Eu acho que em tudo na vida, talvez a gente tenha mais facilidades em algumas coisas e em outras não. [...] Mas... eu não posso falar que esse é melhor do que o outro, por causa disso. Porque na verdade, o outro pode ter demorado mais para aprender, mas aprendeu, o que importa é que ele vai poder usar aquilo na vida dele. Agora ele já sabe. Da mesma forma que uma criança chegou alfabética, já sabia ler e escrever então pôde ler mais livros, pôde entender de outra forma, estruturar mais rapidamente o texto dele, não significa que ele é melhor do que quem chegou pré-silábico e demorou mais tempo.

No grupo de alunos indicados para reforço por essa professora, havia proporções muito semelhantes de meninos e meninas e equilíbrio entre as diversas faixas de renda. E ela classificou todos os seus alunos como brancos, à exceção de uma menina percebida como parda.

DESIGUALDADES ENTRE OS SEXOS

Já as diferenças nos resultados de meninos e meninas em testes padronizados têm sido menos pesquisadas no Brasil. A maioria dos estudos constata uma pequena diferença em favor das meninas em Português ou Linguagem e certa igualdade em Matemática, que se transforma numa proficiência ligeiramente superior dos rapazes à medida que se ascende no sistema escolar. Os resultados do Saeb de 1999 para os alunos de 4ª série, por exemplo, indicam uma diferença de 7,48 pontos (num total de 200 previstos para a 4ª série) em favor das meninas na média em Português, e uma diferença de 0,14 pontos em favor dos meninos em Matemática. Entretanto, pouco se tem avançado em termos de explicações para o fenômeno.

No caso da escola que investigamos, as diferenças de desempenho entre os sexos parecem ser bem mais significativas do que as captadas nos testes padronizados, com os meninos predominando largamente entre os indicados para o reforço, em todos os grupos de raça e faixas de renda.

A predominância ainda maior dos garotos entre os "indisciplinados" era evidente. A consulta ao livro de registro de punições da escola que, segundo a coordenadora pedagógica, eram utilizadas apenas em situações extremas, revelou o nome de oito meninos (nenhuma criança do sexo feminino), seis deles das 4ªs séries, que haviam levado comunicados aos pais, sofrido advertência ou suspensão, por motivos na maioria relacionados a brigas entre colegas e agressão física ou insulto verbal.

Já as meninas com algum problema de disciplina eram muito visíveis e presentes nas falas das professoras, como, por exemplo, nesta classe:

E uma característica muito interessante dessa classe é que as meninas são terríveis. [...] Meu trabalho é com as meninas. Absolutamente encrenqueiras. Toda briga tem menina enfiada. [...] Acho que esse ano, eu não tenho dados, mas acho que esse ano eu não resolvi uma briga só de meninos. Agora, só de meninas, resolvi várias. Meninas provocando os meninos, resolvi várias. (ênfase na fala)

Entretanto, no conjunto da escola, elas eram em número muito menor que o total de meninos indisciplinados (13 garotas e 32 garotos) e tendiam mais a formar grupos fechados e a fazer intrigas do que tomar atitudes fisicamente violentas, como explica a coordenadora:

[As brigas] das meninas são menos físicas, mas elas duram demais. É um inferno como menina é chata para essas coisas, elas são ranhetas. Elas brigam hoje e ficam umas duas semanas. Os meninos se dão uns tapas, dali a dois dias, meia hora está tudo bem.

Esse quadro em relação à indisciplina levou-me a refletir sobre os critérios adotados pelas professoras na indicação de alunos para o reforço. Até que ponto a avaliação das educadoras levava em consideração estritamente aspectos ligados à aprendizagem, até que ponto incorporava também elementos associados ao comportamento e à atitude?

