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Modelos de atenção básica nos grandes municípios paulistas: efetividade, eficácia, sustentabilidade e governabilidade

Models of primary health care in large cities in the State of São Paulo: effectiveness, efficaciousness, sustainability and governableness

Resumos

Dentro dos Estudos de Linha de Base do Proesf, a partir de uma extensa análise de dados secundários e entrevistas com os principais atores do sistema de saúde municipal, identificaram-se modelos de atenção básica e graus de efetividade, eficácia, sustentabilidade e governabilidade dos sistemas municipais de saúde e de atenção básica dos municípios paulistas com mais de 100 mil habitantes. O artigo apresenta e discute ainda os principais obstáculos externos e internos (setoriais) enfrentados para a estruturação da Atenção Básica nesses municípios. Os obstáculos externos são decorrentes do perfil de urbanização e de velhos e novos problemas sociais expressos em situações de extrema desigualdade inter e intramunicipais, sabendo-se que o seu enfrentamento depende de uma série de políticas públicas intersetoriais, principalmente, no campo social e do trabalho. Já os obstáculos internos ou setoriais são decorrentes da forma como se distribuem os serviços e as tecnologias em saúde e do padrão de organização dos serviços, cuja solução depende de políticas de saúde específicas voltadas principalmente para a problemática das regiões metropolitanas e para maior eficácia e sustentabilidade dos sistemas municipais e de atenção básica.

Atenção básica; Avaliação da atenção básica; Programa Saúde da Família (PSF); Sistemas municipais de saúde


Through an extensive analysis of secondary data and interviews (structured questionnaires) with the main actors in the municipal health system, the article identifies models of primary health care and degrees of effectiveness, efficaciousness, sustainability and governableness of the municipal health and primary health care systems of cities in the state of São Paulo with more than 100 thousand inhabitants. The article also presents and discusses the main external and internal (by sector) obstacles faced when structuring Primary Health Care in these municipalities. The external obstacles are mostly due to the urbanization profile and to old and new social problems expressed in situations of extreme inter and intramunicipal inequality, knowing that facing these obstacles depends on many intersectoral public policies, especially in the social and work fields. Meanwhile, the internal or sectoral obstacles are due to the way the health services and technologies are distributed and to the standard of organization of these services. The solution depends on specific health policies especially oriented towards problems in metropolitan regions and towards an increased effectiveness and sustainability of the municipal primary health care systems.

Primary health care; Basic care assessment; Family Health Program; Municipal health systems


ARTIGO ARTICLE

Modelos de atenção básica nos grandes municípios paulistas: efetividade, eficácia, sustentabilidade e governabilidade

Models of primary health care in large cities in the State of São Paulo: effectiveness, efficaciousness, sustainability and governableness

Ana Luiza d'Ávila VianaI; Juan S. Yazle RochaII; Paulo Eduardo EliasI; Nelson IbañezIII; Maria H. D. NovaesI

IDepartamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, USP. Av. Dr. Arnaldo 455, 2º andar, Cerqueira César, 01246-903 São Paulo SP. anaviana@usp.br

IIDepartamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

IIIDepartamento de Medicina Social, Faculdade de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo

RESUMO

Dentro dos Estudos de Linha de Base do Proesf, a partir de uma extensa análise de dados secundários e entrevistas com os principais atores do sistema de saúde municipal, identificaram-se modelos de atenção básica e graus de efetividade, eficácia, sustentabilidade e governabilidade dos sistemas municipais de saúde e de atenção básica dos municípios paulistas com mais de 100 mil habitantes. O artigo apresenta e discute ainda os principais obstáculos externos e internos (setoriais) enfrentados para a estruturação da Atenção Básica nesses municípios. Os obstáculos externos são decorrentes do perfil de urbanização e de velhos e novos problemas sociais expressos em situações de extrema desigualdade inter e intramunicipais, sabendo-se que o seu enfrentamento depende de uma série de políticas públicas intersetoriais, principalmente, no campo social e do trabalho. Já os obstáculos internos ou setoriais são decorrentes da forma como se distribuem os serviços e as tecnologias em saúde e do padrão de organização dos serviços, cuja solução depende de políticas de saúde específicas voltadas principalmente para a problemática das regiões metropolitanas e para maior eficácia e sustentabilidade dos sistemas municipais e de atenção básica.

Palavras-chave: Atenção básica, Avaliação da atenção básica, Programa Saúde da Família (PSF), Sistemas municipais de saúde

ABSTRACT

Through an extensive analysis of secondary data and interviews (structured questionnaires) with the main actors in the municipal health system, the article identifies models of primary health care and degrees of effectiveness, efficaciousness, sustainability and governableness of the municipal health and primary health care systems of cities in the state of São Paulo with more than 100 thousand inhabitants. The article also presents and discusses the main external and internal (by sector) obstacles faced when structuring Primary Health Care in these municipalities. The external obstacles are mostly due to the urbanization profile and to old and new social problems expressed in situations of extreme inter and intramunicipal inequality, knowing that facing these obstacles depends on many intersectoral public policies, especially in the social and work fields. Meanwhile, the internal or sectoral obstacles are due to the way the health services and technologies are distributed and to the standard of organization of these services. The solution depends on specific health policies especially oriented towards problems in metropolitan regions and towards an increased effectiveness and sustainability of the municipal primary health care systems.

Key words: Primary health care, Basic care assessment, Family Health Program, Municipal health systems

Apresentação

O presente artigo faz parte de uma série de estudos realizados no Brasil a partir do projeto desenvolvido pelo Ministério da Saúde "Monitoramento e Avaliação do Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (Proesf) para o Desenvolvimento de Estudos Avaliativos ­ Linhas de Base ­ de Municípios" (Estudo I) e "Estudo Amostral do Impacto do Proesf" (Estudo II).

O desenvolvimento deste estudo no Estado de São Paulo abarca os 62 municípios com mais de 100 mil habitantes e é desenvolvido pelo Consórcio Medicina USP, que agrega diferentes instituições como: a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão (Cealag), o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec), a Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Faepa), a Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCA), e a Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB).

