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A TRADUÇÃO PARA O CINEMA DO TEATRO ENGAJADO: NON SI PAGA, NON SI PAGA, DE FRANCA RAME E DARIO FO, NO BRASIL

THE TRANSLATION OF ENGAGED THEATER INTO FILM: NON SI PAGA, NON SI PAGA, BY FRANCA RAME AND DARIO FO, IN BRAZIL

Resumo

Os dramaturgos Franca Rame e Dario Fo são conhecidos pelo uso do riso como instrumento de ridicularização dos poderosos e fortalecimento das classes menos favorecidas. De seu longo período em atividade, provavelmente o mais engajado é a década de 1970, época em que, entre outras, escreveram a peça Non si paga, non si paga (1974; 2000), recentemente traduzida para o audiovisual no Brasil, no filme Não vamos pagar nada, escrito por Renato Fagundes e dirigido por João Fonseca, lançado em outubro de 2020. Este trabalho pretende investigar de que forma essa tradução adapta a obra de Rame e Fo para o contexto político brasileiro da pandemia, além de “traduzir” um texto teatral para o cinema. Referências importantes para a nossa reflexão são Diniz, Edo, Rosenfeld e Zatlin, e sobre o teatro de Fo e Rame, Farrell.

Palavras-chave
Teatro engajado; Dario Fo; Franca Rame; cinema; adaptação

Abstract

Playwrights Franca Rame and Dario Fo are known for their use of laughter as an instrument to ridicule the powerful and empower the underprivileged classes. Of their long period in activity, probably the most engaged is the 1970s, a time when, among others, they wrote the play Non si paga, non si paga (1974; 2000), recently translated into the audiovisual in Brazil, in the film Não vamos pagar nada, written by Renato Fagundes and directed by João Fonseca, released in October 2020. This work intends to investigate how this translation adapts the work of Rame and Fo to the Brazilian political context of the pandemic. Important references for our reflection are Diniz, Edo, Rosenfeld and Zatlin, and on the theater of Fo and Rame, Farrell.

Keywords
Engaged theater; Dario Fo; Franca Rame; cinema; adaptation

Introdução

Franca Rame (1929-2013) e Dario Fo (1926-2016) foram dois teatrólogos (atores, diretores, dramaturgos) italianos que tiveram uma vasta produção dos anos 1950 até a sua morte. Donos de uma poética única, trabalharam quase sempre juntos, de forma que é praticamente impossível distinguir o trabalho de um do trabalho do outro, tanto que Dario, em 1997, ao receber o prêmio Nobel da literatura, dedicou-o a Franca. A poética de suas peças está bem resumida na motivação do prêmio, que disse que Fo “emula os jograis da Idade Média, atacando a autoridade e defendendo a dignidade dos oprimidos”. Neste artigo, apresentaremos uma crítica da adaptação fílmica brasileira Não vamos pagar nada (2020), tendo em vista as características do teatro político de Fo-Rame presentes em Não se paga, não se paga (1974), uma peça que pode ser considerada como símbolo da poética de Dario Fo, uma vez que foi a primeira escrita depois da participação do autor nas discussões sobre dramaturgia no Congresso da Cultura (Milano, Palazzina Liberty, 1973).

A poética do teatro de Dario Fo

No seu livro Dario e Franca: la biografia della coppia Fo/Rame attraverso la storia italiana (2014), Farrell, professor emérito de italianística da Universidade de Strathclyde, na Escócia, consegue realizar uma biobibliografia dos dois atores-autores realmente interessante e de extrema importância para os estudos sobre o teatro de Franca Rame e Dario Fo, que pode ser considerado bastante peculiar e único no cenário dramatúrgico não somente italiano, como também mundial.

Segundo Farrell, o congresso sobre cultura organizado em 1973 na Palazzina Liberty, em Milão, ofereceu a Dario a ocasião “per chiarire a se stesso la sua opinione sulla cultura popolare” (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 177), e suas falas (registradas por Lanfranco Binni) podem ser consideradas a síntese da sua poética, das suas opiniões sobre o papel do teatro.

Farrell ressalta o valor e a força de Fo como teórico, já que, desde o “fim trágico” da primeira La Comune (companhia de teatro engajado criada por Franca Rame e Dario Fo com outros artistas), estava refletindo sobre a relação entre arte e política para determinar qual deveria ser considerada prioritária. Dario acreditava firmemente no socialismo e na revolução, mas ouvia ao seu redor que a arte, incluindo o teatro, era uma distração da luta política. Ele temia que o artista pudesse se considerar, infelizmente, apenas como um jogral da corte que desperta o interesse da população para, depois, na hora da agitação política, se retirar. Mesmo assim, sempre tentou realizar um trabalho de valência política, e utilizava os conceitos de Lenin e, especialmente, de Mao. Do primeiro, para demonstrar a importância pequena, mas essencial, da cultura para a revolução; do segundo, quando o citava para afirmar que sem a cultura o homem pode até ser um rebelde, mas não um revolucionário, e que o trabalho cultural tem que iniciar antes da revolução e continuar presente durante o seu curso e depois dela (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 178-179).

O desafio de Dario Fo era a busca contínua por “una qualche poetica complessiva della cultura popolare”, que pudesse se distanciar da poética da cultura hegemônica. Para isso, se apoiou no pensamento de Sartre, que tinha definido a cultura burguesa como “poluída” pelo pessimismo, pela desilusão e até pelo desprezo pela humanidade (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 179). Para contrastar com essa incapacidade de acreditar em uma perspectiva de mudanças positivas, Fo recorreu à capacidade satírica da cultura do povo da Idade Média, crítico por natureza das ações de quem detinha poder e autoridade, e reconsiderou o termo espetáculo como sinônimo de lazer, encontrando inspiração do próprio Brecht.

Como explicado por Farrell, a partir dessa nova poética de um teatro como “una valvola di sfogo e un’occasione per l’espressione di gioia condivisa” (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 179), Fo entendeu que o teatro popular, assim como o teatro burguês, necessitava, além da preparação técnica e ideológica dos atores, também de toda a estrutura técnica da melhor qualidade.