Tanto nessa etapa da pesquisa quanto em estudo anterior, realizado em profundidade com duas das professoras dessa mesma escola (Carvalho, 2001a, 2003), pôde-se constatar a grande dificuldade encontrada pela equipe para definir com clareza objetivos de aprendizagem, instrumentos e critérios de avaliação, uma dificuldade em verdade partilhada pelo conjunto do sistema escolar brasileiro. A escola adotava o sistema de conceitos, mas não havia clareza sobre o significado de cada um deles e a maioria das professoras declarava-se confusa e insatisfeita, havendo mesmo, ao longo de 2002, um processo de debate sobre a avaliação em toda a equipe escolar. As professoras afirmavam avaliar os alunos a partir de uma multiplicidade de instrumentos (trabalhos individuais sem consulta, do tipo "prova", trabalhos em grupo feitos em classe e em casa, participação nas aulas, lições de casa, testes orais, elaboração de cartazes etc.). E diziam levar em conta tanto o desempenho propriamente dito, quanto o já mencionado "compromisso do aluno" ou "relação da criança com o cotidiano da escola". Nas palavras de duas delas:

Eu acho que entra toda essa coisa do compromisso, a responsabilidade, eu acho que tá tudo envolvido. [...] Tá tudo muito misturado, é muito difícil, acho, a gente separar essas coisas. Muitas vezes, talvez, a falta de compromisso da criança influencie bastante no fato dela não conseguir alcançar aqueles objetivos. Mas a gente tem outras crianças que são supercompromissadas e que mesmo assim não conseguem alcançar minimamente os objetivos. (ênfase na fala)

Olha, eu acho que existe um [critério] de aprendizagem mesmo, de assimilação daquilo que a gente trabalha em classe. E também acho que a participação da criança na aula, o interesse dela de estar participando na aula. Basicamente é nessa participação, nessas atividades que a gente vê o envolvimento do aluno, acho que esse é um critério forte. Além logicamente da aprendizagem, se ele assimilou ou não o que a gente está conversando.

Essa coexistência de critérios era bastante clara para as crianças, para quem o que caracterizava um bom aluno naquela escola era antes seu comportamento que sua aprendizagem, como expressou um aluno da 4ª série: "Ele [o bom aluno] faz todas as lições, não responde para a professora e faz tudo que ela quer". Em nossas conversas, só secundariamente algumas crianças mencionaram como critérios "estudar para a prova" e "tirar nota boa".

QUEREMOS EFETIVAMENTE QUE OS GAROTOS MUDEM?

No que tange ao "compromisso com a escola" e com sua disciplina, os meninos demonstravam muito mais dificuldade do que as meninas, como sintetizou uma das professoras:

É porque os meninos, nessa fase eles são mais curiosos, são mais agitados mesmo do que as meninas. Eles falam mais. Estão fazendo uma atividade e levanta um para falar com outro que está lá do outro lado da sala fazendo a atividade dele. É uma movimentação maior que os meninos têm. As meninas já são diferentes, acho que por tudo, né? A mulher é diferente na educação familiar. Os meninos já são deixados mais soltos. [...] Eu acho assim, que dentro da sala de aula os meninos são mais agitados, são muito mais agitados do que as meninas. Tem meninas agitadas, claro que tem... Mas se for ver enquanto grupo, os meninos são mais agitados.

Dessa forma, é possível que suas atitudes "desordeiras" fossem a base principal para os problemas escolares que os meninos enfrentavam (incluídas as indicações para o reforço), mais do que propriamente dificuldades de aprendizagem, levando a uma diferenciação entre o dia-a-dia da escola e o que pode ser captado em testes padronizados. Muitos autores estrangeiros mencionam a mesma situação em diferentes contextos internacionais, destacando a maior presença dos meninos nas classes e atividades de reforço ou de atendimento especial, freqüentemente em decorrência mais de sua indisciplina do que especificamente de dificuldades de aprendizagem (Lingard, Douglas, 1999; Jackson, 1998; Hey, 1998).

Na escola pesquisada, particularmente nas séries iniciais, as questões de indisciplina eram consideradas de menor monta e pouco problemáticas para o bom funcionamento do ensino, como é comum nas escolas elementares, não apenas no Brasil. Contudo, muitos dos mesmos meninos que naquele momento apareciam apenas como "agitados", posteriormente se transformariam em "indisciplinados e violentos" rapazes do ensino médio.