As estratégias metodológicas desenvolvidas pelo estudo contemplam:

• Caracterização dos 62 municípios da pesquisa classificados segundo porte populacional e clusters.

• Análise do Financiamento e Gasto da Saúde e da Atenção Básica no período 2000/2004, classificados segundo porte populacional e cluster da pesquisa.

• Análise dos Projetos Proesf e dos Planos Municipais.

• Identificação e análise de modelos/estratégias de Atenção Básica e do Programa Saúde da Família (PSF) no Estado de São Paulo. Essa análise, feita por meio de entrevistas, aborda a percepção dos secretários Municipais de Saúde, diretores de Atenção Básica e do PSF e conselheiros Municipais de Saúde. Das respostas obtidas, foram compostos quatro indicadores: efetividade, eficácia, sustentabilidade e governabilidade.

• Aplicação de questionários com usuários e profissionais de unidades básicas e equipes de PSF em uma amostra de municípios previamente selecionados com base no cluster da pesquisa.

Este artigo visa apresentar os principais apontamentos (resultados) desse estudo (exceto o último item). Para isso está estruturado da seguinte forma: uma introdução que aborda as características do processo de urbanização e seus reflexos no sistema de saúde, focando o Estado de São Paulo. A segunda parte trata da avaliação dos 62 municípios segundo alguns indicadores selecionados feita a partir do porte populacional e clusters da pesquisa. A terceira parte deste artigo aborda os modelos de atenção básica e os indicadores de efetividade, eficácia, sustentabilidade e governabilidade, para 61 municípios do Estado de São Paulo. O município de São Paulo é um caso particular nesse universo, dado o seu porte populacional e, por isso, não consta dessa parte da análise. Finalmente, são apresentadas algumas considerações gerais sobre os resultados alcançados.

Introdução

A distribuição de municípios com mais de 100 mil habitantes é bastante desigual no território brasileiro, com evidente predomínio da região Sudeste perfazendo 51% do total desses municípios. Dentro da região Sudeste, a concentração destes municípios ocorre no Estado de São Paulo, onde existem atualmente 62 municípios com mais de 100 mil habitantes, que representam pouco mais de 9% do total de municípios, mas concentram 70% da população residente no Estado. É importante destacar que o município de São Paulo, que possui uma população superior a 10 milhões de habitantes, constitui um caso particular no universo desses municípios.

O Estado de São Paulo tem uma urbanização antiga e majoritariamente vinculada aos vetores mais modernos da produção industrial, dos serviços e do comércio. A difusão destes vetores e da nova mobilidade populacional foi acompanhada de uma urbanização corporativa1, sobretudo, nos municípios de maior porte populacional do Estado de São Paulo. Esse processo de urbanização resulta de um planejamento urbano que valoriza determinadas áreas nas cidades, em que o poder público privilegia os interesses corporativos, favorecendo, assim, a difusão seletiva dos investimentos nos lugares2.

Essa seletividade acaba por conformar uma modernização incompleta1, 3 do território, que não contempla todos os lugares e todos os agentes, ampliando as desigualdades socioespaciais. A urbanização corporativa vem tomando força desde as décadas de 1950 e 1960. Um dos maiores exemplos desse processo foi a política de habitação realizada pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), a partir de 1964, que impulsionou a especulação imobiliária com a seletividade dos investimentos urbanos (públicos e privados). Por conta disso, a população mais pobre se viu obrigada a mudar constantemente para as áreas menos valorizadas pelo poder público, porque menos dotada das infra-estruturas e serviços urbanos essenciais1. O processo acelerado de favelização, a partir das décadas de 1970 e 1980, é uma das expressões mais visíveis da grave crise urbana, que se acirra a partir desse período.

São os municípios com mais de 100 mil habitantes no Estado de São Paulo que vão expressar de forma mais intensa essa urbanização corporativa. Como alerta Maria Adélia de Souza4, "a cidade, então, não mais desempenha funções, mas realiza contradições". É com essas contradições atuais, em todos os âmbitos da vida urbana e metropolitana, que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem de lidar para poder cumprir com o objetivo de universalização e da integralidade da atenção à saúde.

Desafios impostos à organização da atenção básica nos grandes centros urbanos

Apesar da maior disponibilidade de oferta de serviços de saúde nos grandes centros urbanos, particularmente os de média e alta complexidade, observam-se limitações quanto à qualidade e capacidade de resposta dos serviços, tornando complexa a organização da atenção básica. Além disso, é importante destacar que a implantação do PSF nos grandes municípios tem sido realizada em um quadro muito complexo diante da magnitude e diversidade de situações de pobreza e desigualdades sociais a que está exposta grande parte da população dessas localidades. São populações que convivem cotidianamente com altos índices de exclusão do acesso aos serviços de saúde, dentro de uma rede assistencial que, na maioria das vezes, encontra-se desarticulada, mal distribuída, mal-equipada, entre outros aspectos.

De fato, Marques5 destaca que a segregação, a pobreza e a desigualdade social constituem elementos que caracterizam os espaços periféricos das grandes cidades, constituindo realidades complexas e heterogêneas. Ao mesmo tempo, os processos de segregação e as desigualdades sociais no espaço se encontram imbricados, distribuindo desigualmente os benefícios da urbanização e criando incentivos para que as ações dos vários produtores urbanos repitam e reforcem esses processos ao longo do tempo. Como resultado, observa-se a superposição de problemas e a redução de oportunidades em certas regiões dos grandes centros urbanos.

Analisando a relação entre o PSF e a dinâmica urbana das grandes cidades, Bousquat et al.6 mostram que o programa, ao ser introduzido nos grandes centros, defronta-se com uma nova realidade que lhe impõe desafios e constrangimentos. Mas impõe também vantagens em relação à sua implementação nos municípios de médio e pequeno porte. Apontam esses autores que, nas grandes cidades, o setor saúde apresenta algumas peculiaridades que exercem influência decisiva sobre as possibilidades de organização da atenção básica nesses espaços.

