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Saúde do homem: uma abordagem em construção

Health's man: an approach in construction

O nosso debate e as opiniões dos nossos debatedores apontam para uma abordagem em construção acerca da saúde do homem. Ao tratarmos de tal temática, objetivávamos trazer um panorama de questões. Tal intenção, de início, nos impunha um limite: lidar com questões tão complexas que cada uma em si poderia ser objeto de uma discussão. No entanto, também tínhamos a certeza de que, com a participação de estudiosos no assunto, esse limite poderia ser atenuado. Os textos de Daniela Riva Knaut/ Paula Sandrine Machado, Estela Maria Leão de Aquino, Maria Cecília de Souza Minayo, Pedro Nascimento, Sérgio Carrara e Wilza Vilella, indo na direção do que havíamos pensado, não só ampliaram a nossa discussão como também trouxeram novas perspectivas sobre o assunto. A rica contribuição desses debatedores também nos possibilitou refletir sobre posicionamentos, conceitos e, sobretudo, incorporar idéias para melhor situar a discussão.

Uma importante questão é trazida por Estela Aquino e que se manifesta como preocupação de muitos pesquisadores que estudam a saúde da mulher no referencial de gênero: a visão essencialista de homens e mulheres em que podemos incorrer desde a tomada do objeto de estudo. Ao tomarmos a saúde da mulher e a saúde do homem em separado, tal abordagem pode, de fato, conduzir a reflexão a privilegiar apenas as especificidades de cada pólo, sem nunca chegar aos aspectos relacionais. Na mesma direção apontam Daniela Knauth e Paula Machado quando sugerem que a inclusão dos homens exige um repensar das abordagens das mulheres, a fim de se evitar o mesmo essencialismo. Todavia, lembramos que o contrário pode ocorrer, isto é, manifestar-se uma intenção de estudo relacional, mas operarem-se evidências empíricas e interpretações que novamente separam estes pólos. É nesta exata direção que a sugestão de Estela, quanto à integralidade como conceito norteador dos estudos, indica não apenas uma profícua saída epistemológica, pois, sem apagar as especificidades de homens e mulheres, articula-as, como também revitaliza, para o campo da Saúde Coletiva, a problemática da integração das ações na formulação de programas e políticas de saúde em geral.

Maria Cecília Minayo, ao abordar os laços perigosos entre machismo e violência, aponta-nos nexos importantes para a promoção da saúde do homem. Tanto em termos nacional quanto internacional, há uma vasta produção de estudos que reforça as relações que são estabelecidas entre a violência e o masculino. Citando alguns desses estudos, poderíamos mencionar os de autoria de Bourdieu (1999), Cecchetto (2004), Machado (2004) e Welzer-Lang (2001, 2004).

Nesse conjunto de trabalhos, destacamos o de Welzer-Lang (2001) que defende a idéia de que, para ser homem ou para ser mulher, a educação ocorre a partir de mimetismos. Ora, o mimetismo dos homens é um mimetismo de violências. De violência inicialmente contra si mesmo. A guerra que os homens empreendem em seus próprios corpos é inicialmente uma guerra contra eles mesmos. Depois, numa segunda etapa, é uma guerra contra os outros (Welzer-Lang, 2001). Os laços perigosos que Maria Cecília nos traz entre machismo e violência podem ser vistos como um acirramento desses mimetismos. Evidentemente que para se chegar ou não a tal acirramento inúmeras mediações ocorrem, como produto das experiências intersexuais; das influências interclasses sociais, das visões etno-raciais e dos processos de subjetivação pelos homens vivenciados.

Não duvidamos que, para caminharmos em direção a uma nova abordagem para a saúde do homem, necessitamos, dentre outros imperativos, lidar com a violência. Esse enfrentamento, por sua vez, deve ocorrer não só através das análises que focalizam as correlações entre os eventos violentos e a morbi-mortalidade, mas também pela busca de medidas preventivas intersetoriais voltadas para a reinvenção das representações do masculino.

Os comentários diagonais de Sérgio Carrara nos sugerem vários focos para situarmos a saúde do homem adequadamente. Um deles é o cuidado que devemos ter em não reduzir a discussão. Por mais que sejam considerados um dominante, todos os homens não têm o mesmo poder ou os mesmos privilégios. Eles também se submetem às hierarquias masculinas. Só os grandes homens (...) têm privilégios que se exercem em detrimento das mulheres (como todos os homens) mas também em detrimento dos homens (Welzer-Lang, 2004). Tanto essas idéias quanto as de Sérgio nos indicam que, mesmo a título de focalizarmos a singularidade do masculino na relação intergêneros, não podemos reduzir a abordagem do homem como se fosse uma categoria homogênea e monolítica.

