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Fatores socioeconômicos da produção de queijo minas frescal em agroindústrias familiares de Viçosa, MG

Socioeconomic factors in the production of fresh cheese in family agribusiness of Viçosa, MG, Brazil

Resumos

A produção de queijo minas frescal em agroindústrias familiares é amplamente difundida no Estado de Minas Gerais (MG) associada à tradição cultural, à demanda do consumidor e ao rendimento do produto. Os objetivos deste estudo foram avaliar aspectos socioeconômicos da produção de queijos minas frescal fabricados em agroindústrias familiares no município de Viçosa-MG e caracterizar as principais dificuldades do setor. Os dados foram levantados pelo método de entrevista in loco em 12 agroindústrias, seis inspecionadas e seis não inspecionadas A renda do produtor familiar proveniente da produção do queijo minas frescal variou de 10 a 85% do total da renda familiar, com maiores percentuais para as agroindústrias inspecionadas. Em 83% das agroindústrias inspecionadas, a renda total era vinculada principalmente à produção do queijo. Os entraves na produção formal incluíram a competição com produtos informais, o baixo preço e a dificuldade de acesso a linhas de crédito e, para os produtores informais, incluíram escassez de matéria-prima e de mão de obra, variação sazonal da produção e ausência de infraestrutura adequada para produção. A produção de queijo minas frescal é uma atividade relevante na composição da renda familiar das agroindústrias, entretanto há necessidade de implementação de políticas públicas locais para melhor estruturação do setor, o que contribuirá para a sustentabilidade da produção familiar.

sustentabilidade; agroindústria; queijos


The production of minas frescal cheese in familiar agribusiness is widely diffused in Minas Gerais State, associated to cultural tradition, consumer demand and product yield. The objectives of this study were to evaluate socioeconomic aspects on the production of minas frescal cheese produced in familiar agroindustries in the city of Viçosa-MG, Brazil and to characterize the main difficulties in this sector. Data were collected by the in loco interview method in 12 agribussiness, six of them inspected and six not inspected. The familiar producer income obtained from the production of minas frescal cheese varied from 10% to 85% of the total familiar income, with higher percentages for the inspected agribusiness. In 83% of the inspected agroindustries, the total income was linked to the production of the cheese. The obstacles in the formal production included the competition with informal products, low price and difficulty of access to credit lines, and, for informal producers, included also lack of raw material and manpower, seasonal variation of production and the absence of adequate production infrastructure. The production of minas frescal cheese is a relevant activity on the composition of agribusiness familyincome, however, there is a need to implement local public policies to better structuring of the sector, which will contribute for sustainability of the familiar production.

sustainability; agroindustry; cheese


ARTIGOS CIENTÍFICOS

AGRONEGÓCIO

Fatores socioeconômicos da produção de queijo minas frescal em agroindústrias familiares de Viçosa, MG

Socioeconomic factors in the production of fresh cheese in family agribusiness of Viçosa, MG, Brazil

Mariana Barboza VinhaI; Cláudia Lúcia de Oliveira PintoII,1 1 Autor para correspondência. ; Maria Regina de Miranda SouzaIII; José Benício Paes ChavesIV

IServiço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Vitória, ES, Brasil

IIEmpresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), Vila Gianetti, 46, Campus UFV, 36570-000, Viçosa, MG, Brasil. E-mail: clucia@epamig.ufv.br

IIIEPAMIG, Viçosa, MG, Brasil

IVDepartamento de Tecnologia de Alimentos, UFV, Viçosa, MG, Brasil

RESUMO

A produção de queijo minas frescal em agroindústrias familiares é amplamente difundida no Estado de Minas Gerais (MG) associada à tradição cultural, à demanda do consumidor e ao rendimento do produto. Os objetivos deste estudo foram avaliar aspectos socioeconômicos da produção de queijos minas frescal fabricados em agroindústrias familiares no município de Viçosa-MG e caracterizar as principais dificuldades do setor. Os dados foram levantados pelo método de entrevista in loco em 12 agroindústrias, seis inspecionadas e seis não inspecionadas A renda do produtor familiar proveniente da produção do queijo minas frescal variou de 10 a 85% do total da renda familiar, com maiores percentuais para as agroindústrias inspecionadas. Em 83% das agroindústrias inspecionadas, a renda total era vinculada principalmente à produção do queijo. Os entraves na produção formal incluíram a competição com produtos informais, o baixo preço e a dificuldade de acesso a linhas de crédito e, para os produtores informais, incluíram escassez de matéria-prima e de mão de obra, variação sazonal da produção e ausência de infraestrutura adequada para produção. A produção de queijo minas frescal é uma atividade relevante na composição da renda familiar das agroindústrias, entretanto há necessidade de implementação de políticas públicas locais para melhor estruturação do setor, o que contribuirá para a sustentabilidade da produção familiar.

