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PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA: POR UMA POLÍTICA INSTITUCIONAL DE DESENVOLVIMENTO DOCENTE1 1 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

Resumo

O objetivo deste artigo é evidenciar a necessidade de se construírem projetos institucionais de Pedagogia Universitária que contribuam para o desenvolvimento profissional de professores universitários em contexto de trabalho. Questionamos quais as possíveis contribuições de ações formativas para o desenvolvimento docente e a identidade profissional. A pesquisa, de cunho quanti-qualitativo, foi realizada em uma universidade federal, localizada no Triângulo Mineiro, no período de 2013 a 2016. Os dados foram obtidos por meio de questionários e entrevistas com professores universitários. Concluímos que processos formativos fragmentados e esparsos pouco colaboram para o desenvolvimento profissional e que, diante da complexidade do trabalho docente, será fundamental envidar esforços institucionais para consolidar uma Pedagogia Universitária, como campo permanente de formação e desenvolvimento docente.

PEDAGOGIA; ENSINO SUPERIOR; FORMAÇÃO DE PROFESSORES; IDENTIDADE PROFISSIONAL

Abstract

This study aims to highlight the need for developing institutional projects on University Pedagogy which contribute to the professional development of higher education teachers at work. We questioned them the possible contributions of training activities focused on teaching development and professional identity. This quantitative, qualitative research was conducted in a federal university located in the region of Triângulo Mineiro, in Brazil, from 2013 to 2016. We collected data by means of questionnaires and interviews with university professors. We concluded that fragmented, sporadic training processes contribute little to professional development. Thus, in view of the complex work in higher education, institutional efforts are needed to consolidate a University Pedagogy as a permanent field for teacher training and development.

PEDAGOGY; HIGHER EDUCATION; TEACHER TRAINING; PROFESSIONAL IDENTITY

Résumé

L’objectif de cet article est de mettre en évidence la nécessité de construire des projets institutionnels de Pédagogie Universitaire contribuant au développement professionnel des professeurs universitaires dans le cadre de leur travail. Nous nous interrogeons sur les types d’actions de formation qui peuvent contribuer au développement des enseignants et à l’identité professionnelle. La recherche quantitative/qualitative a été réalisée dans une université fédérale, située dans le Triângulo Mineiro, entre 2013 et 2016. Les données ont été obtenues au moyen de questionnaires et d’entretiens avec des professeurs universitaires. Nous concluons que les processus de formation fragmentés et sporadiques ne collaborent guère au développement professionnel et que, face à la complexité du travail d’enseignement, il est fondamental de mettre en oeuvre des efforts institutionnels pour consolider une Pédagogie Universitaire, en tant que domaine de formation permanente et de développement des enseignants.

PÉDAGOGIE; ENSEIGNEMENT SUPÉRIEUR; FORMATION DES ENSEIGNANTS; IDENTITÉ PROFESSIONNELLE

Resumen

El objetivo de este artículo es resaltar la necesidad de construir proyectos institucionales de Pedagogía Universitaria que contribuyan al desarrollo profesional de los profesores universitarios en contexto de trabajo. Nos preguntamos sobre cuáles son las posibles contribuciones de las acciones formativas al desarrollo del profesorado y la identidad profesional. La investigación, de naturaleza cuantitativa y cualitativa, se realizó en una universidad federal, ubicada en el Triángulo Mineiro, de 2013 a 2016. Los datos se obtuvieron a través de cuestionarios y entrevistas con profesores universitarios. Llegamos a la conclusión de que los procesos formativos, fragmentados y escasos, poco colaboran al desarrollo profesional y que, dada la complejidad del trabajo docente, será esencial hacer esfuerzos institucionales para consolidar una Pedagogía Universitaria, como un campo permanente de formación y desarrollo docente.

