Desempenho de perus de corte alimentados com níveis crescentes de aflatoxinas, com ou sem adição de adsorvente

Turkey performance fed with increasing aflatoxins levels, with or without adsorvent inclusion

DESEMPENHO DE PERUS DE CORTE ALIMENTADOS COM NÍVEIS CRESCENTES DE AFLATOXINAS, COM OU SEM ADIÇÃO DE ADSORVENTE¹

TURKEY PERFORMANCE FED WITH INCREASING AFLATOXINS LEVELS, WITH OR WITHOUT ADSORVENT INCLUSION

Janio Morais Santurio² Marcus Reginatto³ Cláudio Kracker⁴ Glaucio Surdi³ Jair De Toni⁴ Jorge Kraker³ Carlos Augusto Mallmann²

RESUMO

Este trabalho foi realizado durante o verão de 1995/96 com o objetivo de determinar o nível de aflatoxinas (AFL) capaz de causar prejuízos no desempenho de perus de corte criados sob condições ambientais de baixo desafio, bem como avaliar a eficácia da adição de bentonita sódica natural (BSN) como um adsorvente. Foram utilizados 1008 perus de corte, alojados em 84 boxes seguindo um delineamento experimental de blocos casualizados com 14 tratamentos distribuídos em um arranjo fatorial 7x2, sendo 7 níveis de adição de AFL, (0, 10, 50, 100, 500, 1000 e 2000ppb) e 2 níveis de adição de BSN (0 e 0,5%). Aos 21 dias de idade, as aves alimentadas com as dietas sem adição de BSN mostraram uma redução significativa (P<0,05) no ganho de peso (GP) e no consumo de ração (CR) com níveis de AFL iguais ou superiores a 500ppb, enquanto que aves alimentadas com as dietas com 0,5% de BSN mostraram redução significativa (P<0,05) no GP e CR apenas à partir de 1000ppb de AFL. Estes mesmos resultados foram observados aos 40 dias de idade, entretanto aos 70 dias ocorreu uma redução significativa (P<0,05) no GP e CR das aves à partir de 500ppb de AFL, com ou sem adição de BSN, demonstrando um efeito cumulativo desta micotoxina. Em geral, em todos os níveis de adição de AFL que ocorreu redução significativa no GP e CR das aves, esta foi cerca de 15 a 20% menor nos grupos alimentados com 0,5% de BSN. A conversão alimentar (CA) das aves foi menos afetada pelos níveis de AFL dietéticos, embora tenha existido uma tendência de piora na CA com altos níveis de AFL, em todas as idades. Aflatoxinas tiveram um grande efeito sobre a taxa de mortalidade (%MOR), sendo que já aos 21 dias a %MOR verificada nos lotes que receberam 1000 e 2000ppb de AFL, sem BSN, foi de 15,3 e 72,2%, respectivamente. Antes de completar 40 dias de experimento, 100% das aves alimentados com dietas contendo 2000 ppb de AFL, sem e com BSN, morreram. A adição de 0,5% BSN proporcionou uma redução média de 35% na %MOR em comparação aves alimentadas com dietas sem BSN. Com base nos resultados pode ser concluído que AFL são extremamente deletérias aos perus e que a adição de 0,5% de BSN na ração protege parcialmente os perus dos efeitos negativos desta micotoxina.

Palavras-chave: perus, aflatoxinas, micotoxinas, bentonita sódica, adsorventes.

SUMMARY

This experiment was carried out in the 1995/96 summer to determine the aflatoxin (AFL) levels ability to decrease turkey performance raised under excellent environmental conditions and also to avaluate a natural sodium bentonite (NSB) efficiency as an adsorbent. One thousand and eight poults were housed in 84 floor pens following a randomized complete block design with 14 treatments arranged in a 7x2 factorial, with 7 AFL levels (0, 10, 50, 100, 500, 1000 and 2000ppb) and 2 NSB levels (0 and 0.5%). At 21 days of age the birds fed without NSB showed body weight gain (BWG) and feed intake (FI) reduction (P<0.05) from 500ppb or more of AFL, whereas the birds fed with NSB showed BWG and FI reduction (P<0.05) only from 1000ppb or more of AFL. These same results were observed at 40 days of age, but at 70 days, the BWG and FI reduction was statistically significant (P<0.05) from 500ppb or more of AFL, with or without NSB inclusion. In general, birds fed with NSB had about 15 to 20% less BWG and FI reduction than birds fed without NSB. The feed conversion (FC) was less affected by AFL levels, although it worsened with increasing AFL levels. AFL have greatly affected the mortality rate. At 21 days of age the birds fed with 1000 and 2000pbb of AFL have already presented 15.3 and 72.2% of mortality, respectively and until 40 days all birds fed with 2000ppb of AFL died. However there was a benefic effect of NSB inclusion. Based on theses results can be concluded that AFL are highly deleterious for turkey and that NSB can partialy protect the birds from AFL negativo effects.