Dentre estas peculiaridades, destacam-se: a existência de importante mix público-privado no setor saúde, com destaque para o setor privado lucrativo, que atende parcela considerável da população e mobiliza grandes volumes financeiros; a disponibilidade de tecnologia material moderna nos procedimentos médicos, resultando em pressão no acesso aos exames e na estrutura de financiamento do setor saúde; a política de repasse de recursos para o PSF, que prioriza os municípios de pequeno porte ao vincular o valor transferido à taxa de cobertura do programa, dificultando o financiamento do programa nas grandes cidades; e a violência urbana, que repercute no cotidiano das equipes de saúde da família, contribuindo para elevar a rotatividade profissional.

A dificuldade na implantação do PSF nas grandes cidades pode ser observada mais nitidamente quando se analisa a evolução da cobertura do programa entre 1998 e 2003 para o Brasil, as regiões metropolitanas e, isoladamente, os municípios com mais de 500 mil habitantes. Embora a crescente expansão da população cadastrada se mostre como tendência, fica evidente o ritmo mais lento desta evolução na situação das grandes cidades, que começa a se alterar nos últimos anos, indicando nova tendência para acelerar-se. Certamente esta mudança decorre da opção política pela implementação do PSF como tática estruturante da atenção básica no município de São Paulo, levada a cabo pela administração paulistana no período 2001-20027. Recorde-se que em dezembro de 2003 este município respondia por cerca de 21% de toda população cadastrada no PSF nas 34 maiores cidades brasileiras (mais de 500 mil habitantes). Outro aspecto a ser ressaltado é a diferença entre as coberturas nas regiões metropolitanas como um todo e nas grandes cidades, havendo sempre superioridade destas sobre aquelas. Isto sugere que, em geral, a implantação do PSF tem ocorrido de forma mais rápida nas cidades periféricas das regiões metropolitanas e não nas cidades sede.

Avaliação dos grandes centros urbanos paulistas a partir de alguns indicadores selecionados

Os 62 municípios da pesquisa foram classificados segundo diferentes portes populacionais, sendo possível visualizar como esses diferentes extratos podem apresentar características muito diversas quanto ao comportamento dos indicadores selecionados. A tabela 1 identifica os portes e os números de municípios incluídos em cada faixa, com respectiva população.

O indicador renda média mensal do responsável pelo domicílio particular permanente apresenta grande diversidade. Os dados mostram que os cinco municípios que possuem as menores rendas médias (o menor valor constatado foi de 3,37 salários mínimos) pertencem todos à Região Metropolitana (RM) de São Paulo. Já os rendimentos maiores médios (o maior valor constatado foi de 11,34 salários mínimos), com exceção de um município, são pólos de Regiões Metropolitanas.

Seguindo a análise sobre a renda, um indicador importante é a razão de dependência que significa, segundo o IBGE, a razão entre a população inativa (0 a 14 anos e 65 anos ou mais de idade) e a população potencialmente ativa (entre 15 e 64 anos de idade). Quanto menor a razão de dependência, menor é a parcela da população (crianças e idosos) dependente das condições de renda da outra parcela economicamente ativa.

Para o conjunto dos 62 municípios, a razão de dependência é de 45,4%, inferior à média nacional (51,1%), à média da região Sudeste (46,4%) e à média do Estado de São Paulo (46,2%), revelando uma situação mais favorável nesses municípios, isto é, mais do dobro da população potencialmente ativa em relação a dependentes (crianças e idosos). Nos municípios com mais de 100 mil habitantes, foco desse estudo, a razão de dependência oscila de 40,8% (a mais baixa) até 53,2% (a mais alta). A análise por porte populacional mostra que os municípios dos portes 3 e 4 são os que apresentam as razões de dependência mais baixas, o que pode sugerir a existência de uma relação entre o porte do município e sua razão de dependência. De todo o modo, não há grandes diferenças entre os grupos de porte populacional.

Essa análise remete, também, à situação do desemprego. Por exemplo, em agosto de 2005, a Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação Seade estimou a taxa de desemprego total em 17,1% da população economicamente ativa para a Região Metropolitana de São Paulo.

Para abordar a questão da habitação na caracterização dos municípios de grande porte do Estado de São Paulo recorreu-se à variável "domicílios improvisados" do Censo Demográfico IBGE 2000. Apesar de não ser a variável ideal para caracterizar a precariedade da habitação, optou-se por utilizá-la, pois as informações sobre favelas e cortiços da Fundação Seade não estão disponíveis para todos os municípios.

Existem disparidades entre os municípios estudados e as porcentagens de domicílios improvisados em relação ao total de domicílios. Estas porcentagens variam de 0,10% a 1,52%. Entre os municípios com mais de 100 mil habitantes, 75,81% do total apresentam percentuais de domicílios improvisados iguais ou inferiores à média do Estado (0,40%). No entanto, é significativa a proporção de municípios com percentuais superiores a 0,40%: 24,19% do total, sendo que 11 municípios apresentam um percentual elevado de domicílios improvisados, acima de 0,50%.

Outro indicador muito significativo para a análise dos 62 municípios é o coeficiente de mortalidade por causas externas, que mostra uma relação direta do aumento da violência com o fato de os municípios estarem localizados nas regiões metropolitanas.

A Fundação Seade aponta que, em 2003, este coeficiente para o Estado de São Paulo foi de 57,35 por 100 mil habitantes; já para os 62 municípios analisados, foi de 59,72 por 100 mil habitantes. Quatro municípios da RM de São Paulo e um município da RM da Baixada Santista apresentam coeficientes acima de 85 por 100 mil habitantes, evidenciando que a violência constitui importante problema nos municípios periféricos das regiões metropolitanas. Não por acaso, esses mesmos municípios possuem piores indicadores socioeconômicos, fazendo com que a população que neles reside esteja exposta a uma intensa cumulatividade de riscos e situações negativas.

