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El Quinto: no Matar - Contextos explicativos de la violencia en Colombia. FRANCO, Saul. Bogota: TM Editores, 1999. 208 páginas

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El Quinto: no Matar - Contextos explicativos de la violencia en Colombia. FRANCO, Saul. Bogota: TM Editores, 1999. 208 páginas.

Maria Cecília de Souza Minayo

Paulo Cesar Pontes Fraga

Saul Franco é um dos pioneiros, na América Latina, dos estudos sobre o impacto da violência sobre a saúde. Mais que isso, Saul é um militante da causa, provocando o debate no setor, brandindo sua inquietação por esse mal estar civilizatório que se traduz em intolerância e morte. Seu campo de ação é primeiramente a Colombia de onde parte para uma busca de compreensão e ação.

Seu livro "El quinto: no matar" é fruto de sua tese de doutorado defendida na Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz em 1998, na qual o autor produz a síntese de seu pensamento. Fundamentado na epidemiologia, nas ciências sociais e no compromisso cívico, busca interagir com autores, organizar dados, investigar várias categorias sociais e integrar tudo isso, chegando a conclusões originais e inéditas.

No prefácio, Álvaro Camacho (co-orientador da tese junto com MCS. Minayo), dá um título a seu país, Colombia Asesina, repercutindo o que havia escrito Hobsbawn em 1986. Em seguida, relativiza esse forte epíteto, dizendo que é preciso compreender a complexa trama de situações históricas, culturais, econômicas e políticas que levam a configurar um povo como um dos mais violentos do mundo. É o que Saul faz, buscando nas diversas fontes disponíveis, os dados que o levaram a apresentar as cifras mais relevantes de homicídios nos últimos vinte anos no seu país, mostrando como as curvas são ascendentes, como se apresenta a realidade por faixas etárias, por gênero, como se distribuem no interior da Colombia os riscos de morte por homicídios, e qual o peso dos óbitos por violência no conjunto da mortalidade geral. É impressionante, mesmo levando em conta toda a complexidade com que o fenômeno se apresenta, observar como pesam os números dos homicídios no perfil da expectativa de vida e nos anos potenciais de vida perdidos daquele país. Saul, como exímio epidemiologista, trabalha os dados, questiona-os, relativiza-os, mas demonstra também o quanto são importantes como indicadores de uma realidade social conflagrada e internamente confrontada.

A magnitude dos números é de tal monta que Saul diz em seu livro se tratar de uma epidemia, a epidemia da violência, denominação da qual discordamos dele por causa da especificidade com que o termo se adequa ao tratamento das questões biomédicas. A problemática da violência é prioritariamente um tema do campo social, obviamente tendo implicações em todas as áreas, inclusive no âmbito emocional e biológico.

Mas não é só na abordagem epidemiológica que o trabalho de Saul contribui. Ele constrói os conceitos de "violência", de "homicídio" e parte para estabelecer um perfil institucional da Colombia, buscando descrever e analisar o contexto histórico no qual se formaram os grupos para-militares e políticos, situação da qual emergiu e se expandiu o fenômeno do narcotráfico. Em seguida o autor aprofunda o que denomina o esquema lógico-conceitual onde se fundamentam suas hipóteses: o imbricamento entre iniquidade, impunidade e intolerância.

Apesar do esquema lógico-dedutivo parecer esconder uma tentação fundamentalista, a ida a campo e o trabalho de cunho etnográfico salvam a investigação de se tornar apenas uma reflexão filosófica. Tomam a cena por meio de uma abordagem qualitativa, todos os atores envolvidos no fenômeno da violência (população civil, militares e para-militares, narcotraficantes, autoridades governamentais, de segurança e jurídicas, vítimas e grupos conflagrados). Esse exercício permitiu a Saul ler as falas, o que há por trás delas e desenhar uma tipologia discursiva sobre o fenômeno. Como numa construção intrincada, os dados, as idéias e os discursos são retomados e trabalhados magistralmente para compor as respostas à proposta inicial: a configuração dos contextos explicativos da violência na Colombia.