Key words: turkey, aflatoxins, mycotoxin, sodium bentonite, adsorbent.

INTRODUÇÃO

A aflatoxicose foi pela primeira vez descrita em perus como "doença X dos perus" e esta espécie foi a primeira em que esta toxicose foi detectada. Os perus são mais sensíveis a uma dieta com aflatoxinas (AFL) que frangos ou poedeiras (HAMILTON et al., 1972). A resposta dos perus a AFL parece ser similar aos frangos quanto aos sinais clínicos, ou seja, queda de peso, menor consumo de ração, maior taxa de mortalidade, imunodepressão e hemorragias. Isto é motivado pela ação da AFL na célula hepática, onde ela bloqueia parcialmente a síntese proteica no ribossoma do hepatócito.

Vários estudos vêm demonstrando que aluminosilicatos de sódio e de sódio e cálcio, além de bentonita sódica natural podem ser adsorventes de AFL (PHILLIPS et al., 1988; SCHEIDELER, 1993; ARABA & WYATT, 1991; SANTURIO et al., 1994). Esta habilidade de adsorção foi demonstrada in vitro e in vivo (DOERR, 1989; KUBENA et al., 1990) e está relacionada com a troca de íons entre AFL e os radicais livres destas substâncias e, dependendo da estrutura química de cada adsorvente, poderá ocorrer maior ou menor adsorção. Bentonita foi definida por WRIGHT (1968) como sendo uma argila originada do grupo mineral das esmectitas e suas propriedades físicas são inerentes a este tipo mineral argiloso. Em 1979, MASIMANGO et al. demonstraram que 1g de bentonita sódica podia adsorver de 94 a 100% de 400mg de AFL B 1diluída em 50ml de leite, cerveja ou meio de Czapek. Segundo ARABA (1992), a bentonita sódica foi utilizada primariamente, em rações para aves, como aglutinante e melhorador da qualidade do pelete, porém este mesmo autor também comprovou sua capacidade de adsorção de AFL. Uma vez que a contaminação de grãos com aflatoxinas constitui um dos principais desafios para a produção avícola, especialmente de perus, existe a necessidade de se testar alternativas que possam ao menos minimizar seus efeitos deletérios sobre a produção animal. Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo determinar o nível de AFL capaz de causar prejuízos em perus de corte criados em condições consideradas de baixo desafio, bem como avaliar a eficácia da adição de 0,5% de BSN, como um sequestrante de AFL.

MATERIAIS E MÉTODOS

Um mil e oito perus de corte, machos, da linhagem Hybrid Super Medium foram alojados, no primeiro dia de idade, em 84 boxes experimentais de 6m² (2,0m x 3,0m). As aves foram submetidas à 14 tratamentos distribuídos em um arranjo fatorial 7x2, sendo 7 níveis de adição de AFL (0, 10, 50, 100, 500, 1000 e 2000ppb) e 2 níveis de BSN (0 e 0,5%). Os tratamentos foram distribuídos, de acordo com a localização do aviário, em 2 blocos com três unidades experimentais de 12 aves cada.

Foram utilizadas dietas à base de milho e farelo de soja formuladas para atender as exigências nutricionais recomendadas pelo NRC (1994) conforme a idade das aves (ração pré-inicial até 21 dias, inicial até 40 dias e crescimento até 70 dias de idade). Para obtenção das 14 dietas experimentais foram produzidas partidas de 1 tonelada de uma ração basal (misturador horizontal de dupla helicóide com capacidade de 1000kg), as quais foram divididas em 14 frações iguais de 70kg cada. Estas foram remisturadas durante 10 minutos em um misturador de duplo cone com capacidade para 150kg e acrescidas com AFL e/ou BSN, conforme os tratamentos. Este procedimento evitou possíveis variações nutricionais entre os tratamentos em função das diferenças entre as partidas de rações.