Palavras-chave: sustentabilidade, agroindústria, queijos.

ABSTRACT

The production of minas frescal cheese in familiar agribusiness is widely diffused in Minas Gerais State, associated to cultural tradition, consumer demand and product yield. The objectives of this study were to evaluate socioeconomic aspects on the production of minas frescal cheese produced in familiar agroindustries in the city of Viçosa-MG, Brazil and to characterize the main difficulties in this sector. Data were collected by the in loco interview method in 12 agribussiness, six of them inspected and six not inspected. The familiar producer income obtained from the production of minas frescal cheese varied from 10% to 85% of the total familiar income, with higher percentages for the inspected agribusiness. In 83% of the inspected agroindustries, the total income was linked to the production of the cheese. The obstacles in the formal production included the competition with informal products, low price and difficulty of access to credit lines, and, for informal producers, included also lack of raw material and manpower, seasonal variation of production and the absence of adequate production infrastructure. The production of minas frescal cheese is a relevant activity on the composition of agribusiness familyincome, however, there is a need to implement local public policies to better structuring of the sector, which will contribute for sustainability of the familiar production.

Key words: sustainability, agroindustry, cheese.

INTRODUÇÃO

A agroindústria familiar de pequeno porte produtora de queijos possui grande relevância na construção de um modelo de desenvolvimento regional mais equilibrado associado à sua importância social, econômica e ambiental (PREZOTTO et al., 2002). Na década de 1990, esse empreendimento tornou-se importante por promover o desenvolvimento do meio rural, com a geração de renda para proprietários, geração de empregos, descentralização das atividades, redução do êxodo rural e contribuição para autossuficiência de produtos in natura e processados. Assim, observou-se a inclusão social e econômica de pequenos agricultores, melhoria das condições para a permanência no campo e melhoria da qualidade de vida (BUAINAIN et al., 2003; WESZ JUNIOR & TRENTIN, 2004).

Entre os queijos produzidos nas agroindústrias familiares, o queijo minas frescal é amplamente difundido no Estado de Minas Gerais pela tradição cultural, pelo melhor rendimento e pela demanda do consumidor. A fabricação de queijo minas frescal foi iniciada no século XVIII, nas regiões em que as criações de gado de leiteiro predominavam, e era restrita a esses locais. A técnica foi introduzida no país por imigrantes dinamarqueses e holandeses na região sul de Minas Gerais e Serra da Mantiqueira e foi difundida para o território nacional. Hoje, a fabricação de queijos, com tecnologia repassada de geração a geração, ainda é muito valorizada por fazer parte da cultura dessas regiões. A produção desse tipo de queijo apresenta retorno de investimento mais rápido, menor preço para o consumidor, processamento simples, ausência de período de maturação e um bom rendimento na fabricação, entre 6,0 kg e 6,5kg de leite por 1kg de queijo (FURTADO, 2005). O selo de inspeção municipal, estadual ou federal no produto permite sua comercialização no âmbito do município, do Estado ou do país, respectivamente.

No município de Viçosa-MG, o Serviço de Inspeção Municipal (SIM) foi criado em 1998 com o objetivo de oferecer oportunidade aos pequenos produtores de produzir e comercializar o produto no município, de acordo com os padrões de qualidade, de forma a agregar valor ao produto, favorecer a abertura de novos mercados e possibilitar a competição com produtos reconhecidos no mercado local. Porém, ainda é comum a produção e comercialização informal no município, em condições sanitárias inadequadas (PINTO et al., 2009; REIS et al., 2009). O consumo de queijos em desacordo com os padrões higiênico-sanitários representa um risco à saúde do consumidor.