PEDAGOGÍA; ENSEÑANZA SUPERIOR; FORMACIÓN DE PROFESORES; IDENTIDAD PROFESIONAL

No decorrer das últimas décadas, a formação, a identidade e o desenvolvimento profissional docente têm se constituído como importantes objetos de investigação nas pesquisas educacionais. O esforço para compreender a formação do professor e as suas relações com uma Pedagogia para a educação superior nos coloca diante da importância de estudarmos a constituição do campo de conhecimento denominado por alguns pesquisadores como Pedagogia Universitária. Especialmente no Brasil, destacamos as pesquisas realizadas por Almeida (2012ALMEIDA, Maria Isabel de. Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012.), Campos (2010CAMPOS, Vanessa T. B. Marcas indeléveis da docência no ensino superior: representações relativas a docência no ensino superior de pós-graduandos de instituições federais de ensino superior. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., 2017), Campos e Almeida (2019), Cunha (2007CUNHA, Maria Isabel da. O lugar da formação do professor universitário: a condição profissional em questão. In: CUNHA, Maria Isabel da. Reflexões e práticas em pedagogia universitária. Campinas: Papirus, 2007., 2008, 2009, 2010), Isaia (2003ISAIA, Silvia M. Aguiar. Formação do professor do ensino superior: tramas na tessitura. In: MOROSINI, Marília C. (org.). Enciclopédia de pedagogia universitária. Porto Alegre: Faperg/Ries, 2003. p. 241-251.), Melo (2009MELO, Geovana Ferreira. Docência: uma construção a partir de múltiplos condicionantes. Boletim Técnico Senac, Rio de Janeiro, v. 35, n. 1. p. 18-36, jan./abr. 2009., 2018), Melo e Campos (2019), Morosini (2010MOROSINI, Marília Costa (org.). Professor do ensino superior: identidade, docência e formação. 2. ed. Brasília: Plano Editorial, 2010.), Pimenta e Anastasiou (2005PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.), Veiga (2006VEIGA, Ilma P. A. Docência universitária na educação superior. In: RISTOFF, Dilvo; SEVEGNANI, Palmira (org.). Docência na educação superior. Brasília: Inep, 2006. (Coleção Educação Superior em Debate, v. 5).), entre outras. Em âmbito internacional a formação de professores em diferentes níveis também tem sido campo polissêmico de estudos e pesquisas que contribuem significativamente para ampliarmos as discussões sobre a formação, saberes e identidade docentes: em Portugal as publicações de Leite e Ramos (2012LEITE, Carlinda; RAMOS, Kátia. Formação para a docência universitária: uma reflexão sobre o desafio de humanizar a cultura científica. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 25, n. 1, p. 7-27, 2012.), Nóvoa (1992NÓVOA, Antonio. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992., 2000), Roldão (2007ROLDÃO, Maria do C. Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, p. 94-103, 2007.) e Sá-Chaves (2001); na Espanha destacam-se as investigações realizadas por Marcelo Garcia (1999, 2009), Fernández Cruz (2006), Murillo (2005MURILLO, Paulino Estepa et al. Las necesidades formativas docentes de los profesores universitarios. Revista Fuentes, Sevilha, n. 6, p. 1-22, 2005.) e Zabalza (2004ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004.); no Reino Unido, os estudos realizados por Feiman-Nemser (2007), Cochran-Smith e Fries (2005) e Hughes (2008HUGHES, Further. Support for the developmental significance of the quality of the teacher. Journal of School Psychology, v. 39, n. 4, p. 289-301, 2008.).

O conjunto de pesquisas e estudos realizados tanto em âmbito nacional quanto internacional sustenta a nossa afirmativa relativa à exígua atenção atribuída à necessidade de sistematização de conhecimentos profissionais sobre a formação de professores e sobre a docência universitária, além de apontar as fragilidades teóricas e práticas da formação dos professores na educação básica e superior, principalmente, no sentido de alcançarem êxito diante das demandas oriundas das transformações sociais, cada dia mais velozes e impactantes. De modo amplo, de acordo com os referidos autores, para exercer a profissão docente é necessária vasta e densa formação que contemple as dimensões pedagógica, curricular, institucional, ética e política, além do domínio do conhecimento específico da área em que irá atuar na docência.

No que diz respeito à especificidade da formação de professores universitários, o incipiente preparo específico para o exercício da docência que os cursos de pós-graduação stricto sensu proporcionam aos professores é uma constatação recorrente e amplamente conhecida, inserindo-se no antigo problema da formação do pesquisador versus professor (ALMEIDA, 2012ALMEIDA, Maria Isabel de. Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012.; CAMPOS, 2010CAMPOS, Vanessa T. B. Marcas indeléveis da docência no ensino superior: representações relativas a docência no ensino superior de pós-graduandos de instituições federais de ensino superior. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., 2017; CUNHA, 2009CUNHA, Maria Isabel da. O lugar da formação do professor universitário: o espaço da pós-graduação em educação em questão. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 81-90, jan./abr. 2009.; MELO; NUNES; NASCIMENTO, 2011MELO, Geovana Ferreira; NUNES, Dalma Persia N. A.; NASCIMENTO, Jaqueline da Silva. Docência no ensino superior: o que dizem os docentes que atuam na área de ciências humanas a respeito de sua identidade profissional? In: ENDIPE - ENCONTRO ESTADUAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, 4., 2011, Goiânia. Anais [...]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2011.). Além disso, a carreira universitária não contempla dispositivos formais para uma preparação pedagógica prévia dos docentes. Há poucas iniciativas institucionais para apoio ao desenvolvimento profissional dos professores, acarretando o que Isaia (2003ISAIA, Silvia M. Aguiar. Formação do professor do ensino superior: tramas na tessitura. In: MOROSINI, Marília C. (org.). Enciclopédia de pedagogia universitária. Porto Alegre: Faperg/Ries, 2003. p. 241-251.) apresenta como “solidão pedagógica”, configurada pelo desamparo dos professores com relação ao abismo entre a formação desses docentes e as exigências da prática pedagógica.

A partir dessas considerações iniciais, propomos, neste artigo, realizar reflexões sobre a repercussão de ações formativas no desenvolvimento profissional de professores, promovidas em uma instituição federal de ensino superior (Ifes)na região sudeste do Brasil, no período de 2013 a 2016. A questão principal que balizou nossas análises foi: quais as contribuições de ações formativas ao desenvolvimento e à identidade profissional docente no ensino superior?

As respostas a essa questão foram possíveis a partir da análise qualitativa de parte dos dados extraídos de questionários e entrevistas, de pesquisa realizada com 213 docentes - de diversas áreas de conhecimento, como Química, Fisioterapia, Odontologia, Engenharia Ambiental, Administração, Jornalismo, Economia, Relações Internacionais, Filosofia, Medicina, Medicina Veterinária, Economia, Ciências Contábeis, Educação Física, Biologia, Enfermagem, Gestão de Negócios, Ciências da Computação, Engenharia Química e Física - que participaram dos I, II, III e IV Cursos de Docência Universitária no referido período.

