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Mulheres, covid-19 e a lógica patriarcal: análise sobre o trabalho das mães docentes

Women, Covid-19 and Patriarchal Logic: An Analysis on The Work of Mothers who are Professors

Resumo

Analisamos depoimentos de mães docentes de diversas universidades públicas no Brasil sobre os efeitos do isolamento social causado pela pandemia da Covid-19 em seus cotidianos, trabalho e produção de conhecimento no ano de 2020. As mães e pais assumiram o cuidado e processo pedagógico dos seus filhos e filhas, com efeitos desiguais em termos de gênero: há sobrecarga de trabalho para as mulheres, que afeta não apenas sua saúde física e psicológica e sua vida acadêmica, mas também a própria produção de conhecimentos por mulheres sobre questões voltadas para enfrentar problemas das mulheres.

Mulheres; Maternidade; Academia; Covid-19; Divisão sexual do trabalho

Abstract

The research analyses statements by mothers who are professors at several public universities in Brazil about the effects that social isolation during the Covid-19 pandemic had on their daily lives, work and production of knowledge in 2020. Mothers and fathers took on the care and pedagogical processes for their children, with unequal effects in terms of gender. The work overload for women affects not only their physical and psychological health, and their academic life, but the very production of knowledge by women on issues related to confronting problems faced by women.

Women; Maternity; the Academy; Covid-19; Sexual division of labor

Aprende-se na academia que no mundo capitalista as mulheres são obrigadas a trabalhar como se não tivessem filhos e como se suas questões de saúde e de vida não existissem (docente, 03 de jul. 2020).

Introdução

Situações de crise afetam de forma intensa e extensa grupos sociais em situação de desigualdade, como mulheres e a população negra. Por esse motivo, quando as primeiras medidas de enfrentamento contra a disseminação da Covid-191 1 Doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. A Covid-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. foram tomadas em 2020, preocupações surgiram sobre como esses grupos sociais seriam afetados. A pandemia evidenciou as desigualdades estruturais e escancarou os privilégios masculinos e da branquitude, por meio dos quais o modo de produção capitalista se recria. Por conseguinte, a pandemia, em especial no seu primeiro ano, explicitou a crise em torno do cuidado. O desemprego, o aumento da sobrecarga de trabalho, os índices de violência doméstica, a precarização do trabalho, a impossibilidade de praticar as medidas de enfrentamento, sobretudo o isolamento social e a diminuição de acesso a serviços de atendimento de qualidade são algumas das facetas dessa crise que é vivenciada, sobretudo, por mulheres. Pesquisa realizada conjuntamente pela Gênero e Número e Sempreviva Organização Feminista (2021) revelou que metade das 2641 mulheres entrevistadas passou a cuidar de alguém na pandemia; 41% declararam trabalhar mais; 40% tiveram o sustento dos seus lares colocado em risco em decorrência do isolamento social e 91% das mulheres acreditam que a violência doméstica aumentou ou se intensificou durante o período de isolamento social. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2020), 56% das mulheres gastam mais tempo em tarefas domésticas com a pandemia.

De acordo com o IBGE (2019)IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Estudos e Pesquisas Informação Demográfica e Socioeconômica nº 40, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Rio de Janeiro-RJ, IBGE, 2019 [ https://drive.google.com/file/d/109iZ0llB47R_Z4TgEOmlUf1Hf-62Rp_q/view?pli=1 - acesso em: 02 jun. 2021].
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, se o cenário de crise econômica parece contribuir para levar as mulheres para o mercado de trabalho, expressa também que sua taxa de participação permanece bem aquém à dos homens. Em 2018, por exemplo, esses valores eram de 52,9% para mulheres e 72,0% para homens. Estudo do IBGE (2020)IBGE. Mulheres Brasileiras na Educação e no trabalho. IBGE, 2020 [ https://educa.ibge.gov.br/criancas/brasil/atualidades/20459-mulheres-brasileiras-na-educacao-e-no-trabalho.html - acesso em: 30 mar. 2022].
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sobre mulheres brasileiras na educação e no trabalho revelou ainda que as mulheres brasileiras receberam, em 2019, cerca de 77,7% do rendimento dos homens. Isso ocorre a despeito da maior escolaridade das mulheres, que não é suficiente para levá-las à força de trabalho em proporção maior ou igual à dos homens. Entre os homens com 25 anos ou mais, 15,1% têm ensino superior completo, e, entre as mulheres desse mesmo grupo de idade, 19,4% completaram o ensino superior. De acordo com essas pesquisas, as desigualdades entre os sexos derivam, dentre outros fatores, da discriminação no mercado de trabalho e da divisão por gênero das atividades de afazeres domésticos e cuidados, sobretudo quando não há legislação e políticas públicas específicas (WORLD, 2017, apudIBGE, 2019IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Estudos e Pesquisas Informação Demográfica e Socioeconômica nº 40, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Rio de Janeiro-RJ, IBGE, 2019 [ https://drive.google.com/file/d/109iZ0llB47R_Z4TgEOmlUf1Hf-62Rp_q/view?pli=1 - acesso em: 02 jun. 2021].
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). De acordo com os resultados para 2018 do módulo da PNAD2 2 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Contínua, em relação às outras formas de trabalho, a taxa de realização das tarefas domésticas no domicílio ou em domicílio de parente era 92,2% para as mulheres e de 78,2% para os homens. A taxa referente a cuidados de moradores ou de parentes não moradores era 37,0% e 26,1% respectivamente. Tais taxas revelam que as mulheres dedicam 21,3 horas por semana a esse conjunto de atividades e os homens 10,9 horas em média (IBGE, 2019IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Estudos e Pesquisas Informação Demográfica e Socioeconômica nº 40, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Rio de Janeiro-RJ, IBGE, 2019 [ https://drive.google.com/file/d/109iZ0llB47R_Z4TgEOmlUf1Hf-62Rp_q/view?pli=1 - acesso em: 02 jun. 2021].
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).

O recorte por sexo, assim como a diferenciação por cor ou raça, é fundamental para diagnóstico das desigualdades de rendimentos no país e nos mostra que as atividades econômicas de menores rendimentos são as que possuem mais ocupados da cor ou raça preta ou parda e pessoas do sexo feminino. No balanço geral, os brancos ganham, em média, 73,9% mais do que os pretos ou pardos e os homens ganham em média, 27,1% mais que as mulheres (IBGE, 2019IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Estudos e Pesquisas Informação Demográfica e Socioeconômica nº 40, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Rio de Janeiro-RJ, IBGE, 2019 [ https://drive.google.com/file/d/109iZ0llB47R_Z4TgEOmlUf1Hf-62Rp_q/view?pli=1 - acesso em: 02 jun. 2021].
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).

A PNAD Contínua do IBGE revelou ainda que a participação feminina no mercado de trabalho no terceiro semestre de 2020 teve uma queda de 14% em relação a 2019, atingindo os níveis de 30 anos atrás: 45,8%. Vale ressaltar que 58% das mulheres desempregadas são negras (IPEA, 2021IPEA. Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. IPEA, 2021 [ https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/mercadodetrabalho/210512_bmt_71_nota_tecnica_a3.pdf - acesso em: 15 jan. 2022].
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).

No Brasil, assim como em outros países da América Latina, esses efeitos são aprofundados pelo contexto de precarização dos serviços públicos essenciais, decorrente da implementação das políticas neoliberais nos anos 1990, que intensificaram a ineficiência que vivíamos. Apesar de tentativas dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) de fortalecer alguns direitos essenciais da população brasileira, a forma historicamente subordinada de inserção da economia brasileira ao processo de acumulação - desde seus primórdios até mais recentemente no capitalismo financeirizado -, impossibilita qualquer mudança estrutural na política econômica do país que seja capaz de romper com essa situação de precarização (Paulani, 2013PAULANI, Leda. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre o caso brasileiro. Estudos Avançados, (27/77), 2013, pp.237-264 [https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/53965 - acesso em: 18 mar 2022].
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). Além disso, vivemos por quatro anos sob um governo liberal-autoritário que não apenas negou a amplitude e importância da pandemia e os efeitos desiguais sobre a população negra e as mulheres, como em momento de crise acelerou as desregulações de políticas de direitos humanos e ambientais e autorizou a violência contra os agentes e processos definidos como obstáculos ao cumprimento do seu projeto de nação3 3 Para Brown (2019), neoliberalismo e o autoritarismo são duas faces da mesma moeda. Os governos liberais-autoritários capturam porções da sociedade pelos interesses do capital, utilizando-se da religiosidade ou de discursos em torno da decadência moral para avançar com políticas que fragilizam ou esvaziam de conteúdo a democratização. Parte importante desse processo é a hierarquização de grupos sociais ou étnicos, classificados como inferiores ou superiores. . Um governo identificado como misógino - com desprezo, ódio e preconceito contra as mulheres - afeito a declarações machistas4 4 Por exemplo: "Ela é muito feia. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar porque ela não merece". "O cara paga menos para a mulher porque ela engravida". "O Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade". As falas classificadas como "misóginas" e como "abuso de liberdade de expressão" resultaram em uma ação movida pelo Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) e virou um processo por danos morais movido pela Procuradoria contra a União. Para mais informações ver: http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-misoginia - acesso em: 18 out. 2020. e a defesa da violência doméstica para criticar o isolamento social, relacionando-a à falta de renda, não só ocultou as causas estruturantes dessa violência, como naturalizou, aprofundou e legitimou as causas e os efeitos da desigualdade de gênero no país.

