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ENTREVISTA COM PERSIO SPOSITO

Esta entrevista, realizada com o profissional de localização de jogos Persio Sposito, está dividida em três partes: a primeira tem como intenção conhecer mais sobre o entrevistado em um nível pessoal. Questões neste momento buscam entender o contato do entrevistado com os RPGs, objeto de estudo aqui considerado, durante sua infância e adolescência, bem como descobrir quais tipos de materiais o entrevistado teve contato e em que língua estes materiais se apresentavam. Na segunda parte, a entrevista deseja conhecer mais sobre questões profissionais do entrevistado, seus principais projetos, sua formação e momento atual profissional. Por fim, na terceira parte da entrevista, buscamos entender o processo de tradução e localização da obra Vampiro: a Máscara (Hite et al., 2021Hite, Kenneth et al. Vampiro: a Máscara. 5ª edição. Tradução de Fábio Gullo & Localização de Persio Sposito. São Paulo: Galápagos, 2021.), os processos e pessoas envolvidas, os possíveis legados deixados pela 3ª edição lançada em 1999 pela extinta editora Devir (Achilli et al., 1999Achilli, Justin et al. Vampiro: a Máscara. 3ª edição. Tradução de Luiz Eduardo Ricon & Otávio Gonçalves. São Paulo: Devir, 1999.), o uso de CAT tools e memórias de tradução, além de falarmos sobre a questão da aceitação do setor de localização no mercado atual pelas desenvolvedoras de jogos.

1ª parte - O jogador

Cadernos de Tradução (CT): Os anos 90 e início dos anos 2000 representam o auge do RPG no Brasil, considerando que o ápice foi atingido durante a exibição da trilogia de O Senhor dos Anéis nos cinemas, entre 2001 e 2003. Era comum que livrarias tivessem seções dedicadas aos livros e materiais de RPG em suas lojas, e não era difícil encontrar grupos de jovens jogando RPG nos mais diversos lugares, como bibliotecas, praças, shoppings e cafeterias, que, inclusive, disponibilizavam espaço para este público especificamente. Onde você estava durante esses anos?

Persio Sposito (PS): Eu nasci no finalzinho da década de 70, especificamente em Santos, no litoral paulista. O único lugar na cidade que dispunha de material e, ao mesmo tempo, juntava as poucas pessoas que conheciam RPG era a Banca Estátua. Lá, pude encontrar livros de RPG e conteúdo disponível no idioma local, bem como tornou-se o lugar onde basicamente encontrei alguns dos amigos que formei ao redor da mesa de jogo. Os Livros jogos e o próprio RPG, foram transições naturais pra mim, já que eu adorava a série E Agora Você Decide, da editora Ediouro. Os livros desta série foram, resumidamente, precursores – sem sistema de combate – dos livros jogos que surgiram posteriormente. Como toda a pessoa que teve contato com RPG nos anos 80-90, era difícil encontrar material e, principalmente, pessoas com quem jogar. Isso além do medo e discriminação infundada cercando esses conteúdos naquela época.

(CT): As revistas e impressos de RPG tiveram grande destaque em sua era de ouro no Brasil. Revistas como a Dragon/Dragão Brasil e a Dragon Magazine traziam traduções de artigos, promovendo acesso aos brasileiros que não leem em inglês. A quais revistas/materiais ou fonte de informação você tinha acesso naquela época e quanto desse material estava em língua estrangeira?

(PS): Nessa época eu já tinha uma habilidade funcional básica com o idioma inglês, algo que acabou facilitando o acesso às publicações originais de Dragon Magazine, Polyedron e Pyramid. Para além da informação em mídia analógica, a internet esboçava tornar-se uma possível fonte de informações, já sendo possível encontrar material relacionado ao RPG. Eu confesso que quase não consumi o material nacional, embora acompanhasse, ocasionalmente, o desenvolvimento e disseminação das informações que as publicações nacionais ofereciam por aqui. Embora eu já não fosse o público consumidor principal, tais publicações favoreceram muito o acesso das pessoas e, por isso, merecem ser lembradas com muito respeito.