Para a análise dos municípios em relação à capacidade instalada foram selecionados os seguintes indicadores: número das Unidades Básicas de Saúde (UBS); número de leitos SUS e leitos em hospitais públicos e privados, que foram obtidos da Fundação Seade e do Datasus, para os anos de 2002 e 2003. Foram consideradas Unidades Básicas de Saúde (UBS) no Brasil, na região Sudeste e em São Paulo a soma das Unidades de Saúde da Família e os Centros de Saúde, a partir das informações do banco de dados do Sistema de Saúde.

A relação de UBS por 100 mil habitantes, para o Estado de São Paulo (8,18), é inferior à do Brasil (14,95) e da região Sudeste (12,27). Os municípios com maior porte populacional do Estado de São Paulo têm os menores índices. Há um aumento gradativo desta relação conforme diminui o porte populacional dos municípios. Já com relação ao número de leitos SUS, nos 62 municípios, verifica-se uma variação de 0,1 por mil habitantes até 24,7 por mil habitantes. A maior variação observada foi no porte populacional 1.

De acordo com Ibañez & Spinelli8, regiões com alta concentração de leitos possibilitam a concentração de médicos, o que favorece, entre outras coisas, a oferta de serviços de saúde. Nos municípios de grande porte do Estado de São Paulo, o maior número de hospitais se concentra no porte populacional 4, onde mais de 50% são hospitais públicos. Esta situação sugere a existência de certa divisão social do trabalho na área da saúde, na medida em que municípios maiores atuam como centro de referência regional de procedimentos especializados e mais complexos.

Assim como nos demais grandes centros urbanos brasileiros, os dados sobre capacidade instalada ambulatorial e hospitalar nos municípios paulistas com mais de 100 mil habitantes indicam um perfil de predominância de unidades ambulatoriais públicas (varia de 78,75% a 90,91%) e de leitos privados (varia de 2,22 a 0,42 por mil habitantes).

A análise da capacidade institucional foi feita considerando o desempenho em cinco dimensões: planejamento municipal, instrumentos de gestão urbana, articulações interinstitucionais, informatização, partidos políticos do prefeito e conselho municipal de saúde (para essa finalidade, foram utilizados dados da Pesquisa de Informações Municipais ­ Gestão urbana do IBGE, 2002). Verifica-se que os municípios de maior porte populacional (grupos 3 e 4) são os que apresentam o melhor desempenho no indicador que sintetiza todas essas dimensões da análise da capacidade institucional. Isso significa que esses municípios apresentam condições mais favoráveis para implementar políticas públicas, na medida em que possuem maior capacidade institucional para formular e executar diferentes tipos de intervenções.

A análise sobre a cobertura dos programas de atenção básica mostra que, em 2004, o Programa Saúde da Família (PSF) estava implantado em 54 dos 62 municípios analisados, sendo que 33 municípios possuíam também o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs). Somente 5 municípios não contavam com PSF ou Pacs em 2004. Cabe destacar que houve aumento progressivo no número de municípios que possuíam os dois programas implantados conjuntamente, tendo passado de 17, em 2000, para 33, em 2004. Já os dados relativos à cobertura do PSF indicam que aproximadamente 15% da população residente nos grandes centros urbanos encontra-se coberta pelo programa. Apesar do aumento da cobertura do PSF nos municípios paulistas com mais de 100 mil habitantes, entre os anos de 2000 e 2004, trata-se de uma cobertura bastante inferior à média nacional.

Para a avaliação da cobertura do PSF, a correlação mais significativa se deu a partir do indicador de riqueza, um dos componentes do Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS). O IPRS, produzido pela Assembléia Legislativa de São Paulo e Fundação Seade, preserva três dimensões consideradas pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), proposto pelo PNUD9: renda, escolaridade e longevidade. O IPRS permite classificar os 645 municípios do Estado de São Paulo em grupos homogêneos segundo sua riqueza municipal, escolaridade de seus moradores e suas condições de saúde. Cada uma destas três dimensões relaciona determinados indicadores sintéticos.

A análise conjunta da cobertura do PSF com o IPRS dos 62 municípios mostrou que a dimensão da riqueza tem relação mais direta com o comportamento dos dados sobre a cobertura do Programa. De acordo com a Fundação Seade, a dimensão de riqueza do IPRS aborda os seguintes indicadores sintéticos: consumo de energia elétrica (residencial, na agricultura, no comércio e serviços), remuneração média dos empregados (com carteira assinada e do setor público) e valor adicionado fiscal per capita. Nota-se que, quanto maior a porcentagem de cobertura do PSF, menor é o indicador de riqueza do IPRS no município, reforçando a idéia de que nesses municípios a clientela do SUS é proporcionalmente maior.

Aprendizado institucional, maturidade do PSF

A variável "aprendizado institucional"10 foi definida a partir da trajetória de habilitação do município no SUS, levando-se em consideração a quantidade de habilitações; a habilitação qualificada (habilitação na modalidade mais qualificada da NOB 01/93); o tempo de habilitação (total e em GPSM); e a ocorrência de desabilitação. Esses parâmetros implicaram a definição de quatro categorias: alto, médio, baixo e nenhum aprendizado institucional.

A distribuição dos municípios paulistas com mais de 100 mil habitantes por aprendizado institucional mostra que 53,2% dos municípios apresentavam, em 2003, nenhum ou baixo aprendizado institucional, e apenas 17,7% estavam classificados no nível mais elevado de aprendizado institucional. Os municípios dos portes 3 e 4 (mais de 500 mil habitantes) são aqueles que possuem comparativamente maior aprendizado institucional (33,3%), ao passo que 60% dos municípios do porte 1 (de 100 mil até 200 mil habitantes) apresentam nenhum ou baixo aprendizado institucional. Esses dados mostram que a trajetória de habilitação desses últimos municípios no SUS tende a ser mais incipiente do que a trajetória dos municípios de maior porte.