Nesse contexto de aprofundamento das desigualdades, a vida e o trabalho das mães docentes, lugar ainda de privilégio na nossa sociedade, também têm sido afetados. Como consequência das medidas de enfrentamento da pandemia, em especial no primeiro ano, quando as escolas e creches foram fechadas em modo presencial, as mães e pais assumiram todo o cuidado, o processo pedagógico dos seus filhos e filhas, além de tentarem preencher a ausência das relações sociais perdidas. Esse processo tem impactado física e psicologicamente de forma desigual as mulheres, devido ao aumento dos trabalhos domésticos e de cuidados, com implicações não apenas para o cotidiano e a vida acadêmica, mas para a própria produção de conhecimento, já dominantemente masculina, branca, ocidental e heterossexual.

Partindo da perspectiva de que as categorias de gênero, raça, classe e maternidade são fatores que contribuem para a violação de direitos e a sub-representação de mulheres na ciência, elaboramos a pesquisa "Mulheres, Maternidade e Covid-19: um olhar desde a universidade pública"5 5 Agradecemos profundamente a todas as mães docentes que responderam a nossa pesquisa em meio ao clima de incerteza, tensão e sobrecarga de trabalho no primeiro ano da pandemia. . O impulso inicial foi nossa própria experiência como mães e docentes que ocupavam o cargo de chefia e vice-chefia de departamento durante todo o primeiro ano da pandemia (2020)6 6 Importante ressaltar que submetemos o artigo com as modificações solicitadas pelas pareceristas, a quem muito agradecemos, após 12 meses. Um dos motivos foi o trabalho em cargos administrativos, que recaem mais sobre as mulheres do nosso departamento, simbolizando a desigualdade de gênero que há na divisão do trabalho docente. Uma de nós continuou na chefia do departamento até janeiro de 2023, enquanto a outra assumiu, em 2022, a vice-coordenação do programa de pós-graduação. . As dificuldades que encontramos no nosso cotidiano de vida e de trabalho e nos espaços (virtuais) universitários para tratarmos dessa realidade nos mobilizaram para a necessidade de aprofundarmos nossa análise sobre a questão de gênero, bem como nos instigaram a refletir e a nos expressar sobre nossa relação de trabalho na universidade durante a pandemia. A realização da pesquisa foi, naquele momento, uma bandeira política pela busca de regulamentações trabalhistas que levassem em conta a desigualdade nas relações de trabalho vivenciadas por docentes, assim como uma forma de estarmos juntas a outras mulheres em situações similares. Foi uma forma de "ouvir" e registrar o momento que estávamos coletivamente vivenciando. Dessa forma, adotamos a perspectiva da ciência feminista, uma ciência coletiva que parte do conhecimento situado, isto é, que explicita o contexto a partir do qual é produzido, parte das vivências das mulheres, assume um posicionamento político e, por fim, analisa questões de pesquisa voltadas para enfrentar problemas das mulheres (Harding, 1987HARDING, Sandra. “Is There a Feminist Method?”. Feminism and Methodology. Indianapolis, Indiana University Press, 1987.). Nosso objetivo foi coletar e analisar, de forma quanti-qualitativa, os depoimentos de docentes de diversas universidades públicas no Brasil que são mães, buscando garantir uma diversidade regional, de áreas de conhecimento e de raça/etnia. Com isso, buscamos expor os efeitos da pandemia em nossos cotidianos de vida e trabalho, bem como questionar a naturalização do aprofundamento das desigualdades de gênero nas relações de trabalho nas universidades públicas brasileiras. Nosso diferencial é o nosso olhar em torno das decisões que foram sendo tomadas no âmbito da comunidade universitária brasileira, além dos efeitos na produção do conhecimento e da ciência brasileira realizados por mulheres.

Para tanto, elaboramos um questionário no Google Forms com perguntas fechadas e abertas, que foi circulado no período de 01/07/2020 a 13/08/2020. As primeiras abrangeram dados básicos em torno do gênero, raça/etnia, faixa etária, universidade/região do país, área do conhecimento, tempo de docência/pesquisa, lecionação, organização familiar, número de filhos e faixa etária desses. As segundas contemplaram questões gerais e específicas. As questões gerais abrangeram o cotidiano do trabalho doméstico e cuidado, a produção acadêmica, a saúde física, mental e emocional e a discussão de gênero e raça nos departamentos e programas de pós-graduação nas universidades brasileiras. Como questões específicas, abordamos o tema do trabalho e ensino remoto e o tratamento das universidades sobre a questão da maternidade nesse contexto. A pesquisa foi divulgada em diversos sites de associações científicas brasileiras, em nossa universidade e em nossa rede de relações acadêmicas. As próprias docentes que responderam à pesquisa divulgaram-na em suas redes.

Reconhecemos os limites da pesquisa tanto pelo contexto em que ela foi realizada quanto pelos métodos que estavam ao nosso dispor. Considerando a sobrecarga de trabalho que estávamos (e estamos) vivenciando, enfrentamos dificuldades para expandir a coleta de depoimentos, garantir a diversidade, bem como aprofundar as análises dos resultados obtidos. As mulheres que participaram da pesquisa também enfrentaram limites: algumas começaram e pararam de preencher o formulário diversas vezes, outras enviaram os depoimentos, via áudio, para o número de celular criado para a pesquisa por falta de tempo, e outras ressaltaram não terem conseguido responder da forma como gostariam. A ausência de entrevistas presenciais - ou até mesmo por telefone/videoconferência - foi, sem dúvida, uma limitação em termos do aprofundamento da pesquisa, das trocas e das possibilidades de questões que só aparecem no diálogo. São as entrevistas que possibilitam construir de forma qualificada a rede de relações, argumentações e narrativas, que um formulário, apesar de contar com perguntas abertas, não consegue atingir. Apesar desses limites, consideramos bem-sucedida a realização da pesquisa, não só pela produção do conhecimento gerado e o registro do momento vivenciado, mas pelo posicionamento político que ela representou.

É importante ressaltar que o uso da categoria "mulher" leva em consideração a existência de desigualdades entre "mulheres" e, portanto, da centralidade do conceito de interseccionalidade, uma ferramenta analítica e práxis política que busca compreender como a articulação entre os diferentes sistemas de opressão particulariza e torna mais complexo o modo pelo qual determinados grupos sociais vivenciam a desigualdade (Collins; Bilge, 2021COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. São Paulo, Boitempo, 2021.). Assim, a partir do lugar de mulheres brancas de classe média, chamamos atenção e afirmamos nosso reconhecimento dos impactos diferentes sobre a vida e o trabalho das mulheres negras, tentando, sempre que possível, apresentar dados que expressam esse reconhecimento.

O artigo está organizado em 4 partes: esta introdução, reflexões sobre mulheres na academia e parentalidade, a pesquisa e a análise de seus dados, costurados com algumas reflexões sobre maternidade, patriarcado e divisão sexual do trabalho. Terminamos com algumas considerações finais, que visam sugerir o aprofundamento de uma agenda de pesquisa e debates que vêm ocorrendo dentro da universidade para o enfrentamento dessas questões.

Maternidade, trabalho docente e pandemia

Ao longo dos anos, a educação brasileira tem passado por transformações, expandindo a participação de mulheres e de pessoas negras. No entanto, após anos de luta dos movimentos feministas e negros e superada a ideia de que a ciência é uma atividade predominantemente masculina, a universidade ainda é um lugar de privilégio, dominado por homens na casa dos quase 40 anos. Pesquisas no campo de gênero e ciência demonstram como as mulheres continuam sendo minoria na ciência mundial (representando 30% de pesquisadores no mundo), concentradas em determinados campos de conhecimento e mais presentes nos níveis iniciais da carreira, sendo também sub-representadas em posições deliberativas da política científica e tecnológica (Cunha et al., 2021CUNHA, Rocelly; DIMENSTEIN, Magda; DANTAS, Candida. Desigualdades de gênero por área de conhecimento na ciência brasileira: panorama das bolsistas PQ/CNPq. Saúde debate (45/1), Rio de Janeiro-RJ, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES, 2021 [ https://doi.org/10.1590/0103-11042021E107 - acesso em: 29 jan. 2022].
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; Machado et. al, 2019). Há, ainda, a perspectiva de que as mulheres produzem menos do que os homens, embora as pesquisas demonstrem o contrário (Leta, 2003LETA, Jaqueline. As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso. Estudos Avançados (17/49), São Paulo-SP, Instituto de Estudos Avançados/USP, 2003, pp.271-284.).

