Acessibilidade / Reportar erro

A TRADUÇÃO ENTRE O DIALOGISMO, A CULTURA E A COMPARAÇÃO

THE TRANSLATION BETWEEN DIALOGISM, CULTURE AND COMPARISON

Resumo

A experiência de verter ao português textos científicos de Mikhail Bakhtin e do Círculo nos motivou a elaborar uma reflexão teórica sobre a atividade de traduzir por meio da articulação de três domínios teóricos: os conceitos de perspectivismo e de multinaturalismo do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro; os conceitos de dialogismo, de distanciamento, de extralocalização, de excedente de conhecimento e de inconclusibilidade do pensador russo Mikhail Bakhtin; e o princípio da comparação da análise comparativa de discursos de Patricia von Münchow. A comparação atravessa e articula esses três domínios, que, juntos, propiciam uma compreensão do traduzir como diálogo de culturas inconclusas que apontam para mundos diversos e se transformam nesse encontro.

Palavras-chave
Tradução; Multinaturalismo; Dialogismo; Comparação

Abstract

The experience of translating Mikhail Bakhtin’s and the Circle’s scientific texts into Portuguese motivated us to develop a theoretical reflection on the activity of translation through the articulation of three theoretical domains: the concepts of perspectivism and multinaturalism by the Brazilian anthropologist Eduardo Viveiros de Castro; Mikhail Bakhtin’s concepts of dialogism, distance, extralocalization, surplus of knowledge and inconclusiveness; and the principle of comparative discourse analysis by Patricia von Münchow. The comparison crosses and articulates these three domains, which, together, provide an understanding of translating as a dialogue of unfinished cultures that point to different worlds and are transformed in this encounter.

Keywords
Translation; Multinaturalism; Dialogism; Comparison

Introdução

Aprender uma língua estrangeira potencializa enxergar o outro pelo olhar do outro - de sua língua, de sua cultura, de sua ciência, de seus espaços, de suas temporalidades - sem perder a extra-localização de um falante estrangeiro, e ao mesmo tempo olhar para sua própria língua, cultura, ciência, espaços, temporalidades de uma perspectiva alheia e estrangeira, pois “toda a experiência que uma outra cultura nos oferece é uma ocasião para se fazer uma experiência sobre nossa própria cultura” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 21) ou ainda “o antropólogo é obrigado a incluir a si mesmo e seu próprio modo de vida em seu objeto de estudo, e investigar a si mesmo” (Wagner, 2017Wagner, Roy. A invenção da cultura. Tradução de Marcelo Coelho de Souza e Alexandre Morales. São Paulo: UBU, 2017[1981].[1981], p. 26). No termos de Foucault (1995[1966])Foucault, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995[1966]., esse saber autorreflexivo é constitutivo do surgimento das ciências humanas no século XIX, pois é sempre possível fazer uma antropologia da antropologia, uma sociologia da sociologia etc.

Traduzir - atividade subsequente ao aprender - intensifica esse exercício, uma vez que um terceiro olhar é concernido, ou seja, o dos destinatários ou leitores presumidos da tradução, que têm graus distintos de conhecimento da língua original do texto traduzido, do seu autor, de outros textos desse mesmo autor, dos textos com os quais esse autor dialoga. O tradutor se vê na responsabilidade ética de uma atividade a quatro direções: compreender a obra do autor, olhar para sua língua e cultura desse lugar alheio, considerar seus interlocutores e responder sem álibi por suas escolhas.

O campo acadêmico de estudos sobre a atividade de tradução tem se revelado profícuo para as mudanças epistemológicas e mesmo ontológicas sobre o que entendemos por linguagem e línguas, pelas relações entre língua e cultura, entre a parte verbal e extra-verbal do enunciado, entre subjetividade e alteridade; termos e relações que compõem o núcleo conceitual do conjunto de obras assinadas por Bakhtin e o Círculo. Em vista disso, objetivamos avançar uma reflexão sobre a atividade de tradução da perspectiva do dialogismo bakhtiniano articulado ao perspectivismo e ao multinaturalismo do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro e à análise de discursos comparativa. Nessa empreitada, somos devedores, por um lado, do trabalho de Heber Silva (2018)Silva, Heber de Oliveira Costa. A tradução na perspectiva dialógica: a re-enunciação da teoria de Austin em português. 2018. 203 f. Tese (Doutorado) – Curso de Letras, Centro de Artes e Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018. sobre a tradução de uma perspectiva bakhtiniana e, por outro, de Álvaro Faleiros (2019a)Faleiros, Álvaro. Traduções canibais: uma poética xamânica do traduzir. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2019a. e Leandro Bastos (2019)Bastos, Leandro Tibiriçá Camargo. “Morte do homem branco e potência-senzala: tradução em tempo de novas ontologias”. Cadernos de Tradução, 39, n. esp., p. 47-64, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp47
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v3...
sobre a teoria antropológica de Viveiros de Castro (2018[2009])Viveiros de Castro, Eduardo. “Atualização e contraefetualização do virtual: o processo do parentesco”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998a]. p. 347-393. e suas contribuições para a teoria da tradução. Esses dois pilares teóricos se encontram no inerente movimento comparativo operado entre enunciados de duas línguas e culturas (para não nos estendermos muito nos termos) implicado na atividade de tradução; comparação essa que será abordada da perspectiva da análise de discursos comparativa (Grillo, Reboul-Toure, Glushkova, 2021Grillo, Sheila Vieira de Camargo; Reboul-Toure, Sandrine & Glushkova, Maria (Org.). Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques. Bruxells: Peter Lang, 2021.). Os termos dessa articulação teórica são o próprio objeto deste artigo e serão desenvolvidos nas seções posteriores.

Comparação e tradução no perspectivismo e multinaturalismo do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro

Em sua introdução ao número especial do periódico Cadernos de tradução dedicado a “poiéticas não europeias de tradução”, Álvaro Faleiros (2019, p. 10-11)Faleiros, Álvaro. “Poiéticas não europeias em tradução – refundações e reescritas desde Brasis”. Cadernos de Tradução, 39, n. esp., p. 10-46, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp10
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v3...
pensa a tradução como “a transformação que os diálogos entre mundos1 1 A expressão “diálogo de mundos” parece provir de Jullien (2009). , via tradução, compreendem, do que qualquer concepção estanque ou dialética de origem”. Em um dos artigos que integra esse número, Leandro Bastos (2019)Bastos, Leandro Tibiriçá Camargo. “Morte do homem branco e potência-senzala: tradução em tempo de novas ontologias”. Cadernos de Tradução, 39, n. esp., p. 47-64, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp47
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v3...
começa investigando o questionamento do sujeito iluminista, íntegro e autorreferente nas teorias de tradução - ao explorar autores de diferentes domínios disciplinares (sobretudo, filósofos e antropólogos) - e desemboca nas inter-relações entre a tradução e os conceitos de perspectivismo e de multinaturalismo do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro (2017[2002]Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[2002]., 2018[2009]Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].). Conforme verificamos nos trechos a seguir, a tradução não é uma passagem, uma transferência, uma transformação entre duas epistemologias (linguagem, representação), duas perspectivas, dois reflexos-refrações (Volóchinov, 2021[1929]Volóchinov, Valentin Nikoláevitch (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problema fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2021[1929].), a respeito de uma mesma ontologia, de um mesmo objeto, de um mesmo referente, de um mesmo mundo, mas a possibilidade de “multiplicar” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 231) e estabelecer ligações entre diferentes ontologias, objetos, referentes, mundos, com base em uma unidade epistemológica e espiritual comum:

A unidade do mundo só é possível por causa da assimetria entre referente e interpretação. Pensar em outra forma de sujeito implica em destruir justamente esse modelo. Coloca-se, então, a necessidade de pensar nas ligações não apenas entre pessoas e línguas, mas entre mundos, e por isso a noção de multinaturalismo é fundamental. Porque num mundo em que o fluxo de informações é ilimitado, ainda falta pensar como os mundos em que trafegam as informações podem dialogar, como sair das bolhas, como traduzir.