As AFL foram produzidas através da fermentação em arroz parabolizado sob agitação constante e temperatura controlada. Foi empregada a cepa de Aspergillus parasiticus - NRLL 2999, conforme metodologia desenvolvida por SHOTWELL et al. (1966) e aperfeiçoada por WEST et al. (1973). O arroz após autoclavado com válvula aberta foi seco com ar quente e triturado em um moinho para moer café. A concentração de AFL foi determinada através de cromatografía líquida de alta resolução (HPLC) e apresentou 1,1g de AFL/kg de arroz, sendo 83% de AFL BI, 9,5% de AFL B2, 4,2% de AFL G1 e 3,3% de AFL G2. Após a inclusão do pó de arroz nas quantidades requeridas em cada tratamento, os níveis de AFL das dietas experimentais foram checados através da análise em HPLC.

O peso corporal das aves e as sobras de ração foram tomados aos 21, 40 e 70 dias de idade enquanto que a mortalidade foi registrada quando ocorrida. À partir da coleta destes dados foi calculado o ganho de peso, a conversão alimentar, o consumo de ração e a taxa de mortalidade acumulados para cada idade. As respostas foram submetidas a análise da variância, utilizando o pacote estatístico SANEST. O modelo linear empregado incluiu os efeitos principais de bloco, aflatoxina e bentonita, além da interação entre aflatoxina e bentonita. As diferenças entre as médias foram testadas através do teste Tukey. Para uma melhor avaliação do efeito dos níveis de aflatoxinas foi realizado a análise de regressão dentro de cada nível de bentonita.

RESULTADOS

Na Tabela 1 pode ser observado que aves alimentadas com as dietas sem a adição de BSN apresentaram, já aos 21 dias de idade, uma redução significativa (P<0,05) no ganho de peso (GP) à partir de 500ppb de AFL adicionada, enquanto que aquelas alimentadas com as dietas com 0,5% de BSN mostraram uma perda significativa no GP apenas à partir de 1000ppb de AFL adicionada. Estes mesmos resultados foram observados aos 40 dias de idade, porém aos 70 dias de idade a redução significativa no GP das aves ocorreu também à partir de 500ppb de AFL adicionada nas aves alimentadas com as dietas suplementadas com BSN. Em todos os níveis de adição de AFL que ocorreu redução significativa no GP das aves, esta foi cerca de 15 a 20% menor nos grupos alimentados com 0,5% de BSN.

Na Tabela 2 pode ser observado que aos 21 dias de idade existiu uma redução significativa (P<0,05) no consumo de ração (CR) a partir de 500ppb de AFL nas aves alimentadas as dietas sem adição de BSN, enquanto que as aves alimentadas com dietas suplementadas com 0,5% de BSN esta redução foi verificada apenas à partir de 1000ppb de AFL. Já aos 40 e 70 dias de idade houve uma redução significativa (P<0,05) no CR à partir de 500ppb nas aves alimentadas com as dietas suplementadas ou não com BSN, embora novamente existiu uma tendência desta redução ser cerca de 15% menor nas aves alimentadas com 0,5% de BSN. Devido a redução no GP ter sido acompanha pela diminuição no CR a conversão alimentar (CA) das aves pareceu ser menos afetada pelos níveis de AFL dietéticos, embora tenha sido verificado em todas as idades uma tendência de piora na CA com altos níveis de AFL, sendo que esta tendência foi menos acentuada nas aves alimentadas com as dietas suplementadas com BSN (Tabela 3).

Com relação a taxa de mortalidade, na Tabela 4 pode ser verificado que o efeito AFL foi altamente expressivo, sendo que já aos 21 dias a taxa de mortalidade verificada nos lotes que receberam 1000 e 2000ppb de AFL, sem BSN, foi de 15,3 e 72,2%, respectivamente. Antes de completar 40 dias de experimento, 100% das aves alimentadas com dietas contendo 2000ppb, de AFL, sem e com BSN, morreram. Mais uma vez o efeito benéfico da adição de BSN se mostrou aparente, ou seja, ao fim de 70 dias de avaliação a taxa de mortalidade foi cerca de 35% menor nos lotes que receberam 500 e 1000ppb de AFL com a adição de 0,5% de BSN.