Num artigo em que sintetiza o estado dos debates sobre o desempenho escolar dos meninos, Robert Connell (2000) destaca a importância da estrutura de autoridade da escola para certos tipos de construção de masculinidade vivenciados por alguns meninos e rapazes, na medida em que essa estrutura se torna "o antagonista principal contra o qual se modela a masculinidade de alguém, isto é, é no enfrentamento desta estrutura que o sujeito afirma sua masculinidade" (p.144). Trata-se de garotos que desenvolvem uma "masculinidade de protesto", pelo desafio à autoridade, muito familiar nas escolas de classe trabalhadora. Para Connell,

A maioria dos meninos aprende a negociar diante da disciplina escolar com apenas um pouco de fricção. Um certo número, contudo, toma o sistema disciplinar como um desafio, especialmente em redes de colegas que fazem um pesado investimento em idéias de poder e confrontação. (p.162-163, tradução minha)

O autor destaca ainda que os meninos se engajam nessas práticas não porque são dirigidos a elas por hormônios da agressividade, mas para adquirir ou defender prestígio, para marcar diferenças entre seus pares e para obter prazer, transformando o ato de quebrar regras numa parte central de sua construção de masculinidade, particularmente quando não têm outras fontes para obter esses fins, entre elas o próprio sucesso acadêmico.

Outros autores e autoras ressaltam a importância das associações feitas, no contexto das culturas infantis e juvenis, entre bom desempenho acadêmico e bom comportamento, de um lado, e efeminação ou homossexualismo, de outro (Jackson, 1998; Epstein, 1998), mostrando que a cultura escolar e as atitudes de educadores e educadoras muitas vezes reforçam essas associações, gerando medos e ansiedades sobre efeminação e sobre a própria masculinidade para muitos garotos. O resultado muitas vezes é a indisciplina e a agressividade.

Por tudo isso, parece-me que para compreender as trajetórias escolares dos alunos de sexo masculino é preciso levar em conta os aspectos de aprendizagem e comportamento em suas complexas inter-relações, de maneira que se questione o quanto a escola, coletivamente, e cada professora particularmente têm clareza dos objetivos e critérios de avaliação adotados. Nesse processo, é necessário também revelar os conceitos de masculinidade e feminilidade que informam essas avaliações, particularmente no que se refere aos comportamentos considerados adequados (Carvalho, 2001a). Esse movimento, sem dúvida, não é simples, pois envolveria um esforço da escola como instituição, para perceber em que medida suas práticas e discursos implicam uma rede de relações de gênero da qual geralmente temos muito pouca percepção.

Como evidenciado na fala da professora, a tendência na equipe da escola investigada era de atribuir as diferenças no comportamento de meninos e meninas à educação familiar ou à natureza ("meninos são assim mesmo", "essa fase é assim"), uma postura que também já foi localizada entre professoras e professores em outros países. No mesmo texto já citado, Connell destaca o quanto os professores se sentem, no que tange às masculinidades, confrontando forças poderosas e externas à escola, padrões e estereótipos adquiridos pelos alunos na socialização familiar ou pela mídia. Para esse autor, "tal sentimento entre os professores é reforçado pelas duas explicações mais populares da masculinidade, o determinismo biológico, que enfatiza o corpo e a teoria dos papéis sexuais, que enfatiza expectativas sociais mais amplas" (2000, p.151, tradução minha).

Por isso, para que as escolas possam agir e assumir suas responsabilidades na construção de trajetórias escolares de sucesso para um número maior de meninos e rapazes, torna-se necessário fazer uma discussão mais aprofundada sobre as masculinidades e as relações de gênero, de forma que se permita uma apropriação mais ampla das teorias da masculinidade. Essas teorias recusam todo determinismo biológico e consideram homens e mulheres produtos de relações sociais, históricas e culturais, num contexto em que se aprende não um único "papel sexual", mas convivem múltiplas masculinidades e feminilidades articuladas por relações de poder e perpassadas por outras relações sociais como as desigualdades de classe e raça (Connell, 1998, 2000; Mac an Ghaill, 1995; Skelton, 2001; Kimmell, 2000).