(Bastos, 2019Bastos, Leandro Tibiriçá Camargo. “Morte do homem branco e potência-senzala: tradução em tempo de novas ontologias”. Cadernos de Tradução, 39, n. esp., p. 47-64, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp47
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v3...
, p. 60)

[...] a leitura do multinaturalismo, a tradução possível de mundos diversos desvelando o fundo comum diante do estranhamento exterior, tem de ser transformado em estratégia política. Proponho chamar esse engajamento multinatural de “potência-senzala”, fazendo referência clara ao grupo que passou por situação parecida e se reinventou para encontrar caminhos.

(Bastos, 2019Bastos, Leandro Tibiriçá Camargo. “Morte do homem branco e potência-senzala: tradução em tempo de novas ontologias”. Cadernos de Tradução, 39, n. esp., p. 47-64, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp47
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v3...
, p. 63)

Foi por meio desses textos e formulações2 2 Encontrados durante a escrita do artigo “Análise comparativa e tradução sob o viés da metalinguística de Bakhtin: Cours de Linguistique Générale nas traduções ao russo e ao português” (Mesquita & Grillo, 2021). que surgiu a obra do conhecido antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro e sua metodologia em que a comparação ocupa um lugar privilegiado, bem como suas repercussões sobre a tradução. Essa aproximação se deu, em primeiro lugar, por meio do livro originalmente publicado em francês Metafísicas canibais (2018[2009]) (Métaphysiques cannibales, 2009), em que Eduardo Viveiros de Castro visa “um público de não especialistas” (2018[2009], p. 11) e procura articular trabalhos pré-existentes; e, em seguida, com a coletânea A inconstância da alma selvagem (2017[1993]), em que o autor reúne artigos científicos publicados antes em periódicos “tentando dizer um pouco melhor o que já disse” (2017[1993], p. 11). O pensamento de Viveiros de Castro se constrói no diálogo estreito sobretudo com a antropologia (Roy Wagner, Claude Lévi-Strauss) e a filosofia (Gilles Deleuze, Félix Guatari e Bruno Latour) “informada pelo pensamento amazônico” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Imanência do inimigo”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1992]. p. 229-254.[1993], p. 32)

A questão norteadora da primeira obra “o que deve conceitualmente a antropologia aos povos que estuda?” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 20) ou, em outros termos, o reconhecimento de que as concepções e práticas provenientes dos mundos do “sujeito” e do “objeto” se constituem por uma aliança e uma comparação ao mesmo tempo fecunda e equívoca aponta, de partida, a pertinência dessa teoria para uma abordagem bakhtiniana, dialógica da tradução: os mundos da língua e da cultura do tradutor e do autor do texto traduzido se transformam ao entrarem em contato3 3 Conforme Foucault (1995[1966], p. 328), no surgimento das ciências humanas na epistémê moderna “o homem aparece com sua posição ambígua de objeto para um saber e de sujeito que conhece: soberano submisso, espectador olhado, surge ele aí, nesse lugar do Rei que, antecipadamente, lhe designavam Las meninas, mas donde, durante longo tempo, sua presença real foi excluída.” A inclusão do enunciador, do artista, do homem, do cientista nas ciências humanas modernas se dá nessa posição dupla, que ao mesmo tempo distancia e aproxima saber e sujeito do saber. . Essencial aqui destacar que não se trata de diferentes “epistemologias” (linguagens, representações), mas de diferentes “ontologias” (mundos). Para o antropólogo brasileiro, a antropologia se distingue por prestar

atenção ao que as outras sociedades têm a dizer sobre as relações sociais [...] de tentar dialogar para valer, tratar as outras culturas não como objetos de nossa teoria das relações sociais, mas como possíveis interlocutores de uma teoria mais geral das relações sociais.

(Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Imanência do inimigo”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1992]. p. 229-254.[1998b], p. 406)

Impossível não relacionar o diálogo ou interlocução entre culturas de Viveiros de Castro com a definição de Mikhail Bakhtin do objeto das ciências humanas, como um ser falante que não pode ser explicado, mas que só pode ser conhecido ao entrar em diálogo com ele.

A partir dos pressupostos cosmológicos da “metafísica da predação” ameríndia, Eduardo Viveiros de Castro e Tânia Stolze Lima desenvolveram os conceitos de perspectivismo inter-específico, multinaturalismo ontológico e alteridade canibal que se tornaram os três vértices de uma alter-antropologia indígena ou de uma “economia simbólica da alteridade” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Entrevista”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998b]. p. 395-311.[1995], p. 291), ou de uma “economia geral da alteridade” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1996]. p. 299-346. [1996], p. 306), ou ainda “processos de determinação do Eu pelo Outro” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Atualização e contraefetualização do virtual: o processo do parentesco”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998a]. p. 347-393. [1998a], p. 390). Por meio da experiência de encontro entre a cultura4 4 Com base no pensamento do antropólogo norte-americano Roy Wagner, Eduardo Viveiros de Castro (2018[2009], p. 39) define a cultura como “macrossistemas humanos de convenções” que “se distinguem por aquilo que definem como pertencendo à esfera da responsabilidade dos agentes - o mundo do “construído” - e aquilo que pertence (porque é contraconstruído como pertencendo) ao mundo do dado, isto é, do não-construído”. Em outro lugar, o antropólogo brasileiro afirma “Uma cultura não é um sistema de crenças, mas antes - já que deve ser algo - um conjunto de estruturações potenciais da experiência, capaz de suportar conteúdos tradicionais variados e de absorver novos: ela é um dispositivo culturante ou constituinte de processamento de crenças.” (Viveiros de Castro, 2017[1993], p. 181) europeia e a ameríndia, o antropólogo brasileiro descobriu que “uma das manifestações típicas da natureza humana é a negação de sua própria generalidade. Uma avareza congênita, que impede a extensão dos predicados da humanidade à espécie como um todo” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 20).