Outro indicador analisado foi o de "maturidade do PSF"11, que é uma variável definida por dois eixos: tempo de implantação do PSF no município e variação do número de equipes ao longo do período de existência do programa. O indicador de maturidade do PSF revela que somente 1/4 dos municípios paulistas com mais de 100 mil habitantes possuía o programa implantado há mais de 5 anos em 2003, ao passo que 13% dos municípios haviam implantado o programa há menos de um ano.

Quando se leva em consideração, conjuntamente, a maturidade do PSF e a adesão dos municípios ao Proesf, observa-se, que o PSF constitui um programa de implantação recente na maior parte dos municípios analisados e que a maioria dos grandes centros urbanos paulistas, com PSF implantado de 1 a 4 anos, com igual ou aumento no número de equipes, aderiu ao Proesf. Entre os que não aderiram, destacam-se aqueles que possuem o PSF implantado de 1 a 4 anos com decréscimo no número de equipes, PSF implantado há mais de 5 anos e, ainda, aqueles municípios cuja maturidade do PSF não foi informada. A análise por porte populacional mostra que os municípios que não aderiram ao Proesf pertencem principalmente aos grupos 1 e 2 ­ até 500 mil habitantes. Destacam-se, positivamente, nessa trajetória de maturidade do PSF, os municípios do porte 1 (de 100 mil a 200 mil habitantes).

Clusters da pesquisa

A criação dos 6 clusters da pesquisa representa justamente uma tentativa de agrupar os diferentes municípios em função de aspectos semelhantes, possibilitando analisá-los de forma diferenciada. Os clusters são agregações de municípios homogêneos considerando-se duas variáveis: o grupo do Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) a que pertence o município em 2002 e a quantidade da produção ambulatorial apresentada pelo município para o ano de 2004, segundo a complexidade.

A análise do comportamento dos municípios dentro do IPRS mostrou que a dimensão da riqueza não os diferencia em sua maioria. Pôde-se verificar que 88% dos municípios se encontram nos grupos 1 e 2 do IPRS, que se caracterizam por apresentar a riqueza municipal alta e indicadores sociais (escolaridade e longevidade) bons no grupo 1 e mais desfavoráveis no grupo 2. Assim, definiu-se que os municípios seriam agrupados em duas categorias, considerando-se somente os indicadores sociais (escolaridade e longevidade) mais favoráveis (grupos 1 e 3) e menos favoráveis (grupos 2, 4 e 5). Para tanto, foram utilizadas duas categorias, agregando-se os grupos 1 e 3 para formar a primeira e os grupos 2,4 e 5, para formar a segunda (Tabela 2).

A partir da combinação dos indicadores anteriormente descritos relacionados à quantidade da produção ambulatorial do SUS (apresentada por município, para o ano de 2004, disponibilizada pelo Datasus, segundo a complexidade dos procedimentos), foram elaborados os 6 clusters da pesquisa. A tabela 3 mostra a posição dos 62 municípios nos clusters da pesquisa dentro dos 4 portes populacionais definidos.

Diante da presente análise por cluster, alguns aspectos merecem destaque. A grande maioria dos municípios com indicadores sociais menos favoráveis (cluster 1, 2 e 3) está localizada em regiões metropolitanas, independentemente da complexidade da produção ambulatorial. Nos clusters 2 e 3 nenhum dos municípios possui cobertura do PSF acima de 50%. Ao mesmo tempo, o cluster 2 possui os municípios de maior aprendizado institucional no âmbito SUS.

O PSF centrado nas consultas realizadas nas Unidades de Saúde da Família constitui um modelo predominante apenas nos municípios do cluster 4. Aqui também estão as maiores coberturas do PSF, assim como ocorre no cluster 5 e 6. Na maioria dos municípios do cluster 5, o PSF é incipiente ou residual, ao mesmo tempo em que o programa está implantado há mais tempo. No entanto, a maioria dos municípios deste cluster possui a menor cobertura da atenção básica, assim como ocorre no cluster 6. Todos os municípios do cluster 6 são pólos microrregionais, regionais ou ambos, e atendem municípios satélites. Este cluster, assim como o cluster 3, destaca-se por abrigar os três municípios do porte populacional 4 (com mais de um milhão de habitantes).

Apesar da dificuldade em analisar municípios com condições tão heterogêneas, é possível apontar algumas tendências importantes. A primeira delas evidencia a necessidade de organizar a atenção básica em um conjunto de municípios que possuem produção ambulatorial de alta complexidade, produção e cobertura hospitalar elevadas. São municípios em que o PSF encontra grande dificuldade para se afirmar como modelo prioritário de atenção.

Por outro lado, é possível verificar a existência de municípios com menor capacidade institucional e que possuem grandes deficiências quanto à oferta de serviços de saúde em seus territórios, configurando sistemas pouco estruturados e dependentes do atendimento de outros municípios. São municípios de menor porte populacional, localizados em regiões metropolitanas, com piores indicadores sociais e baixas coberturas do PSF.

Em ambos os casos a implantação do PSF tem sido realizada dentro de um quadro muito complexo, em que se destacam aspectos exógenos à política de saúde e internos ao setor, relacionados ao contexto mais amplo e/ou mais afeitos ao cenário local. De fato, a magnitude e diversidade das situações de pobreza e desigualdades sociais a que está exposta grande parte da população dos grandes centros urbanos, principalmente, aqueles situados nas regiões metropolitanas, representam desafios adicionais ao processo de implementação da estratégia de "saúde da família", pois são localidades que se caracterizam pelos altos índices de exclusão do acesso aos serviços de saúde.

Ao mesmo tempo, é preciso considerar o grau de articulação da rede assistencial desses municípios, assim como sua distribuição espacial, pois são aspectos que condicionam a capacidade resolutiva das equipes diante dos agravos e problemas de saúde mais comuns da população sob suas responsabilidades. Esse tema está relacionado com as condições de infra-estrutura e adequação tecnológica das unidades básicas de saúde e dos serviços de referência para apoio diagnóstico e de assistência de maior complexidade.