(CT): Como aconteceu a transição do hobbie que se tornou trabalho? Você poderia imaginar que viria a trabalhar com localização de jogos algum dia? Conte-nos um pouco sobre o início do seu envolvimento profissional com o mundo dos jogos em geral.

(PS): Trabalhar com jogos sempre foi um objetivo, ainda que no início existisse um sentimento de objetivo utópico. Ao me aprofundar na carreira fora do hobbie, tive oportunidade de trabalhar em empresas fantásticas, conhecer outras culturas, praticar o idioma, ter acesso a mais material – como consumidor que nunca deixei de ser – e, eventualmente, transmutar o desejo em realidade profissional. A princípio, eu pude trabalhar com treinamentos corporativos, já traduzindo, adaptando, localizando e, o mais importante: aplicando os conteúdos na prática. Isso facilitou a visão 360 daquilo que supostamente funciona quando escrito tecnicamente correto e o impacto real dessa informação na ponta que o consumia. Somada a esta experiência de anos, pude agregar uma boa passagem pela The Walt Disney Company, quando esta iniciou suas atividades de internacionalização (localização) de propriedades intelectuais de sua divisão digital, o Disney Online Studios. Uma curiosidade importante é que nesse período profissional, eu pude trabalhar junto (não que não existissem interesses e contato fora da esfera profissional) com um amigo de infância, o Fabio Gullo. Ele foi um amigo que conheci na época da pergunta 1, ou seja: o RPG realmente forma amizades que podem seguir para além da mesa de jogo.

2ª parte - A jornada do profissional

(CT): Tradutores e localizadores de jogos têm perfis profissionais com formações e experiências advindas das mais diversas áreas. Quais são suas formações e qualificações profissionais e como elas contribuíram para que você seja o profissional que é hoje?

(PS): É sabido que a comunicação é algo muito mais complexo do que palavras escritas, gramática e ortografia. Ela envolve contexto, situação sociocultural, localidade e público; logo, não fica difícil compreender que nem sempre uma tradução literal é a mais adequada para transmitir uma ideia... para um determinado público, em um determinado lugar.

Isso posto, realmente concordo que os profissionais da área podem ter experiências diversas. No meu caso, a formação acadêmica é em Adm./Marketing Internacional. Mas, creio eu o fator decisivo foi, realmente, a experiência profissional. Somente ali eu pude me expor a diversos segmentos, principalmente em áreas de tecnologia, mas mesclados com humanas. Essa é uma combinação incomum que me permitiu observar as coisas “sem escovar bits e bytes e sem fazer todo mundo abraçar a árvore1 1 “Escovar bits”, na área da tecnologia, é uma expressão que significa “se preocupar com detalhes de baixo nível” e “abraçar a árvore”, na área de Recursos Humanos, se refere a práticas questionáveis realizadas por alguns profissionais do setor. ” (quem for das áreas de tecnologia ou de RH vai entender ambas as referências.) Hoje em dia, eu considero que um dos principais fatores para qualquer profissional – independentemente da formação acadêmica – ter relativo êxito na localização de jogos é o conhecimento contextual específico e o impacto lúdico do material. Sem estas percepções bem alinhadas, o profissional corre o risco de executar uma localização tecnicamente precisa no que tange terminologias e construções, mas contextual, estética e emocionalmente estéril na mensagem e conexão com o público.

(CT): Em seu empreendimento, a Kronos Games, você trabalhou com o tradutor Fábio Gullo, que também foi seu colega de trabalho no processo de localização de Vampiro: a Máscara (Hite et al., 2021Hite, Kenneth et al. Vampiro: a Máscara. 5ª edição. Tradução de Fábio Gullo & Localização de Persio Sposito. São Paulo: Galápagos, 2021.). A parceria de vocês vem de longa data. Conte-nos um pouco sobre esta parceria profissional e quais projetos vocês consideram mais interessantes dos que tenham trabalhado juntos?