Depreendemos, a partir de nossas interpretações, que a docência é uma atividade complexa e exige formação cuidadosa, comprometida com singulares condições de exercício do magistério. Assumimos, nessa perspectiva, a necessidade de criação e fortalecimento de uma Pedagogia Universitária, como política institucional, que tenha como princípios ações contínuas, planejadas e realizadas de acordo com as necessidades formativas dos professores.

Para Pimenta e Anastasiou (2005PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005., p. 186), torna-se importante “uma formação que tome o campo social da prática educativa e de ensinar como objeto de análise e compreensão, de crítica, de proposição”. Cunha (2010CUNHA, Maria Isabel da. Ensino como mediação do professor universitário. In: MOROSINI, Marilia C. (org.). Professor do ensino superior: identidade, docência e formação. 2. ed. Brasília: Plano Editorial, 2010., p. 83) afirma que é preciso distinguir a profissão docente das demais, uma vez que, segundo a autora, “ser professor não é tarefa para neófitos, pois a multiplicidade de saberes e conhecimentos, que estão em jogo na sua formação, exigem uma dimensão de totalidade, que se distancia da lógica das especialidades, tão cara a muitas outras”.

O (NÃO) LUGAR DA FORMAÇÃO DOCENTE PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), havia, em 2017, no Brasil, 2.448 Ifes, sendo que desse total 256 são públicas e 2.152 privadas, o que representa 87,9% da rede. Das públicas, 41,9% são estaduais, 36,8% federais e 21,3% municipais. O número de mestres e doutores titulados no Brasil dobrou nos últimos dez anos, mas, apesar desse indicativo, a política educacional brasileira não tem demonstrado preocupações concretas com a formação profissional inicial e contínua desses docentes.

Os programas de pós-graduação, em especial os stricto sensu, embora explicitem nos seus objetivos a preparação para docência, conforme definição do art. 66 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96 (BRASIL, 1996), notadamente privilegiam a formação de pesquisadores para áreas específicas. A formação docente para atuar na educação superior é restrita ao artigo 66 da LDB 9.394/96, o qual normatiza que a preparação para o exercício do magistério superior será realizada em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado (BRASIL, 1996). Tanto é assim que, no conjunto das atividades oferecidas e requisitos dos programas, os estudos sobre a prática e o próprio exercício da docência ocupam espaço ínfimo. Em geral, a “preparação” para docência fica a cargo das atividades do estágio de docência ou da disciplina (quando ela é oferecida) denominada Metodologia do Ensino Superior ou Didática do Ensino Superior, com carga horária média de 64 horas/aula.

O estágio de docência ou as disciplinas “pedagógicas”, mesmo com carga horária irrisória, podem contribuir para suscitar a importância da formação profissional para a docência, mas entendemos, juntamente com Almeida (2012ALMEIDA, Maria Isabel de. Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012.), Pimenta (2012PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? 11. ed. São Paulo: Cortez, 2012.), Pimenta e Almeida (2011), Pimenta e Anastasiou (2005), que tal formação não se resume a treinamento didático. Tampouco ocorre automaticamente e em decorrência das habilidades de investigação que o pós-graduando adquire no mestrado ou no doutorado. E por que não?

A resposta possível decorre da compreensão da complexidade da atividade docente, a qual demanda saberes específicos, assim como mantém sua complexidade independentemente da área específica à qual o professor se vincula e atua, seja ela a pedagogia, a enfermagem, a história, as engenharias, etc. Por isso mesmo, ser professor, ser professora requer a construção ininterrupta de saberes e fazeres, porque a sua atividade é permeada por condicionantes sociais, culturais, políticos, institucionais, profissionais e pessoais. A profissão docente é marcada por uma pluralidade de aspectos e dimensões e, por isso, exige uma peculiar formação e, por conseguinte, é necessário apreendê-la, tal como propõe Campos (2017CAMPOS, Vanessa T. B. Ações formativas como estratégia de desenvolvimento profissional de professores na educação superior e (trans)formação da prática docente na Universidade Federal de Uberlândia - MG. Relatório Estágio Pós-Doutoral. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017., p. 43), “em sentido plural, formações, porque a formação inicial é também a formação contínua, considerando que estas se interligam, orientando o percurso formativo ao longo da carreira profissional”.

Nessa perspectiva considerarmos que, no Brasil, a formação de professores universitários apresenta fragilidades no que se refere à sistematização de conhecimentos profissionais da docência e é necessário que as universidades, faculdades e centros universitários sistematizem políticas institucionais de formação e desenvolvimento profissional de seus professores. Essas políticas podem contribuir com a perspectiva da Pedagogia Universitária, aqui entendida como:

[...] um campo polissêmico de produção e aplicação dos conhecimentos pedagógicos na educação superior. Reconhece distintos campos científicos dos quais toma referentes epistemológicos e culturais para definir suas bases e características. A pedagogia universitária é também, um espaço de conexão de conhecimentos, subjetividades e culturas, que exige um conteúdo científico, tecnológico ou artístico altamente especializado e orientado para a formação de uma profissão. (CUNHA, 2004CUNHA, Maria Isabel da. Verbete pedagogia universitária. In: MOROSINI, Marilia C. et al. Enciclopédia de pedagogia universitária. Porto Alegre: Ries/Inep, 2004., p. 321)

Ainda de acordo com Cunha (2004CUNHA, Maria Isabel da. Verbete pedagogia universitária. In: MOROSINI, Marilia C. et al. Enciclopédia de pedagogia universitária. Porto Alegre: Ries/Inep, 2004.), a Pedagogia Universitária caracteriza-se por articular as dimensões do ensino e da pesquisa como lugares e espaços de formação, o que pode contribuir para minimizar a estanque dicotomia que há entre pesquisar e ensinar na educação superior. Sendo assim, as múltiplas atividades vividas no âmbito acadêmico são consideradas em sua dimensão pedagógica.