Por fim, destaque-se que a inserção de ações programáticas no campo da atenção, com inclusão transversal do enfoque de promoção da saúde e a disponibilidade de recursos humanos com perfil adequado para o exercício deste novo modelo, constituem dois outros importantes desafios para a organização da atenção básica nesses municípios.

Modelos de atenção básica, efetividade, eficácia, sustentabilidade e governabilidade dos sistemas municipais de saúde e de Atenção Básica

A pesquisa realizou entrevistas (questionários estruturados) com secretários Municipais de Saúde e diretores de Atenção Básica/PSF nos municípios. Foram selecionadas questões integrantes das dimensões político-institucional, organização da atenção e integralidade do cuidado, de forma a compor os indicadores de efetividade (expressa questões referentes à integralidade do cuidado e práticas na oferta de serviços); eficácia (expressa questões referentes à organização da atenção, especificamente, práticas de gestão); sustentabilidade (expressa questões referentes às dimensões político-institucional e de organização da atenção) e governabilidade (dimensão político-institucional).

A seguir são apresentados os indicadores descritos e as relações entre eles.

Modelos de atenção básica

Para identificar os modelos de atenção básica privilegiou-se a identificação do tipo de produção ambulatorial realizada pelo município (extraídas do banco de indicadores da atenção básica da pesquisa). Para tanto, trabalhou-se com um conjunto de nove variáveis que expressam a produção ambulatorial básica do município, a cobertura do sistema de atenção básica, o Programa de Saúde da Família (PSF) e a existência de procedimentos especializados. O ano utilizado no estudo foi 2002. As variáveis escolhidas para o estudo estão descritas no quadro 1.


Nesse conjunto de variáveis foi aplicado um modelo estatístico de análise fatorial que explicou 81% da variabilidade dos dados a partir de três fatores (Tabela 4). Desses resultados tem-se que: o primeiro fator pode ser interpretado como a Importância da Produção Ambulatorial Básica no Sistema de Saúde Local, o segundo como a Cobertura de Consultas Médicas e o terceiro a Importância do PSF para o Sistema de Atenção Básica Local.

A partir dos escores fatoriais gerados, foi realizada uma análise de agrupamentos (Cluster Analysis) que gerou quatro grupos com distintos perfis em termos da produção ambulatorial. São eles:

Grupo 1 ­ Centrada na atenção básica em unidades públicas: engloba 13 municípios, onde quase 70%, em média, da produção ambulatorial consiste em atenção básica, sendo que 80% dessa produção é realizada em unidades públicas de saúde. A totalidade de seus municípios possui menos de 500 mil habitantes e quase todos se localizam no interior do Estado. São heterogêneos em termos das condições de vida de suas populações.

Grupo 2 ­ Centrada na atenção básica e em procedimentos especializados: com 19 municípios, caracteriza-se por registrar na sua produção, além da atenção básica, a presença de procedimentos especializados ­ exames de patologia clínica e radiodiagnóstico. Desses municípios apenas dois possuem mais de 500 mil habitantes, e com exceção de um município, todos se situam no entorno do município de São Paulo ­ Região Metropolitana de São Paulo, Litoral e região de Campinas. A maior parte de seus componentes apresenta indicadores sociais ruins quando comparados aos demais municípios do Estado.

Grupo 3 ­ Centrada na atenção básica com ênfase no PSF: com 7 municípios, que se caracterizam pela presença do PSF na sua produção ambulatorial. Desses municípios apenas um possui mais de 200 mil habitantes, e com exceção de dois, todos se situam no interior do Estado. A maioria apresenta bons indicadores sociais.

Grupo 4 ­ Diversificada: com 22 municípios, que se caracterizam por apresentar mais da metade de sua produção ambulatorial consistindo em procedimentos de média e alta complexidade e forte presença de rede privada de unidades de saúde. Portanto, um sistema de saúde mais complexo. É formado por municípios que se caracterizam por serem pólos regionais, ou que se localizam próximos aos grandes centros urbanos do Estado. Heterogêneos em relação aos indicadores sociais.

O gráfico 1 aponta a distribuição dos municípios nos grupos acima referidos.


Como pode ser visto, nos municípios onde predomina a alta e média complexidade se destaca o modelo de produção diversificada; nos com indicadores sociais mais favoráveis e menor porte populacional (100 a 200 mil habitantes), o modelo centrado na atenção básica com ênfase no PSF.

Efetividade

Para a mensuração da efetividade do sistema de atenção básica do município consideraram-se duas dimensões: o Acesso às ações da Atenção Básica/PSF e a Integralidade do Serviço, ou seja, se a população referenciada tem assegurado o atendimento. Desses dois componentes construiu-se o indicador de Efetividade que aponta três tipos de municípios: Não Tem Integralidade Nem Acesso, Tem Integralidade ou Acesso Universal e Tem Integralidade e Acesso Universal. O quadro 2 apresenta os componentes do indicador.


Cada um dos tipos de municípios criados, a partir do cruzamento entre os dois componentes apresentados no quadro 3, pode ser descrito como:


Não tem integralidade e nem acesso: englobando 17 municípios dos quais quase a metade apresenta uma produção ambulatorial Diversificada (Grupo 4 de modelo de AB). Em sua maioria apresentam indicadores sociais menos favoráveis que os demais municípios estudados (Gráficos 2 e 3).



Tem integralidade ou acesso universal: com 26 municípios que se caracterizam por apresentar um modelo centrado na AB (Grupos 1, 2 e 3 de modelo de AB). Heterogêneos em termos de indicadores sociais e em sua maioria possuem menos de 500 mil habitantes (Gráficos 2 e 3).

Tem integralidade e acesso universal: constituído por 12 municípios que se caracterizam por apresentar uma produção ambulatorial centrada na atenção básica, porém mais diversificada do que os municípios classificados como tendo Integralidade ou acesso universal. Heterogêneos em termos de indicadores sociais, todos possuem menos de 500 mil habitantes (Gráficos 2 e 3).