Os objetivos deste trabalho foram caracterizar a importância socioeconômica da agroindústria familiar do queijo minas frescal para os agricultores do município de Viçosa e identificar os principais entraves da atividade que comprometem a sustentabilidade da produção.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi conduzido no município de Viçosa-MG, entre junho e novembro de 2008. Foram acompanhadas 12 agroindústrias familiares, localizadas em comunidades rurais, seis eram inspecionadas pelo serviço municipal e seis não inspecionadas. As agroindústrias inspecionadas eram aquelas cadastradas na Secretaria Municipal de Agricultura, e as não inspecionadas foram selecionadas entre aquelas que recebiam assistência da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER-MG). O levantamento socioeconômico das famílias e das principais dificuldades do setor foi realizado nos locais por meio da aplicação de entrevistas estruturadas e semiestruturadas aos proprietários, empregando-se questionários pré-elaborados que incluíram os itens: histórico e fatores de produção; condições de incentivo à produção; percepção da condição de produção; condições de mercado; significado da produção do queijo na sustentabilidade da família e condições ambientais e de infraestrutura.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

- Histórico da produção

A maioria dos proprietários (83%) das agroindústrias produzia queijos em função do conhecimento que foi herdado da família e de demanda regional. Dois dos proprietários foram motivados a investirem na construção de suas próprias agroindústrias com base em experiência prévia adquirida em trabalho em indústrias de laticínios, uma vez que identificaram o setor como uma oportunidade para a sustentabilidade das famílias. Um dos entraves apontados para a produção foi a escassez de matéria-prima, consequência da baixa produtividade dos rebanhos, característica das pequenas propriedades rurais. Em 83% das agroindústrias, o leite era exclusivo da propriedade; entretanto, dois produtores de agroindústrias inspecionadas adquiriam o leite de propriedades vizinhas para aumentar o volume de produção e a renda proveniente da fabricação de queijos. As agroindústrias não inspecionadas utilizavam apenas o leite da propriedade; a produção de queijo é uma atividade mais rentável que a comercialização do leite, o que possibilita o aumento da receita sem alterar significativamente o custo operacional efetivo da produção (LOPES et al., 2006). A título de exemplo, em 2001, no município de Londrina, no Paraná, o preço médio do litro de leite pago pelos laticínios aos produtores era de R$0,28. O queijo frescal com rendimento aproximado de sete litros de leite por quilo de queijo era vendido pelo preço mínimo de R$ 5,00 o quilograma, portanto representava para o produtor uma agregação de valor próxima de 150% (RUIZ et al., 2001).

- Produção e fatores de produção

O volume de leite processado nas agroindústrias inspecionadas era maior, com média de 350 litros diários e produção média de 35kg por dia de queijo minas frescal. Em 67% (5) dessas agroindústrias, também eram produzidos outros produtos como forma de diversificação da produção, incluindo requeijão, mussarela, manteiga, ricota, bebida láctea e manteiga. Em 67% das agroindústrias não inspecionadas, eram processados, em média, 25 litros diários, com produção diária de 4kg de queijo minas frescal, e em duas também era produzido requeijão. A diversificação de produtos é uma alternativa para a melhoria da renda familiar e possibilita maior aproveitamento da matéria-prima e utilização de subprodutos a exemplo do uso do soro para a produção de bebida láctea e ricota. A comercialização dos queijos de agroindústrias inspecionadas era intermediada por revendedores por preço entre R$ 5,80 e R$ 7,00 por quilograma e repassado ao consumidor por até R$ 9,00 o quilograma. O queijo minas frescal proveniente de agroindústrias não inspecionadas, na maioria das vezes, era vendido diretamente ao consumidor por um preço entre R$ 6,50 e R$ 8,00 o quilograma ou a peça. Dessa forma, os proprietários de agroindústrias inspecionadas manifestaram-se prejudicados diante da concorrência desleal frente aos produtos produzidos e comercializados na informalidade. A maioria dos proprietários das agroindústrias não inspecionadas (67%) eram casais com idade entre 50 e 80 anos, em 50% dos casos eram responsáveis pelas atividades, em 17% os responsáveis eram irmãos e em 33% o casal e os filhos. Nenhuma dessas agroindústrias contratava mão-de-obra externa. Nas agroindústrias inspecionadas, havia um predomínio de famílias constituídas de casais jovens (83%), com maior dependência da renda da fabricação, que representava a principal fonte de renda. A mão-de-obra era exclusivamente familiar em 10 das 12 agroindústrias, apenas duas agroindústrias inspecionadas possuíam, além da mão-de-obra familiar, funcionários contratados (17%) temporariamente para auxiliar na produção no período de safra. Todos os produtores dependiam de insumos para a produção, como coalho, sal, embalagens, ração animal e produtos de limpeza, que eram adquiridos no mercado local. Algumas propriedades produziam insumos para alimentação do gado. O aporte tecnológico originava-se da família do produtor ou do agente de extensão rural, que visitava a propriedade em uma frequência entre uma vez por semana e a cada 60 dias. Apesar da baixa escolaridade, todos os produtores já haviam participado de cursos de capacitação de curta duração ministrados por profissionais vinculados a instituições de pesquisa ou extensão, embora sem a periodicidade necessária para a reciclagem de conhecimentos e o alcance da melhoria da qualidade. O grau de organização social entre os proprietários foi considerado baixo, visto que apenas quatro proprietários de agroindústrias inspecionadas faziam parte da associação local, o que lhes permitia a utilização do rótulo, entretanto essa associação não funcionava de forma eficiente. A organização dos produtores em associações e cooperativas possibilita a permanência do sistema familiar em algumas regiões, porém são totalmente inexistentes em outras. A capacidade de organizar-se em associações possibilita ao grupo de empresas defenderem interesses comuns, o que permite o fortalecimento do setor. No caso das agroindústrias, o grande número de unidades de produção rural diverge em termos de tamanho, capital e tecnologia, o que torna as prioridades individuais diferentes e dificulta a organização em associações (GUILHOTO et al., 2006).