No entanto, os fatores que constituem o contexto da atuação docente devem ser observados, tais como: espaço e condições de trabalho; políticas públicas; crenças e valores pessoais e profissionais; formação inicial e continuada; identidade e socialização docente; experiências; saberes; práticas; dentre outros. Para Marcelo Garcia (1999), a formação é um trabalho do professor sobre si mesmo, ou seja, é eminentemente um processo de autoformação que envolve as experiências vividas pelo professor, sua história de vida, seus interesses, crenças e valores. Logo, a formação não poderá ser meramente técnica ou instrumental sob pena de se constituir em processo totalmente estéril, inócuo e comprometerá, consequentemente, a constituição da identidade profissional docente.

O desenvolvimento profissional também envolve as experiências, sejam elas espontâneas ou planejadas pelos docentes que as realizam em prol da aprendizagem dos estudantes e que contribuem para a qualidade da sua aula. O desenvolvimento profissional é aqui compreendido como um processo de autoformação e de interformação, ou seja, um processo a um só tempo individual e coletivo, que ocorre a partir de necessidades reais, contextualizadas no espaço-tempo de sua atuação profissional. Somente nessa perspectiva poderá haver a elaboração de saberes e práticas que possibilitem aos professores desenvolverem-se para melhor desempenharem sua função. Consequentemente, esse processo impactará na constituição da identidade docente, caracterizada por idiossincrasias que envolvem uma pessoa (ou uma comunidade) que a forma perante a sociedade e a si própria, por meio de sua consciência do quem é e de como se diferencia das outras.

A identidade relaciona-se às características e aos traços de um indivíduo como profissional, construídas a partir de suas vivências, pois é, segundo Aguiar (2006AGUIAR, Maria da C. Carrilho de. Implicações da formação continuada para a construção da identidade profissional. Psicologia da Educação, São Paulo, n. 23, p. 155-173, 2º sem. 2006. Available at: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n23/v23a08.pdf. Access on: May 2016.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n23/v...
, p. 159), “um construto e, ao longo da vida, reveste-se cumulativamente de várias facetas identitárias e até contraditórias entre si, mas que mantêm uma certa organização, coerência e estabilidade”. Nesse sentido, o desenvolvimento da identidade do professor não pode ser considerado somente a partir dos seus conhecimentos elaborados em sala de aula, uma vez que sua história precisa ser levada em conta. Cada pessoa carrega consigo vestígios das experiências familiar, social, cultural, religiosa, econômica e a própria inserção na carreira docente, em seus primeiros anos de atividades, com seus anseios, conflitos e dificuldades enfrentadas em sala de aula, que contribuem para que a identidade seja permanentemente desenvolvida, como um processo complexo e dinâmico.

A identidade e o desenvolvimento profissional docente são dimensões imbricadas e, nesse sentido, identidade não é um dado adquirido, uma propriedade ou um produto, mas sim um lugar de lutas e conflitos, um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão.

As reflexões realizadas, consubstanciadas nas contribuições teóricas exploradas, testificam, mesmo de forma sucinta, a nossa compreensão de que os professores universitários são pessoas em permanente formação, amalgamada por uma multiplicidade dos fatores - históricos, políticos, sociais, culturais, econômicos - que interferem sobremaneira na identidade profissional.

DISCUSSÃO DO CORPUS DA PESQUISA: AÇÕES FORMATIVAS E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE

O debate sobre a constituição de políticas de formação de docentes universitários em contexto de trabalho, nas IES, não é algo simples, uma vez que envolve a discussão do papel social da instituição, dos pressupostos teórico-metodológicos da produção do conhecimento e dos impactos relacionados às diretrizes emanadas de outros órgãos gestores que definem processos de avaliação da produtividade daqueles que vivem a universidade e que a fazem no seu cotidiano.

A docência exige a apreensão das singularidades a partir da relação dinâmica entre a realidade histórica e a sua totalidade concreta em que atuam os docentes. A docência universitária, conforme propõe Almeida (2012ALMEIDA, Maria Isabel de. Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012., p. 8-9), pode ser apreendida a partir de três dimensões:

[...] a dimensão profissional, onde se aninham os elementos definidores da atuação, como a incessante construção da identidade profissional, as bases da formação (inicial ou contínua), as exigências profissionais a serem cumpridas; a dimensão pessoal, onde há que se desenvolver as relações de envolvimento e os compromissos com a docência, bem como a compreensão das circunstâncias de realização do trabalho e dos fenômenos que afetam os envolvidos com a profissão e os mecanismos para se lidar com eles ao longo da carreira; a dimensão organizacional, onde são estabelecidos as condições de viabilização do trabalho e os padrões a serem atingidos na atuação profissional.