Em trabalho anterior (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Atualização e contraefetualização do virtual: o processo do parentesco”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998a]. p. 347-393.[1996], p. 319), o antropólogo brasileiro cita Lévi-Strauss que, ao estudar povos ameríndios, conclui ser o etnocentrismo não “o triste privilégio dos ocidentais, mas uma atitude ideológica natural, inerente aos coletivos humanos”. Essas duas descobertas apontam para o fato de que ao outro, que pode ser o índio, o negro, a mulher5 5 Em “Le deuxième sexe” (2021[1949]), Simone de Beauvoir argumenta como a mulher foi alçada à categoria de Outro menor pelos discurso da biologia, da psicanálise e do materialismo histórico. A dominação do homem sobre a mulher explica-se, entre outros, por esta não participar da guerra, das conquistas e ter sido encarregada das funções reprodutivas, do cuidado da casa e dos filhos. Uma vez que a conquista, a guerra são atividades criativas e definidoras da humanidade, a mulher, ao ser excluída delas, foi concebida como uma humanidade menor, incompleta. , o estrangeiro etc., é negada as mesmas propriedades humanas. No entanto, os antropólogos francês e brasileiro evoluem para a ideia de que a avareza congênita e o etnocentrismo são próprios de nossas civilizações, já os povos ameríndios estudados caracterizam-se por serem cosmocêntricos, ou seja, “natureza e cultura são parte de um mesmo campo sociocósmico” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Imanência do inimigo”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1992]. p. 229-254.[1996], p. 320) e, com isso, esses povos não pensam por dicotomias, como nós.

Mediante a observação de um dos traços do pensamento dos povos ameríndios em relação às cosmologias multiculturalistas modernas, o antropólogo brasileiro reviu a divisão entre Natureza e Cultura, fundante da antropologia6 6 Roy Wagner 2017[1981] entende que a antropologia é parte de nossa cultura ocidental que opera com dois domínios ou categorias da experiência: o inato (ou natureza) e o controle humano (ou cultura). Segundo o autor, a explicitação ou desmascaramento do modo como articula esses domínios/categorias é a condição para que a antropologia não seja uma ideologia que deriva outras culturas a partir de si, mas uma ciência capaz de apreender culturas por meio da compreensão do funcionamento da invenção e da “crença”. , e propôs o conceito de multinaturalismo:

enquanto estas [as cosmologias multiculturalistas modernas] se apoiam na implicação mútua entre unicidade da natureza e multiplicidade das culturas - a primeira garantida pela universalidade objetiva dos corpos e da substância, a segunda gerada pela particularidade subjetiva dos espíritos e dos significados-, a concepção ameríndia suporia, ao contrário, uma unidade do espírito e uma diversidade dos corpos.

(Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 43)

Eduardo Viveiros de Castro (2018[2009], p. 44)Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009]. destaca que “a semelhança de almas não implica a homogeneidade ou identidade do que essas almas exprimem ou percebem”. E aqui reside um dos traços do perspectivismo: o modo como os seres veem uns aos outros depende das condições ou contexto em que se encontram (normais, não normais). No contexto predatório da metafísica amazônica, as relações entre presa e predador são propícias ao perspectivismo, ou seja, a capacidade de ocupar um ponto de vista depende do contexto e da posição, como “nada impede que qualquer existente seja pensado como pessoa”, “o conceito de pessoa é anterior e superior logicamente ao conceito de humano” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 46, 47).

No perspectivismo amazônico, o outro - inimigo e presa - é indispensável para a compreensão do interior, ou seja, a filosofia de algumas etnias (não só, mas em especial a Tupinambá e a Araweté) afirma-se em uma incompletude ontológica essencial, incompletude da sociabilidade e da humanidade:

A religião tupinambá, radicada no complexo do exocanibalismo guerreiro, projetava uma forma onde o socius constituía-se na relação ao outro, onde a incorporação do outro dependia de um sair de si - o exterior estava em processo incessante de interiorização, e o interior não era mais que o movimento para fora.

(Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Imanência do inimigo”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1992]. p. 229-254.[1993], p. 190)

Fundada sobre a vingança guerreira, o canibalismo ameríndio busca incorporar o outro ao mesmo tempo que assume a alteridade desse outro: “Essa capacidade de se ver como o Outro” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Imanência do inimigo”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1992]. p. 229-254.[1992]), p. 243). Operando com a frase de Saussure “o ponto de vista cria o objeto”, o antropólogo brasileiro afirma que, no contexto da assimilação predatória, “o ponto de vista cria o sujeito” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Atualização e contraefetualização do virtual: o processo do parentesco”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998a]. p. 347-393.[1992]), p. 252), uma vez que ocupar os pontos de vista do matador e da vítima é que define a função de sujeito, ou seja, “ali onde estiver o ponto de vista, também estará a posição de sujeito” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Entrevista”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998b]. p. 395-311.[1996]), p. 323). Segundo Viveiros de Castro, essa sociedade baseada na vingança é a condição de possibilidade e a causa final da sociedade que se define na relação com a exterioridade.

O antropólogo brasileiro recusa a identificação do animismo perspectivista dos ameríndios, que compreende uma multiplicidade de posições subjetivas e um multinaturalismo, com o relativismo, característico do multiculturalismo, pois:

Se começarmos a ver, por exemplo, os vermes que infestam um cadáver como peixes grelhados, ao modo dos urubus, só poderemos concluir que algo anda muito errado conosco. Pois isso significa que estamos virando urubu, o que não consta normalmente nos planos de ninguém: é sinal de doença, ou pior. As perspectivas devem ser mantidas separadas. Apenas os xamãs, que são como andróginos no que respeita à espécie, podem fazê-las comunicar, e isso sob condições especiais e controladas.

(Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Entrevista”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998b]. p. 395-311.[1996], p. 328)

O outro traço do perspectivismo é o fato de que “todos os seres veem (“representam”) o mundo da mesma maneira - o que muda é o mundo que eles veem.” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 64)7 7 Segundo Viveiros de Castro (2018[2009], p. 61), não se trata de animismo, que afirma uma “semelhança substancial ou analógica entre animais e humanos”. . “Todos os seres” aqui inclui humanos e animais, o que os une é o fato de se enxergarem a si mesmos como humanos (dotados de consciência e de intencionalidade) e aos outros como não-humanos. Todos os seres representam o mundo da mesma maneira, com as mesmas “categorias” e “valores”, o que muda é o mundo que eles veem, ou seja, diferentes espécies de seres veem coisas diferentes da mesma maneira.