(PS): De fato, é uma parceria duradoura e mutuamente construtiva. Conforme comentei em uma outra pergunta, o jogo em si, conectou duas pessoas, mas elas acabaram se tornando amigas para além da mesa. Muito por conta de interesses semelhantes na criação de nossos próprios mundos e cenários fantásticos – experiência essa que nos possibilitou chegar até a Devir ainda nos anos 90, mas essa é outra história. Como pudemos atuar profissionalmente em mais de uma empresa e trabalhando com jogos e idioma, foi ainda mais natural criarmos uma sinergia de pensamentos e soluções. Isso facilita para além de nós dois, deixando o trabalho em grupo mais rico. Cria-se aquele lance de “experiência compartilhada”. É quase impossível fazer uma lista com os principais projetos, pois cada qual apresenta seu próprio conjunto de características e desafios. Dentre algumas franquias eu poderia citar: Dungeons & Dragons, World of Darkness, Marvel, Star Wars, Lovercraft, L5R2 2 Legend of the Five Rings é um tabletop RPG, ou RPG de mesa. , LotR3 3 LotR significa Lord of the Rings. , Duna, e por aí vai!

(CT): Nos anos 90, as traduções e localizações de jogos eram feitas muitas vezes pelos próprios engenheiros que desenvolviam estes jogos, geralmente tendo como única ferramenta para isso algum dicionário, somente com a expansão global dos jogos por volta dos anos 2000 que começam a aparecer empresas dedicadas à localização de jogos. Como você vê a aceitação do setor de localização de jogos pelas empresas desenvolvedoras e pelas editoras atualmente? Você sente alguma forma de valorização e compreensão da importância de o processo de localização ser realizado por uma equipe de profissionais qualificados?

(PS): O processo de localização é mais amplo e complexo do que parece à primeira vista. Creio que o setor de localização – especificamente a localização de jogos digitais e analógicos – está se profissionalizando constantemente. Olhando em escala global, nota-se um esforço cada vez maior para tornar o conteúdo acessível nos idiomas locais de cada mercado onde uma editora atua. Isso levando-se em conta todas as facetas da localização de conteúdo que são: tradução, revisão, controle de qualidade, dublagem, adaptação, design e layout. Tenho observado esforços locais para melhoria dos processos, profissionais e ferramentas envolvidas no setor de localização.

(CT): Sabemos que existem diferentes funções a serem realizadas pelos tradutores, revisores e os localizadores. Na sua visão, qual é o papel do localizador de jogos?

(PS): Localizar é traduzir culturalmente. Ou seja: não é o simples ato de tradução, mas de fazer a ideia soar natural ou como se fosse original do seu idioma local. Isso significa dizer que nem sempre a opção de tradução mais literal ou precisa é a melhor escolha cultural ou mercadológica para um determinado público. Seria “O Dia de Folga do Ferris” (em tradução livre) uma escolha melhor para Ferris Bueller’s Day Off? Ainda que não seja tão literal quanto a primeira opção, tenho certeza de que “Curtindo a Vida Adoidado” chamou muito mais a atenção do público. Não se trata apenas de uma opção mais marketeira ou chamativa, como podemos vir a pensar num primeiro momento. Existe todo um significado oculto: o que significa ter um day off, um dia de folga, para um norte americano? Quantos dias de folga eles têm no ano? Quanta coisa eles programam fazer no dia de folga? E para nós que temos mais paradas anuais, um dia de folga significa a mesma coisa?

E o que dizer da localização Jaguadarte para Jabberwocky? Augusto de Campos certamente estava inspirado quando traduziu o poema de L. Caroll. Aqui fica uma outra faceta interessante do trabalho de localização: às vezes o conteúdo precisa ser inventado no idioma destino, pois não há correlação direta.

Eu poderia citar dezenas de outros termos, em outras mídias e segmentos, inclusive. Opções brilhantes que alguns tradutores ousaram utilizar ao localizar uma obra. Mas com certeza eu estaria esquecendo de citar uma infinidade de outras, sendo assim, estes dois exemplos servirão de breve ilustração.

(CT): Qual seu momento profissional atual? Em quais projetos você tem trabalhado que você possa mencionar?