Sobre a questão da quarta parede, Dario também a reformula, considerando que qualquer obstáculo entre ator e espectador deveria ser considerado negativo para o teatro, já que deixava o público em uma condição de passividade. Nessas críticas, ele faz referência a um conjunto de realizações técnicas, como uma determinada iluminação, maquiagem e utilização das vozes, entre outros, por causa dos quais “lo spettatore si trova nella condizione del guardone a spiare una storia che non gli appartiene e che é appunto al di là della quarta parete” (Binni apud Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 180). Além disso, a “quarta parede” impossibilitaria os “apartes”, que para Dario eram um convite para o público participar da comunidade dos atores e que influenciavam os atores a atuarem de modo “épico”.

Farrell frisa a influência de Brecht no pensamento de Fo sobre o teatro, que é comprovada justamente pela utilização da sua terminologia, mas Dario sempre defendeu que o estilo épico de representação era anterior ao dramaturgo alemão, estando presente já no teatro popular tradicional. Outro elemento central da sua poética, diretamente ligado a esse conceito destacado pelo professor escocês, considera que o ator deve sempre “sforzarsi di non identificarsi com il personaggio che stava interpretando, come sosteneva Stanislavskij, ma piuttosto rappresentare quel personaggio” (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 181).

Mesmo tendo os dois dramaturgos acima como inspiradores de pontos primários de sua ideologia teatral, Fo não se identificava com o teatro de nenhum dos dois. Farrell nos conta que Dario respeitava Brecht como o grande precursor e mestre do teatro político, mas ressalta que entre os dois havia diferenças bem reais, especialmente “sul valore da attribuire alla tradizione popolare” (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 181). Dario abominava totalmente a abordagem de Stanislavski, que previa a criação de um teatro íntimo, fechado, que analisava traumas privados e emoções pessoais. Isso era para ele exatamente o contrário do teatro “grande, scatenato, pubblico”, no qual a cena representa os conflitos de toda uma comunidade e seu estilo de vida. Por isso, ele também não se interessava pelas peças de Pirandello.

Como a motivação escrita para o prêmio Nobel que o nosso ator-autor ganhou, a tradição histórica do seu estilo de atuar e pensar o teatro remonta à época dos jograis, “bem distante sia dagli imperativi commerciali del teatro moderno che dalle sperimentazioni dell’avanguardia” (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 182).

Sobre o teatro político de Dario Fo, é muito interessante a leitura, entre outros, da entrevista realizada com ele por Luigi Allegri, e publicada no volume Dario Fo: dialogo provocatorio sul comico, il tragico, la follia e la ragione (1990). Nela, Allegri questiona o nosso autor sobre a diferença entre o teatro realizado na década de 1960, que seria “político”, e o teatro de Fo-Rame daqueles anos. Fo aproveita esse espaço para reforçar que o seu teatro foi e continua político, mas que as suas escolhas e as de Franca, com relação aos temas tratados, eram muitas vezes vistas e criticadas como não apropriadas à causa dos movimentos de esquerda, encontrando bastante resistência, como o tema religioso em Mistero Buffo, por exemplo. A resposta que ele dava nesses casos citava Antonio Gramsci e a importância para um povo de conhecer as suas origens culturais:

[U]n certo Gramsci […] insisteva sul fatto che se non sai da dove vieni difficilmente capisci dove vuoi arrivare. Il discorso del rapporto magico con la natura, con la terra, con il mito, con la religiosità, fa parte della storia culturale del proletariato. Non potete tirarci una riga sopra. Nostro compito è studiarla, questa origine, e riproporla leggibile e attualizzata nei suoi valori più importanti”.

(Fo & Allegri, 2014Fo, Dario & Allegri, Luigi. Dario Fo: dialogo provocatorio sul comico, il tragico, la follia e la ragione. Bari: Laterza, 1990., p. 140-141).

O que Fo quer ressaltar nessa entrevista é também a utilização da ironia nas suas peças e da busca sempre da diversão, do espetáculo, mesmo nas peças como Morte accidentale di un anarchico (1970), considerada o “modelo” de teatro político na dramaturgia do casal. Ou seja, nessa entrevista, Dario pretende justamente mostrar a diferença essencial entre a sua concepção de teatro e o teatro político concebido pela crítica em geral. Ao fazer isso, reforça a indissolubilidade do caráter político com a poética dos seus trabalhos e com a concepção que ele tem de teatro. Somente na Itália é que será possível acessar todo (esperemos) o material para aprofundar o conhecimento dessa poética e utilizar o material levantado para escrever publicações que possam enriquecer o conhecimento sobre o teatro de Rame-Fo, especialmente aqui no Brasil.

Enfim, Dario Fo e Franca Rame foram hostilizados ao longo de toda a sua carreira, na Itália, pela maneira como participaram das lutas socialistas (sempre contrários ao uso da violência e, portanto, à luta armada) e pelos ideais nos quais acreditavam, fazendo do teatro o meio para alcançar a revolução cultural almejada pelos movimentos e partidos de esquerda. Quem se dedica ao estudo da sua vida e de suas produções artísticas não escapa a se sentir culturalmente transformado ainda hoje, tendo a possibilidade de conhecer outras histórias (não apenas da Itália) do que aquelas veiculadas e propagandeadas na formação oficial dos jovens realizada nas escolas e, em geral, nas mídias de massa como a televisão.

Non si paga, non si paga (1974, peça)

Curiosamente, a primeira peça escrita por Dario e Franca depois do já mencionado Congresso sobre a Cultura foi justamente Non si paga, non si paga, que estreou em outubro de 1974. Logo depois da estreia, houve episódios de “saques” aos supermercados de algumas cidades, e a imprensa mais conservadora não deixou de acusar o espetáculo de ter incentivado essas revoltas, mas a relação entre a peça e os fatos nunca foi confirmada, tratando-se provavelmente de uma coincidência, um daqueles casos nos quais a arte ilustra fatos históricos antes que estes aconteçam.

