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The Great Gatsby. Dir. Baz Luhrmann. Beverly Hills: Village Roadshow Pictures, 2013. Filme.

The Great Gatsby. Luhrmann, Baz. Beverly Hills: Village Roadshow Pictures, 2013. Filme

The Great Gatsby, de Baz Luhrman, baseia-se no livro homônimo do autor F. Scott Fitzgerald, de 1925. A história passa-se em Nova Iorque e na cidade de Long Island durante o verão de 1922. O romance relata o caos da Primeira Guerra Mundial, quando a sociedade americana vivia um nível sem precedentes de prosperidade. O narrador da história, Nick Carraway, um jovem comerciante de Midwest, torna-se amigo de seu vizinho Jay Gatsby, um milionário recém-chegado. A fortuna de Gatsby é motivo de rumores; a proibição de produção e consumo de bebidas alcoólicas havia feito fez grande número de milionários e provocado um aumento do crime organizado. Mais tarde, Nick descobre que a razão da presença de Gatsby ali era para reencontrar seu antigo amor, Daisy Buchanan.

A história de vida de Fitzgerald influenciou todas as suas obras, mas principalmente The Great Gatsby. Seus romances e contos registram o resplendor e o excesso da sociedade americana da década de vinte, época que ele mesmo teve a oportunidade de testemunhar, e por isso a batizou de a Era do Jazz. Nascido em St. Paul, no estado de Minnesota, 1896, Fitzgerald iniciou sua carreira de escritor após mudar-se para o Alabama, onde também conheceu sua esposa Zelda Sayre Fitzgerald. Tanto como observadores, como participantes deste estilo, Fitzgerald e sua esposa Zelda levavam uma vida social que espelhava o hedonismo de suas histórias. O autor critica a sociedade decadente de vinte, mas ao mesmo tempo fazia parte da mesma. The Great Gatsby é um exemplo disso, além de ser o mais célebre de seus romances.

The Great Gatsby foi traduzido diversas vezes desde sua publicação, tanto para outras línguas quanto para outras mídias. A prática de tradução de textos literários para as telas tem sido muito freqüente ao longo da história do cinema, mas isso nem sempre foi visto com bons olhos. A literatura era considerada uma forma de arte intocável e sagrada, portanto sua tradução para as telas era vista por muitos críticos como um plágio mal feito (ClercClerc, J. M. Littérature et cinema. Paris: Nathan, 1993.). Isso se dava também pelo receio que com o advento do cinema e das novas tecnologias, a tradição cultural estivesse ameaçada, já que obras complexas estariam mais acessíveis ao público através de suas adaptações cinematográficas. Isso mostra como o valor cultural era medido erroneamente pela dificuldade de compreensão. DinizDiniz, Thaïs Flores Nogueira. Literatura e cinema: tradução, hipertextualidade, reciclagem. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2005. afirma que os tradutores se apresentam como mediadores entre tradições, entre culturas. E não é diferente com a tradução de textos para as telas. É importante ressaltar que, ao falar sobre tradução de uma obra literária para o cinema é preciso atentar para os meios que o diretor dispõe para fazer sua tradução. Ao seja, linguagem de câmera, trilha sonora, figurino, montagem, etc.

The Great Gatsby foi adaptado cinematograficamente quatro vezes, em 1926 (versão perdida), 1949, 1974 e a mais recente, em 2013. Inclusive, devido ao sucesso do filme lançado em 2013, quatro novas traduções literárias brasileiras foram lançadas no mesmo ano. A tradução fílmica, dirigida por Baz Luhrmann, foi aclamada pelo público e ganhou diversos prêmios. Entretanto, uma obra com temas tão intricados como The Great Gatsby é complexa de se traduzir para as telas. Uma tradução é diferente dependendo do contexto histórico em que for lançada, assim como a visão e estilo dos diretores também são fatores importantes, portanto versões bastante distintas de The Great Gatsby foram levadas ao cinema, adaptando-se as sociedades da época. Até chegar à tradução fílmica mais recente, a história de The Great Gatsby passou por outros contextos histórico-sociais. É importante aqui comentar um pouco sobre elas.

Em 1946, a Paramount decidiu filmar uma versão de The Great Gatsby, mas a idéia foi rejeitada devido aos tópicos lascivos da obra e a mesma foi considerada impossível de adaptar para as telas. Durante esse período o cinema americano trabalhava sob a censura do Código Hays, um documento de normas ditando o que poderia ou não ser levado para o cinema. Devido a essas proibições, apenas um ano depois, uma versão moralizada do roteiro de The Great Gatsby foi aprovada para ir às telas, sendo retiradas todas as menções a adultério e suicídio, adicionando passagens bíblicas e modificando a história de personagens para torná-las menos controversas. Paramount, então, decidiu transformar The Great Gatsby em um filme noir, subgênero muito popular na época. O filme noir deriva dos romances de suspense da época da Grande Depressão (muitos foram adaptados de romances policiais do período) e da estética dos filmes de terror da década de 1930. Algumas das principais características do cinema noir são personagens arquétipos, femme-fatales, policiais corruptos e maridos ciumentos, e também enredos sobre corrupção e fraqueza moral, muitos deles eram filmes de detetives e filmes de gangsters. Enquanto os protagonistas podiam ser personagens fracos e mais complexos, os personagens secundários raramente possuíam alguma profundidade ou autonomia.