(PS): Atualmente eu e minha equipe cuidamos de todos os títulos do catálogo da Galápagos.

(CT): Em relação à sua parceria profissional com a editora Galápagos, como funciona a sua participação como localizador? Quais funções são designadas a você?

(PS): Atualmente cuido da nova área editorial da Galápagos. Foi uma reformulação que começou há pouco mais de 2 anos – mais precisamente no início da pandemia. A ideia é criar uma área editorial totalmente integrada e que pudesse ir além da proposta inicial de apenas localizar. Hoje, o editorial cuida de todo o processo de adaptar um jogo para o nosso público, quer seja no aspecto do idioma, da leitura sensível, da adequação cultural e, em alguns casos, também faz criações originais.

Quando atuo diretamente em um projeto, minha função é dupla: primariamente como editor e, por vezes, como localizador. Mais do que nome e funções, meus objetivos são, entre outros:

  1. Remover Obstáculos (via texto ou imagens). Qualquer coisa que impeça ou dificulte o seu entendimento simples e objetivo.

  2. Garantir Consistência. Chamou de uma coisa por um nome em um lugar? Chame do mesmo nome em outro. Usou um padrão de cores aqui, use o mesmo ali.

  3. Manter a Estética. Nunca corrigir/alterar o que é originalmente tosco, esquisito ou possui qualquer função estética subjetiva.

3ª parte – Vampiro: a Máscara

Vampiro: a Máscara foi uma obra que mudou os rumos do RPG. Publicado pela primeira vez no Brasil em 1994, pela editora Devir (Hagen, 1994Hagen, Mark Rein. Vampiro: a Máscara. Tradução de Sylvio Gonçalves. São Paulo: Devir, 1994.), o título foi um sucesso absoluto tendo outras quatro edições lançadas posteriormente, sendo a última pela editora Galápagos, em 2021 (Hite et al., 2021Hite, Kenneth et al. Vampire: The Masquerade. 5ª edição. Nova York & Estocolmo: White Wolf Publishing: 2018.). A 5ª edição de Vampiro: a Máscara tem 429 páginas e foi consideravelmente ampliada em relação às suas versões anteriores. O Entrevistado, Persio Sposito, figurou como responsável pela localização da obra no mercado brasileiro, através da editora Galápagos.

(CT): Quando o projeto da localização de Vampiro: a Máscara, 5ª edição (Hite et al. 2021Hite, Kenneth et al. Vampiro: a Máscara. 5ª edição. Tradução de Fábio Gullo & Localização de Persio Sposito. São Paulo: Galápagos, 2021.), foi atribuído a você, quais foram seus primeiros pensamentos e expectativas?

(PS): Tal como um vampiro pensei: isso pode ser tanto uma dádiva quanto uma maldição. A verdade é que uma obra com esse porte, legado e expectativa do público, não poderia ser tratada levianamente. Qualquer profissional, por mais gabarito e preparo que possua, deve fazer uma profunda análise de tudo que está sendo tratado ali. Não se trata, simplesmente, de termos e terminologia, palavras e estilo, mas todo o contexto das edições anteriores, o que era normal na época e que hoje não é mais? Como a sociedade entendia o tema? Como o público entende o tema hoje? O que mudou? O que permaneceu? Quem leu quando adolescente, hoje é um adulto de mais de meia idade. Existem muitas perguntas antes de se escolher a primeira palavra a ser traduzida.

A expectativa sempre foi a de entregar uma edição atual, com uma tradução moderna, isto é: com um pé no legado, respeitando-o sempre que possível, mas totalmente modernizada e se comunicando bem com os nossos tempos atuais.

(CT): Vampiro: a Máscara é um jogo recomendado para maiores de 18 anos. Você já havia trabalhado com algum material sensível desta forma? Houve alguma preocupação especial na forma de lidar com temas como sexo, drogas, armas, assassinato, visões políticas radicais e muitos outros temas delicados como estes recorrentes neste jogo?

(PS): Resposta curta: não houve preocupação.