No Archivio Franca Rame e Dario FoArchivio Franca Rame e Dario Fo. Disponível em: http://www.archivio.francarame.it/Home.aspx. Acesso em: 15 jun. 2021.
http://www.archivio.francarame.it/Home.a...
, no espaço dedicado a cada peça, há uma série de materiais de tipo variado (artigos, resenhas, cartazes, fotografias, etc.) que Franca juntou e catalogou por muito tempo, ordenados por ano de publicação. A quantidade de artigos e resenhas sobre essa peça é notável, e poder ler críticas a favor e contra escritas nos anos nos quais Non si paga, non si paga foi representado pelo casal (ou por companhias no exterior) é realmente emocionante, já que o leitor é transportado para dentro dos discursos políticos que esse texto inspirou todas as vezes que foi representado, ao longo de mais de 40 anos.

Na parte do arquivo dedicado às resenhas, a primeira registrada, de 4 de outubro de 1974, de Roberto De Monticelli (não encontramos o nome do jornal, mas o crítico e ator trabalhava, provavelmente, no Corriere della Sera), traz como antetítulo “Primo spettacolo alla Palazzina Liberty” e como título “Dario Fo ‘disobbediente civile’”. Por sua vez, o subtítulo diz “Donne che partoriscono scatolette, bare e finti cadaveri negli armadi: girotondo di trovate e equivoci in ‘Non si paga, non si paga’, farsa che finisce in discorso politico” (De Monticelli, 2014De Monticelli, Roberto. “Dario Fo ‘disobbediente civile’”. Corriere della Sera. 04/10/1974. Disponível em: http://www.archivio.francarame.it/scheda.aspx?IDScheda=342&IDOpera=117. Acesso em: 15 jun. 2021.
http://www.archivio.francarame.it/scheda...
, p. 13). Trata-se de um texto nem sempre complacente, escrito por um crítico de teatro que tinha assistido aos últimos ensaios.

De Monticelli (2014, p. 13)De Monticelli, Roberto. “Dario Fo ‘disobbediente civile’”. Corriere della Sera. 04/10/1974. Disponível em: http://www.archivio.francarame.it/scheda.aspx?IDScheda=342&IDOpera=117. Acesso em: 15 jun. 2021.
http://www.archivio.francarame.it/scheda...
define seu gênero como “farsa” e diz que provavelmente o texto sofrerá várias modificações, assim como acontecia com as peças de Fo desde que “aveva dato le spalle al teatro dei circuiti normali” (Dario tinha se apresentado anteriormente em teatros burgueses), uma vez que escrevia comédias e farsas em poucos dias a partir dos temas de atualidade noticiados pelos jornais e as modificava continuamente a partir dos debates que aconteciam depois das representações. O jornalista aponta, porém, que “l’ideia teatrale di fondo” é: “proiettare nella luce di fondo della farsa il problema della disubbidienza civile per trarne, finite le risate e il girotondo degli equivoci, precise indicazioni di comportamento” (De Monticelli, 2014De Monticelli, Roberto. “Dario Fo ‘disobbediente civile’”. Corriere della Sera. 04/10/1974. Disponível em: http://www.archivio.francarame.it/scheda.aspx?IDScheda=342&IDOpera=117. Acesso em: 15 jun. 2021.
http://www.archivio.francarame.it/scheda...
, p. 13). Com “ciranda de equívocos”, o crítico está se referindo ao gênero da peça, que o próprio Fo definiu como pochade (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 186), que, na tradição do teatro francês, é uma comédia de caráter majoritariamente farsesco, caracterizada por suas viradas.

No prólogo do livro Teatro (Fo & Rame, 2000Fo, Dario & Rame, Franca. Teatro. Torino: Einaudi, 2000.), que contém a última versão da peça, de outubro de 1980, Fo lembra ironicamente que tinham batizado a “apropriação indébita” de “despesa proletária” e “desobediência civil”, narrando que mulheres da periferia de Milão foram fazer compra no supermercado e se depararam com os preços desmedidamente aumentados. Enfurecidas, decidiram, no começo, pagar a metade do valor da mercadoria e, depois, não pagar nada (Fo & Rame, 2000Fo, Dario. Não se paga, não se paga. Tradução de Maria Antonietta Cerri e Regina Vianna. São Paulo: 1981. Cópia datilografada. 77 p. Acervo da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais., p. 615). O restante da trama pode ser entendido pelos comentários presentes nesta análise.

Não vamos pagar nada (2020, filme)

O filme Não vamos pagar nada, dirigido por João Fonseca e com Samantha Schmütz no elenco, estreou em 2020, ou seja, em plena pandemia, em streaming. A brasileira é a única versão fílmica da comédia que chegou aos teatros brasileiros, pela primeira vez, em 1980, com o título Pegue e não pague e direção de Gianfrancesco Guarnieri. Foi a pioneira de várias montagens sucessivas.

É importante mostrar, aqui, como o filme foi apresentado na hora da estreia, ou seja, quais foram os elementos marcantes do discurso dos (meta)textos publicados nas páginas especializadas e das entrevistas realizadas com Fonseca. Escolhemos uma resenha-entrevista publicada em 8 de outubro de 2020, de André Zuliani, para o site Notícias da TV, uma vez que contempla os comentários dos outros artigos encontrados.

Já em seu primeiro parágrafo é sintetizada a mensagem política da película, descrita como “Adaptação de uma peça italiana dos anos 1970, o longa usa a comédia para mostrar a tragédia da fome e do desemprego que assola o país e faz um retrato da decadência do Brasil atual” (Zuliani, 2020Zuliani, André. “Inspirado em peça: com Samantha Schmütz, Não vamos pagar nada é retrato da decadência do Brasil”. Notícias da TV. 08/10/2020. Disponível em: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/filmes-na-tv/com-samantha-schmutz-nao-vamos-pagar-nada-e-retrato-da-decadencia-do-brasil-43784?cpid=txt. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/...
, online). O texto continua com um breve resumo, no qual Antônia é apresentada como a personagem principal e única responsável pela tragédia/farsa: “Mesmo que a narrativa dos acontecimentos se assemelhe a uma tragédia, o filme foca no absurdo para representar as confusões de Antônia, com cenas para fazer o público rir” (Zuliani, 2020Zuliani, André. “Inspirado em peça: com Samantha Schmütz, Não vamos pagar nada é retrato da decadência do Brasil”. Notícias da TV. 08/10/2020. Disponível em: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/filmes-na-tv/com-samantha-schmutz-nao-vamos-pagar-nada-e-retrato-da-decadencia-do-brasil-43784?cpid=txt. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/...
, online).