Parte importante dessas pesquisas diz respeito à relação entre gênero e as bolsas de produtividade do CNPQ, avaliadas como um instrumento de legitimação das hierarquias de gênero dentro das universidades brasileiras (Guedes et al., 2015GUEDES, Moema de Castro; AZEVEDO, Nara; FERREIRA, Luiz Otávio. A produtividade científica tem sexo? Um estudo sobre bolsistas de produtividade do CNPq. cadernos pagu (45), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2015, pp.367-399.; Barros; Silva, 2019BARROS, Suzane C. V.; SILVA, Luciana M. C. Desenvolvimento na carreira de bolsistas produtividade: uma análise de gênero. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 71 (2), Rio de Janeiro-RJ, UFRJ, 2019, pp.68-83.; Oliveira et al., 2021OLIVEIRA, Amurabi et alii. Gênero e desigualdade na academia brasileira: uma análise a partir dos bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq. Configurações, 27, 2021 [ http://journals.openedition.org/configuracoes/11979; DOI: https://doi.org/10.4000/configuracoes.11979 - acesso em: 30 abr. 2022].
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). Os resultados revelam que, apesar da igualdade na produção acadêmica entre mulheres e homens, o acesso às bolsas de produtividade e ao que é considerado o "topo" da carreira continua desigual, aprofundando a dominação dos homens, em termos de reconhecimento, no meio acadêmico. No ano de 2017, por exemplo, apenas 36% das bolsas foram para mulheres. Importante frisar que os homens começam a acessar as bolsas de produtividade entre 45 a 54 anos, e as mulheres, na sua maioria, entre 50 a 59 anos. Apenas 19% das mulheres com bolsa de produtividade tinham entre 30 e 34 anos e 25% entre 35 e 39 (Machado et al., 2019MACHADO, Letícia et al. Parent in Science: the impact of parenthood on the scientific career in Brazil. IEEE/ACM 2nd International Workshop on Gender Equality in Software Engineering (GE), 2019 [https://ieeexplore.ieee.org/document/8819567/authors#authors - acesso em: 12 fev. 2021].
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).

Quando incluímos a questão racial, a situação piora. O conjunto do corpo docente de ensino superior público e privado do país é composto majoritariamente por brancos; apenas 16,4% das pessoas se autodeclaram negras. As docentes negras não chegam a 3% do total de docentes em programas de pós-graduação. Isso considerando que cerca de 1/3 do corpo docente não declara cor/raça e que os instrumentos de políticas de estatísticas da educação superior desvalorizam o marcador social e de cor/raça (Rios; Mello, 2019RIOS, Flavia; MELLO, Luiz. Estudantes e docentes negros/as nas instituições de ensino superior em busca da diversidade étnico-racial nos espaços de formação acadêmica no Brasil. Boletim Lua Nova, 19 de nov. 2019, Portal Geledés. [ https://www.geledes.org.br/estudantes-e-docentes-negras-os-nas-instituicoes-de-ensino-superior-em-busca-da-diversidade-etnico-racial-nos-espacos-de-formacao-academica-no-brasil/ - acesso em: 05 jun. 2020].
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). Em termos do sistema de produtividade, entre 2013 e 2017, não chegam a 30% as bolsistas do CNPq que se identificam como pretos e pardos (Assis, 2018ASSIS, Carolina de. GRÁFICO: Gênero e raça na ciência brasileira. Gênero e Número, 2018 [ https://www.generonumero.media/reportagens/grafico-genero-e-raca-na-ciencia-brasileira/ - acesso em: 20 mar. 2022].
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). Assim, embora o número de pessoas negras nas universidades esteja crescendo, o acesso continua sendo desigual (Ipea, 2021IPEA. Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. IPEA, 2021 [ https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/mercadodetrabalho/210512_bmt_71_nota_tecnica_a3.pdf - acesso em: 15 jan. 2022].
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).

Vale ressaltar que lacunas em termos de informações ainda são encontradas, em particular no que diz respeito às questões de gênero, classe, raça e carreira docente no ensino superior. Informações sobre cor/raça passaram a ser incluídas nos currículos de pesquisadores e pesquisadoras na Plataforma Lattes apenas no ano de 2013, por exemplo (Assis, 2018ASSIS, Carolina de. GRÁFICO: Gênero e raça na ciência brasileira. Gênero e Número, 2018 [ https://www.generonumero.media/reportagens/grafico-genero-e-raca-na-ciencia-brasileira/ - acesso em: 20 mar. 2022].
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). Entretanto, no Censo da Educação Superior de 2018, não é possível identificar a categoria raça entre os(as) docentes da universidade (Rios; Mello, 2019RIOS, Flavia; MELLO, Luiz. Estudantes e docentes negros/as nas instituições de ensino superior em busca da diversidade étnico-racial nos espaços de formação acadêmica no Brasil. Boletim Lua Nova, 19 de nov. 2019, Portal Geledés. [ https://www.geledes.org.br/estudantes-e-docentes-negras-os-nas-instituicoes-de-ensino-superior-em-busca-da-diversidade-etnico-racial-nos-espacos-de-formacao-academica-no-brasil/ - acesso em: 05 jun. 2020].
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). Ao se tratar da articulação entre gênero, raça, classe e a parentalidade, as informações e pesquisas são ainda mais escassas7 7 Noções de sexo - feminino e masculino - deixam de fora as diversas formas de identidade como não-binário, cisgênero, transgênero, transexual ou travesti ou intersexual e as variedades de orientações sexuais como heterossexual, homossexual, bissexual, assexual e pansexual. Isso implica considerar distintos marcadores sociais que representam situações de desigualdade na nossa sociedade - como geração, região, e territorialidades -, além da diversidade de formas de ser, de saber e de existir. . Um marco importante foi a criação da iniciativa Parent in Science, no ano de 2016, com o objetivo de discutir e incidir sobre a questão da parentalidade, em especial a maternidade, na academia. Diversos grupos e núcleo de pesquisa sobre gênero e maternidade também foram criados, como o Gênero, Maternidade e Saúde (GEMAS) da USP, o Núcleo Materna8 8 Cf. em https://projetosmaterna.wixsite.com/nucleomaterna - acesso em: 10 jan. 2023. (Núcleo Virtual de Pesquisa em Gênero e Maternidade) e o Núcleo Interseccional em Estudos da Maternidade9 9 Cf. em https://nucleoniem.wixsite.com/niem - acesso em: 10 jan. 2023. (NIEM). Existem ainda os grupos sobre gênero que trabalham a maternidade como uma das suas linhas de pesquisa.

O que tais grupos e pesquisas afirmam é que, além das dificuldades enfrentadas em termos de acesso e permanência na universidade, em especial nos cargos de docência, as mulheres ainda enfrentam obstáculos para conciliar a vida profissional e a doméstica, incluindo a maternidade. A responsabilização histórica pelos cuidados atribuídos às mulheres em decorrência da divisão sexual do trabalho, em especial das mães, tem se revelado como um fator crítico no trabalho acadêmico.

Com a pandemia e o fechamento das escolas, a vida das mulheres foi mais uma vez impactada de forma desigual. Importante lembrar que a divisão sexual do trabalho não se dá por questões biológicas, mas por processos de desigualdade de poder socialmente construídos entre homens e mulheres e que a sobrecarga mental do cuidado, produzido por regras e normas de gênero socialmente construídas, é vivenciada também por mulheres cientistas sem filhos e filhas (Castro; Chaguri, 2020CASTRO, Bárbara; CHAGURI, Mariana. Um tempo só para si: gênero, pandemia e uma política científica feminista. Dados, Rio de Janeiro-RJ, IESP/UERJ, 22 de maio de 2020 [ http://dados.iesp.uerj.br/pandemia-cientifica-feminista/ - acesso em: 22 de maio 2020].
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). No entanto, interessa-nos aqui realizar uma análise sobre a situação das docentes mães.

Foi neste cenário de explícita desigualdade e intensificação da sobrecarga de trabalho das mães docentes que a pesquisa foi realizada. Recebemos 144 depoimentos, organizados na tabela a seguir.

Tabela 1
Depoimentos recebidos por região, idade, raça, nº de filhos(as) e organização familiar

As informações retiradas das entrevistas e sistematizadas na tabela acima contemplaram docentes das cinco regiões do Brasil e reafirmaram dados sobre as desigualdades regionais e de raça entre as universidades e as mulheres docentes no Brasil. Também reafirmaram o padrão de organização familiar (união heterossexual) e a quantidade de filhos(as) (1 por família).

O cotidiano das docentes que vivem em uma união heterossexual é traduzido pela falta de divisão equitativa do trabalho doméstico e dos cuidados com os filhos. Poucas narraram que dividem igualmente ambas as tarefas com o marido.