À conclusão Saul chama Inconclusiones. Analisa a importância do esforço da revisão documental, da análise quantitativa, da interlocução com os distintos atores implicados no problema da violência no país, reafirmando a necessidade de levarmos em conta a intrincada rede de relações que compõe o fenômeno, alertando que o contexto explicativo não pode ser compreendido apenas como pano de fundo e sim como componente essencial do problema. Evidencia as interações entre condições estruturais e processos conjunturais: "el narcotráfico o el conflicto político-militar o el alejamento del Estado de las prioridades sociales no son sólo los grandes disparadores de la violencia colombiana contemporanea. Ellos han empeorado las condiciones estructurales, se han entrecruzado entre sí y han penetrado los distintos órganos y sistemas de la vida nacional. En parte, lo constituyen y desde dentro del tejido nacional continúan animando más violencia, más inequidad, impunidad y intolerancia".

O autor reafirma a gravidade do que Hobsbawn e depois Camacho denominaram Colombia Asesina. Para uma população de cerca de 30 milhões de habitantes, em duas décadas morreram 338.378 mil pessoas, por homicídios, correspondendo a 74.5 por 100.000 em 1995, enquanto no Brasil (também um país violento), as taxas foram de 17.4 por 100.000, no mesmo ano. Por outro lado, Saul desmitifica a idéia de tudo atribuir ao narcotráfico. Ele é um fenômeno real, mas potencializado pelos altos níveis de iniquidade e pelo imbricamento político-econômico dos diferentes interesses envolvidos em seu processo. Igualmente mostra que a impunidade endêmica e o autoritarismo cultural têm um peso fundamental no problema colombiano.

Além de um sério (por vezes cartesiano) cientista, Saul é também um reconhecido militante no campo da Saúde Pública, portanto, para ele, a Colombia é viável. Para ele, a superação das formas de violência que hoje aí se desenrolam implica numa prática de participação plena do Estado e da Sociedade com apoio da Comunidade Internacional, fundamentada numa vontade real de arriscar propostas inclusives não convencionais. É interessante retomar o título do trabalho: "El quinto: no matar". Muito se poderia discutir sobre o seu significado. Nele há força da expressão e economia de palavras. Porém, a nosso ver, esse nome de chamada parece evocar muito mais. É como se o autor, ainda que um inegável agente político e social, se sentisse impelido a invocar a força divina que entregou as tábuas da lei a Moisés, no Monte Sinai, ordenando a seu povo que considerasse a vida humana um bem inalienável, da ordem do sagrado e do intocável. Por tudo o que foi dito e por muito mais que o leitor encontrará, para quem trabalha com o tema da violência, a obra de Saul é fundamental, obrigatória e de referência.

Preventing Violence in America (Issues in Children's and Families'Lives, Vol. 4).Organizado por Robert L. Hampton, Pamela Jenkins e Thomas P. Gullotta. SAGE Publications, Thousand Oaks, 1996. 311 páginas.

Maria Cristina Feijó

Centro Latino-Americano de Estudos em Violência e Saúde "Jorge Careli", Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswldo Cruz, feijo@rio.nutecnet.com.br

Preventing Violence in America é leitura essencial para quem trabalha na área de saúde e se preocupa com a prevenção da violência. Este é o quarto de uma série de cinco volumes enfocando temas sobre a vida de crianças e suas famílias. Cada volume trata de um determinado tema e procura analisar, integrar e criticar a literatura clínica e a pesquisa no assunto.

O livro divide-se em três seções. A primeira, compondo-se de três capítulos, versa sobre o contexto social da violência, sendo o primeiro uma seleção de textos de Charles Dickens e Samuel Clemens (Mark Twain), ilustrando a presença da violência na literatura americana. Este capítulo pode ser pouco interessante para quem não está enfronhado com este tipo de literatura e seu vocabulário. A seção seguinte consiste de cinco capítulos, explorando temas na tentativa de entender aspectos populacionais da violência e possíveis fatores preventivos. Ilustrações de uma série de esforços que estão sendo empregados para reduzir a incidência da violência nos Estados Unidos é o tema da terceira seção, que é estruturada em cinco capítulos.