Logo depois é transcrita a entrevista com o diretor João Fonseca, que sintetiza assim o seu entendimento da peça: “A peça do Dario é uma história sociopolítica, anárquica, absurda. Se não tivesse essa visão trágica por trás, eu estaria errado. A comédia vem na frente como uma grande farsa, mas é com ela que conseguimos atingir o grande público” (Zuliani, 2020Zuliani, André. “Inspirado em peça: com Samantha Schmütz, Não vamos pagar nada é retrato da decadência do Brasil”. Notícias da TV. 08/10/2020. Disponível em: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/filmes-na-tv/com-samantha-schmutz-nao-vamos-pagar-nada-e-retrato-da-decadencia-do-brasil-43784?cpid=txt. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/...
, online). E acrescenta: “O bom das comédias que vêm das ruas é que retratam quem de fato importa. O herói é o empregado, e o patrão é sempre o ridicularizado. Isso ajuda a torcer pelo herói. Eu adoro o humor e fazer as pessoas rirem. Para mim, humor é sinônimo de inteligência” (Zuliani, 2020Zuliani, André. “Inspirado em peça: com Samantha Schmütz, Não vamos pagar nada é retrato da decadência do Brasil”. Notícias da TV. 08/10/2020. Disponível em: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/filmes-na-tv/com-samantha-schmutz-nao-vamos-pagar-nada-e-retrato-da-decadencia-do-brasil-43784?cpid=txt. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/...
, online), quase querendo justificar que o patrão é “ridicularizado” por causa do gênero empregado, que seria para as pessoas rirem. O fato de completar seu raciocínio dizendo que o “humor é sinônimo de inteligência” nos permite supor que o valor político da história está, pelo menos em parte, aí, expresso por um discurso truncado de autocensura, e que pode ser descoberto apenas para quem consegue entendê-lo ou para quem conhece bem o trabalho de Dario Fo e Franca Rame. Essa escolha comunicativa por parte de Fonseca (a mesma do autor da resenha) pode ter como objetivo evitar que o público de ideias “contrárias” assista ao filme ou o comente negativamente.

Essa necessidade de “dizer com cuidado” é confirmada pelo último trecho que vamos citar como exemplo, do próprio Zuliani (2020, online)Zuliani, André. “Inspirado em peça: com Samantha Schmütz, Não vamos pagar nada é retrato da decadência do Brasil”. Notícias da TV. 08/10/2020. Disponível em: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/filmes-na-tv/com-samantha-schmutz-nao-vamos-pagar-nada-e-retrato-da-decadencia-do-brasil-43784?cpid=txt. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/...
: “Com um olhar ácido, Não Vamos Pagar Nada expõe a desigualdade econômica brasileira – João, por exemplo, se sujeita a comer até ração de cachorro – e as relações de poder entre instituições que deveriam proteger a população, mas usam meios e discursos para reprimir os que mais precisam”. O jornalista está, provavelmente, se referindo à(s) polícia(s).

Nada demais nessas escolhas para a redação de uma resenha, certamente é importante incentivar o maior número de espectadores, e o sucesso de público é fundamental para a difusão da cultura em um país do tamanho do Brasil. O fato de a veiculação do filme ter sido restrita ao streaming devido à pandemia, e talvez a uma única programação da Rede Globo, nos deixa com a suspeita de que deve existir certo medo de divulgá-lo nas periferias, por exemplo, por parte das instituições e daquela parte da sociedade representada pelos grandes empresários donos de supermercados e lojas de departamento. Afinal, os arrastões nos supermercados já existem há muito tempo no Brasil e sempre foram considerados ações de ladrões ou bandidos, já que nascem de grupos isolados e parece que nunca tiveram uma movimentação política organizada

Algumas reflexões sobre a traduções para o teatro americano e inglês

Queremos, aqui, abrir um parêntese para refletir sobre as dificuldades na adaptação cultural de peças teatrais engajadas, com referências (in)diretas a um determinado período histórico e político de outro país, a partir de exemplos desta mesma peça de Rame e Fo.

O artigo “Performabilità, interculturalità, ‘performatività’. L’esempio di Non si paga! Non si paga!”, de Monica Randaccio (2016)Randaccio, Monica. “Performabilità, interculturalità, ‘performatività’. L’esempio di Non si paga! Non si paga!”. In: Miralles, Helena Lozano; Kopušar, Ana Cecilia Prenz; Quazzolo, Paolo & Randaccio, Monica (Ed.). Traduzione aperta, quasi spalancata: tradurre Dario Fo. Trieste: Edizioni Università di Trieste, 2016. p. 47-61. Disponível em: https://www.openstarts.units.it/handle/10077/13960. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://www.openstarts.units.it/handle/1...
, docente da Universidade de Trieste (Itália), traz um estudo sobre a tradução para o inglês de Ron Jenkins, intitulada We Won’t Pay! We Won’t Pay!, realizada em colaboração com Fo e Rame, que estreou no American Repertory Theatre, em Cambridge, Massachusetts, em 1999, e sobre a versão inglesa de Joseph Farrell de 2010, Low Pay? Don’t Pay!, produção da Salisbury Playhouse.

A primeira, de Jenkins, “guarda proprio alla tradizione popolare fortemente radicata nell’aspetto performativo del teatro di Fo, tralasciando molti dei riferimenti politici” (Randaccio, 2016Randaccio, Monica. “Performabilità, interculturalità, ‘performatività’. L’esempio di Non si paga! Non si paga!”. In: Miralles, Helena Lozano; Kopušar, Ana Cecilia Prenz; Quazzolo, Paolo & Randaccio, Monica (Ed.). Traduzione aperta, quasi spalancata: tradurre Dario Fo. Trieste: Edizioni Università di Trieste, 2016. p. 47-61. Disponível em: https://www.openstarts.units.it/handle/10077/13960. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://www.openstarts.units.it/handle/1...
, p. 55). Conta-se que o próprio Dario brincava com o que ele chamava de “errori molto creativi”, que gostava de reproduzir depois na versão italiana. Miquel Edo, no seu artigo “Apologia dell’addomensticamento” (2018), também lembra da notória liberdade que Fo concedia a seus tradutores, e de como interferia pessoalmente nas traduções, “disapprovandone le scelte quando gli sembravano poco coraggiose” (Edo, 2018Edo, Miquel. “Apologia dell’addomesticamento nella traduzione di teatro politico: Sotto pa- ga! Non si paga! di Dario Fo”. Enthymema, 1(28), p. 30-40, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.13130/2037-2426/10617
https://doi.org/10.13130/2037-2426/10617...
, p. 32).