- Condições de incentivo à produção

Apenas um dos cinco produtores de agroindústrias inspecionadas já havia utilizado recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), para aquisição de equipamentos, no caso, ordenhadeira mecânica. Dois produtores apontaram dificuldades em obter financiamento do PRONAF associadas a exigências burocráticas. Um maior número de produtores de agroindústrias não inspecionadas já havia utilizado esse tipo de financiamento, por se enquadrarem na categoria para a qual o financiamento era dirigido: renda anual inferior a R$110.000,00, até quatro módulos fiscais, até dois empregados permanentes e ter, no mínimo, 70% da renda bruta vinculada à propriedade. A criação do PRONAF, em 1996, permitiu o fortalecimento da agricultura familiar e desenvolvimento das agroindústrias familiares no cenário social e político brasileiro e contribuiu para a construção de políticas públicas diferenciadas, com juros mais baixos e apoio institucional (SCHENKEL et al., 2003).

- Percepção da condição de produção

A maioria dos produtores (67%) manifestou grande interesse pela melhoria da qualidade do produto associada à disposição para realizar investimentos, principalmente para a melhoria da infraestrutura, o aumento do volume de leite e a diversificação dos produtos. Segundo os produtores de agroindústrias inspecionadas, a qualidade do produto melhorou após a realização de investimentos. O volume e a variedade de produção foram associados ao tamanho e à infraestrutura adequada das unidades de processamento. Maiores investimentos em infraestrutura foram realizados por produtores inspecionados, fato que foi associado à maior dependência da renda da produção de queijo. Para a comercialização dos queijos nos mercados, nas mercearias e nos varejões, a Vigilância Sanitária Municipal exige o selo de inspeção municipal, fator que estimulou a realização de investimentos em adequação da infraestrutura às exigências legais. Observou-se uma redução da produção de queijos nas agroindústrias não inspecionadas associada às exigências de adequações das condições de produção por parte do Serviço de Inspeção Municipal. Com a criação da legislação que torna obrigatória, no Brasil, a implantação das Boas Práticas de Fabricação (BRASIL, 1997), em estabelecimentos produtores/industrializadores de alimentos, e a criação do Serviço de Inspeção Municipal de Viçosa, alguns produtores não priorizaram a adequação das condições de produção, sentiam-se desmotivados, o que levou à redução da produção ou migração para outras atividades agrícolas. Um dos produtores alegou que os investimentos necessários inviabilizavam a produção em propriedades com baixa produtividade de leite e não traziam retorno financeiro. Metade dos proprietários das agroindústrias não inspecionadas (3/6) alegou que a quantidade de queijo produzida em seu estabelecimento foi reduzida comparada ao início da atividade, 33% relataram aumento e 17% informaram que não houve mudanças no volume de produção de queijo. Produtores de agroindústrias inspecionadas associaram a busca pela qualidade à agregação de valor ao produto e em consequência aumento da sustentabilidade. Assim, os requisitos mais importantes incluíram a qualidade da matéria-prima, higiene durante a produção e presença de rótulo. Por outro lado, os responsáveis por agroindústrias não inspecionadas consideraram como requisitos fundamentais para a agregação de valor a tradição e a higiene durante a fabricação. Todos entrevistados desconsideraram a importância dos fatores rotulagem, infraestrutura adequada e atendimento ao padrão de qualidade como forma de agregar valor ao produto. Esse resultado demonstrou a existência de carência de informações ou de conscientização a respeito da importância do cumprimento à legislação e do impacto que essas não conformidades causam ao produto final. PINTO et al. (2007) verificaram a necessidade de melhoria da qualidade dos produtos, sobretudo na adoção das Boas Práticas de Fabricação (BPF) e de comercialização de alimentos para melhor inserção no mercado.