Um terceiro traço é o fato de o ponto de vista do perspectivismo estar no corpo, entendido como “um conjunto de maneiras ou modos de ser que constituem um habitus, um ethos, um etograma” e um “feixe de afetos e capacidades” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 66), “suas potências e disposições: o que ele come, como se move, como se comunica, onde vive, se é gregário ou solitário, tímido ou agressivo” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 66), portanto, não se trata apenas de diferenças fisiológicas, mas de um modo de ser e de habitar o mundo. Sempre segundo Viveiros de Castro (2017[1996]), no perspectivismo ameríndio, os corpos são o modo pelo qual a alteridade é apreendida como tal e o espírito é o que integra, ou seja, “os ameríndios (...) imaginam uma continuidade metafísica e uma descontinuidade física entre os seres do cosmos, a primeira resultando no animismo, - a “participação primitiva” - a segunda, no perspectivismo” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Entrevista”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998b]. p. 395-311.[1996], p. 331). Os corpos humanos e não-humanos são vestimentas e envoltórios de um espírito contínuo, e é o “instrumento fundamental de expressão do sujeito” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Imanência do inimigo”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1992]. p. 229-254.[1996], p. 337). Por fim, “os corpos são criados pelas relações, não as relações pelos corpos” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Imagens da natureza e da sociedade”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1995]. p. 275-298.[1998a], p. 337), em outros termos, o corpo também está no domínio do construído, do cultural, e não do da natureza.

Neste ponto entra a tradução e seu propósito:

o perspectivismo supõe uma epistemologia constante e ontologias variáveis: mesmas representações, mas outros objetos; sentido único, mas referências múltiplas. O propósito da tradução perspectivista - uma das principais tarefas dos xamãs - não é portanto o de encontrar um sinônimo (uma representação correferencial) em nossa língua conceitual humana para as representações que outras espécies utilizam para falar de uma mesma coisa “lá fora”; o propósito, ao contrário, é não perder de vista a diferença oculta dentro dos homônimos equívocos que conectam-separam nossa língua e a de outras espécies.

(Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 68)

E o papel do tradutor ou xamã:

a habilidade manifesta por certos indivíduos de cruzar deliberadamente as barreiras corporais entre as espécies e adotar a perspectiva de subjetividades “estrangeiras”, de modo a administrar as relações entre estas e os humanos. Vendo os seres não-humanos como estes se veem (como humanos), os xamãs são capazes de assumir o papel de interlocutores ativos no diálogo transespecífico; sobretudo, eles são capazes de voltar para contar a história, algo que os leigos dificilmente podem fazer. O encontro ou intercâmbio de perspectivas é um processo perigoso [...].

(Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 49)

No xamanismo ameríndio conhecer é personificar, tomar o ponto de vista daquilo que deve ser conhecido: “a Forma do outro é a pessoa” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 50). O tradutor é esse indivíduo que busca assumir o ponto de vista do outro para voltar ao seu próprio. Neste artigo, não se assume que é uma habilidade manifesta, como no caso do xamanismo, mas um desejo, uma pulsão, um gozo de se lançar no universo e na língua do outro para voltar à sua própria e promover um encontro em que as diferenças não se anulam, mas se transformam nesse encontro. Talvez uma habilidade de transformar suas faltas, seus limites em potência e coragem para se lançar no mundo alheio; de converter o desconhecimento, a incompreensão em potência geradora de diálogo.

Outro aspecto formador do perspectivismo e multinaturalismo de Eduardo Viveiros de Castro é a comparação. Para o antropólogo brasileiro, fazer antropologia não é explicar a sociedade e a cultura dos povos estudados, mas estabelecer uma simetria entre a antropologia do observador e a antropologia do observado, ou seja, a principal tarefa e o principal instrumento analítico é a comparação de antropologias e “toda comparação é uma transformação” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 84).

Trata-se do procedimento implicado na tradução dos conceitos práticos e discursivos do “observado” nos termos do dispositivo conceitual do “observador”; isto é, falo daquela comparação, o mais das vezes subentendida, implícita ou automática - sua explicitação ou automática - sua explicitação ou topicalização é um momento essencial do método -, que inclui necessariamente o discurso do antropólogo como um de seus termos

(Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 85, apenas os sublinhados são da autora deste artigo).

Em diversos momentos de diferentes textos do antropólogo brasileiro, a compreensão do pensamento indígena se dá por meio da comparação com o universo do antropólogo, que é também o nosso. Duas comparações são centrais na definição da metodologia do pesquisador brasileiro.

A primeira comparação ocorre ao abordar a diferença na distribuição do par Natureza/Cultura: enquanto nossa (incluindo a do antropólogo) antropologia popular vê a humanidade como uma evolução a partir de uma origem animal que foi posteriormente encoberta pela cultura, contrariamente o pensamento indígena concebe que a origem das espécies (animais e outros seres animados do cosmos) foi e continua sendo humana sob a aparência de uma forma corporal variável, própria de cada espécie. Em outros termos e sempre segundo Eduardo Viveiros de Castro (2017[1996]Viveiros de Castro, Eduardo. “Imanência do inimigo”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1992]. p. 229-254.), no pensamento indígena, a humanidade é o traço comum entre humanos e animais, enquanto que no nosso pensamento, a animalidade é a condição comum entre humanos e animais.

A segunda comparação ocorre ao analisar o fenômeno do xamanismo e a epistemologia do xamã: a modernidade ocidental baseia-se em uma epistemologia objetivista, “conhecer é objetivar; é poder distinguir no objeto o que lhe é intrínseco do que pertence ao sujeito cognoscente [...] é dessubjetivar, explicitar a parte do sujeito presente do objeto, de modo a reduzi-la a um mínimo ideal.” (Viveiros de Castro (2017[1996], p. 310-311)Viveiros de Castro, Eduardo. “O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1993]. p. 157-228.. O xamanismo ameríndio parece guiar-se por uma epistemologia personificadora ou subjetivante: “conhecer é personificar, tomar o ponto de vista daquele que deve ser conhecido - daquilo ou antes daquele; pois o conhecimento xamânico visa um “algo que é um “alguém”, um outro sujeito ou agente. A forma do Outro é a pessoa.” (Viveiros de Castro (2017[1996]Viveiros de Castro, Eduardo. “Imagens da natureza e da sociedade”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1995]. p. 275-298., p. 311)

O papel da comparação no perspectivismo e multinaturalismo de Viveiros de Castro aproxima-se do diálogo na metalinguística do pensador russo Mikhail Bakhtin, em que este desenvolve a ideia de que o objeto das ciências humanas é o ser falante que não pode ser explicado, mas com o qual se entra em relações dialógicas: simétricas e contextualizadas. Na proposta do antropólogo brasileiro, a comparação serve à tradução: “a antropologia compara para traduzir, e não para explicar, justificar, generalizar, interpretar, contextualizar” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 87). Sempre segundo Eduardo Viveiros de Castro, a boa tradução deforma e subverte os dispositivos conceituais do tradutor e transforma a língua de destino.

Por fim, a possibilidade de tradução é o equívoco, “Traduzir é instalar-se no espaço do equívoco e habitá-lo” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 90), ou seja, conhecer a realidade do outro, perceber a diferença de perspectiva, equivocar-se que falamos da mesma coisa, quando na verdade habitamos mundos diferentes, partir do princípio de que há “sempre mais interpretação em jogo” e que são divergentes entre si (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 91), é comparar o incomensurável (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 91). O equívoco pressupõe a heterogeneidade de premissas em jogo e não pertence ao mundo da contradição dialética, mas ao da síntese disjuntiva e infinita: “O perspectivismo - a dualidade como multiplicidade - é aquilo que a dialética - a dualidade como unidade - precisa negar para se impor como lei universal.” (Viveiros de Castro, 2018Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: UBU, 2018[2009].[2009], p. 91,128).