Meu cotidiano é complexo. Novas atividades para cumprir como o cuidado da casa integral, acompanhamento das atividades escolares remotas das crianças, gerenciamento do meu grupo de trabalho e trabalho de pesquisa em si. Precisava de mais horas para fazer todas as coisas com qualidade, mesmo contando com a ajuda do companheiro (30%) e das crianças (docente, 03 de julho de 2020).

Meu cotidiano é caótico. A casa em constante bagunça, as leituras da faculdade atrasada e a filha cobrando atenção (docente, 03 de julho de 2020).

Meu companheiro divide as tarefas diárias relativas ao cuidado parental (detalhe, ele não é o pai biológico do meu filho) e as tarefas domésticas. Este não é um ponto de conflito em nosso cotidiano (docente, 02 de julho de 2020).

O cotidiano das docentes que vivem sozinhas com seus filhos ou em outra configuração familiar é narrado por frases como:

Continuo trabalhando remotamente pela universidade e tenho que cuidar da minha filha que está em casa. Sozinha, uma única adulta para fazer TUDO na casa e ainda trabalhar (docente, 03 de julho de 2020).

Outras se mudaram para a casa da família e dividem os afazeres domésticos. Há aquelas que moram com seus filhos e filhas e mães e pais e realizam sozinhas todo o trabalho doméstico, o cuidado com as crianças e ainda cuidam de idosos. Há casos em que a docente tem guarda compartilhada com o pai da criança.

Fico 3 dias com as crianças, dedicada integralmente aos seus cuidados, e 3 dias sem as crianças, para dar conta de trabalhos. Quando preciso acompanhar alguma reunião, seminário, curso, com as crianças em casa, é um momento bastante tenso, é necessário ficar alerta com as crianças para evitar situações de risco (a mais nova tem 2 anos), às vezes acaba atrasando alguma refeição (gerando um stress nas crianças por fome), ou as crianças fazem uma bagunça muito grande, implicando muito mais trabalho depois de concluída a atividade (docente, 11 de julho de 2020).

A questão da divisão sexual do trabalho e os valores sociais determinadores dos papéis sociais foram socialmente construídos por um sistema - a ordem patriarcal de gênero - que vigora até os dias atuais, é atualizado de acordo com os interesses momentâneos e recebe contornos específicos no modo de produção capitalista (Saffioti, 2004SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo, Ed. Fundação Perseu Abramo, 2004.). Além de qualificar o trabalho feminino como ajuda, invisibilizando-o, determina um sistema de exploração-dominação masculino (Saffioti, 2004SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo, Ed. Fundação Perseu Abramo, 2004.).

Vale ressaltar aqui a amplitude do debate produzido por diversas feministas, muitos publicados na Cadernos Pagu, sobre os conceitos de gênero, mulheres e patriarcado. São conceitos acompanhados de complexidades e posturas variadas e que frequentemente não dão conta, por si só, dos trânsitos entre masculinidade e feminilidade ou de questões como raça, classe, geração, sexualidade e colonialidade. Não é escopo deste artigo explorar mais a fundo esse debate, mas é importante assumirmos aqui uma posição. Reconhecemos essa complexidade e buscamos utilizar os conceitos de forma articulada, em especial destacando a diversidade das mães docentes, das suas experiências e vivências e os contextos específicos em que relações de poder são operacionalizadas a partir do sistema de diferenciação sexo/gênero.

Reconhecemos o clássico trabalho realizado por Scott (1989)SCOTT, Joan Wallach. Gender: a useful category of historical analyses. Gender and the politics of history. New York, Columbia University Press. 1989. que, entendendo gênero como um saber sobre as diferenças sexuais e a existência inseparável entre saber e poder, afirma o gênero no seu vínculo estreito com relações de poder. Gênero seria, portanto, uma percepção dual e hierarquizada sobre as diferenças sexuais, atribuindo sentidos culturais às mesmas. Consideramos também útil o conceito de patriarcado para tratar da estrutura de poder que tem por base a ideologia e a violência, e através do qual se admite a dominação e exploração das mulheres pelos homens (Saffioti, 2004SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo, Ed. Fundação Perseu Abramo, 2004.). Ao mesmo tempo, considerando a nossa trajetória no campo da ecologia política feminista latinoamericana e da antropologia, com pesquisas voltadas a povos e comunidades tradicionais, é preciso também reconhecer os debates que vêm ocorrendo por parte de feministas destes campos como também dos feminismos indígenas, comunitários e territoriais. Para a feminista comunitária Cabnal (2010)CABNAL, Lorena. Feminismo diversos: El Feminismo Comunitario. ACSUR - Las Segovias, España, 2010., por exemplo, o patriarcado é o sistema de todas as opressões, explorações, violências e discriminações sofridas pela humanidade e pela natureza como um sistema historicamente construído sobre o corpo sexuado das mulheres. Haveria ainda um entroncamento de patriarcados; o patriarcado originário se refunda com a penetração do patriarcado ocidental, da colonização e da colonialidade do capitalismo neoliberal. Essas feministas também questionam a relação entre o conceito de gênero e colonialidade. Portanto, são conceitos tradicionalmente trabalhados, mas que, sendo fluídos, abrem novos debates, estando, assim, em constante construção.

Nesse sentido, é importante lembrar que a noção de família e o papel de cada integrante passou por diversas mudanças com o avanço do modo de produção capitalista. Existe a perspectiva de que a desigualdade sexual como a conhecemos hoje não existia antes do advento da propriedade privada. Algumas autoras, inclusive, não reconhecem gênero como princípio organizador da sociedade no período pré-colonial (Lugones, 2008LUGONES, Maria. Colonialidad y Género. Tabula Rasa (9), Bogotá, Colômbia, 2008, pp.73-102; Oyěwùmí, 2021OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ́. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2021)10 10 Segato (2012) e Cabnal (2010) defendem que no período pré-colonial existia uma organização patriarcal, ainda que diferente da do sistema ocidental, de baixa intensidade. Com a modernidade, o gênero teria passado de hierárquico a super-hierárquico; teria havido um entroncamento de patriarcados. . A comunidade era uma extensão da família e seus trabalhos eram valorizados. O provérbio africano "é preciso uma aldeia para educar uma criança" é um símbolo dessa convivência. Na configuração familiar do capitalismo moderno ocidental, individualizado e fechado, é incomum morar com os parentes ou contar com a ajuda de vizinhos. Assim, as únicas opções para muitas mães são as creches, escolas e babás, que com a pandemia deixaram de existir (Schwartz, 2019SCHWARTZ, Uda. Os paradoxos de ser mãe em um mundo capitalista. Carta Capital, 25/01/2019. [ https://www.cartacapital.com.br/justica/os-paradoxos-de-ser-mae-em-um-mundo-capitalista/ - acesso em: 17 abr. 2021].
https://www.cartacapital.com.br/justica/...
). Vale ressaltar que quem contrata as babás e as creches são as mulheres de classe média, alta, branca, em sua maioria, e que os trabalhos de cuidado são desvalorizados e realizados, majoritariamente, por mulheres negras. O Estado não fornece esses direitos de forma gratuita e com qualidade (Schwartz, 2019SCHWARTZ, Uda. Os paradoxos de ser mãe em um mundo capitalista. Carta Capital, 25/01/2019. [ https://www.cartacapital.com.br/justica/os-paradoxos-de-ser-mae-em-um-mundo-capitalista/ - acesso em: 17 abr. 2021].
https://www.cartacapital.com.br/justica/...
). Como argumenta Davis (2016)DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo, Boitempo, 2016., as tarefas domésticas e de cuidado deveriam ser banidas como responsabilidade privada e individual das mulheres; deveriam ser socializadas e apoiadas pelo Estado.

Fazemos este rápido percurso histórico sobre os conceitos de patriarcado, gênero e família, sem pretensão de esgotá-los, para chamar atenção para complexidade que a análise do trabalho de mães docentes no primeiro ano da pandemia nos impôs, quando a rede de apoio institucional (escolas e creches) foi dissolvida e novas configurações de redes de apoio (concepções de famílias) precisaram ser acionadas. Para além disso, trazemos esses conceitos para analisar a reação institucional das universidades, que ratificaram, em suas deliberações sobre ensino e trabalho remoto, a noção de que homens e mulheres docentes possuem as mesmas condições de trabalho.

"Cansada", "exausta", "exaurida", "desgastada", "triste", "irritada", "confusa", "fisicamente e mentalmente cansada" são expressões mobilizadas pelas mães acadêmicas para explicar o seu cotidiano, com jornadas de trabalho que começam antes dos demais membros da casa acordarem e terminam após várias horas de eles adormecerem, sem tempo para realizarem, de forma adequada/qualificada, seus outros trabalhos, muito menos ter tempo para si, para exercícios físicos, lazer e descanso. São expressões que narram a desigualdade na divisão do trabalho doméstico e de cuidados. Mulheres que estão adoecendo física e emocionalmente para poderem cumprir minimamente o seu trabalho remunerado em conjunto com o não remunerado.