Randaccio expõe algumas características linguísticas da tradução americana, que utiliza frases mais curtas, com um impacto mais imediato do que o da peça original e, ao mesmo tempo, faz uso da repetição já presente no texto italiano para marcar uma sensação de “tensione drammatica crescente” (Randaccio, 2016Randaccio, Monica. “Performabilità, interculturalità, ‘performatività’. L’esempio di Non si paga! Non si paga!”. In: Miralles, Helena Lozano; Kopušar, Ana Cecilia Prenz; Quazzolo, Paolo & Randaccio, Monica (Ed.). Traduzione aperta, quasi spalancata: tradurre Dario Fo. Trieste: Edizioni Università di Trieste, 2016. p. 47-61. Disponível em: https://www.openstarts.units.it/handle/10077/13960. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://www.openstarts.units.it/handle/1...
, p. 56).

Se, por um lado, a versão de Jenkins pode ser considerada bem-sucedida nas partes humorísticas ou com piadas; por outro, as referências socioculturais resultam mais genéricas, e muitas partes políticas são totalmente apagadas ou transformadas, como Randaccio comenta. Na tradução americana, por exemplo, é acrescentada uma fala de Antonia sobre a fome do povo, que se dava não apenas por falta de comida, mas era uma fome também de dignidade e justiça. A peça foi apresentada pelo próprio tradutor como “the comedy of hunger” (Randaccio, 2016Randaccio, Monica. “Performabilità, interculturalità, ‘performatività’. L’esempio di Non si paga! Non si paga!”. In: Miralles, Helena Lozano; Kopušar, Ana Cecilia Prenz; Quazzolo, Paolo & Randaccio, Monica (Ed.). Traduzione aperta, quasi spalancata: tradurre Dario Fo. Trieste: Edizioni Università di Trieste, 2016. p. 47-61. Disponível em: https://www.openstarts.units.it/handle/10077/13960. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://www.openstarts.units.it/handle/1...
, p. 57).

Por sua vez, a tradução de Farrell mantém as referências políticas, adaptando-as ao tema da escassez financeira, que, originada nos EUA em 2008, assolava vários países europeus. Suas consequências levaram muitas famílias a contraírem empréstimos sem garantias além da própria casa, que, em muitos casos, se tornaram propriedade dos bancos credores. As críticas dessa versão inglesa foram impiedosas, segundo Randaccio, e ela conclui seu estudo dizendo que, mesmo sendo diferentes, nem a tradução de Jenkins, com maior “intencionalidade para a cena”, nem a de Farrell, com maior respeito pela “autoralidade do original”, passaram na prova do palco (Randaccio, 2016Randaccio, Monica. “Performabilità, interculturalità, ‘performatività’. L’esempio di Non si paga! Non si paga!”. In: Miralles, Helena Lozano; Kopušar, Ana Cecilia Prenz; Quazzolo, Paolo & Randaccio, Monica (Ed.). Traduzione aperta, quasi spalancata: tradurre Dario Fo. Trieste: Edizioni Università di Trieste, 2016. p. 47-61. Disponível em: https://www.openstarts.units.it/handle/10077/13960. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://www.openstarts.units.it/handle/1...
, p. 61).

A seguir, faremos uma análise da tradução fílmica de Non si paga, non si paga, na qual serão comentadas as situações e falas políticas da peça de Dario Fo e como (não) foram adaptadas no filme.

Análise da tradução fílmica

Embora já existisse uma tradução da peça Non si paga, non si paga para o português brasileiro, feita por Maria Antonietta Cerri e Regina Vianna, disponível no acervo da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), foi feita uma nova adaptação da peça, uma vez que nos créditos do filme o nome de Renato Fagundes aparece como o responsável pela adaptação e pelo roteiro. De fato, percebe-se que, textualmente, as falas do filme brasileiro são, em sua grande maioria, diferentes das falas da peça italiana e da sua primeira tradução brasileira para o palco.

No entanto, já no que diz respeito à tradução teatral, sem entrar, ainda, no mérito da adaptação cinematográfica, a primeira etapa do tradutor de teatro é a análise dramatúrgica do texto de partida, uma tradução macrotextual. Para falar a esse respeito, Phyllis Zatlin retoma Patrice Pavis, segundo o qual “The translator is a dramaturg who must first of all effect a macrotextual translation, that is, a dramaturgical analysis of the fiction conveyed by the text” (Pavis, 1989, p. 27 apud Zatlin, 2005Zatlin, Phyllis. Theatrical Translation and Film Adaptation: A Practitioner’s View. Clevedon: Multilingual Matters, 2005., p. 5). Tal análise deveria muni-lo de “a coherent reading of the plot as well as the spatio-temporal indications contained in the text” (Pavis, 1989, p. 28 apud Zatlin, 2005Zatlin, Phyllis. Theatrical Translation and Film Adaptation: A Practitioner’s View. Clevedon: Multilingual Matters, 2005., p. 5).

No teatro, ao contrário do que acontece quando se lê um livro, o espectador não pode voltar atrás para reler um trecho, para olhar uma palavra no dicionário. Portanto, devido a essa necessidade de comunicação imediata com o público, na tradução teatral parece ser menos importante a tradução linear, palavra a palavra, e mais importante a tradução macrotextual. No cinema e na televisão também não é possível voltar um filme; embora isso seja possível no YouTube ou em outros serviços de streaming, não é o modo de apreciação mais comum do audiovisual. Achamos, então, que essa reflexão acerca da tradução teatral também se aplica à tradução cinematográfica e, por isso, não nos deteremos sobre as escolhas linguísticas efetuadas por Renato Fagundes, mas analisaremos três elementos de sua tradução macrotextual.