O desafio que se apresenta às instituições educacionais é o de organizar os cursos de formação contínua e emancipadora, nos quais os professores sejam considerados partícipes do processo formativo. Outro desafio será o de reconhecer que medidas simplistas não são capazes de resolver questões complexas, ou seja, será preciso instituir processos formativos baseados em princípios que realmente possibilitem sólida formação teórico-prática, capaz de munir os professores com diferentes saberes profissionais para o exercício da docência. Para tanto, as instituições educacionais deverão propiciar condições efetivas, como a disponibilidade de horários, infraestrutura e incentivos para que seus professores possam e desejem participar das ações formativas.

Nessa direção, destacamos o trabalho realizado pela Pró-reitoria de Graduação em uma Ifes situada no Estado de Minas Gerais, que tem, além de quatro campi na cidade sede, mais três fora da sede, num raio de 200 km de distância, aproximadamente. Essa Ifes possui, atualmente, em seu quadro docente 1.900 professores.

No período de 2013 a 2016, essa Ifes desenvolveu ações formativas multi- e interdisciplinares - rodas de conversa, cursos de docência universitária, fóruns internacionais sobre docência universitária, oficinas e minicursos - direcionadas aos professores em exercício, as quais contemplaram:

  • vinculação da formação com a prática profissional, no sentido de organizar um processo permanente de formação contínua, de modo que a realidade universitária pudesse ser o ponto de partida para reflexões mais aprofundadas a respeito dos desafios do exercício da docência;

  • práticas formativas que possibilitassem a valorização permanente dos saberes da docência, para além das aulas expositivas, baseadas em uma perspectiva conservadora de educação, proporcionando aos professores vivenciarem diferentes práticas que viabilizassem uma maior compreensão do fenômeno educativo e sua complexidade;

  • conhecimento didático-pedagógico dos conteúdos a serem ensinados, a partir de metodologias que favorecessem a compreensão dos objetos de ensino e o trabalho de transformação destes objetos de saber em objetos a serem ensinados nas aulas;

  • realização de práticas investigativas que possibilitassem a interação teoria-prática.

As ações formativas foram oferecidas aos professores que ingressam e àqueles que já estão há mais tempo na Ifes, com o objetivo de instigar os docentes a aprofundarem a compreensão a respeito dos impasses, desafios e possibilidades da docência na educação superior. Consideramos expressiva a adesão voluntária de 607 professores nas ações formativas, sendo que aquelas com maior número de docentes foram as rodas de conversa (218 professores) e os cursos de docência universitária (213 professores).

As rodas de conversa objetivaram proporcionar espaço de interlocução e formação contínua. Os professores, ao longo de 11 encontros, explicitaram suas dificuldades, suas angústias e indicaram a necessidade de ampliar as oportunidades para discutirem sobre suas práticas, para trocarem experiências e realizarem reflexões coletivas que promovessem o aprofundamento das questões teórico-metodológicas, apontadas por eles, indispensáveis à reflexão sobre a prática pedagógica, embora mais pautadas na dimensão técnica do ensino.

Identificadas as principais demandas docentes, a divisão responsável, que é vinculada à Pró-reitoria de Graduação, desenvolveu cursos de docência universitária, oferecidos semestralmente, em encontros quinzenais, no período 2013 a 2016, organizados em oito módulos de 4h, nas modalidades presencial e à distância.

Optamos, neste artigo, por analisar as concepções dos professores que participaram desses cursos, objetivando identificar as possíveis contribuições ao desenvolvimento profissional e se as ações desenvolvidas suscitariam discussões, análises e reflexões que pudessem reverberar na prática pedagógica. A escolha também se deu pela condição de estar reunida nos cursos expressiva quantidade de docentes de diversas áreas do conhecimento.

Os cursos de docência universitária foram realizados de forma que os participantes puderam se envolver nas atividades propostas, com momentos de exposição intercalados com debates, oficinas, avaliações e relatos de experiências. As temáticas foram trabalhadas com a contribuição de professores especialistas em educação superior.

A diversidade de formações e experiências profissionais dos docentes que participaram dos cursos enriqueceu os debates e ampliou a compreensão da docência universitária. A partir de discussões e reflexões a respeito da identidade profissional docente e da necessidade de serem construídos diferentes saberes que poderiam contribuir para a melhoria da prática pedagógica, os professores participantes tiveram a oportunidade de problematizar a própria prática pedagógica e seus condicionantes. No Quadro 1 organizamos as informações gerais sobre os cursos de docência universitária - quantidade de cursos oferecidos, períodos e número de participantes por área de atuação.

QUADRO 1
INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE OS CURSOS DE DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

Observamos que, do total da amostra, a maior parte dos docentes é da área de ciências da saúde (30,9%), seguida por exatas (24,8%) e humanas (20,3%). As demais áreas somadas representam menor proporção de docentes (16,4%), contudo, não menos expressivos e participativos. A seguir, no Quadro 2, estão relacionadas as declarações dos docentes no que se refere à formação na pós-graduação.

QUADRO 2
FORMAÇÃO DOCENTE NA PÓS-GRADUAÇÃO

A partir da análise dos dados organizados no Quadro 2, identificamos o expressivo índice de formação na pós-graduação stricto sensu, com mestrado e doutorado. Em qualquer área de atuação, o conhecimento profissional representa o conjunto de saberes que habilita o indivíduo para o exercício de sua profissão, que o torna capaz de desenvolver todas as suas funções. Esse conhecimento constrói-se na formação inicial e contínua e é aprimorado na prática diária de sua profissão, entretanto, a formação do docente universitário tem se concentrado na sua crescente especialização em uma determinada área do saber.