- Características de comercialização

Os queijos que continham o selo de inspeção eram comercializados principalmente, em mercados, açougues e lojas de hortifrutigranjeiros, e os queijos que não continham selo de inspeção, eram comercializados em mercados, feira livre e diretamente ao consumidor. Entre as dificuldades, apontadas pelos produtores, de comercialização dos queijos produzidos em agroindústrias inspecionadas foi destacada a competição em preço e custo de produção com queijos informais produzidos no município e em municípios vizinhos, o baixo preço pago pelos estabelecimentos que revendem o produto e a falta de matéria-prima (Figura 1). Os produtores informais de queijos apresentaram menor volume de produção. Um grande número de produtos informais foi observado por REIS et al. (2009) no município de Viçosa-MG, em especial na feira livre, concorrendo de forma desleal com o mercado de queijos produzidos na formalidade. Os produtores que possuíam maior volume de produção entregavam o produto em vários estabelecimentos diariamente, com clientela e demanda definida, e aqueles que possuíam menor produção comercializavam o produto em poucos estabelecimentos ou sob encomenda, com uma frequência de uma a duas vezes por semana. Outro problema apontado pelos produtores na comercialização do produto foi a baixa produtividade leiteira, o que impede o atendimento da demanda e do mercado da região. Esse fato era agravado na entressafra, no período da seca, em função do baixo rendimento das pastagens e da baixa disponibilidade de mão-de-obra. Aqueles que alimentavam o gado com ração e com pasto conseguiam manter a produtividade do rebanho e o produto no mercado, os demais produziam, nessa época, apenas para o consumo próprio. A baixa produtividade ou até mesmo a produção sazonal era mais frequente nas agroindústrias não inspecionadas, uma vez que essas agroindústrias possuíam uma produtividade leiteira que chegava a ser 100 vezes menor ao de uma agroindústria inspecionada. Assim, a atividade agrícola familiar é caracterizada pela diversidade de atividades desenvolvidas nas propriedades, com a combinação entre o cultivo de grãos, a criação de animal e o cultivo de hortícolas e de frutas, e essa diversificação, muitas vezes, é caracterizada pela complementaridade entre suas atividades (MALUF, 2004). Essa complementaridade é evidenciada pela fabricação de produtos com matéria-prima obtida na propriedade, que é o caso do queijo minas frescal e outros derivados de leite produzidos nas agroindústrias familiares.


- Expressividade da produção do queijo na sustentabilidade da família

A renda do produtor familiar era, em geral, oriunda de atividades agrícolas, atividades não agrícolas e da aposentadoria rural. A renda da venda do queijo entre casais com idade entre 30 anos e 40 anos com filhos ainda era mais frequente em agroindústrias inspecionadas. A complementação de renda de algumas famílias era proveniente de membros da família, em geral mulheres que trabalhavam na cidade ou em comunidades rurais vizinhas como secretária, empregada doméstica e vendedora informal. O sistema familiar de produção está inserido em um contexto socioeconômico próprio e delicado e a importância desse sistema é justificável, tendo em vista que ele possibilita melhoria da renda familiar e é um fator importante para estimular a permanência do homem no meio rural e para reduzir a tensão social decorrente da desigualdade social no campo e nas cidades (GUILHOTO et al., 2006). A representatividade da renda da produção do queijo frescal variou de, aproximadamente, 10 a 85% da renda total da família. Nas agroindústrias inspecionadas, a representatividade foi de 45 a 85% e nas agroindústrias não inspecionadas ficou entre 10 e 40%, que, embora menor, também era considerada relevante para a sustentabilidade das famílias. A maior dependência das famílias vinculadas a agroindústrias inspecionadas em relação à renda do queijo pode justificar o maior interesse desses proprietários pela inserção ou manutenção no mercado formal. Essa observação é semelhante à de AMORIN & STADUTOS (2008), em estudo realizado em agroindústrias familiares localizadas no oeste do Paraná. Outras atividades agrícolas paralelas à atividade agroindustrial eram desenvolvidas nas propriedades rurais estudadas, incluindo a produção de milho destinado ao consumo doméstico e à alimentação animal, feijão, café, e produção de ovos, além da produção comercial de hortaliças. Agroindústrias não inspecionadas possuíam maior diversidade de atividades na propriedade, incluindo atividades agrícolas e exploração do potencial turístico. A diversificação das atividades rurais não agrícolas associadas ao modelo de agroindustrialização de pequeno porte impulsiona a inclusão social, além de possuir importância econômica e na geração de empregos (PREZOTTO et al., 2002; BUAINAIN et al., 2003; AMORIM & STADUTO, 2008).