A tradução das cenas narradas

Na peça italiana, os protagonistas narram e comentam os protestos que observaram ou dos quais participaram. Antonia, por exemplo, na primeira cena, conta para Margherita como se deu o saque ao supermercado. Na segunda cena, Giovanni fala para sua esposa do protesto contra a comida ruim da cantina da fábrica onde trabalha. O mesmo acontece na nona e última cena do primeiro ato, quando Luigi conta para Giovanni que os operários bloquearam o trem, manifestando contra um aumento de 30% no valor da passagem. Mais do que retratar as lutas sociais da época ou mostrar que as manifestações, nos anos 1970, faziam parte do cotidiano da classe operária italiana, a presença desses diálogos acompanha a discussão política entre os proletários, a sua tomada de posição e a sua força de ação contra os avanços neoliberais. Esses diálogos, portanto, mostram que as classes menos favorecidas têm meios para agir sobre as injustiças do mundo, e também retratam seus membros como seres pensantes, que formulam opiniões próprias sobre o que vivem e veem, tanto que nem todos pensam da mesma forma, e Giovanni, em especial, muda de opinião ao longo da peça.

Essas são características que aproximam o teatro de Fo e Rame do teatro épico, que, ao contrário do teatro dramático, não coloca o espectador dentro de algo, para se identificar com o que vê, tampouco representa os seres humanos como seres fixos; mas estimula o pensamento crítico do espectador, colocando-o como observador dos processos pelos quais passa o ser humano. Nas palavras de Anatol Rosenfeld, no teatro épico “O homem não é exposto como ser fixo, como ‘natureza humana’ definitiva, mas como ser em processo capaz de transformar-se e transformar o mundo” (Rosenfeld, 1985Rosenfeld, Anatol. O teatro épico. Rio de Janeiro: Perspectiva, 1985., p. 150). Um dos recursos mais importantes para atingir o efeito didático do teatro épico é justamente a narração, uma vez que essa é uma forma de distanciar o ator do personagem (para que o primeiro possa evitar a identificação com o segundo) e de quebrar a ilusão cênica do drama, o que permite o olhar crítico sobre o que é narrado.

É interessante notar que, no filme, a cena de abertura retrata o momento em que Antônia vai ao supermercado e em que começam as confusões que resultarão no saque. A cena é interrompida para retratar o momento posterior em que Margarida e Antônia conversam. Quando esta vai contar àquela como conseguiu todas as compras, há um flashback que volta para o momento em que a primeira cena havia sido interrompida e o saque ao supermercado é representado de uma forma que, na terminologia de Rosenfeld, pode ser considerada ilusória.

Quanto às cenas que mencionam o protesto por uma alimentação de melhor qualidade na fábrica e contra o aumento das passagens de trem, a última foi cortada na tradução fílmica; a primeira, por sua vez, foi traduzida sem menção ao protesto, aos 21 minutos do filme:

Antônia: Que cara é essa?

João: Fome. Eu não almocei hoje.

Antônia: Por quê?

João: O clima tá horrível lá no serviço, é demissão toda hora e a birosca na esquina ainda aumentou o preço do PF de novo.

(Fonseca, 2020Fonseca, João (diretor); Fagundes, Renato (roteirista). Não Vamos Pagar Nada. Com Samantha Schmütz. Adaptado da obra de Dario Fo. Rio de Janeiro: A Fábrica e Globo Filmes, 2020. Filme. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sfd1mnLoN30&ab_channel=D%27filmes. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=sfd1mnLo...
, 21’).

Embora a cena continue mencionando a inflação dos alimentos e as demissões em massa, problemas que afligem a classe trabalhadora, ela deixa de mencionar os protestos. Isso, somado ao corte de outra cena que fala sobre uma manifestação, diminui o protagonismo da agência dos operários na passagem da peça italiana para o filme brasileiro. Por fim, é evidente que há uma facilidade técnica muito grande do cinema (ainda mais se comparado ao teatro) para representar ao invés de narrar, mas a escolha pela representação também pode estimular menos o pensamento crítico dos espectadores.

O posicionamento político do personagem Giovanni/João

Na peça de Fo, Giovanni é, como salienta Farrell, “l’incarnazione dell’uomo di buon cuore, è lo sciocco ingenuo che ha intrattenuto il pubblico sui palchi di tutta Europa fin dai tempi di Aristofane e Plauto” (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 187). Ele vê os protestos por melhores condições de alimentação na fábrica e a apropriação proletária no supermercado e se posiciona contra ambos, não por acreditar que as condições de vida dos trabalhadores estão satisfatórias, mas porque, ainda segundo Farrell,

Giovanni, membro sostenitore del partito comunista, non è mai disposto a deviare dalla linea del partito ed è un cittadino modello, ligio alla legge. Il PCI a metà degli anni Settanta era più papista pure del Papa, e aveva adottato l’etica puritana degli umanisti secolari e le politiche di rispetto delle leggi della prudenza e della moderazione

(Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 187).

Embora também fosse, portanto, de esquerda, assim como seus colegas operários, havia entre eles uma diferença fundamental, se não ideológica, pelo menos de método. Para Giovanni, o operário deveria ser um cidadão modelo, e partir para a ação direta era uma forma de atrair ainda mais o ódio dos patrões contra os trabalhadores. Na segunda cena do primeiro ato, ele chega até mesmo a chamar aqueles que protestaram de “subproletários”, como se não merecessem sequer pertencer à classe proletária: “’Sti sottoproletari del porco giuda, incivili e provocatori, che fanno il gioco dei padroni... che poi cosí possono andare in giro a dire che gli operai rubano, che siamo degli avanzi di galera” (Fo, 2000Fo, Dario & Rame, Franca. Teatro. Torino: Einaudi, 2000., p. 33).

Para além de ser uma “satira anti-PCI” (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 187), o personagem Giovanni também torna possível um debate ideológico entre a linha legalista do PCI e a ação direta feita pelos trabalhadores, que, na peça, estão lidando com necessidades mais urgentes do que a de preservar a imagem dos operários. No final, ganha a linha dos demais personagens, e Giovanni percebe que o seu apoio irrestrito ao partido era um erro.

