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Debate sobre o artigo de Briceño-León

Debate sobre el articulo de Briceño-León

Debate on the paper by Briceño-León

DEBATE DEBATE

Adriana Mohr

Departamento de Ciências Biológicas, Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil.

Debate sobre el articulo de Briceño-León

Debate on the paper by Briceño-León

A questão principal proposta pelo autor - educação em saúde - é oportuna e de extrema importância para a saúde pública, justificando plenamente a discussão e a volta a um tema que não é novo, nem desconhecido. No comentário que se segue, não analisarei o texto de Briceño-León com relação à correção ou pertinência de alguns conceitos (tanto biológicos, quanto educacionais) utilizados. É minha intenção, a partir do texto do autor, propor alguns pontos de reflexão.

Apesar da importância crescente que vem sendo atribuída à educação em saúde e seu papel crucial nos programas e ações de saúde, há, ainda, muito a ser feito para que as atividades educacionais nesta área tenham resultados mais satisfatórios e eficazes.

Na grande maioria dos casos, os projetos e ações de saúde e suas respectivas ações educacionais são concebidos e desenvolvidos por especialistas com escassa preparação e competência na área educacional. Ainda é muito comum a crença de que para fazer educação basta o conhecimento do que se quer ensinar e um pouco de prática. Sem dúvida, estes são necessários, mas não suficientes. A questão educacional envolve, além do domínio dos conhecimentos específicos, aspectos psicológicos, sociológicos e cognitivos que devem ser considerados com a seriedade e a profundidade que sua complexidade exige.

Dentro desta premissa de especificidade do conhecimento necessário às ações educacionais, gostaria de chamar a atenção para dois pontos em especial: as concepções (ou representações) dos indivíduos sobre assuntos relacionados à saúde e a problemática da transposição didática.

Há muito se sabe que a simples transmissão da informação, quase sempre, muito pouco ou nada significa para o receptor. Para que um conhecimento seja significativo, ele deve ser reelaborado pelo indivíduo, que rearranja, então, seu repertório de conceitos e informações com os quais dá sentido aos acontecimentos e situações e orienta sua ação. Tal mecanismo está longe de ser simples: nele influenciam, além dos aspectos cognitivos do indivíduo e da natureza do conhecimento propriamente dito, fatores de ordem familiar, social, religiosa e afetiva, dentre outros. Rozemberg (1994) aborda a questão com relação à esquistossomose. A pesquisa em ensino de ciências, em especial, tem dedicado grande importância às concepções dos alunos e sua influência no ensino. Seria interessante que se dispusesse igualmente de estudos específicos sobre as concepções ligadas à saúde, ainda em pequeno número se comparados às ciências naturais em geral (física, química e biologia). Uma interessante revisão crítica destes estudos na última década pode ser encontrada em Gil-Pérez (1994). Pfundt & Duit (1994) fazem um extenso levantamento sobre os trabalhos disponíveis.

A transposição didática é um conceito utilizado em didática das ciências que auxilia a compreensão e execução do processo de transformação dos conhecimentos de campos específicos (farmacologia, imunologia, ecologia) para o processo de ensino. De acordo com Astolfi & Develay (1991), a escola [e eu diria também o ensino que é praticado fora dela] não ensina "saberes em estado puro" e sim conteúdos de ensino que resultam de cruzamentos complexos entre uma lógica conceitual, um projeto de formação e exigências didáticas. Tal tarefa requer competências especializadas. Assim, o conhecimento da área de controle de vetores ou saneamento, por exemplo, não torna necessariamente o indivíduo um especialista no ensino deste assunto.

O ensino-aprendizagem relacionado com a saúde, seja na escola ou fora dela, deve ser encarado como uma tarefa muitíssimo mais complexa e profissional do que hoje em dia se faz. Necessitamos de pesquisas que forneçam verdadeiras bases à ação prática para deixarmos o arcaico e daninho método de tentativa e erro. A educação em saúde deve buscar, na área da pesquisa em ensino de ciências, na psicologia social e cognitiva, dentre outras, subsídios que auxiliem a melhor compreensão de como ocorrem a aquisição do conhecimento, as mudanças conceituais e comportamentais nos indivíduos.

É essencial, também, que se supere o caráter dogmático e autoritário que muitas vezes pode assumir o processo educacional. A verdadeira educação (em saúde aí inclusa) não deve pretender substituir alguns dogmas e regras (que se avaliem errados) por outros julgados corretos. O objetivo último da ação educacional deve ser o de possibilitar e instrumentar cada indivíduo com conhecimentos básicos e ferramentas que lhe permitam buscar novos, para que ele próprio seja capaz de escolher comportamentos e caminhos a seguir.

Ao longo das sete teses, o autor mostra a complexidade do tema e aponta alguns caminhos. Creio que o desafio primeiro que se coloca para quem trabalhe na área, não seja a imediata implementação de ações educacionais relacionadas à saúde, e sim uma sólida preparação para colocá-las em prática. Não é mais possível continuarmos a encarar amadoristicamente a educação em saúde, precisamos reconhecer a necessidade de (grande e específica) competência para enfrentá-la.

ASTOLFI, J. P. & DEVELAY, M., 1991. A Didática das Ciências. Campinas: Papirus Editora.

GIL-PÉREZ, D., 1994. Diez años de investigación en didáctica de las ciencias: realizaciones y perspectivas. Enseñanza de las Ciencias, 12:154-164.

PFUNDT, H. & DUIT, R., 1994. Bibliography: Students' alternative frameworks and science education. IPN - Institute for Science Education at the University of Kiel. (computer diskette).

ROZEMBERG, B., 1994. Representação social de eventos somáticos ligados à esquistossomose. Cadernos de Saúde Pública, 10:30-46.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Mar 1996
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