Eficácia

Em relação às práticas de gestão para a organização da atenção à saúde, a eficácia do Sistema Municipal de Saúde foi mensurada por meio da existência de planejamento e programação das ações de saúde, das características dos sistemas de informação, dos mecanismos de avaliação e monitoramento utilizados, além das estratégias utilizadas para controle e regulação. A partir desse enfoque foram criados quatro indicadores que expressam a eficácia da gestão municipal para a Atenção Básica de Saúde. São eles:

Planejamento e Programação Municipal de Saúde: englobando os tipos de agentes responsáveis pelas atividades de planejamento e programação e os instrumentos municipais de planejamentos utilizados como Plano Diretor, Plano Plurianual e outros.

Características do Sistema de Informação: composto pelo tipo e adequação às necessidades do gestor dos sistemas de informações de gestão da atenção básica existentes na SMS.

Mecanismos de Monitoramento e Avaliação: englobando basicamente a existência de instrumentos e indicadores de monitoramento e avaliação da atenção básica e os tipos de instrumentos utilizados.

Estratégias de Controle e Regulação: essa dimensão é composta essencialmente pela existência de auditorias e avaliação dos contratos dos prestadores de serviços terceirizados.

O quadro 3 apresenta os componentes de cada um desses indicadores.

A distribuição dos 61 municípios (Gráfico 4) nesses quatro indicadores mostra que:


• A maior parte dos municípios realiza o planejamento das ações de saúde juntamente com outras Secretarias; apenas seis declararam realizar esse planejamento só com técnicos da SMS. A presença de ONG's nesse processo ainda é pequena. Sobre a utilização de instrumentos auxiliares para o planejamento, a maioria dos municípios os utiliza.

• Dos 61 municípios, 25 declararam não utilizar nenhum sistema de informação para a gestão. Entre aqueles que utilizam esses tipos de sistemas apenas em 16 municípios são informatizados e permitem a disponibilização da informação.

• A maioria dos municípios possui algum sistema de monitoramento e avaliação, apenas seis declararam não realizar tais procedimentos. Da mesma forma, a realização de controles e auditorias, em que somente 9 municípios declararam não realizá-los.

A partir de um modelo estatístico de análise fatorial utilizando-se quatro indicadores ­ Planejamento, Sistema de Informação, Monitoramento e Avaliação e Controle e Regulação ­ chegou-se a dois grandes eixos que expressam a eficácia da gestão: a primeira de ordem organizacional, uma vez que é composta pela existência do planejamento das ações juntamente com estratégias de controle e regulação; a segunda expressa os mecanismos de avaliação, relacionando-se com a existência de procedimentos de monitoramento das ações e organização das informações produzidas pelo sistema de saúde do município.

A partir desses resultados, construiu-se um indicador sintético de eficácia da gestão formado por duas dimensões: Capacidade de Organização e Capacidade de Avaliação, criando-se quatro grupos de municípios. Os grupos de municípios segundo o indicador de eficácia da gestão podem ser descritos como:

Grupo 1 ­ Capacidade de organização e de avaliação baixa: engloba 18 municípios, cuja maioria possui menos de 200 mil habitantes e a totalidade menos de 500 mil. A maioria possui um sistema de saúde de baixa e média complexidade e não apresenta bons indicadores sociais.

Grupo 2 ­ Capacidade de organização alta e de avaliação baixa: engloba 13 municípios, cuja maioria possui menos de 200 mil habitantes e apenas um tem população acima de 500 mil pessoas. São heterogêneos em relação à complexidade do sistema de saúde e não apresentam bons indicadores sociais.

Grupo 3 ­ Capacidade de organização baixa e de avaliação alta: engloba 15 municípios com mais da metade possuindo mais de 200 mil habitantes e apresentando um sistema de saúde de média e alta complexidade. Em termos de indicadores sociais apresentam bons resultados em comparação com os demais municípios.

Grupo 4 ­ Capacidade de organização alta e de avaliação alta: engloba 15 municípios com a maioria possuindo mais de 200 mil habitantes e apresentando um sistema de saúde de média e alta complexidade. Em termos de indicadores sociais apresentam bons resultados em comparação com os demais municípios. Diferencia-se do Grupo 3 por apresentar municípios mais populosos.

Comparando-se esses grupos de municípios com o indicador de efetividade, observa-se que os municípios com baixa capacidade de organização e de avaliação não apresentam bons resultados, em termos de efetividade, classificando-se majoritariamente na categoria de Não Integralidade e sem Acesso Universal. Já aqueles que têm uma maior capacidade de organização e avaliação se mostram mais efetivos (Gráfico 5).


Sustentabilidade (Estrutura)

A avaliação da capacidade estrutural (sustentabilidade) dos sistemas municipais de saúde e de atenção básica dos municípios deu-se por meio de três componentes analíticos:

Autonomia: do diretor de Saúde em relação aos recursos orçamentários e seu gerenciamento, a contratação e seleção dos recursos humanos e a interlocução com outras secretarias e órgãos governamentais.

Qualificação profissional da equipe técnica: expressa pelo nível de escolaridade e especialização dos profissionais envolvidos na coordenação.

Estabilidade da equipe técnica: expressa pelo tempo no cargo dos profissionais envolvidos na coordenação.

A partir desses três eixos foi operacionalizado o indicador de sustentabilidade, que possui seis categorias (Tabela 5).

Os resultados mostram que para os 56 municípios nos quais foi possível criar o indicador, em 13 o diretor de Saúde não possuía autonomia no gerenciamento do sistema ou possuía pouca autonomia. Dos municípios restantes, apenas 4 apresentavam a melhor situação em termos de estrutura: um sistema autônomo, com profissionais qualificados e com estabilidade. Em termos de qualificação, 33 municípios apresentavam nas equipes profissionais qualificados.