Os professores que participaram dos cursos de docência universitária declararam que o acesso aos conhecimentos pedagógicos, específicos à ação docente na educação superior, foi irrisório ou inexistente. Aprenderam com a experiência em sala de aula, a partir de exemplos de professores da graduação e pós-graduação. Os docentes, diante das fragilidades formativas, no que se refere aos conhecimentos profissionais da docência universitária, em seu processo de inserção profissional, encontram-se em um período repleto de angústias, incertezas e inseguranças.

Pesquisa realizada por Campos (2010CAMPOS, Vanessa T. B. Marcas indeléveis da docência no ensino superior: representações relativas a docência no ensino superior de pós-graduandos de instituições federais de ensino superior. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., 2017) revelou que, embora a formação de professores para atuarem na educação superior esteja prevista na LDB 9394/96, prioritariamente em programas de pós-graduação, a formação pedagógica é preterida e é um hiato na formação e na profissionalização docente nesse nível de educação, revelando fragilidades na constituição identitária.

A esse respeito, Pimenta e Anastasiou (2005PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.) observam que a formação atualmente oferecida aos pós-graduandos os separa de qualquer discussão sobre a dimensão pedagógica, desconsiderando, inclusive, que os elementos-chave do processo de pesquisa (sujeitos envolvidos, tempo, conhecimento, resultados e métodos) não são os mesmos necessários à atividade de ensinar, e elaboram uma comparação entre as características dos elementos constituintes de cada atividade.

Os professores que participaram das ações formativas afirmaram que ingressaram nas IES “direto” da sala de aula dos cursos de pós-graduação, na condição de estudantes, e “do dia para noite” assumiram as tarefas da profissão docente, sem qualquer experiência no magistério. O “choque de realidade” pelo qual passa esse professor, diante da dicotomia entre o pensado e o vivido por ele, no que se refere ao perfil dos alunos, à prática pedagógica e à cultura institucional, traz temores e dúvidas, necessidade de ajuda e companheirismo (MAYOR RUIZ, 2008MAYOR RUIZ, Cristina. El desafio de los profesores principiantes universitarios ante su formación. In: GARCIA, Carlos Marcelo (coord.). El profesorado principiante: inserción a la docência. Sevilha: Octaedro, 2008.), conforme verificamos no Quadro 3.

QUADRO 3
NÚMERO DE PARTICIPANTES NAS AÇÕES FORMATIVAS PROMOVIDAS PELA IFES

No Quadro 3 constatamos que, do total de 213 professores que participaram dos cursos de docência universitária, 82% afirmaram ter experiência na educação básica e/ou superior. Contudo muitos mencionaram que consideram “experiência” o período vivenciado no estágio de docência na graduação e/ou pós-graduação. Outros 17,8% declararam que não tinham experiência pregressa no magistério, quer seja na educação básica ou superior. Identificamos que, em maior número, a faixa etária desses professores correspondia entre 26 e 35 anos, ou seja, recém-ingressos na instituição. Portanto, eles estão em processo de aprendizado da docência, período marcado por insegurança, incertezas e angústias, principalmente porque o ambiente universitário, paradoxalmente, é marcado por ações individualizadas e poucas práticas colaborativas entre os docentes. Esse contexto evidencia a importância de as universidades constituírem espaços para discussão e reflexão a respeito da formação para a docência universitária e dos desafios enfrentados no cotidiano da profissão docente. O objetivo será promover o entendimento a respeito do sentido formativo da instituição e do compromisso dos docentes com a melhoria da qualidade do ensino e da formação pessoal e profissional dos estudantes.2 2 Consideramos necessário evidenciar a nossa compreensão de “qualificar o ensino”. Corroboramos com as proposições de Rios (2002), ou seja, é a prática docente competente, de uma qualidade que se quer cada vez melhor, uma vez que está sempre em processo. Contudo é preciso ter clareza de que o que se qualifica como “bom” tem um caráter cultural e histórico e é importante explicitar os critérios e seus fundamentos. Para indagar sobre a consistência dos critérios, exige-se uma constante atitude crítica, que contribui para iluminar a prática docente competente e apontar suas dimensões: técnica, política, estética, ética e humana.

De acordo com Pimenta e Anastasiou (2005PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.), na maioria das IES no Brasil, embora seus professores tenham experiência significativa e anos de estudos em suas áreas específicas, predominam o despreparo e até um desconhecimento científico sobre o processo de ensino-aprendizagem, pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em que ingressam em uma instituição de ensino superior. As autoras avaliam que os pesquisadores dos vários campos do conhecimento (historiadores, químicos, filósofos, biólogos, cientistas políticos, físicos, matemáticos, artistas, etc.) e os profissionais das várias áreas (médicos, dentistas, engenheiros, advogados, economistas, etc.) iniciam no campo da docência no ensino superior como decorrência natural dessas suas atividades e por razões e interesses variados; trazem consigo conhecimentos de suas respectivas áreas de pesquisa e de atuação profissional, contudo, em geral, não se questionam sobre o que significa ser professor. Do mesmo modo, as instituições que os recebem já dão por suposto que o são, desobrigando-se, pois, de contribuir para torná-los.

