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Sobre a importância da parcimônia, do diálogo e da continuidade para a institucionalização da avaliação da atenção básica

On regard of parsimony, dialogue and permanence for the settlement of primary care evaluation

DEBATEDORES DISCUSSANTS

Sobre a importância da parcimônia, do diálogo e da continuidade para a institucionalização da avaliação da atenção básica

On regard of parsimony, dialogue and permanence for the settlement of primary care evaluation

Eleonor Minho Conill

Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina. eleonorconill@yahoo.com.br

Agradeço pela oportunidade de participar desta discussão, não só pela grande envergadura das medidas que vêm sendo empreendidas pela gestão federal na implementação de uma política que institucionalize a prática de avaliação, mas também por inferir um ambiente favorável para minhas observações pois complementam algumas das preocupações assinaladas pelo autor.

Considero interessante sua opção de inserir o atual debate no seguimento de dois outros anteriores versando sobre a mesma temática, o que demonstra a intenção de garantir continuidade na produção deste conhecimento. O interesse em fortalecer uma interface entre o "território dos serviços" e o "território do conhecimento" fica evidente, tanto pelo tema do debate em si, como em diversas afirmativas que são feitas ao longo do texto, ponto sobre o qual retornarei a seguir.

Embasadas em um sólido e atualizado referencial bibliográfico, são irrefutáveis as posições expressas quanto à importância das relações entre avaliação e democratização e quanto à necessidade de adequação das metodologias e práticas avaliativas aos contextos e necessidades dos diferentes interessados. Reconhecer a relatividade da noção de valor, que orienta escolhas políticas, programas e a avaliação, torna-se hoje central para o sucesso de qualquer iniciativa nesse campo. É admirável a abrangência do modelo lógico desenhado juntamente com o empenho de que sua implementação possa ser um indutor de uma política permanente de avaliação que extrapole os limites da atenção básica, qualifique esses serviços, capacite os profissionais e fomente uma cultura avaliativa em âmbito setorial.

Para o desafio da abrangência desses objetivos vou contrapor o desafio da simplicidade, no sentido atribuído por Paulo Freire na introdução feita ao livro Planejamento sim e não, de Francisco Withaker Ferreira1, no qual o autor ressalta a diferença entre ser simples e ser simplista. No primeiro caso, é preciso percorrer um caminho muitas vezes longo para depois tornarmos fácil, claro e compreensível um conteúdo complexo. Acho que este pode ser o caso da política de avaliação que está sendo implementada.

Conforme assinalei em trabalho anterior2, considero ter havido um avanço nos mecanismos e instrumentos de acompanhamento e avaliação utilizados pelas instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde (SUS), quando comparados com as antigas práticas das instituições federais, centradas na revisão de contas médicas e no cumprimento de metas de produção ou de metas de programas verticais. Os sistemas de informações também se diversificaram disponibilizando um leque amplo de dados que tendem a ser mais integrados por meio deste instrumental, com instâncias de negociação entre os gestores e um planejamento de tipo mais comunicativo. Mas se este é um terreno fértil, os processos de mudanças organizacionais desencadeados pela política de descentralização são ainda recentes havendo não apenas fragilidades mas também resistências nas estruturas técnicas, o que deverá ser levado em conta.

Argumentamos nessa ocasião que um passo importante a ser dado seria o monitoramento de algumas das diretrizes básicas da política de saúde na prestação dos serviços conferindo às avaliações do desempenho de metas pactuadas nos municípios um sentido mais amplo de avaliação da qualidade dos sistemas municipais. Embora o enfoque fosse a avaliação da integralidade e a importância de que viesse sempre acompanhada por medidas de acesso, enfatizamos as dificuldades que se colocam diante da necessidade de diversificação do olhar para uma análise adequada da realidade, sem que haja excesso de informações.

Tenho insistido acerca desse ponto, pois considero que tanto no cotidiano da gestão como naquele das instâncias acadêmicas ocorre, às vezes, uma situação que se caracteriza por dois impasses a serem superados: o desafio da profusão (de estruturas, de formulários, de relatórios, de planos, de pactos, de dados, de pesquisas) e o desafio de comunicação (da divulgação, do retorno das informações, da implementação de mudanças). Ocorre assim um estranho paradoxo, uma demanda excessiva de informações (muitas vezes sobrecarregando equipes locais), com dificuldade de respostas concretas a questões práticas ou realização de mudanças facilmente exeqüíveis.

O autor está ciente disso e cita a fragmentação, como um dos itens apontados pelo Ministério da Saúde ao situar a problemática das iniciativas realizadas no campo da avaliação. O modelo lógico por ser abrangente e integrado pretende superar esse aspecto. Mas reside aí o cuidado para não sucumbirmos a nenhuma iatrogenia do tratamento, tendo em vista a complexidade dos desenhos de pesquisa realizados e dos instrumentos que estão sendo disponibilizados3.