Em relação ao porte populacional, como era de se esperar, os municípios menores possuem menos autonomia e estabilidade ou menor qualificação (Gráfico 6). Quanto à complexidade do sistema de saúde, novamente se observa que, nos municípios que apresentam um sistema de baixa ou média complexidade, há menos autonomia e mais profissionais com pouca estabilidade no cargo. Porém, mesmo nos municípios com sistemas mais complexos a falta de estabilidade dos profissionais da coordenação é um fator presente (Gráfico 7). Em termos das condições sociais dos municípios, observa-se que aqueles com indicadores sociais menos favoráveis apresentam menor sustentabilidade (Gráfico 8).




Entre os municípios classificados como não tendo acesso universal e nem integralidade, observa-se a maior presença de profissionais qualificados. Por outro lado, os com acesso universal e integralidade apresentam menor autonomia. Esses resultados provavelmente refletem a complexidade do sistema de saúde (Gráfico 9). Já em relação à eficácia, observa-se uma heterogeneidade dos municípios segundo a sustentabilidade da atenção básica (Gráfico 10).



Governabilidade

O indicador de governabilidade refere-se à questão dos conflitos entre o secretário municipal de Saúde e os demais agentes envolvidos, direta e indiretamente, no Sistema de Saúde. Os agentes considerados foram: o Conselho Municipal de Saúde, a Câmara Legislativa, os trabalhadores municipais de saúde, os prestadores de serviços, a Secretaria Estadual de Saúde, o Ministério da Saúde e o Ministério Público. A distribuição dos municípios segundo essas categorias, apresentada na tabela 6, mostra que a maioria dos secretários declarou não ter conflito com os agentes considerados.

O indicador de governabilidade expressa o número de conflitos existentes, sem diferenciar o tipo de agente. A sua distribuição mostra que, do total de municípios considerados, 27 declararam não possuir nenhum conflito; 20, um conflito e 12, mais de um. Os municípios com sistemas de saúde mais complexos (média e alta complexidade) declararam possuir menos conflitos do que os maiores. Da mesma forma os que apresentam indicadores sociais mais favoráveis (Gráfico 11).


Entre os municípios que não têm integralidade e nem acesso universal, observa-se maior presença de conflitos; da mesma forma, entre os que apresentam planejamento e controle e sistema de informação e monitoramento baixos e Modelos de AB diversificado (Gráfico 12).


Em relação à sustentabilidade, a maior presença de conflitos se relaciona com a pouca estabilidade da equipe de coordenação da Atenção Básica (Gráfico 13).


Considerações finais

Pode-se afirmar que convivem dois tipos de obstáculos para reorganizar a atenção básica nos municípios pesquisados: o primeiro, de natureza estrutural, decorrente do perfil de urbanização, agravado pelas novas condições sociais criadas pelo padrão de crescimento e desenvolvimento das áreas urbanas. O segundo, de natureza setorial, decorrente tanto da forma como se distribuem os serviços e as tecnologias de saúde, quanto dos padrões de organização dos serviços e das ações de saúde.

Em relação ao primeiro tipo de problema, podemos ver como eles se concentram nas áreas metropolitanas e impactam o desempenho dos sistemas municipais de saúde e de atenção básica. Cabe observar como a ausência prolongada de políticas de saúde específicas para áreas metropolitanas, tanto do nível federal quanto estadual, possivelmente agrava esse quadro, pois o último grande programa para a Região Metropolitana de São Paulo foi o Programa Metropolitano de Saúde, nos anos 80 (voltado para a expansão da capacidade física e a adoção de um novo modelo de saúde12. Porém, na verdade, a complexidade das áreas metropolitanas requer intervenções intersetoriais de forma a criar ações sinérgicas e cumuladas sobre as populações mais vulneráveis e que combata de forma mais eficaz a grande exposição aos diferentes tipos de riscos aos quais estão sujeitas as populações dessas localidades. O PSF talvez possa contribuir para estimular essa integração, em virtude das próprias características do programa ­ voltado para comunidades específicas e atendido por um profissional com grande inserção na problemática social, como é o agente comunitário de saúde. Nesse universo, dificilmente modelos mais coesos e efetivos de Atenção Básica poderão ser implantados sem que haja uma melhor sinergia entre políticas sociais universais e de combate às situações de extrema vulnerabilidade.

As características do processo de descentralização na saúde (tanto do ponto de vista da passagem de equipamentos, recursos humanos e tecnologias, quanto da criação de novas capacidades institucionais pelos municípios na área da gestão da saúde, o que se evidencia pelo predomínio de um baixo aprendizado institucional e de uma divisão social do trabalho na saúde, como pode ser visto no segundo item do artigo), talvez expliquem os entraves setoriais, isto é, o segundo tipo de obstáculo.

Em relação a esse segundo tipo, há enormes espaços para a melhoria dos graus de eficácia e mesmo da sustentabilidade dos sistemas municipais, como pode ser visto no item dedicado à análise desses indicadores. E, o melhor, isso pode ter impacto nos níveis de efetividade, tendo em vista como a baixa eficácia está relacionada com a baixa efetividade dos sistemas municipais de saúde e de atenção básica. Os incentivos às melhorias nos componentes da eficácia dos sistemas, bem como à sua sustentabilidade, podem ser medidas de curto prazo, dentro do alcance do setor saúde, que poderão contribuir para um melhor desempenho da atenção básica e para a reorganização de tal nível de atenção nesse universo de municípios. Talvez seja este um dos melhores achados dessa investigação.

Colaboradores

ALA Viana trabalhou na concepção e redação final e os demais co-autores na pesquisa.

Artigo apresentado em 27/02/2006

Artigos aprovados em 31/03/2006

Versão final em 17/04/2006

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  • 3. Souza MAA. Uso do território e saúde: refletindo sobre "municípios saudáveis". In: Sperandio, AMG, organizadora. O processo de construção da rede de municípios potencialmente saudáveis. Campinas: IPES; 2004.
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  • 12. Viana ALA. Sistema e descentralização A política de saúde no Estado de São Paulo nos anos 80: formação e tensões [tese]. Campinas: Unicamp; 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Set 2006

Histórico

  • Revisado
    31 Mar 2006
  • Recebido
    27 Fev 2006
  • Aceito
    17 Abr 2006
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