Estou estável por um único motivo: entrei em crise durante o isolamento e estou em tratamento medicamentoso e psicoterápico, além de ter recorrido à minha família (mãe e irmãs). Não fosse por isso, não sei o que teria acontecido (docente, 07 de julho de 2020).

As únicas 5 mulheres que afirmaram estar bem, mas sem aprofundamento nas respostas, são mulheres brancas. Dessas 5, apenas 2 estão em universidades que haviam implantado o ensino remoto no momento da entrevista. Uma dessas, apesar de argumentar que estava se sentindo bem, ressaltou que "me pego me cobrando maior produção acadêmica muitas vezes, o que me afeta emocionalmente".

Algumas mães também apresentam aspectos da "síndrome da impostora", ou seja, o sentimento de que a competência da pessoa não condiz com a sua posição profissional (Kauti, 2013), e uma culpabilização: "Eu me sinto muito mal e, às vezes, sinto-me uma impostora, pois não dou conta dos afazeres acadêmicos" (docente, 07 de julho de 2020). Essa culpabilização está relacionada com um processo de romantização11 11 Trata-se da ideia de que a experiência, da maternidade neste caso, é imaginada, idealizada e/ou sonhada a partir de interesses e ideais dominantes, construídos socialmente, não levando em consideração as vivências, emoções e sentimentos das mães. construído em torno da maternidade, que enquadra o papel da mãe, suas experiências, posicionamentos e condutas, a partir da ideia de que todas as mães são e devem ser realizadas e felizes. Acompanhada da imagem da "supermãe", esse processo oculta as várias opressões vivenciadas pelas mulheres quando se tornam mães, que acabam se privando de distintas atividades e trabalhos em decorrência de cobranças dos homens e da sociedade (Caporal et al., 2017; Halasi, 2018HALASI, Fabiana S. Mulher brasileira contemporânea e a maternidade da culpa. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica), PUC - São Paulo, 2018.). Souza-Lobo (1991)SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo, Editora Brasiliense, 1991 afirma que as normas sociais existentes na nossa sociedade impossibilitam que os homens vivenciem a paternidade da mesma forma que as mulheres a maternidade. Em muitos casos, na ausência de creches e equipamentos coletivos de cuidado, são as mulheres que precisam renunciar, completa ou parcialmente, ao trabalho remunerado. A maternidade é essencializada, atravessada pela imagem da feminilidade como sendo construída a partir da maternidade. Tratar a maternidade e o instinto materno como construções sociais continua sendo um desafio na nossa sociedade.

A produção de conhecimento e a atuação das universidades em pandemia

Os distintos feminismos têm historicamente realizado uma crítica à produção de conhecimento dominante por seu caráter eurocêntrico, ocidental, patriarcal e branco. Um conhecimento que nega a capacidade e autoridade de saber das mulheres, produz conhecimentos que não atendem aos interesses ou tratam de questões das mulheres, objetificando-as, alimentando e reforçando as hierarquias de gênero, de classe e de raça e as violências. Esse conhecimento dissemina uma ideia de ausência de valores e de universalidade, como se as condições e os efeitos dos processos políticos e econômicos fossem os mesmos para todas e todos, e desqualifica outras formas de conhecimento que afirmam valores e que são fundamentados nas experiências cotidianas das mulheres (Sardenberg, 2002SARDENBERG, Cecilia. Da crítica feminista à ciência a uma ciência feminista? Salvador, UFBA, 2002 [ https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/6875/1/Vers%C3%A3o%20FInal%20Da%20Cr%C3%Adtica%20Feminista.pdf - acesso em: 23 mar. 2021].
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; Schienbinger, 2001SCHIENBINGER, Londa. O Feminismo mudou a Ciência? Bauru -SP, EDUSC, 2001.; Harding, 1987HARDING, Sandra. “Is There a Feminist Method?”. Feminism and Methodology. Indianapolis, Indiana University Press, 1987.).

Trata-se de um conhecimento que se desenvolveu e continua a se desenvolver a partir de uma estruturação baseada em uma lógica binária, construída por pares de opostos como sujeito/objeto, mente/corpo, razão/emoção, objetividade/subjetividade, produção/reprodução, cultura/natureza, ativo/passivo, privado/público. Essas dicotomias se constroem com base nas diferenças percebidas entre os sexos e nas desigualdades de gênero. Os primeiros são identificados com o "masculino" e se impondo de forma hierárquica aos segundos, historicamente construídos como o "feminino". O suposto sujeito universal dessa ciência tem sido o homem branco ocidental (Sardenberg, 2002SARDENBERG, Cecilia. Da crítica feminista à ciência a uma ciência feminista? Salvador, UFBA, 2002 [ https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/6875/1/Vers%C3%A3o%20FInal%20Da%20Cr%C3%Adtica%20Feminista.pdf - acesso em: 23 mar. 2021].
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; Schienbinger, 2001SCHIENBINGER, Londa. O Feminismo mudou a Ciência? Bauru -SP, EDUSC, 2001.).

Assim, uma das principais pautas feministas das últimas décadas tem sido a crítica à produção dominante de conhecimento, tornando-se uma importante agenda de pesquisa, tendo conquistado avanços em torno de questionamentos dos pressupostos básicos da Ciência Moderna. São distintas perspectivas em termos da crítica à ciência e às estratégias metodológicas de produção de saberes feministas que, para além de questionar a inviabilização das mulheres na produção de conhecimento, vêm historicamente colocando em pauta os parâmetros científicos que afirmam quem pode ou quem não pode ser sujeito de conhecimento e o que pode ser aceito como conhecimento. Ou seja, as teorias tradicionais são aplicadas de forma a negar as mulheres como sujeitos de produção de conhecimento e sua participação na vida social, a determinar apenas um tipo de conhecimento - produzido por homens brancos ocidentais - como legítimo, ocultando questionamentos sobre o que pode ser conhecido (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019.).

Neste processo, outras formas de produzir conhecimento são negadas pela geopolítica do conhecimento, inclusive para garantir a reprodução e legitimação do conhecimento dominante. Esse conhecimento dominante, estrategicamente formado para justificar crenças, reproduz relações de poder/conhecimento e situa as mulheres (como também pessoas negras, povos indígenas, quilombolas e tradicionais) em relações desiguais. Como outros conhecimentos e outras categorias de gênero, raça e classe são negados, noções ocidentais baseadas em dualidades e hierarquias são reproduzidas (Ulloa, 2015ULLOA, Astrid. Políticas globales-nacionales-locales de cambio climático y sus incidencias en desigualdades de género y etnicidad. Buenos Aires, CLACSO, 2015.).

É por esse motivo que a crítica feminista à ciência afirma a necessidade de problematizar as condições de produção de conhecimento, a importância de pensamentos embutidos de valores e propósitos, de articular teoria e prática, de conhecimentos baseados nas experiências das mulheres e de fomentar as práticas políticas coletivas dos feminismos críticos e contra-hegemônicos. Daí a necessidade de produzir e disseminar saberes que não sejam apenas sobre ou por mulheres, mas também de relevância para as mulheres e nossas lutas (Sardenberg, 2002SARDENBERG, Cecilia. Da crítica feminista à ciência a uma ciência feminista? Salvador, UFBA, 2002 [ https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/6875/1/Vers%C3%A3o%20FInal%20Da%20Cr%C3%Adtica%20Feminista.pdf - acesso em: 23 mar. 2021].
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). Haraway (2009)HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. cadernos pagu (5), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2009, pp.7-41 [ https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773 - acesso em: 05 jul. 2020].
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, por exemplo, afirma a importância dos "saberes localizados", sugerindo a noção de "objetividade corporificada" como forma de afirmar o compromisso com a objetividade ao mesmo tempo que se considera que o conhecimento é produzido a partir de um determinado campo de visão específico, de um modo possível para aquele corpo específico.

Vale recordar as literaturas voltadas especificamente para a produção de conhecimento realizada por mulheres negras. Collins (2016)COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado (31/1), Brasília-DF, UnB, 2016, pp.99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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ressalta como a autodefinição e a autoavaliação de mulheres negras (a natureza interligada das opressões e a importância de redefinição da cultura das mulheres negras) têm sido importantes para afirmar o ponto de vista das e para as mulheres negras e contribuído significativamente para a produção de conhecimento.