Um ponto alto do livro é o capítulo cinco, onde o autor discute temas que estão muito em voga: resiliência, fatores de risco e fatores protetores. O paradigma acerca da criança resiliente veio se modificando, desde a década de 50 até hoje, quando um novo paradigma aborda uma forma positiva de prevenção primária, envolvendo três elementos: prevenção, proteção e promoção. Esta visão trabalha em três dimensões interligadas - prevenindo possíveis problemas, protegendo os componentes saudáveis que já existem na pessoa e/ou grupo e promovendo potenciais e resistências que ainda não existem na pessoa ou no grupo. Strens (experiências que produzem crescimento) é um novo conceito lançado: existem na sociedade e na natureza muitas vivências que produzem crescimento, as quais devem ser introduzidas no trabalho com grupos ou com pessoas na prevenção da violência. É mais importante enfatizar este tipo de experiência do que lidar com os estresses, pois motiva mais as pessoas fazendo-as ver suas capacidades do que suas limitações.

Outro destaque é a importância do papel da espiritualidade, abordada no capítulo seis. Há um tabu acerca deste tema, principalmente entre os cientistas. Porém, não se pode negar os benefícios que a crença em um Ser Maior e em princípios éticos bem estruturados traz para afastar jovens e adultos de um comportamento violento. Quando os adultos estimulam os jovens a discutir assuntos controversos e com pontos de vista discordantes, como valores morais e fé, permitem, através de um processo dialético, que se promovam mudanças dentro do indivíduo e a criação de uma forma maior de crença. Não se discute aqui esta ou aquela religião, mas sim um sistema de crença que contenha a existência de alguma forma de poder maior, um quadro de referência que permita responder grandes questões da vida (quem eu sou; de onde eu vim), e um código de atitude e de comportamento.

O papel da mídia na promoção da violência é um assunto controverso, discutido de um ponto de vista mais positivo no capítulo sete e, de certa forma, contra-argumentado pelos autores do capítulo seguinte. A televisão pode ter um papel educativo e ensinar as crianças a desenvolverem um comportamento social positivo. Entretanto, o que se encontra mais comumente são programas e filmes que estimulam e ensinam comportamentos e táticas de violência. Dessa forma há que se concordar com Stephen Gardner e Hank Resnik, que utilizam a ilustração de um incidente em 1994, na Califórnia, quando um grupo de adolescentes que estavam assistindo ao filme Schindler's List vibrava entusiasmado ao assistir as cenas brutais de assassinato de judeus, para afirmar que os jovens de hoje estão mais embrutecidos pela constante exposição à violência através da mídia, tornando-se insensíveis e com falta de empatia para com o sofrimento humano.

O livro nos dá exemplos de modelos de prevenção já implementados e com resultados concretos, que funcionam com trabalho cooperativo e multidisciplinar. Um exemplo é o programa para prevenção de acidentes de trânsito, coordenado pelo Centro Nacional para Prevenção e Controle de Danos, do C.D.C. Este trabalho incluiu várias disciplinas, como epidemiologia, engenharia, ergonomia, biomecânica, educação, entre outras, utilizando novas tecnologias, como o cinto de segurança, para reduzir consideravelmente as taxas e os danos decorrentes de acidentes de trânsito.

Outro exemplo relatado é a Coalizão de Los Angeles, formada com três objetivos: reduzir a disponibilidade e o acesso a armas de fogo; mudar as regras da comunidade para evidenciar maior suporte para o comportamento não violento; criar e promover alternativas para a violência.

Uma abordagem escolar abrangente é o terceiro exemplo de programa de prevenção que vem surtindo bons resultados. Aqui os professores são treinados com novas metodologias de ensino e relacionamento com os alunos para prevenção e intervenção do comportamento violento. Neste programa está envolvida a participação dos pais e da comunidade.

A prevenção da violência é, sem dúvida, uma questão de Saúde Pública e passa por programas de educação dos pais, crianças e comunidade, assim como pelo treinamento de profissionais para uma atuação mais eficaz, integrada e abrangente.

É necessário trabalharmos nos níveis de prevenção primária, secundária e terciária e, nas palavras de Pamela Jenkins, repensarmos a visão de que a pessoa violenta é o outro, diferente de nós, a fim de que possamos harmonizar as relações familiares e comunitárias.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    1999
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