Welzer-Lang (2001, 2004) observa que alguns modelos do masculino foram historicamente sendo construídos, como o androcentrismo, o viriarcado e o heterossexismo. Dialogando tal pensamento com as idéias de Bourdieu (1999), poderíamos destacar que o poder é uma das marcas identitárias que atravessa esses modelos. E, como nos lembra Bourdieu (1999), no cenário da dominação masculina, os homens também são vítimas. Para serem congruentes com essa representação dominante, eles vivem tensões e contenções permanentes, sendo instados a atestarem sua virilidade, deixando de desfrutar as "ternuras" e os "enternecimentos desvirilizantes do amor". Nesse processo de testagem ao qual o homem é submetido, ainda segundo o autor citado, destaca-se o fato de que o que é tido como "coragem" pode ser enraizado numa covardia, ou seja, pode se basear no medo "viril" de ser excluído do mundo dos "homens" sem fraqueza.

Acreditamos que tanto os modelos hegemônicos do ser masculino quanto o poder como eixo estruturante desse ser fazem parte de um amplo espectro de idéias sobre o qual podem ser ancoradas as construções das marcas identitárias do ser masculino. Mas também somos partidários do princípio de que a saúde coletiva atua com homens concretos que podem se aproximar ou se distanciar dos modelos presentes na cultura. Saber trabalhar com a pluralidade de modelos, a reinvenção deles e com as singularidades, sem dúvida é o desafio para se abordar a saúde do homem.

Outro desafio apontado pelos debatedores, em especial Pedro Nascimento e Wilza Villela, diz respeito à crucial questão do cuidado em saúde e, mais que isso, quem será o(a) cuidador(a). Wilza incita-nos a pensar se seremos capazes de uma crítica radical ao cuidado e se repetiremos, na trajetória das responsabilizações masculinas no sentido de eqüidade relacional com as femininas, os mesmos desvios medicalizantes impostos às mulheres, agora, impondo-os aos homens. Sua relevante questão deve a nosso ver conformar a pergunta: como criar uma outra imagem de cuidador(a)? Ou cairemos na armadilha cultural, apontada por Pedro, reproduzindo o lugar dos homens como vítimas ou culpados pelo (não) cuidado? Como articular direitos e eqüidades, de um lado, responsabilizações e culpas, de outro, quando se estuda os poderosos? A distinção entre as esferas jurídica e civil, relativamente à ética e moral, proposta por Hanna Arendt em seu exame sobre a responsabilidade e a culpa coletiva, pode, aqui, nos socorrer: toda a questão não se esgota apenas na dimensão jurídica dos direitos e deve ser remetida para sua face ético-moral.

Por último, retomando as nossas idéias e as dos nossos debatedores, chamamos a atenção para o fato de que se o campo da Saúde Coletiva deseja participar de uma abordagem em construção sobre a saúde do homem, deve, antes de tudo, focalizar o masculino no plural, contemplando os múltiplos desdobramentos, a diversidade de contextos, a singularidade dos atores e a polissemia das abordagens, além de relacioná-los com a diversidade de femininos também presente na vida social, promovendo uma forma integrada de abordar a saúde.

Referências bibliográficas

Arendt H 2000. Sobre a violência. Editora Relume-Dumará, Rio de Janeiro.

Bourdieu P 1999. A dominação masculina. Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro.

Cecchetto FR 2004. Violência e estilos de masculinidade. Ed. FGV, Rio de Janeiro.

Machado LZ 2004. Masculinidade e violências: gênero e mal-estar na sociedade contemporânea, pp. 35-78. In MR Schpun (org.). Masculinidades. Boitempo Editorial-Edunisc, São Paulo-Santa Cruz.

Welzer-Lang D 2001. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Estudos Feministas, 9: 460-482.

Welzer-Lang D 2004. Os homens e o masculino numa perspectiva de relações sociais de sexo, pp. 107-128. In MR Schpun (org.). Masculinidades. Boitempo Editorial-Edunisc, São Paulo-Santa Cruz.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2005
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