Assim sendo, Elliot Nugent teve que lidar com as restritas normas do Código Hays e também adaptar a trama de The Great Gatsby para o subgênero noir. Para conseguir levar The Great Gatsby para as telas, Nugent precisou fazer diversas mudanças na história original, devido ao período e a sociedade em que a película foi realizada. Para que passasse pelo Código Hays, os personagens moralmente ambíguos ou que agiam contra a lei e os bons costumes na obra, ou foram completamente modificados, ou se arrependeram de seus crimes e pagaram por eles.

Em 1974, uma nova versão de The Great Gatsby foi realizada, também pela Paramount, com Francis Coppola como roteirista e Jack Clayton como diretor. Jack Clayton ficou famoso por adaptar obras literárias para o cinema, sendo este um dos motivos pelo qual foi escolhido para o trabalho. Sua versão de The Great Gatsby ganhou diversos prêmios, incluindo dois Oscars, três BAFTAs e um Globo de Ouro e é considerada a adaptação mais próxima da obra de Fitzgerald. Seguindo o livro quase que cena por cena, com diálogos quase idênticos aos do autor, The Great Gatsby de Clayton atenta a cada detalhe, como vestuário, os automóveis, música, trazendo os anos vinte para as telas o mais realisticamente possível. As idéias centrais da obra como a diferença social e o hedonismo dos anos vinte, são reforçadas através da narração de Nick Carraway. Assim como dos simbolismos que Clayton trouxe do livro, a cor amarela que está no carro de Gatsby, nos vestidos de Daisy, nos aros dos óculos do Dr. T. J. Eckleburg, que representa a riqueza no inicio da história e no seu decorrer passa a simbolizar morte. Clayton, com truques de câmera, como close-ups, faz com que o espectador preste atenção nesses detalhes.

Os críticos, entretanto, acharam a película muito lenta, quase arrastada, em contraste com a prosa rápida de Fitzgerald, que em pouco mais de duzentas páginas, mostra com proeza tanto o fracasso de uma história de amor quanto a decadência da sociedade de vinte. A razão de Clayton para desacelerar a obra foi para que pudesse dar aos personagens a profundidade e complexidade necessárias, diferente da versão de 1949 que apenas tocou a superfície de suas personalidades. Assim, essa versão traz personagens com muito mais camadas, refletindo a obra literária de Fitzgerald. A atmosfera do filme vai de romântica e etérea nas cenas de Daisy com Gatsby à desolada e sombria quando nos mostra o Vale das Cinzas e a vida daqueles que ali habitam, fazendo uma comparação entre o status social, entre riqueza e pobreza.

Enfim, em 2013, a Warner Bros. Pictures lançava outra versão de The Great Gatsby, com direção e roteiro de Baz Luhrmann. O filme se tornou o mais lucrativo da carreira de Luhrmann, ganhando dois Oscars. O estilo cinematográfico de Luhrmann se destaca pelo excesso, tendo dirigido anteriormente o extravagante Moulin Rouge e também uma versão contemporânea da obra de Shakesperare, Romeu + Julieta. Em seu The Great Gatsby, Luhrmann faz jus a sua fama, com exuberantes efeitos especiais e muita cor, ele dá uma nova imagem aos anos vinte de Fitzgerald, desde o figurino até a trilha sonora. O vestuário não se encaixa com o dos anos vinte, trazendo uma versão mais modernizada dos vestidos e ternos, assim como as músicas que tocam nas famosas festas de Gatsby também refletem a sociedade atual, estando entre elas artistas como Jay-Z e Lana Del Rey. De acordo com XavierXavier, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984., a maneira de produzir um filme é diferente de um cineasta para outro, dependendo de sua releitura e sensibilidade com relação à obra original, e também o momento histórico em que a película foi lançada, cada obra conta a mesma história de formas diferentes. Ainda, Even-ZorahEven-Zohar, Itamar. Polysystem Studies. Durham: Duke University Press, 1997. [Poetics Today] afirma que a tradução se adapta a cultura alvo, para que assim seja mais bem recebida. Isso fica claro na versão de The Great Gatsby de Luhrmann, usando de trilha sonora contemporânea e uma aceleração típica do mundo atual, ele conquistou o público com facilidade.