- Condições ambientais de infraestrutura das comunidades

Algumas comunidades, bairros ou distritos onde estavam localizadas as agroindústrias possuíam rede de esgoto urbana, em que os resíduos da produção de queijos eram descartados em córregos. A água era, em geral, proveniente de poços semiartesianos. Todos possuíam acesso ao serviço de saúde em postos locais ou no centro urbano. Havia coleta de lixo na maioria dos casos, no mínimo duas vezes por semana. Em 33% das agroindústrias inspecionadas, não havia rede de esgoto ou fossa séptica, sendo os resíduos sanitários lançados diretamente nos córregos, o que gerava um grave problema ambiental. Todas as agroindústrias não inspecionadas possuíam fossa séptica. A principal origem da água em agroindústrias não inspecionadas era proveniente de nascentes e de cisternas, nas agroindústrias inspecionadas era proveniente de poços semiartesianos, o que implicava a necessidade de cuidados fundamentais de controle da qualidade dessas fontes de abastecimento. Apenas uma das seis agroindústrias não inspecionadas possuía sistema de coleta de lixo. A falta de gerenciamento de resíduos sólidos foi observada principalmente nas comunidades mais afastadas do centro. Em 67% das agroindústrias inspecionadas, a coleta do lixo era realizada pela prefeitura e essas agroindústrias estão localizadas em comunidades mais próximas do centro do município. O transporte da matéria-prima, em duas das seis agroindústrias inspecionadas, era realizado em caminhões que pertenciam aos proprietários das agroindústrias, fator que influencia as condições de transporte, considerando que, nesses casos, a captação da matéria-prima ocorria em menor tempo, em comparação com o tempo gasto por transporte em veículos de tração animal. Entretanto, esses caminhões não possuam sistema de refrigeração, o pode comprometer a qualidade da matéria-prima. O transporte dos queijos produzidos em agroindústria inspecionadas era realizado em veículo próprio, o que possibilitava uma maior rapidez de entrega. O percentual transportado em veículo próprio era realizado por produtores que apresentavam maior volume de produção. Em três agroindústrias não inspecionadas, o transporte do produto final era realizado em veículo próprio, em duas essa atividade era terceirizada e em uma era realizada em veículo coletivo. As condições ambientais e de infraestrutura das agroindústrias inspecionadas eram, em geral, mais satisfatórias. Essas condições, principalmente no que diz respeito a saneamento básico, à fonte de abastecimento de água e a condições de transporte, possuem impacto direto sobre a qualidade higênico-sanitária dos queijos. Essa situação reforçou a necessidade de adequação das agroindústrias para prevenir a ocorrência de contaminações do produto e oferecer ao consumidor queijos de acordo com os padrões de qualidade.

CONCLUSÃO

A produção de queijo minas frescal constitui um componente econômico fundamental para a sustentabilidade das famílias, em especial para os proprietários das agroindústrias inspecionadas em que a renda familiar depende principalmente dessa atividade. A produção do queijo também contribui para a diversificação da produção. Entretanto, há necessidade de adequações na infraestutura das agroindústrias, condição essencial para a obtenção de queijos de acordo com os padrões de qualidade. Concluiu-se pela necessidade de criação de políticas públicas que contemplem estratégias que incentivem a organização do setor, regularização das agroindústrias que atuam na informalidade e adequação às condições de produção, por meio da capacitação dos produtores e do fomento.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro.

Recebido para publicação 22.12.09

Aprovado em 27.07.10

Devolvido pelo autor 24.08.10

CR-2961

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  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Dez 2009
    • Aceito
      27 Jul 2010
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