No filme brasileiro, o personagem João continua sendo “l’incarnazione dell’uomo di buon cuore” (Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p. 187); no entanto, a sua ideologia comunista ou, de forma mais geral, de esquerda, desaparecem completamente. João ainda é legalista e se posiciona de forma contrária ao único protesto citado, a expropriação proletária do supermercado, mas não há mais debate ideológico com os outros personagens acerca de qual é a forma correta de um proletário se portar em sociedade e conseguir melhorias para a classe trabalhadora. Pelo contrário, das poucas vezes em que é confrontado por personagens que são a favor da ação direta, Antonia e o policial, João dá indícios que parecem corresponder mais a uma ideologia aparentada com a ideologia da classe dominante, conservadora e machista. Ao conversar com Antonia, chama as mulheres que saquearam o supermercado de doidas, histéricas e descabeladas.

Antonia: Você não pode ficar sem comer, não.

João: E você quer que eu faça o quê? Comer sem pagar, igual aquelas malucas lá no mercado?

Antonia: Maluca do mercado?

João: Tu não soube não?

Antonia: Não!

João: Um bocado de mulher, tudo maluca lá, desesperada, que saíram do mercado cheias de mercadoria gritando “Não vamos pagar nada! Não vamos pagar nada!”. Olha se tem cabimento um negócio desse?

Antonia: Só tinha mulher?

João: Pelo que eu sei, sim...

Antonia: Não, um homem pelo menos devia ter.

João: Não, era tudo mulher, tudo maluca, tudo descabelada, e tudo histérica!

(Fonseca, 2020Fonseca, João (diretor); Fagundes, Renato (roteirista). Não Vamos Pagar Nada. Com Samantha Schmütz. Adaptado da obra de Dario Fo. Rio de Janeiro: A Fábrica e Globo Filmes, 2020. Filme. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sfd1mnLoN30&ab_channel=D%27filmes. Acesso em: 15 jun. 2021.
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, 21’09” - 21’36”).

Ao contrário do Giovanni comunista, que se sente pertencente ao proletariado e acredita que este deve ser o modelo de retidão e bom comportamento, João parece duvidar dos pobres e acreditar quase que em uma falta de aliança (para não dizer maldade) intrínseca a esta classe social, como pode-se ver em sua conversa com o policial:

Policial: Você duvida? Rico é assim, um ajuda o outro. Já o pobre...

João: O pobre ele passa a perna no outro, engana o outro, vai revirar a casa do outro...

(Fonseca, 2020Fonseca, João (diretor); Fagundes, Renato (roteirista). Não Vamos Pagar Nada. Com Samantha Schmütz. Adaptado da obra de Dario Fo. Rio de Janeiro: A Fábrica e Globo Filmes, 2020. Filme. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sfd1mnLoN30&ab_channel=D%27filmes. Acesso em: 15 jun. 2021.
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, 35’38”-35’46).

Novamente, parece-nos que, na adaptação de Renato Fagundes, a peça de Dario Fo perde marcadores importantes de sua filiação política à esquerda e de sua inserção no debate ideológico dos anos 1970. No caso do personagem Giovanni e de seu correspondente João, é interessante ressaltar que essa mudança de posicionamento político se configura como uma estratégia tradutória de domesticação. Contrariamente à Itália dos anos 1970, na qual a ação direta era uma realidade e na qual o PCI era uma referência importante não apenas na política partidária nacional, mas também na vida dos trabalhadores (uma vez que estava presente não apenas nos sindicatos, como também num imenso aparato ideológico e cultural), no Brasil os partidos comunistas têm pouca expressão e, especialmente depois do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro, as ideologias de direita estão cada vez mais presentes entre os mais pobres.

O conflito com o dono do supermercado

Tanto Non si paga, non si paga como Não vamos pagar nada são peças que mencionam a todo o tempo as demissões, o desemprego, os salários baixos e a inflação. O problema central de Non si paga, non si paga, assim como dos italianos daquela época, era a inflação:

L’opera originale, un testo più completo e meglio costruito di parecchi altri composti in precedenza, nacque dalla constatazione che il problema principale che i lavoratori degli anni Sessanta dovevano affrontare non era la disoccupazione, ma l’inflazione

(Farrell, 2014Farrell, Joseph. Dario e Franca: la biografia della coppia Fo-Rame attraverso la storia italiana. Tradução de Carlo Milani. Milão: Ledizioni, 2014., p.184).

Ora, esse problema também está presente no filme de João Fonseca, mas é interessante notar como, novamente, ele perde contornos políticos e ganha uma dimensão mais pessoal, individual. De fato, o filme começa com uma cena nova, que não estava presente na peça italiana, em que a protagonista, Antônia, após ser recusada em uma entrevista de emprego, vai fazer compras no mercado do bairro onde mora. Enquanto ela faz as compras, os preços estão sendo remarcados, e ela tenta se apressar para pegar produtos antes da passagem do funcionário responsável pela remarcação. Quando eles se encontram, o funcionário, interpretado por Criolo, diz: “Minha senhora, por favor, eu tenho que fazer meu trabalho. Está sob nova direção aqui, eu tenho que remarcar isso aí” (Fonseca, 2020Fonseca, João (diretor); Fagundes, Renato (roteirista). Não Vamos Pagar Nada. Com Samantha Schmütz. Adaptado da obra de Dario Fo. Rio de Janeiro: A Fábrica e Globo Filmes, 2020. Filme. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sfd1mnLoN30&ab_channel=D%27filmes. Acesso em: 15 jun. 2021.
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, 4’51” - 4’58”). A responsabilidade pela nova política de preços e formas de pagamento do supermercado é novamente atribuída ao novo dono em outros momentos da cena, dentre os quais se destaca a passagem de Antônia pelo caixa. Ela pede à caixa que anote e afirma que vai pagar fiado, mas a funcionária nega. Antônia insiste, dizendo que faz isso todo mês, mas novamente tem seu pedido negado sob a justificativa de que o novo dono proibiu o fiado, o que faz com que os outros clientes também reclamem. Na cena do flashback em que Antônia conta para Margarida da expropriação no mercado, há o seguinte diálogo:

Dono: Pois é. Agora esse mercado aqui é meu.

Funcionário: Esse mercado é dele.

Antônia: Então foi você que aumentou o preço de tudo?

Dono: Vocês podem comprar onde quiserem.

Cliente: Mas só tem esse mercado aqui na região.

Dono: Aí já não é problema meu.