Considerando a crítica feminista à ciência e a divisão sexual e racial do trabalho debatido anteriormente, os efeitos da pandemia e o isolamento social levantaram preocupações em torno da produção de conhecimento. Em 2020, diversas equipes editoriais de publicações científicas noticiaram o aumento da publicação de artigos escritos por homens e uma queda acentuada de submissões assinadas por mulheres (Candido; Campos, 2020CANDIDO, Márcia; CAMPOS, Luiz A. Pandemia reduz submissões de artigos acadêmicos assinados por mulheres. Dados, Rio de Janeiro-RJ, IESP/UERJ 14 de maio de 2020 [ http://dados.iesp.uerj.br/pandemia-reduz-submissoes-de-um lheres/ - acesso em: 15 jun. 2020].
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), dificultando o acesso futuro dessas mulheres a financiamento para suas pesquisas e a progressão nas suas carreiras. Pesquisa realizada pela Parent in Science durante os meses de abril e maio de 2020 com a participação de aproximadamente 15 mil cientistas, entre discentes de pós-graduação, pós-doutorandas(os) e docentes/pesquisadores, revelou o seguinte em torno dos "docentes que estão conseguindo trabalhar12 12 Quando se fala aqui em "trabalhar", trata-se do trabalho acadêmico. ": 8% das mulheres; 18,3% dos homens. Em termos de gênero e parentalidade: 4,1% de mulheres com filhos; 18,4% de mulheres sem filhos; 14,9% de homens com filhos; 25,6% de homens sem filhos. Em relação à raça, 8,1% de mulheres negras; 8,2% de mulheres brancas; 14,1% de homens negros; e, 18,8% de homens brancos. A pesquisa, que também levanta dados sobre envio de artigos para publicação entre docentes e discentes, concluiu que as mulheres negras com ou sem filhos e as mulheres brancas com filhos (principalmente com idade até 12 anos) são os grupos cuja produtividade acadêmica foi mais afetada pela pandemia e que a produtividade acadêmica dos homens, especialmente os sem filhos, foi a menos afetada pela pandemia.

Em relação à nossa pesquisa, a diversidade de áreas de conhecimento das mulheres que nos responderam foi a característica: Educação (12,8%), Ciências Sociais (12,8%), Ecologia, Zoologia e Botânica (6,4%), Geografia (6,4%), Economia (4,8%), Nutrição (4,8%). Sobre o tempo de docência, as respostas se concentraram abaixo dos 10 anos para as mulheres que mais têm filhos e filhas pequenas (abaixo de 6 anos). Sobre a atuação em docência, 54,9% afirmaram lecionar na graduação e na pós-graduação, e 42,4% lecionar somente na graduação. No que tange ao desenvolvimento do trabalho acadêmico (ensino e pesquisa), chamou-nos atenção algo revelado em um dos depoimentos: "muito impressiona na pandemia a quantidade de webinars e outras formas de seminário onde só homens brancos falam" (docente, 06 de julho de 2020). Outras afirmaram que conseguem produzir academicamente, "mas a produtividade está baixa. Além dos filhos e serviços domésticos, a universidade retomou as aulas de forma remota e isso tem demandado mais tempo que as aulas convencionais" (docente, 01 de julho de 2020). Além disso, "a orientação de estudantes à distância não tem sido fácil e acaba demandando mais tempo". Muitas relatam que a dificuldade em trabalhar deve-se ao fato de não haver a separação entre o trabalho acadêmico e os trabalhos domésticos/cuidado com os filhos. Escrever, ler e se concentrar tornaram-se tarefas difíceis de serem realizadas ou são realizadas antes dos filhos e marido acordarem ou depois de eles dormirem: "consigo, mas a muito custo e com muita dificuldade de concentração".

Relatos sobre a demanda emocional dos filhos por atenção também são numerosos e fator que dificulta a concentração e realização do trabalho acadêmico. "O trabalho acadêmico está comprometido, mesmo considerando que não tenho mais final de semana. Trabalho de domingo a domingo para dar conta" (docente, 05 de julho de 2020). Ou ainda "As demandas domésticas e de cuidado me deixam exaustas. Da casa, eu sou a única que posso sair para os serviços essenciais (fora de casa). Esta atividade me deixa ansiosa e estressada (tenho medo de me contaminar e contaminar os demais da casa)" (docente, depoimento enviado às autoras, 07 de julho de 2020).

As mulheres que responderam que "estão conseguindo produzir", sem maiores elaborações na resposta, são mulheres brancas com 1 ou 2 filhos em idades entre 12 e 25 anos. Apenas uma mulher parda disse produzir bem com uma filha de 20 anos com quem divide as tarefas de casa, e uma negra com um filho de 11 anos, mas somente quando ele fica 15 dias com a família dela. Outro fator importante é que, mesmo produzindo, a maioria afirma que essa produção vem acompanhando de um alto custo físico e mental.

Na pesquisa, nos interessou ainda refletir sobre as respostas institucionais e do cotidiano do funcionamento dos distintos departamentos. No que diz respeito ao trabalho e ensino remoto e a sua relação com a questão de gênero e raça, no cenário de 144 respostas, 69 docentes afirmaram que a questão de gênero e raça não estava sendo tratada em suas universidades; 34 afirmaram que a universidade trata as questões de gênero e raça em lives, webinar ou em relação aos estudantes, mas não de forma estruturante ou em relação ao trabalho/ensino remoto das docentes; e 41 afirmaram que não sabem informar ou não estão conseguindo acompanhar as discussões em sua universidade.

Não. Ontem, em reunião do departamento, falamos (nós mulheres) sobre isso e da necessidade de discutir como será este ensino remoto. Quem nos apresentou a proposta foi um homem, a partir de uma proposta construída por homens (docente, 04 de julho de 2020).

Não vi questões de raça e gênero serem levantadas em nenhuma reunião. Eu levantei a questão de gênero numa reunião do Colegiado e fui totalmente ignorada, por docentes homens e mulheres (docente, 13 de agosto de 2020).

A questão racial aparece menos ainda como uma problemática de preocupação das universidades em tempos de pandemia: "a questão de gênero é mais forte que a de raça". Essa realidade não poderia ser diferente considerando que a maioria afirmou que, em geral, os seus departamentos e/ou programa de pós-graduação não tratam da discussão sobre raça e gênero; algumas ressaltaram que isso ocorre por meio de iniciativas individuais, em disciplinas específicas ou projetos de pesquisa e extensão, ou de forma pontual, que não se reflete nas ações do departamento ou programa como um todo; e outras poucas ressaltam os trabalhos coletivos puxados por mulheres e as ações de ação afirmativa. Algumas chegaram a afirmar que os temas não são tratados no departamento e que isso é "frescura para não produzir", e que, quando se organiza eventos sobre mulheres na ciência, "tem mais ciência que mulher". Uma das participantes da pesquisa afirmou "Meu departamento é extremamente misógino. E especialmente na pandemia isso é tratado com mais crueldade. A discussão de raça é inexiste (não há negros)" (docente, 03 de julho de 2020). Outra declarou: "nas Ciências Exatas são muito pouco discutidos estes temas" (docente, 06 de julho de 2020).

O depoimento a seguir revela bem essas questões, juntando a sobrecarga do trabalho com a questão racial. Vale ressaltar que, quando essas questões foram levadas em consideração, elas apontaram para a necessidade de se repensar o ensino remoto:

Sim, a questão de gênero e raça está sendo tratada nos debates, sendo inclusive um dos principais argumentos para a não implantação do ensino remoto até o momento. Após pesquisa sobre a situação dos estudantes, tem-se identificado a sobrecarga das mulheres, pois, com membros doentes na família (ou mesmo quando são elas que adoecem), [elas] atuam como principais cuidadoras, o que impossibilitaria o ensino remoto. As mulheres são maioria nos cursos, em especial, as licenciaturas. No entanto, como as demais regiões do país estão implantando o ensino remoto, as cobranças sobre a nossa universidade tem se intensificado. O que nos preocupa, pois a nossa região se difere em vários aspectos das demais regiões do país, como o fato de termos um número expressivo de famílias sem energia elétrica e sem nenhum acesso à internet (docente, 04 de julho de 2020).

Quando questionadas se a realidade das mães e cuidadoras estava sendo considerada pelas universidades na elaboração de propostas de ensino remoto, as expressões usadas foram: "não tem proposta"; "não foram pensadas"; "não foi discutido, não, imagine!"; "não houve solução"; "foi imposto". A possibilidade de não adesão ao ensino remoto apareceu em algumas universidades, mas com uma ressalva de que essa "não adesão" não era bem recebida pela comunidade acadêmica ou não era acompanhada por uma regulamentação adequada:

Fala-se em direito de não aderir [ao ensino remoto], mas muitas cobranças surgem de modo contínuo ou indireto. Não temos muitas respostas. Mas temos discutido um documento sobre várias orientações e, neste documento, fala-se que as mães/pais e cuidadoras dos pais idosos não serão prejudicadas com relação a avaliação de suas progressões. O documento tem sido discutido e ainda não foi finalizado (docente, 11 de julho de 2020).

Uma das docentes destacou:

A não adesão parece uma opção, mas suponho que os departamentos não considerem aceitável. Como isso se realizará no próximo semestre em departamentos com poucos professores, como o meu, que tendem a ficar sobrecarregados, e a Universidade NÃO oferece NADA, a Universidade de fato não está preocupada com essa perspectiva. Penso que o jogo será duro e não temos muita organização para mudar as regras não contempladas (docente, 06 de junho de 2020).