Penso que três princípios podem ser úteis na implementação da política de monitoramento e avaliação pretendida: a parcimônia, o diálogo e a continuidade. O primeiro deve ser lembrado na seleção consensual dos indicadores que se mostrem válidos e viáveis para os diversos níveis de gestão. Esta é uma das indicações contidas no relatório final do Projeto Desenvolvimento Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro (PROADESS), a partir da revisão crítica de algumas propostas e modelos internacionais4.

O segundo princípio poderá orientar a escolha de estratégias educacionais para facilitar as interações de ensino-aprendizado que esses processos irão propiciar. Nesse ponto retomo a discussão da interface serviço/academia, pois uma possibilidade interessante prevista na atual política é justamente a interação entre equipes técnicas de secretarias estaduais e municipais com pesquisadores das instituições responsáveis pelos estudos de linha de base. Alguns elementos para reflexão em torno dessa interação e da difusão do conhecimento científico, foram levantados num debate a partir do texto de Novaes5 enfocando a pesquisa em serviços de saúde. Sugerimos que a busca de validade faça parte do núcleo específico das competências profissionais das atividades de pesquisa, mas sua garantia pode dificultar o valor de uso do conhecimento produzido, em função do descompasso que se estabelece entre os tempos desses procedimentos e as necessidades mais imediatas dos gestores6. Como então facilitar essa interação?

O debate epistemológico acerca dos impasses da ciência é amplo e diverso com novas configurações do saber científico que aproximariam senso comum e ciência, impondo limites ao rigor científico, o que me parece particularmente importante no âmbito dos sistemas de serviços de saúde. A maneira de encontrar tais limites e novos horizontes seria dada exatamente pelo diálogo entre as diversas razões, com processos sistemáticos que traduzam e articulem lógicas diferentes6.

Esta linha de argumento foi também desenvolvida por Camargo Jr7, ao sugerir que se tenha cuidado com intervenções que possam ser interpretadas como tecnicistas, as quais podem desencadear resistências em sua aplicação. Segundo esse autor, ainda que bem intencionadas, as iniciativas que desconheçam como os profissionais operam seus próprios processos de produção e validação de conhecimentos correm riscos de rejeição. É preciso precaução nesse sentido, para que os atores da atenção à saúde não se sintam pólos passivos da observação de pesquisadores, mas como parceiros no reencontro do conhecimento científico com o senso comum, na direção do que Santos8 denomina "um conhecimento decente para uma vida prudente". Um referencial relativamente novo em nosso meio mas que oferece um conjunto de instrumentos práticos nesse sentido poderia ser explorado a partir da metodologia de avaliação participativa (participatory monitoring and evaluation)9. Desenvolvida na década de 1980 por Chambers10 para projetos rurais de países em desenvolvimento, vem sendo aplicada em diversas áreas, incluindo a de saúde em contextos urbanos de países centrais, como é o caso da Inglaterra

Do terceiro princípio sugerido depende a sustentabilidade da proposta e nesse sentido, a criação de legitimidade com adesão dos profissionais parece-me também ser central. Conforme ressaltei no início, estas considerações complementam aspectos já apontados pelo autor e visam colaborar no sentido da construção em nosso meio da cultura avaliativa "ideal" a ser perseguida no século vinte e um, conforme assinalado por Felisberto em sua conclusão. Essa cultura, se não for "ideal", certamente tenderá a ser compartilhada tendo em vista que estamos empenhados em debatê-la para que frutifique.

Referências

1. Ferreira FW. Planejamento, sim e não, um modo de agir num mundo em permanente mudança.Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1979.

2. Conill EM. Avaliação da integralidade: conferindo sentido para os pactos de programação de metas dos sistemas municipais de saúde. Cad Saúde Pública 2004; 20(5):1417-23.

3. Ministério da Saúde. Avaliação para melhoria da qualidade da estratégia da saúde da família. Documento técnico, Série B. Textos Básicos de Saúde, Brasília: Secretaria de Atenção Básica Departamento de Atenção Básica/MS; 2005,

4. Fundação Oswaldo Cruz. Projeto Desenvolvimento de Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro/PROADESS. Relatório Final. Rio de Janeiro: Fiocruz. Disponível em www. proadess.cict.fiocruz.br

5. Novaes MDH. Pesquisa em, sobre e para os serviços de saúde: panorama internacional e questões para a pesquisa em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20(Supl 2):147-57.

6. Conill EM. Debate sobre o artigo de Hillegonda Maria Dutilh Novaes. Cad Saúde Pública 2004; 20 (Supl 2):164-6.

7. Camargo Jr KR. Debate sobre o artigo de Hillegonda Maria Dutilh Novaes. Cad Saúde Pública 2004; 20 (Supl 2):161-9.

8. Santos BS, organizador. Conhecimento prudente para uma vida decente, um discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo: Editora Cortez; 2004.

9. Institut of Development Studies(IDS). El seguimiento y evaluación participativos: como aprender del cambio. IDS Policy Briefings Síntesis Informativo [periódico na Internet] 1998 nov. [acessado 2006 abril 12]; número 12. Disponível em: http://www.ids.ac.uk/ids/bookshop/briefs/brief12sp.html

10. Chambers R. Participatory rural appraisal (PRA): analysis of experience. World Development 1994; 22:1253-68.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Set 2006
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