Compreendemos que tornar-se professor significa, necessariamente, formar-se profissionalmente e continuamente, no sentido de conhecer a especificidade epistemológica para o pleno exercício do magistério superior. Nesse sentido, entendemos que as IES também são responsáveis pelo trabalho dos professores, principalmente daqueles que estão na fase inicial de suas carreiras e merecem atenção especial, pois as aproximações e os distanciamentos entre a identidade pessoal e a identidade profissional não podem ser realizados individualmente. Essa fase requer, portanto, a construção coletiva de ações formativas e, principalmente, acolhimento institucional nessa delicada fase de ingresso na carreira docente.

As discussões suscitadas nos cursos de docência universitária entre os docentes no início de carreira e aqueles mais experientes possibilitaram instigar reflexões importantes sobre o processo de “tornar-se professor”, bem como expressar significativas expectativas em relação à proposta do curso. Principalmente as questões relacionadas aos conhecimentos relativos à prática pedagógica e às novas metodologias de ensino mais adequadas, segundo a declaração dos participantes, ao novo perfil dos estudantes. Na sequência, apresentamos no Quadro 4 uma síntese das expectativas docentes relativas às contribuições dos cursos de docência universitária.

QUADRO 4
SÍNTESE DAS EXPECTATIVAS DECLARADAS PELOS PARTICIPANTES DO CURSO DE DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

A formação no campo pedagógico não é algo que se possa conseguir rapidamente, pois requer esforço, investimento pessoal e institucional permanente, já que envolve, além de conhecimentos epistemológicos sobre educação e ensino, a necessária sensibilidade para compreender quem são os estudantes e quais as suas demandas formativas, cada vez mais complexas. Além disso, exige boas relações interpessoais e práticas de ensino focalizadas no processo de ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, consideramos que a participação dos docentes em ações isoladas pouco contribui para promover mudanças em suas práticas pedagógicas e reafirmamos que ações pulverizadas, fragmentadas e esporádicas não são capazes de contribuir para que os professores façam rupturas em suas crenças e concepções conservadoras, historicamente construídas em suas trajetórias formativas e profissionais na docência. Pelo contrário, esse processo deve ser dar ao longo da vida profissional, constituindo, assim, as possibilidades de permanente (re)construção de seus saberes, de suas identidades, culminando em seu desenvolvimento profissional docente.

Marcelo Garcia (1999) adota o conceito de desenvolvimento profissional de professores, como uma noção que parte de conceber o docente como um profissional do ensino. Esta definição tem uma conotação de evolução e continuidade que supera a mera justaposição entre formação inicial e aperfeiçoamento dos professores, pressupõe uma abordagem da formação de professores que valoriza o caráter contextual e organizacional e oferece uma forma de implicação e resolução de problemas escolares a partir de uma perspectiva que supera o caráter tradicionalmente individualista das atividades de aperfeiçoamento dos professores predominante até hoje.

Consideramos, nesse sentido, que as ações formativas realizadas nos cursos de docência universitária partiram dos interesses docentes, manifestadas nas rodas de conversa. A formação distanciada do contexto de trabalho, de caráter individualista a partir de modelos transmissivos, conforme afirmamos anteriormente, pouco tem a contribuir para o desenvolvimento profissional docente. Tal opção implica, necessariamente, assumir-se professor, professora. E quando nos tornamos professores? O que significa ser professor, professora?

As respostas dos professores a estes questionamentos podem ser apreendidas no Quadro 5.

QUADRO 5
SER PROFESSOR, SER PROFESSORA É...

Na síntese das declarações apresentadas no Quadro 5, verificamos que as concepções da ação docente têm como referência o ensino e os estudantes, nas quais o docente assume, por um lado, o papel de “incentivar, estimular, motivar, facilitar, transmitir” os estudantes e, por outro, o de “cooperar, ser parceiro, aprender ao ensinar, mediar o conhecimento, comprometer-se com o processo ensino-aprendizagem”. As respostas não só evidenciam a identidade docente marcada pelo constructo histórico, social e cultural do que é ser professor, professora, que tem por responsabilidade reproduzir e transmitir o conhecimento, mas também revelam a possibilidade de mudança do e no processo ensino-aprendizagem, ao se considerarem aprendizes e mediadores na relação docente-discentes.

A formação contínua do professor influencia a formação profissional do aluno, pois a qualidade da docência perpassa pelo desenvolvimento e atualização pessoal do professor, considerando que o professor é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto na formação exercida com o aluno (VASCONCELOS, 2000VASCONCELOS, Maria Lucia M. Carvalho. A formação dos professores do ensino superior. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 2000.).

Na conclusão dos cursos de docência universitária propusemos duas questões aos professores: quais as principais mudanças em sua prática pedagógica após a participação nas ações formativas? Quais as contribuições das ações formativas para o desenvolvimento da identidade e saberes profissionais? Destacamos a síntese das respostas docentes no Quadro 6.

QUADRO 6
SÍNTESE DAS RESPOSTAS DECLARADAS PELOS PARTICIPANTES NA CONCLUSÃO DO CURSO DE DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

A análise das respostas apresentadas no Quadro 6 indica que os docentes atribuem significativa importância aos saberes da experiência como fator preponderante para que consigam atuar melhor como professores. Expectativa que requer compreender a formação no campo pedagógico como processo complexo, ou seja, não se pode alcançar rapidamente, pois requer esforço, investimento pessoal e institucional permanente.

Nesse sentido, ponderamos que, embora a participação em apenas um curso, oficina, palestra entre outras ações formativas não seja o suficiente para promover mudanças expressivas nas práticas docentes, poderá provocar reflexões que reverberem na constituição identitária da profissão, possibilitando, inclusive, promover mudanças nas concepções dos professores sobre a prática pedagógica.