Aqui lembramos da diferença entre dialética e diálogo proposta por Bakhtin(2022[1929])Bakhtin, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2022[1929].. Na dialética, as relações lógicas permanecem nos limites de consciências isoladas e não guiam as inter-relações no plano da coexistência entre elas. Essa coexistência não se reduz à relação entre tese, antítese e síntese. A série dialética ou antinômica é apenas um aspecto abstrato da consciência integral e concreta. Segundo Bakhtin (2022[1929]Bakhtin, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2022[1929].), as obras artísticas de Dostoiévski não podem ser compreendidas como uma formação dialética do espírito, pois nelas não ocorre síntese alguma, nem uma conclusão monológica, mas o acontecimento da interação de vozes, de ideias encarnadas.

A epistemologia da inconclusibilidade e do diálogo do pensador russo Mikhail Bakhtin e suas implicações para a tradução

Um dos traços fundamentais do perspectivismo ameríndio tal como analisado pelo antropólogo brasileiro é o caráter incompleto da cultura e sua relação constitutiva com a exterioridade, ou seja, a relação com o exterior é a possibilidade de existência da cultura de certos povos ameríndios. Essa relação integradora da interioridade pela exterioridade faz-se presente em toda a produção intelectual de Bakhtin e do Círculo. Para esta investigação, é destacada, primeiramente, a extralocalização, o distanciamento como princípios motores do processo de interpretação:

No campo da cultura, a distância é a alavanca mais poderosa da interpretação. A cultura do outro só se revela com plenitude e profundidade (mas não em toda a plenitude, porque virão outras culturas que a verão e a compreenderão ainda mais) aos olhos de outra cultura. Um sentido só revela as suas profundezas encontrando e contatando o outro, o sentido do outro: entre eles começa uma espécie de diálogo que supera o fechamento e a unilateralidade desses sentidos, dessas culturas. Colocamos para a cultura do outro novas questões que ela mesma não se colocava; nela procuramos respostas a essas questões, e a cultura do outro nos responde, revelando-nos seus novos aspectos, novas profundezas do sentido. Sem levantar nossas questões não podemos compreender nada do outro, do alheio, ou de modo criativo (é claro, desde que se trate de questões sérias, autênticas). Nesse encontro dialógico de duas culturas, elas não se fundem nem se confundem; cada uma mantém a sua unidade e a sua integridade aberta, mas elas se enriquecem mutuamente.

(Bakhtin, 2017Bakhtin, Mikhail. “Por uma metodologia das ciências humanas”. In: Bakhtin, Mikhail. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas de P. Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2017. p. 57-79.[1970], p. 18-19, apenas o sublinhado é da autora deste artigo)

Escrito e publicado em 1970, nesse texto Bakhtin defende que o propulsor do diálogo de culturas é a distância e a extralocalização [vnienakhodímost] desenvolvidas nos anos 1930, quando Bakhtin já formulara seu conceito de polifonia e trabalhava nas teorias do romance e do riso/carnavalização/cultura popular decorrentes da interpretação da obra do romancista francês François Rabelais.

Portanto, o primeiro princípio-chave para a teoria da tradução que desenvolvemos aqui é concebê-la com um diálogo de culturas em que a extralocalização do tradutor permite-lhe iluminar novos aspectos do texto, da língua e da cultura de partida por meio do seu encontro com a língua e a cultura da língua de chegada. Esse diálogo permite ao tradutor e aos destinatários da tradução conhecer melhor a si mesmos por meio do conhecimento da cultura estrangeira; a melhor compreensão da própria cultura ao mesmo tempo implica na sua transformação, movimento e enriquecimento.

O segundo princípio é o excedente de conhecimento, o qual decorre da extralocalização: “A penetração no outro (fusão com ele) e a manutenção da distância (do meu lugar), manutenção que assegura o excedente de conhecimento” (2017[1930-1940], p. 59). Embora o texto “Por uma metodologia das ciências humanas” só tenha sido publicado em 1974 (preparado por Kójinov com a anuência de Bakhtin, que falece em 1975), a sua redação ocorreu décadas antes, entre o final dos anos 1930 e o início dos anos 1940, quando Bakhtin estava envolvido com sua teoria geral do romance e da obra do romancista francês François Rabelais. A leitura revolucionária de M. Bakhtin da obra do romancista francês é a materialização dos princípios da extralocalização e do excedente de conhecimento: o pensador russo em sua posição de leitor estrangeiro foi capaz de mobilizar seu excedente de conhecimento para revelar o poder da carnavalização e o potência subversiva e criativa do riso constitutivos da cultura popular na Idade Média e no Renascimento sobre a obra de François Rabelais. Assim, a extralocalização e o excedente de conhecimento do tradutor são princípios poderosos para revelar novos sentidos do texto traduzido.

A extralocalização e o excedente de visão são as condições para as relações dialógicas operadas pelos tradutores durante sua atividade metalinguística8 8 Em Problemas da poética de Dostoiévski (2010[1963]), M. Bakhtin propõe a “metalinguística” como disciplina que vai além da linguística e estuda aqueles aspectos do discurso, do enunciado, que vão além do verbal, ou seja, as relações dialógicas e a palavra bivocal presentes nos enunciados, estes compostos por uma parte verbal e outra extraverbal. Ao propor que o tradutor realiza uma atividade metalinguística, destaco que, além das línguas em questão, o tradutor opera com diferentes horizontes ideológicos, com diferentes contextos (aí incluídos, entre outros, diferentes interlocutores e seus campos aperceptivos de percepção), com duas culturas etc. . Em primeiro lugar, o tradutor coloca em diálogo duas culturas e duas línguas a fim de, por meio da comparação, possibilitar o texto traduzido. Ao elaborar seu texto, o tradutor considera o campo aperceptivo de percepção do discurso pelo destinatário (Bakhtin, 2016Bakhtin, Mikhail. “O texto na filologia, na linguística e em outras ciências humanas: experimento de análise filosófica”. In: Bakhtin, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016[1959-1960]. p. 71-110.[1953-1954], p. 63): o que o tradutor supõe ser sabido ou não pelo destinatário, suas convicções, seus valores, seus gostos etc. Contudo, não é apenas o destinatário (segundo) presumido que interfere, a tradução se constitui por meio de relações dialógicas com um terceiro invisível, um supradestinatário (Bakhtin, 2016Bakhtin, Mikhail. “O texto na filologia, na linguística e em outras ciências humanas: experimento de análise filosófica”. In: Bakhtin, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016[1959-1960]. p. 71-110.[1959-1960], p. 104-105): no caso da tradução de uma obra científica, as ideias dominantes passadas e presentes e seus autores em uma esfera científica (por exemplo, a linguística, a teoria literária etc.) e seu lugar no campo científico em geral e na cultura passada, presente e futura antecipada.