O seguinte depoimento revela a sobrecarga de trabalho e a ausência de um tratamento adequado por parte das universidades em torno das questões de gênero e raça:

Me sinto exausta. Acabo de saber que no novo calendário acadêmico não haverá recesso em julho, havendo apenas uma pequena pausa em outubro. Isso significa que nosso empenho na continuidade das ações de pesquisa e extensão de modo remoto não foram consideradas. É constante o sentimento de necessitar de férias, visto que cada reunião, cada live, cada atividade realizada de modo online consome mais tempo que qualquer outra ação presencial. E infelizmente a contagem deste investimento nas ações não são assimiladas como questão de condições de vida e trabalho aos olhos dos gestores. Ao mesmo tempo, quando penso nos meus alunos que são de camada popular e de maioria negra, continuo me empenhando para que a pesquisa e a extensão não cessem, assegurando possibilidades de desenvolvimento para eles e para o público-alvo, que são pessoas em situação de grave vulnerabilidade social. Aprende-se na academia que, no mundo capitalista, as mulheres são obrigadas a trabalhar como se não tivessem filhos e como se suas questões de saúde e de vida não existissem. A pandemia apenas intensificou o que já se vive e sei que muitas glamourizam o trabalho acadêmico, adoecendo psiquicamente a cada dia. Eu estou bem, mas jamais perderei o olhar crítico e interventivo que me dá substância para lutar por uma sociedade onde cada mulher seja vista na sua inteireza, especialmente as mulheres pretas como eu, que precisam se impor contra o racismo, o machismo, o patriarcado de forma interseccional (docente, 03 de julho de 2020).

Assim, podemos afirmar que a pandemia e o trabalho remoto nos colocaram diante do dilema, historicamente combatido pelo feminismo, entre a casa e a universidade, entre o cuidado e o trabalho intelectual, entre sermos mães ou sermos docentes. Como afirmou uma docente:

[...] é como se não tivéssemos opção. A maneira como a sociedade tem organizado a vida e o trabalho apontam para uma tendência de constante tensão que, mesmo que não explicitamente, força-nos a escolher entre uma coisa e outra. Isso é muito injusto! E reforça as desigualdades entre homens e mulheres (docente, 04 de julho de 2020).

Trata-se de um dilema que a maioria das universidades não só escolheu não enfrentar, como o intensificou. Nesse sentido,

Há necessidade de discutir/definir e implantar ações específicas para a questão da maternidade, de gênero e de raça nas políticas acadêmicas durante a pandemia. Isso passa por algo simples, como reconhecer que, nesse período (mais que nos demais), passamos a acumular, ao mesmo tempo, várias atribuições (docente, 04 de julho de 2020).

É importante ressaltar que o trabalho das mulheres foi intensificado no processo de pandemia não só em decorrência dos trabalhos doméstico, de cuidado e acadêmico, mas pela necessidade de intensificar a militância. Diversas foram as reuniões para debater e forçar os departamentos e as universidades a considerarem a realidade das cuidadoras - não só as docentes como também discentes e técnicas. Diversos obstáculos foram encontrados, em especial fundamentados pela personalização da problemática. Afirmações como "vocês podem tirar licença; desculpa mães, mas precisamos continuar"; ou ainda, "sou solidário à realidade das mães docentes do departamento, mas "; "vocês precisam participar de reuniões com seu filho no colo? Não tem quem cuide dele?" revelam a forma despolitizada e individualista de avaliar e responder coletivamente ao momento.

Foi devido à militância de muitas mulheres que se garantiu, em um momento posterior, certa flexibilização das normas de trabalho para contemplar as demandas das e dos cuidadores. No momento da coleta de dados, essa flexibilização não era nem discutida/problematizada na maioria das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). As deliberações da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) registraram, por exemplo, essa flexibilização posteriormente.

UFF - Art. 12 Aos Departamentos de Ensino ficam facultados flexibilizar a carga horária de docentes que se responsabilizam pelo cuidado de crianças, idosos e pessoas com deficiência, considerando o momento excepcional, conforme mapeamento realizado a pedido da PROGEPE.

UFRJ - Art. 3° As Instâncias Acadêmicas referentes ao Ensino Básico, à Graduação e à Pós-Graduação poderão flexibilizar a carga horária de Docentes que estão exercendo papel de cuidador(a). Parágrafo único. A flexibilização prevista no caput deve observar a atuação Docente no Ensino, Pesquisa e Extensão, atender os parâmetros estabelecidos pela Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012 e pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e deverá ser pactuada entre a Chefia imediata e/ou a Coordenação do Programa de Pós-graduação e/ou a Coordenação de Extensão e o(a) Docente. Art. 5º No que diz respeito à apresentação de conteúdo nas disciplinas, seja de forma síncrona ou assíncrona, aos(às) Docentes que estão exercendo papel de cuidador(a) fica facultado negociar com a Chefia imediata e/ou a Coordenação do Programa de Pós-Graduação e/ou a Coordenação de Extensão a realização de atividades pedagógicas alternativas como parte da carga horária da disciplina.

UFRRJ - Art. 26 As chefias de departamento, ao realizar alocação de carga didática de lecionação, deverão observar possíveis limitações de horário de docentes pais, mães e cuidadores, dando prioridade aqueles com filhos(as) com menos de 12 anos, conforme Art. 12 da Portaria 4064 de 2020 e Deliberação CEPE n.118/2020. §1º - A proposição de calendário de reuniões de colegiados de departamento e de curso, por conseguinte, CONSUNI e CEPEA, também observará, podendo fazer constar em ata, o horário que permita a participação de servidores docentes e técnicos mães, pais e cuidadores. §2º - O servidor entregará, nestes casos, a autodeclaração a sua chefia imediata.

Ainda precisaremos de um tempo para avaliar os efeitos dessas legislações em termos dos pedidos de progressão e do acesso a financiamentos, mas podemos afirmar que elas têm gerado sobrecarga e diversos obstáculos para a produção de conhecimento para as docentes, além de terem revelado os limites das instituições de ensino superior em incorporar questões, debates e políticas voltadas para as mulheres, mães, docentes.

Considerações finais

Apesar de não haver dúvidas de que a desigualdade de gênero é um problema histórico, anterior à pandemia, a crise sanitária e econômica decorrente da mesma intensificou, explicitou e complexificou os efeitos já existentes. Há cerca de um século, feministas de diversos campos e espaços de atuação vêm ressaltando os impactos do sistema capitalista sobre nossas vidas e corpos nos mundos rurais e urbanos. Um dos aspectos centrais tem sido a divisão sexual e racial do trabalho.

Os dados da pesquisa "Mulheres, Maternidade e Covid-19: um olhar desde a universidade pública" revelaram uma sobrecarga de trabalho para as mães docentes que, em decorrência da divisão sexual do trabalho, são responsáveis e muitas vezes responsabilizadas pelo trabalho doméstico e de cuidado das filhas e filhos. Uma sobrecarga de trabalho que dificulta e reduz a produção acadêmica dessas mulheres e, quando a produção acontece, é com um alto custo físico e emocional, efeitos esses que perduram até hoje. A situação dos estudos continuados emergenciais (ECE) ou do ensino remoto - modalidades de ensino adotadas pelas universidades públicas brasileiras quando o isolamento social era uma estratégia fundamental de combate à pandemia - aprofundou essa situação. A concentração que é exigida para a leitura e análise de textos, de preparação de aulas, na elaboração de artigos e desenvolvimento de pesquisa ocorreu com dificuldade.

Apesar desse contexto de desigualdades relacionado não com as medidas de enfrentamento à pandemia em si, e sim com o patriarcado, o processo político em torno dos efeitos da pandemia demonstrou, com exceção do árduo trabalho de militância de diversas mulheres e movimentos feministas, uma ausência de debate ou um debate absolutamente inadequado sobre o aprofundamento das desigualdades de classe, gênero e raça nas universidades públicas brasileiras. Argumentos como "a universidade sempre foi desigual" ou "sempre vamos ter os excluídos da universidade", utilizados para justificar o ensino remoto em contexto de pandemia, naturalizam a desigualdade no acesso e permanência na universidade, ocultando o fato de que uma universidade diversa tem efeitos positivos não apenas para as mulheres e a população negra, mas para a produção de conhecimento e a sociedade como um todo. No caso da maternidade, durante a pandemia as narrativas atribuíram um caráter de particularidade para realização de trabalhos acadêmicos, reduzindo as dificuldades enfrentadas pelas mães docentes a problemas de âmbito pessoal. Como afirmou uma das participantes da pesquisa: "maternidade no mundo acadêmico é um problema individual de quem é mãe. Dizem: 'Escolheu, aguenta'".