DISCUSSÃO

Foi verificado um expressivo efeito dos níveis de AFL sobre o desempenho dos perus de corte, caracterizado especialmente por uma redução no GP e CR e um aumento na taxa de mortalidade. Estes dados estão de acordo com HAMILTON et al. (1972), com WITLOCK et al. (1982), os quais trabalharam com 250ppb de AFL, e com GIAMBRONE et al.. (1985), os quais demonstraram que aves alimentadas com dietas contendo 800ppb de AFL tiveram 50% a menos no GP na 5ª semana de idade. A depressão no GP e a elevada taxa de mortalidade estão relacionadas ao bloqueio parcial da síntese proteica no fígado pela AFL e à disfunções na hemostasia com diminuição dos níveis de fibrinogênio plasmático e aumento do tempo de pró-trombina (WITLOCK & WYATT, 1981). Este foi o primeiro trabalho realizado com perus para avaliar o uso do adsorvente BSN, conseqüentemente não existem dados comparativos nesta espécie. Entretanto este experimento constatou que a BSN é um bom adsorvente de AFL, uma vez que, de acordo com os resultados, aves alimentadas com as dietas suplementadas com BSN apresentaram um GP e CR cerca de 15 a 20% superior e uma taxa de mortalidade cerca de 35% inferior àquelas aves alimentadas com as dietas sem a adição de BSN. Também pôde ser verificado que as aves intoxicadas com até 500ppb de AFL, com a adição de 0,5% de BSN, foram totalmente protegidas dos efeitos negativos das AFL até aos 40 dias de idade, todavia aos 70 dias existiu uma redução no desempenho através do consumo diário desta micotoxina. As bentonitas contendo sódio como a principal ligação catiônica, ficam muito hidratadas (inchadas) em contato com água devido a habilidade desta argila em adsorver grandes quantidades deste líquido entre suas camadas de sílica as quais são fracamente interligadas entre si. Onde o cálcio é o principal cátion (bentonita cálcica), a argila é pouco hidratada, sugerindo que as camadas de sílica da molécula de bentonita cálcica são mais fortemente ligadas na presença do íon cálcio divalente do que com o íon sódio monovalente. Devido a esta característica a bentonita sódica é um melhor adsorvente de aflatoxinas que a bentonita cálcica (ARABA, 1992). O pH da bentonita pode influenciar na sua afinidade de ligação com aflatoxinas dentro do trato gastrintestinal, sendo que quanto mais baixo o pH, melhores serão estas ligações. As melhores bentonitas sódicas apresentam pH abaixo de 8,0. A BSN utilizada neste experimento possuía pH 7,2.

O nível de conforto dos animais deste experimento foi muito melhor que o das criações comerciais de perus de corte. DOERR et al. (1983), trabalhando com frangos de corte, demonstraram que os efeitos deletérios das AFL estão diretamente relacionados o nível de stress que os animais estão submetidos, ou seja, estes autors demonstraram que em condições ótimas de criação, semelhantes as utilizadas neste experimento, a concentração de AFL necessária para alterar desempenho produtivo das aves foi de 3000ppb, enquanto que sob condições semelhantes as comerciais, somente 75ppb seriam suficientes para afetar o desempenho dos animais. Em vista disto torna-se claro não ser possível utilizar níveis de AFL normalmente detectados em rações comerciais (5 a 150ppb) em experimentos com AFL realizados em boxes experimentais, onde as condições de criação podem ser consideradas ótimas, pois não haveria diferença entre os lotes devido a falta de desafio.

Fazendo uma analogia entre os resultados encontrados por DOERR et al. (l 983), o qual demonstrou que frangos de corte mantidos sob condições ótimas de criação precisam 3000ppb de AFL para apresentarem redução no desempenho e os obtidos no presente experimento, onde 500ppb de AFL reduziu o desempenho de perus de corte, pode ser sugerido que os perus são cerca de 5 a 6 vezes mais sensíveis à AFL que os frangos de corte.

CONCLUSÕES

Nas condições em que este experimento foi conduzido e de acordo com os resultados obtidos, pode ser concluído que as AFL são extremamente deletérias aos perus, provocando diminuição expressiva no ganho de peso e elevada mortalidade e que a BSN adicionada à 0,5% na ração é um bom adsorvente de AFL, protegendo parcialmente os perus dos efeitos negativos desta micotoxina.

² Médico Veterinário, Professor Departamento de Medicina Veterinária Preventiva - Universidade Federal de Santa Maria, 97119-900. E- mail: [e-mail].

³ Zootecnista - Sadia Concórdia Ind. Com. S/A - Filial Chapecó, SC.

⁴ Médico Veterinário - Sadia Concórdia Ind. Com. S/A - Filial Chapecó, SC.

Recebido para publicação em 02.01.97. Aprovado em 13.08.97

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¹

Experimento realizado na Sadia Concórdia Ind. Com. S/A - Filial Chapecó, durante o verão de 1995/96.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Out 2007
• Data do Fascículo
  Mar 1998

Histórico

• Aceito
  13 Ago 1997
• Recebido
  02 Jan 1997