Outro traço do pensamento bakhtiniano produtivo para uma teoria da tradução é o princípio da inconclusibilidade (незаверщённости) ou inacabamento, que orienta a análise bakhtiniana do romance polifônico de Dostoiévski e da cultura popular na obra de François Rabelais. Na vida, as pessoas se caracterizam por uma inconclusibilidade ética que se transforma no princípio da inconclusibilidade ou inacabamento artístico-formal de construção dos personagens em Dostoiévski. No romance de François Rabelais, a inconclusibilidade é um elemento da visão popular carnavalesca do mundo que nega tudo que é estático, sério, dogmático, autoritário, imóvel, finalizado, em prol do infinito, imprevisível, instável, inconcluso, não oficial, não canônico. Em “O romance como gênero literário”, M. Bakhtin defende que o ponto de partida do romance é a contemporaneidade em sua inconclusibilidade [насто?щее в его незаверщённости], ou seja, a perspectiva orientadora do romance, a contemporaneidade é por definição não finalizada, está em um processo aberto, aponta para o futuro. Com isso, altera-se o “modelo temporal do mundo: ele se torna um mundo, onde a primeira palavra (o início ideal) não existe e a última ainda não foi dita.”9 9 “Временная модель мира: он становится миром, где первого слова (идеального начала) нет, а последнее ещё не сказано..” (Bakhtin, 2012eБахтин, Mихаи? Mихай?ович [Bakhtin, Mikhail Mikháilovitch]. Роман, как ?итературный ?анр [O romance como gênero literário]. In: Бахтин, М. М. [Bakhtin, M. M.]. М. М. Бахтин: собрание сочинений т. 3. Теори? романа (1930-1961 гг.) [M. M. Bakhtin: obras reunidas vol. 3. A teoria do romance (1930-1961)]. Редакторы тома С. Г. Бочаров и В . В. Ко?инов. Москва: Языки С?ав?нских ку?ьтур, 2012e. c. 608-643., p. 633, tradução da autora deste artigo).

O princípio da inconclusibilidade10 10 A epistémê moderna proposta por Michel Foucault (1995[1966]) se define pela noção de finitude do homem que exclui a metafísica para determinar o humano em sua existência laboriosa (trabalho), corporal (vida) e falante (linguagem): “o homem moderno [...] só é possível a título de figura da finitude” (Foucault, 1995[1966], p. 334). Já a filosofia do gênero discursivo em Bakhtin (2022[1929], p. 100), define o romance pelo caráter não conclusivo do enredo e dos personagens, como forma artística de representação do que ele chama de “excedente de humanidade”. O objeto de representação é a subjetividade do ser humano, que cessou de coincidir consigo próprio (destino e posição social), pois há sempre um excedente de humanidade que escapa dessas posições, há sempre potencialidades não realizadas; o interior e o exterior do ser humano, o ser humano para si mesmo e aos olhos dos outros, não coincidem; o ser humano adquire no romance iniciativa ideológica e linguística (os personagens do romance são ideólogos). Aqui o homem é infinito, inconcluso, sua compreensão, seu estudo tem de incorporar uma indefinição constitutiva do ser humano como objeto da ciência. apresenta implicações essenciais para uma teoria da tradução de inspiração bakhtiniana. Em primeiro lugar, a tradução é uma das manifestações da inconclusibilidade ou incompletude ontológica essencial, presente no perspectivismo amazônico desenvolvido por Eduardo Viveiros de Castro, de nossas culturas que buscam, por meio da tradução, incorporar outras culturas para melhor se compreenderem a si mesmas. Em segundo lugar, o texto não pode ser traduzido até o fim - “o texto (à diferença da língua como sistema de meios) nunca pode ser traduzido até o fim, pois não existe um potencial texto único dos textos.” (Bakhtin, 2016Bakhtin, Mikhail. “O texto na filologia, na linguística e em outras ciências humanas: experimento de análise filosófica”. In: Bakhtin, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016[1959-1960]. p. 71-110.[1959-1960], p. 76) - restando sempre um excedente de sentido a ser apreendido em outras traduções, em outras culturas.

A comparação é um momento essencial, por um lado, do perspectivismo e do multinaturalismo de Viveiros de Castro, em que a cultura e a sociedade dos povos estudados estão em simetria comparativa com a cultura e a sociedade do antropólogo, e por outro, do dialogismo de Mikhail Bakhtin, em que os princípios do distanciamento, da extralocalização, do excedente de conhecimento e da inconclusibilidade orientam o diálogo entre, por um lado, a língua e a cultura estrangeira e, por outro, a língua e cultura do tradutor e do estudioso das ciências humanas.

Em razão da importância da comparação, chegamos à Análise Comparativa de Discursos (ACD) e suas contribuições a uma teoria da tradução. Fundada sobre a análise de corpus de diferentes línguas/culturas, o objeto da ACD:

[...] é a comparação de diferentes culturas discursivas, noção que recobre as manifestações discursivas de representações sociais circulando em uma dada comunidade sobre os objetos sociais, por um lado, e sobre os discursos a respeito desses objetos sociais, por outro lado. Nessa ótica, não são colocadas em relação diferentes línguas, como faz tradicionalmente a linguística contrastiva, mas as manifestações de um mesmo gênero discursivo de, ao menos, duas comunidades diferentes (ou o que se supõe serem duas comunidades), a fim de descrever e, em seguida, interpretar as regularidades e as variações desse gênero.

(von Münchow, 2021von Münchow, Patricia. “L’analyse du discours contrastive, un voyage au cœur du discours”. In: Grillo, Sheila Vieira de Camargo; Reboul-Toure, Sandrine & Glushkova, Maria (Org.). Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques. Bruxells: Peter Lang, 2021. p. 35-54., p. 36)11 11 « la comparaison de différentes cultures dis- cursives, notion qui recouvre les manifestations discursives des représentations sociales circulant dans une communauté donnée sur les objets sociaux, d’une part, et sur les discours à tenir sur ces objets, d’autre part. Dans cette optique, on met en rapport non pas différentes langues, comme le fait traditionnellement la linguistique contrastive, mais les manifestations d’un même genre discursif dans au moins deux communautés différentes (ou ce qu’on suppose être des communautés), genre dont il s’agit alors de décrire et ensuite d’interpréter les régularités et les variabilités. »

Essa síntese do projeto da Análise Comparativa de Discursos contém vários aspectos a serem considerados na abordagem da tradução aqui assumida.