O simbolismo da obra literária também está presente na adaptação, a luz verde que Gatsby vê no deck de Daisy representa tanto esperança, quando ele tenta inutilmente alcançá-la no início da película, quanto morte, na cena do atropelamento de Myrtle e no assassinato do próprio Gatsby. Mostrando assim que o que ele mais desejava, ou seja, Daisy, acabou sendo o causador de sua morte. Entretanto, Luhrmann acaba se perdendo na caracterização dos personagens, por escolher focar no visual do filme. Lucas (9)Lucas, Fábio. “Prefácio”. In: Lucas, Fábio. Literatura e Cinema. Mistérios da Criação Literária: coletânea de depoimentos célebres e bibliografia resumida. Ed. José Domingos de Brito. São Paulo: Novera, 2008., no livro Literatura e Cinema, diz que “ambas as artes, produção fílmica e literatura, tomam os olhos como ponto de entrada na consciência ativa do observador, mas de modo diferente”. A literatura pela escrita – palavras que se combinam em frases – que apela para a imaginação do leitor; e a cinematografia por uma amplitude maior de recursos - planos que se combinam em sequências - que apelam para o sensorial. Na tradução de Luhrmann, podemos notar bem as tentativas do diretor de atrair o espectador através do visual, o cineasta transforma The Great Gatsby em um espetáculo de cores e brilho.

Personagens secundários não têm oportunidade de mostrar traços importantes de seu caráter como na obra literária de Fitzgerald, devido ao seu pouco tempo de tela. Luhrmann optou por centralizar a adaptação em Gatsby, tornando personagens como Daisy meramente em seu interesse amoroso. Em comparação com as traduções de Nugent e Clayton, a de Luhrmann é a que menos temos a chance de ver Daisy ou entendê-la. Ela, como em suas outras versões, surge envolta de elementos que representam pureza e inocência, quase sempre vestida de branco e rodeada de beleza. Em contraste com Tom e Jordan, Daisy parece diferente, uma inocente no meio de pessoas sem caráter. A interpretação de Carey Mulligan também ajuda a reforçar essa imagem trazendo uma Daisy mais vivaz e juvenil.

Logo no início da narrativa, após sermos introduzidos a Daisy, segue-se a cena em que Tom se ausenta da mesa de jantar para atender um telefonema de Myrtle, sua amante. Percebemos o incômodo de Daisy, mas a cena é rápida demais em comparação à obra literária.

Por um momento, os derradeiros raios da luz do sol caíram como uma romântica carícia sobre seu rosto; sua voz era tão baixa que compeliu-me a me inclinar para a frente, ansioso, para escutar melhor. Então o brilho empalideceu, cada raio de luz abandonando o seu rosto com uma tristeza insuportável, como crianças saindo de uma rua agradável ao anoitecer.

– Eu adoro vê-lo sentado à minha mesa, Nick. Você me lembra uma... uma rosa, uma rosa absoluta. Ele não a faz lembrar também? – disse ela, voltando-se para Miss Baker em busca de confirmação – Ele não parece uma rosa absoluta?

Isso não era verdade. Eu não me pareço nem de leve com uma rosa. Ela estava improvisando. [...] Então, de súbito, ela jogou o guardanapo em cima da mesa, murmurou um pedido de desculpas e entrou na casa.

(Fitzgerald 23Fitzgerald, F. Scott. O Grande Gatsby. Tradução de Roberto Muggiati. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2007.)

Baz Luhrmann faz jus ao seu estilo cinematográfico e transforma The Great Gatsby em um espetáculo visual, e apesar de alguns personagens terem menos tempo de tela do que as versões anteriores, ele ainda traz os aspectos marcantes da obra literária usando de simbolismo. Por ter transformado The Great Gatsby em um filme mais atual e por isso mais rápido, algumas idéias da obra se perdem no decorrer da película, mas a mensagem principal, a crítica social à sociedade de vinte, é mantida.

Ao analisar a adaptação fílmica da obra literária The Great Gatsby, não se intenciona diminuir ou elevar uma arte em detrimento da outra, pois cada uma possui suas particularidades, mudanças são inevitáveis quando se deixa o meio lingüístico e se passa para o visual. Observamos o quanto contexto interfere no processo tradutório de uma obra para as telas, assim como os traços da poética de cada diretor tem seu peso.

Referências

  • Clerc, J. M. Littérature et cinema Paris: Nathan, 1993.
  • Diniz, Thaïs Flores Nogueira. Literatura e cinema: tradução, hipertextualidade, reciclagem. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2005.
  • Even-Zohar, Itamar. Polysystem Studies Durham: Duke University Press, 1997. [Poetics Today]
  • Fitzgerald, F. Scott. O Grande Gatsby Tradução de Roberto Muggiati. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2007.
  • Lucas, Fábio. “Prefácio”. In: Lucas, Fábio. Literatura e Cinema. Mistérios da Criação Literária: coletânea de depoimentos célebres e bibliografia resumida. Ed. José Domingos de Brito. São Paulo: Novera, 2008.
  • Xavier, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2019
  • Aceito
    22 Jul 2019
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