Resposta longa: a princípio, não é papel da localização fazer reclassificação etária de uma obra. Normalmente o conteúdo é submetido para análise ao Ministério da Justiça. É lá que uma obra é classificada adequadamente e de acordo com os critérios brasileiros para os temas abordados.

Nesse sentido – uma vez que a obra é classificada por autoridades locais como sendo conteúdo para maiores de 18 anos –, não houve qualquer tentativa de amenizar, cancelar, modificar ou mesmo remover conteúdo original. Qualquer tema mais pesado foi retratado o mais fielmente possível com o original. A única diferença real é o idioma mesmo.

(CT): Houve algum legado de tradução e localização deixado pela Devir, a última editora a representar e promover a White Wolf4 4 A White Wolf foi uma editora estadounidense especializada no segmento de RPGs de terror. Atualmente, os títulos da White Wolf, como Vampiro: a Máscara, são de propriedade da editora Paradox. no Brasil, como glossários, memórias de tradução, guias de estilo, etc.?

(PS): Sem dúvida. Nós sempre utilizamos edições anteriores (quando existentes) como ponto de partida, nunca como destino.

(CT): Quais foram suas atribuições como localizador neste projeto? Quais eram suas principais preocupações em relação ao produto final do seu trabalho como localizador?

(PS): Para o bem e para o mal, todos os termos, dos mais simples aos mais polêmicos que foram mudados, certamente passaram por ou vieram de mim.

(CT): Houveram instruções específicas vindas da World of Darkness5 5 World of Darkness é o título dado à serie de livros de RPG de terror, como Vampiro: a Máscara, Lobisomem: o Apocalipse e Mago: a Ascensão. (WoD) para a localização deste produto, como guias de estilo, uso de CAT tools, etc.?

(PS): Por padrão nós já utilizamos CAT tools e glossários próprios construídos especificamente para cada franquia. A Paradox, detentora da marca WoD, nos deu liberdade total para localizar o conteúdo.

(CT): Tanto os textos quanto o design do livro nesta 5ª edição (Hite et al., 2021Hite, Kenneth et al. Vampiro: a Máscara. 5ª edição. Tradução de Fábio Gullo & Localização de Persio Sposito. São Paulo: Galápagos, 2021.) são muito mais complexos e volumosos do que nas edições anteriores de Vampiro: a Máscara. Quanto tempo durou o processo de localização do jogo e quantos profissionais foram envolvidos no processo?

(PS): O processo total de localização durou aproximadamente 2 anos. Houve uma equipe inicial externa que contratamos para fazer todo o processo de localização e layout, que, ao término de quase 8 meses, não havia progredido adequadamente – tanto em relação a prazos quanto qualidade da tradução. A partir desse momento nós internalizamos totalmente a localização e tentamos revisar em cima do trabalho já feito. Infelizmente “a emenda estava se tornando pior do que o soneto” e o número de anotações e correções acabou dando mais trabalho do que começar do zero. Ao término de mais 6 semanas tentando arrumar, nós desistimos dessa abordagem e nesse momento descartamos todo o material, iniciando uma tradução totalmente nova. Esse efeito sozinho causou uma das maiores tensões editoriais, visto que simplesmente não queríamos expor a equipe anterior. Decidimos assumir em silêncio e recomeçar. A partir de então, o que já era tenso foi elevado a decima potência, juntamente com as expectativas.

(CT): Vampiro: a Máscara tem um público amplo, porém bastante específico. Em sua maioria, os jogadores de Vampiro figuram como adultos em seus 35 anos, geralmente sendo pessoas que já jogaram as outras edições deste jogo no passado. Houve algum tipo de contato com público durante o processo de localização, e como isso influenciou a tomada de decisões por parte dos integrantes da equipe de localização?

(PS): Sim, houve. Ainda que não tenha sido nos moldes perfeitos. Colocada a dificuldade e o risco em que o projeto já se encontrava, não havia muito espaço para grandes movimentações e debate aberto. A opção foi utilizar o conhecimento da equipe (todos são jogadores e/ou narradores de WoD) e estender ao nosso círculo imediato de outros jogadores e narradores. Somado a isso, também trouxemos membros da comunidade para trabalhar diretamente no projeto, seja revisando, fazendo uma leitura crítica ou mesmo aconselhando a equipe. Todas as ideias sempre foram debatidas, deixando em segundo plano, preferencias e gostos, tentando sempre balancear entre o tecnicamente correto, o legado, a modernização e a originalidade que a edição em inglês apresenta.