Tal percepção permitiria apreender a escola como um dos lugares importantes de formação de masculinidades, seja pelos conteúdos aprendidos, seja pelas práticas, linguagens e comportamentos, como, por exemplo, a estrutura disciplinar que temos discutido. A pesquisadora inglesa Christine Skelton (2001), estudando duas escolas primárias da região metropolitana de Londres, imersas numa realidade social em certos aspectos muito próxima a da nossas periferias, enfatiza que, para enfrentar os problemas de disciplina e desempenho dos meninos "é necessário para a escola identificar as formas específicas de masculinidade que operam em seu entorno e, ainda mais importante, reconhecer o padrão dominante de masculinidade que a própria escola constrói e desempenha" (p.80, tradução minha). A autora destaca que, especialmente nas escolas primárias, essas formas estão incorporadas nas estratégias de controle e manejo dos alunos e alunas, nas estratégias de organização mais cotidianas e nas formas de masculinidade valorizadas pelos conceitos predominantes do que é um "bom aluno" ou um "aluno adequado".

Na escola investigada, por exemplo, um grupo de meninos, em geral brancos e provenientes de famílias de setores médios intelectualizados, aparecia nas falas das professoras como "excelente" ou "brilhante". Raramente meninas faziam parte desse grupo seleto de crianças que eram referência certamente também para seus pares (Carvalho, 2001a). Não eram garotos passivos e obedientes, mas, ao contrário, alunos com bom desempenho acadêmico e também muito "agitados", "perguntadores", "críticos" e mesmo "indisciplinados", como descrevem duas professoras:

R. é um bom aluno. Ele é do mesmo tipo do B., ele vai muito bem... Eles fazem todas as atividades, eles vão bem, eles aprendem, só que não podem ficar um minuto sem atividade. [...] É, se a gente não ficar em cima... Se a gente fica chamando a atenção, eles até ajudam os outros, mas eu tenho de determinar. Você acabou, você vai ajudar fulano, senão fica na classe fazendo bagunça. [...] Ficam só correndo, zanzando. Mas outros alunos não conseguem. Como eles são bons e rápidos, enquanto eles estão fazendo [a atividade] nem bagunça tem, a classe está quieta, só que no momento que eles acabaram ninguém mais pode trabalhar, porque eles acham que acabaram e ninguém tem mais nada para fazer. Isso não acontece porque a gente não permite, mas é uma atividade diária de chamar a atenção, pedir para esperar, ou dar outra atividade, trabalhos com exercícios diversificados, desafios para esses alunos mais rápidos e espertos.

O V., por exemplo, é um aluno excelente, é um aluno brilhante, eu sei que eu faço pouco por ele em sala de aula, porque ele poderia ir além do que eu estou dando, e isso muitas vezes é o problema da indisciplina. Eu não me comporto bem porque... A gente acaba sempre não olhando tanto para os alunos que precisam, intelectualmente, mais. A gente sempre fica mais preocupada com... Eu acho que às vezes o problema de indisciplina do V. é isso, ele queria mais coisas.

Nesses meninos agitados, pouco atentos às necessidades dos outros, a desobediência e a indisciplina são compreensíveis e aceitáveis para as educadoras, cuja atitude parece conter não apenas condescendência, mas também admiração e aprovação. Elas culpam a si mesmas por não lhes oferecerem estímulos suficientes. Esse referencial de masculinidade passa a ser considerado um problema apenas quando outros garotos, menos "rápidos e espertos", tentam seguir os mesmos padrões de comportamento ou, não conseguindo obter prestígio com um bom desempenho acadêmico, tentam construir sua auto-estima pela "masculinidade de protesto".