(Fonseca, 2020Fonseca, João (diretor); Fagundes, Renato (roteirista). Não Vamos Pagar Nada. Com Samantha Schmütz. Adaptado da obra de Dario Fo. Rio de Janeiro: A Fábrica e Globo Filmes, 2020. Filme. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sfd1mnLoN30&ab_channel=D%27filmes. Acesso em: 15 jun. 2021.
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, 9’54”-10’04”).

Ao invés de parecer um problema geral, causado pela política econômica e pelo avanço do neoliberalismo, a questão do aumento dos preços no filme parece restrita à falta de empatia do novo dono do mercado, uma vez que os preços não estão altos em absoluto, mas estão altos porque o novo dono resolveu remarcá-los, e é o fato de esse personagem não permitir mais a venda a prazo que impede o acesso dos consumidores aos produtos.

O final do filme também é destoante do final da peça. Nesta, há um progressivo agravamento da repressão policial. A perseguição por causa do saque ao supermercado se torna uma grande operação de desocupação dos operários, uma vez que muitos estavam com o aluguel e as contas atrasadas. À medida que a polícia retira os trabalhadores de suas casas e recolhe seus bens, estes começam a protestar de forma mais intensa. Enquanto a polícia atira para matar, o proletariado lança telhas e tijolos do alto das casas; os que têm armas de caça atiram. No final, é a polícia quem foge. Paralelamente, Giovanni toma consciência e abandona a sua posição legalista inicial, valorizando o poder de ação dos menos favorecidos.

In verità noi operai siamo un po’ a livello basso, siamo infatti con il culo per terra. Ma attenti, può darsi che pian piano ci si metta prima in ginocchio, poi ci si sollevi in piedi. E vi avvertiamo: all’impiedi facciamo sempre il nostro bell’effetto!

(Fo, 2000Fo, Dario & Rame, Franca. Teatro. Torino: Einaudi, 2000., p. 214-215).

O final feliz da peça é, portanto, representado por uma esperança que se origina da tomada de consciência do proletariado sobre seu poder de ação. No filme brasileiro, essa cena é completamente alterada: o dono do mercado, condenado pelo escândalo de fornecer marmitas feitas à base de ração animal para as polícias civil e militar, deve prestar um serviço comunitário – oferecer um banquete para os moradores do bairro. Temos, novamente, uma diminuição da carga política da peça de Fo visando a uma maior domesticação para a cultura brasileira atual. Afinal, nada mais brasileiro que trocar uma crítica política marxista por uma crítica à corrupção individual e que celebrar a conciliação de classes com um banquete, afinal, aqui tudo acaba em pizza.

Considerações finais

Como puderam ilustrar os três elementos que analisamos da tradução fílmica, muitas são as diferenças entre a peça italiana e o filme brasileiro. Certamente as diferenças não são um problema em si, uma vez que a tradução das peças de Fo, tanto por seu caráter cômico como por sua inserção em um contexto político bem preciso, exigem soluções criativas dos tradutores, o que já mencionamos. Além disso, como bem aponta Edo, a instabilidade do texto de partida do próprio Fo mais do que justifica as manipulações que porventura o tradutor venha a fazer.

L’estrema instabilità del testo di partenza, da collegare a una tradizione di teatro popolare poco attenta alla fissazione e alla pubblicazione del copione, serviva perciò da ulteriore stimolo o giustificazione per una fitta manipolazione da parte del traduttore.

(Edo, 2018Edo, Miquel. “Apologia dell’addomesticamento nella traduzione di teatro politico: Sotto pa- ga! Non si paga! di Dario Fo”. Enthymema, 1(28), p. 30-40, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.13130/2037-2426/10617
https://doi.org/10.13130/2037-2426/10617...
, p. 3).

Por um lado, a diminuição tanto dos elementos épicos e didáticos da peça como do seu tensionamento político são parte de uma notável domesticação de Non si paga, non si paga à cultura política do Brasil atual. Por outro lado, essas mesmas operações fazem com que o filme se distancie dos ideais revolucionários da poética teatral de Dario Fo e se aproxime da poética da cultura hegemônica.

Thaís Diniz, em seu artigo “Tradução intersemiótica: do texto para a tela” (1998), um estudo sobre “considerações sobre o processo de tradução que ocorre na adaptação fílmica, Karol Lear, da peça de William Shakespeare, King Lear, pelo cineasta russo Grigori Kozintsev” (Diniz, 1998Diniz, Thais Flores Nogueira. “Tradução intersemiótica: do texto para a tela”. Cadernos de Tradução, 1(3), p. 313-338, 1998. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5390. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/tra...
, p. 314), observa que, no cinema, assim como em todas as arte, é possível utilizar recursos que “remetem à teoria do efeito de alienação de Brecht” (Diniz, 1998Diniz, Thais Flores Nogueira. “Tradução intersemiótica: do texto para a tela”. Cadernos de Tradução, 1(3), p. 313-338, 1998. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5390. Acesso em: 15 jun. 2021.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/tra...
, p. 332). Porém, acreditamos que os recursos cinematográficos, especialmente das comédias brasileiras contemporâneas, são na maioria das vezes utilizados para que o espectador seja levado para dentro da história, sem muitas chances de distanciamento crítico. Talvez o único posicionamento político possível seja a escolha do personagem com o qual se identificar durante o desenvolvimento dos acontecimentos (sempre que direção, montagem etc. permitem uma escolha efetivamente autônoma e não sutilmente guiada).

Com essa última reflexão, podemos dizer que o cinema, mesmo escolhendo temas de interesse social, político e cultural de “denúncia” da fome e do desemprego, como o filme dirigido por João Fonseca se propunha a fazer, apresenta mais possibilidades de apagamento de certa intencionalidade comunicativa, que no teatro depende muito da atuação, por exemplo, de uma atriz ou de um ator naquele espaço-tempo compartilhado simultaneamente com seu público.

Referências

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  • Edo, Miquel. “Apologia dell’addomesticamento nella traduzione di teatro politico: Sotto pa- ga! Non si paga! di Dario Fo”. Enthymema, 1(28), p. 30-40, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.13130/2037-2426/10617
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2022
  • Aceito
    17 Jan 2023
  • Publicado
    Mar 2023
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