(CT): O produto final da localização de Vampiro: a Máscara, 5ª edição (Hite et al., 2021Hite, Kenneth et al. Vampiro: a Máscara. 5ª edição. Tradução de Fábio Gullo & Localização de Persio Sposito. São Paulo: Galápagos, 2021.) pela Galápagos é uma obra impecável. A atenção com a fluidez dos textos e o cuidado com o layout por todo o livro é nítido. Como você sentiu a resposta do público brasileiro à obra localizada?

(PS): Nos meses que antecederam o lançamento, havia um medo permeando os corações de fãs e equipe. De um lado a tensão por não saberem ao certo se entregaríamos um produto totalmente alienígena – que simplesmente não conversasse em nada com o universo e o legado de Vampiro: A Máscara. Do outro, internamente, existia a ansiedade por termos trabalhado tanto e contra o tempo para a entrega, principalmente após o retrocesso relatado anteriormente. Mas, à medida que algumas informações foram disponibilizadas, que iniciamos uma pequena amostragem dos principais e mais polêmicos termos que foram alterados, eu acredito que a tensão começou a diminuir. Ainda que existisse algum tipo de rejeição, nós oferecemos os pontos de raciocínio por trás de algumas decisões e isso mudou o ponto de vista inicial de alguns. Veja que sempre vai existir o “gostei vs. não gostei” e isso tanto é válido quanto é normal. Mas do ponto de vista técnico, realmente foi um entrega que eu considero boa, editorialmente falando.

(CT): Como você vê o futuro da localização de jogos no mercado brasileiro? Há espaço para empresas nacionais no cenário internacional de games?

(PS): Acredito na constante profissionalização. Pessoas, processos e ferramentas que elevem a qualidade e minimizem as possibilidades de erros. Eu vejo esse com o caminho mais direto para o setor. Sobre o espaço internacional, não só há o espaço para empresas brasileiras como já existem algumas preenchendo-os. Creio que veremos mais parcerias internacionais e múltiplos idiomas com mais intensidade nos próximos anos.

(CT): E, por último, Playstation, Xbox ou Nintendo?

(PS): Como eu já trabalhei na Microsoft, não teria como não ser o Xbox!

  • 1
    “Escovar bits”, na área da tecnologia, é uma expressão que significa “se preocupar com detalhes de baixo nível” e “abraçar a árvore”, na área de Recursos Humanos, se refere a práticas questionáveis realizadas por alguns profissionais do setor.
  • 2
    Legend of the Five Rings é um tabletop RPG, ou RPG de mesa.
  • 3
    LotR significa Lord of the Rings.
  • 4
    A White Wolf foi uma editora estadounidense especializada no segmento de RPGs de terror. Atualmente, os títulos da White Wolf, como Vampiro: a Máscara, são de propriedade da editora Paradox.
  • 5
    World of Darkness é o título dado à serie de livros de RPG de terror, como Vampiro: a Máscara, Lobisomem: o Apocalipse e Mago: a Ascensão.

Referências

  • Achilli, Justin et al. Vampiro: a Máscara. 3ª edição. Tradução de Luiz Eduardo Ricon & Otávio Gonçalves. São Paulo: Devir, 1999.
  • Hagen, Mark Rein. Vampiro: a Máscara Tradução de Sylvio Gonçalves. São Paulo: Devir, 1994.
  • Hite, Kenneth et al. Vampire: The Masquerade 5ª edição. Nova York & Estocolmo: White Wolf Publishing: 2018.
  • Hite, Kenneth et al. Vampiro: a Máscara. 5ª edição. Tradução de Fábio Gullo & Localização de Persio Sposito. São Paulo: Galápagos, 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2022
  • Aceito
    22 Fev 2023
  • Publicado
    Mar 2023
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