Assim, parece que as perguntas iniciais para as escolas como instituições são: "Nós queremos efetivamente que os garotos mudem? Não estamos como professoras/es e como sociedade, na verdade valorizando o comportamento indisciplinado dos meninos, como forma de masculinidade reconhecida e aprovada? Que formas de masculinidade aceitamos e incentivamos?".

Sem dúvida, é indiscutível a força de concepções de masculinidade e feminilidade trazidas constantemente pelas crianças de fora para dentro da escola, mas é preciso também questionar as relações e práticas escolares, a cultura escolar, como fontes igualmente importantes na construção das identidades de meninos e meninas, seja na reprodução de estereótipos e discriminações de gênero, seja na construção de relações mais igualitárias.

Recebido em: janeiro 2004

Aprovado para publicação em: janeiro 2004

Este artigo apresenta resultados parciais da pesquisa O fracasso escolar de meninos e meninas: articulações entre gênero e cor/raça, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq –, e que integra o projeto Gestão da violência e da diversidade na escola, do Programa de Cooperação Internacional entre Brasil e França, mediante a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior – Capes – e o Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil – Cofecub.

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  • 1
    Entre muitos outros exemplos, pode-se citar a coletânea
    Failing boys? Issues in gender and achievement (Epstein et al., 1998), como obra que tem esse propósito como objetivo central.
  • 2
    Todas as entrevistas foram realizadas na escola, em horários de trabalho pedagógico das professoras, e contaram com a presença da pesquisadora e uma auxiliar de pesquisa. Foi utilizado um roteiro de itens e as conversas foram gravadas e transcritas posteriormente. Duraram em média uma hora.
  • 3
    Agradeço a colaboração de Marina Figueiredo, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, e de Amélia Artes, aluna do mestrado em Educação da Faculdade de Educação da USP, que atuaram como auxiliares de pesquisa.
  • 4
    Foram retiradas da base de dados 40 crianças que não responderam ao questionário de autoclassificação racial ou que se autoclassificaram ou foram classificadas pelas professoras como "indígenas" ou "amarelos", principalmente devido às dificuldades dos alunos diante dessas classificações. Assim, dos 243 alunos de 1ª a 4ª séries, considerei apenas 203, concentrando a análise nas desigualdades raciais entre brancos e negros ("pretos" ou "pardos").
  • 5
    Elaborado de comum acordo com a escola, o questionário incluía outros itens e foi entregue pelas professoras às crianças, que o levaram para casa. Foram devolvidos 230 questionários respondidos.
  • 6
    O conceito de raça adotado é o de "raça social", conforme explicitado por Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, isto é, não se trata de um dado biológico, mas de "construtos sociais, formas de identidade baseadas numa idéia biológica errônea, mas eficaz socialmente, para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios" (1999, p.153).
  • 7
    Esta abordagem está baseada em Telles (2003) e em Telles e Lim (1998).
  • 8
    As diferenças entre essas duas formas de classificação e a complexidade do processo de atribuição de raça ou cor no âmbito escolar, assim como suas conseqüências para o desempenho de meninos e meninas não serão exploradas detalhadamente neste artigo por questões de espaço.
  • 9
    Um olhar mais detalhado sobre o grupo de 16 crianças com renda familiar até dois salários mínimos revela uma proporção grande de alunos elogiados entre elas: são quatro, correspondendo a 25%. Seria interessante que se desenvolvesse uma pesquisa específica sobre as trajetórias escolares dessas crianças e o significado para elas e suas famílias do fato de terem tido acesso a essa escola, considerada de boa qualidade e até mesmo um privilégio.
  • 10
    Embora a maior parte dos detalhes sobre esse processo de auto-atribuição de cor não esteja desenvolvida neste artigo, cabe ressaltar que, no total, apenas 13 crianças se autoclassificaram como "pretas", enquanto 103 o fizeram como "pardas".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Recebido
      Jan 2004
    • Aceito
      Jan 2004
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