Em primeiro lugar, a importância do gênero discursivo, que funciona como o tertium comparationis ou a invariante de comparação da grande maioria das pesquisas em ACD. No caso da tradução, não se trata de comparar, ao menos, duas obras diferentes de dois autores, mas que pertencem a um mesmo gênero em duas línguas/culturas distintas. Na tradução, o analista ou tradutor opera com um gênero do discurso da língua de partida a ser vertido em um gênero equivalente na língua de chegada, ambos fixando, materializando a mesma obra. A obra é a materialização do projeto discursivo do autor, que o tradutor, em um primeiro momento, se aproxima ao máximo para compreendê-la e, em seguida, se distancia para vertê-la para a língua/cultura de chegada (próximo do perspectivismo ou da capacidade de ocupar um ponto de vista em um contexto e uma posição, nos termos de Viveiros de Castro), ou seja, o autor dos enunciados-obra das duas línguas é o mesmo. No entanto, como o enunciado contém necessariamente um interlocutor presumido, além de outros aspectos extraverbais (esfera acadêmica, momento histórico, meio social etc.), neste artigo será proposta a distinção entre obra e enunciado. A obra manifesta, fixa a arquitetônica do autor (seu projeto de dizer, sua avaliação do contexto extraverbal, seu acabamento ao menos estilístico e composicional). Já o enunciado, além desses aspectos, é o resultado da interação discursiva entre autor e destinatários presumidos, por um lado, e entre outros enunciados das esferas da atividade humana mobilizadas por ele (no caso das obras de Mikhail Bakhtin e do Círculo traduzida pela autora deste artigo em parceria com Ekaterina Vólkova Américo, são mencionadas, em especial, as diversas esferas da ciências humanas: filosofia, teoria da literatura, filosofia da linguagem, linguística etc.). Com base nessa distinção, aqui é proposto que o enunciado de partida e o enunciado traduzido têm o mesmo autor e materializam a mesma obra, mas são dois enunciados distintos, pois destinados a distintos destinatários pertencentes a horizontes sociais, históricos e ideológicos diversos.

Em seguida, a noção de cultura discursiva da ACD recobre, por um lado, a dimensão individual do discurso (representações ou manifestações discursivas) e, por outro, a dimensão coletiva (as representações sociais circulando em uma comunidade que se fixam nas manifestações discursivas). Conforme destacado em trabalho anterior (Grillo, 2021Grillo, Sheila Vieira de Camargo. “Fondements théorico-méthodologiques pour les analyses comparatives/contrastives des discours : les documents officiels de l’éducation de base au Brésil et en Russie”. In: Grillo, Sheila Vieira de Camargo; Reboul-Toure, Sandrine & Glushkova, Maria (Org.). Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques. Bruxells: Peter Lang, 2021. p. 55-85.), o método sociológico desenvolvido por Mikhail Bakhtin, Valentin Volóchinov e Pável Medviédev nos anos 1920 opera uma síntese entre o psíquico (ou individual ou interior) e o ideológico (ou social ou exterior) por meio dos conceitos de signo ideológico e enunciado, que são por um lado produzidos sob a influência, os limites e as pressões das condições sociohistóricas, mas ao se tornarem fonte e origem da consciência psíquica dos indivíduos são reavaliados pelas suas ênfases valorativas. Um segundo aspecto também desenvolvido nesse trabalho (Grillo, 2021Grillo, Sheila Vieira de Camargo. “Fondements théorico-méthodologiques pour les analyses comparatives/contrastives des discours : les documents officiels de l’éducation de base au Brésil et en Russie”. In: Grillo, Sheila Vieira de Camargo; Reboul-Toure, Sandrine & Glushkova, Maria (Org.). Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques. Bruxells: Peter Lang, 2021. p. 55-85.), o conceito de cultura decorrente do trabalho de Mikhail Bakhtin realizado nos anos 1930 e primeira metade dos anos 1940 sobre a obra de François Rabelais a compreende como um campo de criação (manifesto em rituais, obras e gêneros) situado sempre nas fronteiras com outros campos (por exemplo, a cultura popular do riso frente à cultura oficial da Igreja e do feudalismo da Idade Média). A base desse processo criativo é a subversão, a recriação, a transformação da cultura alheia. A vizinhança entre os termos cultura e ideologia e esferas ideológicas na obra dos autores russos é outra orientação a compreender a cultura como heterodiscurso12 12 Conceito formulado nos anos 1930 para explicar o gênero romance, como estratificado em diferentes dialetos sociais, linguagens das gerações, jargões profissionais, registros, gêneros intercalados, todos eles dotados de valores e visões de mundo próprios e às vezes divergentes entre si. Aqui duas palavras distintas provenientes de, por exemplo, dois dialetos sociais revelam diferentes visões, facetas, avaliações, significados dos objetos do mundo. , pois constituída pelos interesses, conflitos e lutas entre diferentes grupos e classes sociais fixados e manifestos em enunciados e signos ideológicos. Por fim, a relação entre interação discursiva (dimensão sociohistórica, situação extraverbal subentendida, orientação social do enunciado) e seus produtos culturais (enunciados, signos ideológicos verbais e não verbais) é recíproca: o enunciado é parte da interação discursiva, mas a transforma e ressignifica por meio das avaliações sociais, das avaliações individuais e de seu caráter singular.

A tradução entre o dialogismo, a cultura e a comparação

Se a reflexão foi bem conduzida, conseguimos revelar a pertinência para uma teoria da tradução dos laços entre os conceitos de perspectivismo e multinaturalismo de Eduardo Viveiros de Castro; os conceitos de dialogismo, de distanciamento, de extralocalização, de excedente de conhecimento e de inconclusibilidade de Mikhail Bakhtin; e o princípio da análise comparativa de discursos de Patricia von Münchow. Guardadas as especificidades e as heterogeneidades entre essas três teorias, foram apontados:

  1. a presença e a essencialidade da comparação em todas elas enquanto princípio que serve à e possibilita a tradução;

  2. o diálogo entre culturas é inerente à atividade de tradução, nesse diálogo a cultura do Outro integra, completa, amplia, transforma a cultura do Eu;

  3. a tradução é uma das manifestações da inconclusibilidade ou incompletude ontológica essencial, presente no perspectivismo amazônico desenvolvido por Viveiros de Castro, de nossas culturas que buscam, por meio da tradução, incorporar outras culturas para melhor compreenderem a si mesmas;

  4. a tradução possibilita o encontro entre culturas e seus mundos, mas esse encontro não provoca uma síntese unificadora e sim um deslocamento e uma transformação da língua e da cultura de partida e, sobretudo, de chegada;

  5. o conceito de corpo garante o contato entre diferentes ontologias (ou mundos), a apreensão da alteridade, o caráter sociohistoricamente situado da atividade de tradução, a irredutibilidade dos mundos das línguas/cultura de partida e de chegada e a consequente equívoco sempre presente no horizonte do tradutor e do leitor da tradução;

  6. o enunciado na língua/cultura de partida e sua tradução na língua/cultura de chegada materializam a obra de um mesmo autor, do qual o tradutor busca, em um primeiro momento, aproximar-se ao máximo para compreender seu projeto de dizer, seus interlocutores presumidos, seus supradestinatários, seu horizonte ideológico e social etc., para, em seguida, produzir um segundo enunciado - a tradução - resultado da extralocalização e do excedente de conhecimento do tradutor, de seu direcionamento a novos leitores, de seu novo horizonte ideológico e social.