Vale ressaltar que diversas foram as propostas de atuação das universidades apresentadas pelas mulheres nesta pesquisa13 13 O formulário enviado contemplou perguntas relacionadas ao tema: Em relação ao ensino remoto, qual foi a solução oferecida pela administração superior da sua universidade para as cuidadoras, nesse caso para as mães? (em relação a aulas, progressões, direito de não adesão, etc). Como você avalia essa proposta? Que outras propostas existem, mas que não foram contempladas? Como você contemplaria a questão da maternidade, de gênero e raça, nas políticas acadêmicas durante a pandemia? em relação à situação das mães docentes na pandemia. Algumas dessas propostas foram: a não obrigatoriedade do ensino por parte de cuidadoras(es); criação de modalidade licença maternidade; ensino de optativas e/ou atividades complementares; desburocratização (ou seja, retirada da exigência de elaboração de planos e relatórios mensais); e diminuição de carga horária e flexibilização de horário de aulas e prazos.

Algumas mães docentes ressaltaram o cansaço como impeditivo para pensar sobre regulamentações no trabalho, enquanto outras destacaram a ausência do debate em suas universidades.

Por ser mulher e mãe fiquei de tal modo sobrecarregada que não tive tempo de pensar em políticas acadêmicas voltadas a essas questões. A única coisa que gostaria de ter neste momento seria um pouco de descanso (docente, 25 de julho de 2020).

Não tenho clareza do que foi sendo discutido, mas a percepção que tive é que estas questões não foram levantadas... talvez porque a maioria dos professores seja homens brancos com origem em uma classe média alta (docente, 03 de agosto de 2020).

As mães (alunas e professoras) não são escutadas. Não há flexibilização... as resoluções são impostas e sem possibilidade de diálogo. E mais: [há] a necessidade de "reconhecer que, nesse período (mais do que nos demais), passamos a acumular, ao mesmo tempo, várias atribuições" (docente, 10 de agosto de 2020).

Outros grupos instituídos, em particular a Parent in Science e o GT de Mulheres na Ciência vinculado à Pró-reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação da Universidade Federal Fluminense (2020) sugeriram a suspensão das atividades de ensino com a garantia da estabilidade funcional, remuneração e carreira (sem cortes, sem congelamento, sem retrocessos nas progressões); replanejamento de carga horária; reorientação de cargos administrativos ocupados por docentes mães; compartilhamento de atividades de ensino e orientação; garantir apoio administrativo da universidade aos projetos de pesquisa e extensão; flexibilização das datas de recebimentos de artigos para publicação; e promoção de debates sobre raça, gênero e classe no geral e raça, gênero e maternidade em tempos de pandemia. A maioria das universidades públicas ignoraram essas sugestões.

Sabemos que os debates e/ou políticas de ação afirmativa são alvos de ameaça, em especial durante o governo liberal-autoritário dos últimos quatro anos, assim como a universidade pública no geral. Portanto, o debate sobre classe, raça, gênero e maternidade durante a pandemia (ou não) nas universidades públicas passa também pela reafirmação da universidade como instituição pública, gratuita e de qualidade para todos, com a autonomia necessária para cumprir com esses objetivos.

No entanto, da mesma forma que a narrativa governamental nos colocou de frente com o falso dilema entre salvar a economia ou a vida, justificando, assim, a hiper exploração do trabalho das pessoas, na universidade os debates dominantes giraram em torno do dilema entre salvar a produtividade e o trabalho institucional e manter a nossa sanidade física e mental. Uma produtividade que é definida a partir da perspectiva dos homens brancos, que não questiona o agravamento das desigualdades de acesso às tecnologias e de trabalho (de docentes, técnicos e discentes) ou a própria qualidade da educação.

A forma como enfrentamos coletivamente a pandemia representou retrocessos em questões básicas que o feminismo vem colocando e nas quais considerava ter tido algum avanço, como a noção de que "o pessoal é político". Mesmo na universidade, espaço de pensamento crítico e troca de saberes, as questões de gênero, de classe e de raça foram afirmadas como excepcionalidades dos tempos de pandemia. Sabemos que não são. A responsabilização histórica atribuída às mulheres pelo trabalho da casa e cuidado com os filhos levanta questões políticas, de direitos e de desigualdade que afetam a comunidade acadêmica e a sociedade como um todo. Não queremos tirar licença; queremos trabalhar e seguir nossas carreiras acadêmicas, dando aula, fazendo pesquisa, orientando estudantes de graduação, de mestrado e de doutorado. Queremos produzir e disputar o conhecimento. Queremos que as universidades elaborem políticas capazes de garantir que as mulheres (e alguns homens) que vivenciam essa situação possam exercer seu trabalho sem prejuízos para a sua saúde física/mental e sem prejuízos para a carreira e a própria produção do conhecimento. Se nós mulheres fomos essenciais na luta contra a pandemia, se estivemos na linha de frente do combate e dos cuidados, é fundamental garantir uma perspectiva feminista na construção das soluções. Podemos estar em outro momento da pandemia agora, mas os seus efeitos serão duradouros.

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  • ULLOA, Astrid. Políticas globales-nacionales-locales de cambio climático y sus incidencias en desigualdades de género y etnicidad. Buenos Aires, CLACSO, 2015.
  • 1
    Doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. A Covid-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia.
  • 2
    Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
  • 3
    Para Brown (2019)BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo, Editora Filosófica Politéia, 2019., neoliberalismo e o autoritarismo são duas faces da mesma moeda. Os governos liberais-autoritários capturam porções da sociedade pelos interesses do capital, utilizando-se da religiosidade ou de discursos em torno da decadência moral para avançar com políticas que fragilizam ou esvaziam de conteúdo a democratização. Parte importante desse processo é a hierarquização de grupos sociais ou étnicos, classificados como inferiores ou superiores.
  • 4
    Por exemplo: "Ela é muito feia. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar porque ela não merece". "O cara paga menos para a mulher porque ela engravida". "O Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade". As falas classificadas como "misóginas" e como "abuso de liberdade de expressão" resultaram em uma ação movida pelo Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) e virou um processo por danos morais movido pela Procuradoria contra a União. Para mais informações ver: http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-misoginia - acesso em: 18 out. 2020.
  • 5
    Agradecemos profundamente a todas as mães docentes que responderam a nossa pesquisa em meio ao clima de incerteza, tensão e sobrecarga de trabalho no primeiro ano da pandemia.
  • 6
    Importante ressaltar que submetemos o artigo com as modificações solicitadas pelas pareceristas, a quem muito agradecemos, após 12 meses. Um dos motivos foi o trabalho em cargos administrativos, que recaem mais sobre as mulheres do nosso departamento, simbolizando a desigualdade de gênero que há na divisão do trabalho docente. Uma de nós continuou na chefia do departamento até janeiro de 2023, enquanto a outra assumiu, em 2022, a vice-coordenação do programa de pós-graduação.
  • 7
    Noções de sexo - feminino e masculino - deixam de fora as diversas formas de identidade como não-binário, cisgênero, transgênero, transexual ou travesti ou intersexual e as variedades de orientações sexuais como heterossexual, homossexual, bissexual, assexual e pansexual. Isso implica considerar distintos marcadores sociais que representam situações de desigualdade na nossa sociedade - como geração, região, e territorialidades -, além da diversidade de formas de ser, de saber e de existir.
  • 8
    Cf. em https://projetosmaterna.wixsite.com/nucleomaterna - acesso em: 10 jan. 2023.
  • 9
    Cf. em https://nucleoniem.wixsite.com/niem - acesso em: 10 jan. 2023.
  • 10
    Segato (2012)SEGATO, Rita. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-cadernos CES, 18, 2012 [ http://journals.openedition.org/eces/1533; DOI: https://doi.org/10.4000/eces.1533 - acesso em: 28 de abr. 2021].
    http://journals.openedition.org/eces/153...
    e Cabnal (2010)CABNAL, Lorena. Feminismo diversos: El Feminismo Comunitario. ACSUR - Las Segovias, España, 2010. defendem que no período pré-colonial existia uma organização patriarcal, ainda que diferente da do sistema ocidental, de baixa intensidade. Com a modernidade, o gênero teria passado de hierárquico a super-hierárquico; teria havido um entroncamento de patriarcados.
  • 11
    Trata-se da ideia de que a experiência, da maternidade neste caso, é imaginada, idealizada e/ou sonhada a partir de interesses e ideais dominantes, construídos socialmente, não levando em consideração as vivências, emoções e sentimentos das mães.
  • 12
    Quando se fala aqui em "trabalhar", trata-se do trabalho acadêmico.
  • 13
    O formulário enviado contemplou perguntas relacionadas ao tema: Em relação ao ensino remoto, qual foi a solução oferecida pela administração superior da sua universidade para as cuidadoras, nesse caso para as mães? (em relação a aulas, progressões, direito de não adesão, etc). Como você avalia essa proposta? Que outras propostas existem, mas que não foram contempladas? Como você contemplaria a questão da maternidade, de gênero e raça, nas políticas acadêmicas durante a pandemia?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Set 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2022
  • Aceito
    22 Mar 2023
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