A formação profissional é um processo que exige do professor reflexão crítica em relação às suas representações pessoais, sobre as suas concepções e crenças relativas à educação, bem como a respeito da instituição de ensino, das problemáticas sociais que se manifestam na escola, das formas de ensinar-aprender. A formação crítica e emancipatória dos estudantes requer dos docentes comprometimento, além da sistematização de saberes que contribuam para apreensão e análise da realidade, para compreender o que está imbricado nas situações que se apresentam inusitadas no cotidiano profissional.

Assim, a construção da identidade do professor não pode e não deve ser considerada somente a partir de seus conhecimentos adquiridos ao longo dos anos em sala de aula, como estudante, mas também por meio da história de vida. A partir destas reflexões, destacamos que, nos processos de formação de professores, é preciso considerar:

[...] a importância dos saberes das áreas de conhecimento (ninguém ensina o que não sabe), dos saberes pedagógicos (pois o ensinar é uma prática educativa que tem diferentes e diversas direções de sentido na formação do humano), dos saberes didáticos (que tratam da articulação da teoria da educação e da teoria de ensino para ensinar nas situações contextualizadas), dos saberes da experiência do sujeito professor (que dizem do modo como nos apropriamos do ser professor em nossa vida). Esses saberes se dirigem às situações de ensinar e com elas dialogam, revendo-se, redirecionando-se, ampliando-se e criando. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005., p. 71)

No processo de formação do professor, a apropriação dos saberes e conceitos científicos referentes ao desenvolvimento da atividade docente é essencial para que se possa avançar na compreensão da subjetividade da ação docente, isto é, na compreensão do significado de sua ação e, necessariamente, contribuir para a constituição da autonomia e (trans)formação das concepções docentes sobre o que pensam e o que realizam, a partir dessa compreensão.

Reconhecemos, nessa perspectiva, que as ações formativas, por nós analisadas, se constituíram como possíveis estratégias de (re)elaboração do saber docente, sob a ótica dos docentes que participaram dos cursos de docência universitária, pois se configuraram em espaços formativos, capazes de fomentar a reflexão sobre a prática docente universitária e apontar caminhos para o enfrentamento dos desafios, inerentes à docência universitária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das reflexões apresentadas ao longo do artigo, suscitadas pelo diálogo com os docentes que participaram dos cursos de docência universitária, depreendemos que somente com a reelaboração permanente da formação, como parte integrante da profissão docente e consequentemente da assunção da identidade profissional, os professores poderão definir estratégias de ação que contribuam para promover mudanças significativas em suas concepções e práticas pedagógicas.

A investigação possibilitou compreender a existência de diversos fatores que contribuem para o processo de desenvolvimento profissional e identitário docente, dentre os quais consideramos as vivências dos professores, suas experiências pessoais e/ou profissionais e os saberes por eles mobilizados à medida que desenvolvem seu trabalho. A formação é um processo que se inicia muito antes do ingresso na carreira do magistério superior, uma vez que os professores consideraram em suas práticas cotidianas na universidade a influência das experiências anteriores ao acesso na profissão - escolares, familiares, profissionais e sociais.

Nessa perspectiva, considerando as singularidades e complexidades da docência, é possível inferir que as ações formativas desenvolvidas nos cursos de docência universitária, realizados na Ifes investigada, têm contribuído significativamente para ampliar a compreensão do sentido da docência como “um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vistas a uma identidade, que é também uma identidade profissional” (NÓVOA, 1992NÓVOA, Antonio. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992., p. 25).

O diálogo com os professores permitiu compreender que os conceitos de formação, identidade e desenvolvimento profissional docente não são unívocos, nem preestabelecidos e estáticos; são múltiplos e oriundos de fatores históricos, sociais, culturais e econômicos, compondo, portanto, o conceito de docência, como profissão complexa, que exige formação permanente.

A partir da interlocução com docentes foi possível identificarmos que as ações formativas realizadas nos cursos de docência universitária lhes possibilitaram: reconhecer seus limites relativos à aquisição do saber pedagógico para o exercício do ensinar, na formação pós-graduada; apreender estratégias para redimensionarem suas práticas e superarem os limites; trocar experiências e conhecimentos, na construção de novas e atualizadas aprendizagens; e refletir sobre a importância de uma formação mais ampla, com significativa fundamentação teórico-científica, necessária às especificidades da prática pedagógica contextualizada no desenvolvimento do pensamento crítico diante da realidade.

Esses aspectos nos permitem afirmar que as ações formativas contínuas, desenvolvidas em colaboração com os professores, contribuem para os processos de desenvolvimento profissional e poderão incidir diretamente na melhoria de suas práticas pedagógicas. Entretanto, ressaltamos que a formação didático-pedagógica ainda é lacunar, descontinuada e fragmentada, principalmente, porque não se trata de política da instituição, mas sim de políticas pontuais de gestão. De acordo com Melo (2018MELO, Geovana Ferreira. Pedagogia universitária: aprender a profissão, profissionalizar a docência. Curitiba: CRV, 2018.), será por meio de uma política institucional, com dotação de recursos financeiros, condições de infraestrutura e profissionais especializados, que poderá ocorrer o fortalecimento de uma Pedagogia Universitária, que tenha compromissos com os processos formativos e com a profissionalização de seus docentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2018
  • Aceito
    26 Ago 2019
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