  • 1
    A expressão “diálogo de mundos” parece provir de Jullien (2009)Jullien, François. O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2009..
  • 2
    Encontrados durante a escrita do artigo “Análise comparativa e tradução sob o viés da metalinguística de Bakhtin: Cours de Linguistique Générale nas traduções ao russo e ao português” (Mesquita & Grillo, 2021Mesquita, Igor Bezerra & Grillo, Sheila Vieira de Camargo. “Análise comparativa e tradução sob o viés da metalinguística de Bakhtin: Cours de Linguistique Générale nas traduções ao russo e ao português”. Cadernos de Tradução, 41(2), p. 400-427, 2021. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e75124
    https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e...
    ).
  • 3
    Conforme Foucault (1995[1966], p. 328)Foucault, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995[1966]., no surgimento das ciências humanas na epistémê moderna “o homem aparece com sua posição ambígua de objeto para um saber e de sujeito que conhece: soberano submisso, espectador olhado, surge ele aí, nesse lugar do Rei que, antecipadamente, lhe designavam Las meninas, mas donde, durante longo tempo, sua presença real foi excluída.” A inclusão do enunciador, do artista, do homem, do cientista nas ciências humanas modernas se dá nessa posição dupla, que ao mesmo tempo distancia e aproxima saber e sujeito do saber.
  • 4
    Com base no pensamento do antropólogo norte-americano Roy Wagner, Eduardo Viveiros de Castro (2018[2009], p. 39)Wagner, Roy. A invenção da cultura. Tradução de Marcelo Coelho de Souza e Alexandre Morales. São Paulo: UBU, 2017[1981]. define a cultura como “macrossistemas humanos de convenções” que “se distinguem por aquilo que definem como pertencendo à esfera da responsabilidade dos agentes - o mundo do “construído” - e aquilo que pertence (porque é contraconstruído como pertencendo) ao mundo do dado, isto é, do não-construído”. Em outro lugar, o antropólogo brasileiro afirma “Uma cultura não é um sistema de crenças, mas antes - já que deve ser algo - um conjunto de estruturações potenciais da experiência, capaz de suportar conteúdos tradicionais variados e de absorver novos: ela é um dispositivo culturante ou constituinte de processamento de crenças.” (Viveiros de Castro, 2017Viveiros de Castro, Eduardo. “Atualização e contraefetualização do virtual: o processo do parentesco”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998a]. p. 347-393.[1993], p. 181)
  • 5
    Em “Le deuxième sexe” (2021[1949]), Simone de BeauvoirBeauvoir, Simone. Le deuxième sexe I. Les faits et les mythes. Paris: Gallimard, 2021[194-]. argumenta como a mulher foi alçada à categoria de Outro menor pelos discurso da biologia, da psicanálise e do materialismo histórico. A dominação do homem sobre a mulher explica-se, entre outros, por esta não participar da guerra, das conquistas e ter sido encarregada das funções reprodutivas, do cuidado da casa e dos filhos. Uma vez que a conquista, a guerra são atividades criativas e definidoras da humanidade, a mulher, ao ser excluída delas, foi concebida como uma humanidade menor, incompleta.
  • 6
    Roy Wagner 2017Wagner, Roy. A invenção da cultura. Tradução de Marcelo Coelho de Souza e Alexandre Morales. São Paulo: UBU, 2017[1981].[1981] entende que a antropologia é parte de nossa cultura ocidental que opera com dois domínios ou categorias da experiência: o inato (ou natureza) e o controle humano (ou cultura). Segundo o autor, a explicitação ou desmascaramento do modo como articula esses domínios/categorias é a condição para que a antropologia não seja uma ideologia que deriva outras culturas a partir de si, mas uma ciência capaz de apreender culturas por meio da compreensão do funcionamento da invenção e da “crença”.
  • 7
    Segundo Viveiros de Castro (2018[2009]Viveiros de Castro, Eduardo. Métaphysiques cannibales. Paris: PUF, 2009., p. 61), não se trata de animismo, que afirma uma “semelhança substancial ou analógica entre animais e humanos”.
  • 8
    Em Problemas da poética de Dostoiévski (2010[1963]), M. Bakhtin propõe a “metalinguística” como disciplina que vai além da linguística e estuda aqueles aspectos do discurso, do enunciado, que vão além do verbal, ou seja, as relações dialógicas e a palavra bivocal presentes nos enunciados, estes compostos por uma parte verbal e outra extraverbal. Ao propor que o tradutor realiza uma atividade metalinguística, destaco que, além das línguas em questão, o tradutor opera com diferentes horizontes ideológicos, com diferentes contextos (aí incluídos, entre outros, diferentes interlocutores e seus campos aperceptivos de percepção), com duas culturas etc.
  • 9
    “Временная модель мира: он становится миром, где первого слова (идеального начала) нет, а последнее ещё не сказано..”
  • 10
    A epistémê moderna proposta por Michel Foucault (1995[1966])Foucault, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995[1966]. se define pela noção de finitude do homem que exclui a metafísica para determinar o humano em sua existência laboriosa (trabalho), corporal (vida) e falante (linguagem): “o homem moderno [...] só é possível a título de figura da finitude” (Foucault, 1995Foucault, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995[1966].[1966], p. 334). Já a filosofia do gênero discursivo em Bakhtin (2022[1929], p. 100)Bakhtin, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2022[1929]., define o romance pelo caráter não conclusivo do enredo e dos personagens, como forma artística de representação do que ele chama de “excedente de humanidade”. O objeto de representação é a subjetividade do ser humano, que cessou de coincidir consigo próprio (destino e posição social), pois há sempre um excedente de humanidade que escapa dessas posições, há sempre potencialidades não realizadas; o interior e o exterior do ser humano, o ser humano para si mesmo e aos olhos dos outros, não coincidem; o ser humano adquire no romance iniciativa ideológica e linguística (os personagens do romance são ideólogos). Aqui o homem é infinito, inconcluso, sua compreensão, seu estudo tem de incorporar uma indefinição constitutiva do ser humano como objeto da ciência.
  • 11
    « la comparaison de différentes cultures dis- cursives, notion qui recouvre les manifestations discursives des représentations sociales circulant dans une communauté donnée sur les objets sociaux, d’une part, et sur les discours à tenir sur ces objets, d’autre part. Dans cette optique, on met en rapport non pas différentes langues, comme le fait traditionnellement la linguistique contrastive, mais les manifestations d’un même genre discursif dans au moins deux communautés différentes (ou ce qu’on suppose être des communautés), genre dont il s’agit alors de décrire et ensuite d’interpréter les régularités et les variabilités. »
  • 12
    Conceito formulado nos anos 1930 para explicar o gênero romance, como estratificado em diferentes dialetos sociais, linguagens das gerações, jargões profissionais, registros, gêneros intercalados, todos eles dotados de valores e visões de mundo próprios e às vezes divergentes entre si. Aqui duas palavras distintas provenientes de, por exemplo, dois dialetos sociais revelam diferentes visões, facetas, avaliações, significados dos objetos do mundo.

Referências

  • Бахтин, Mихаи? Mихай?ович [Bakhtin, Mikhail Mikháilovitch], М. М. Бахтин. Собрание сочинений. Т. 4(2). Творчество ?рансуа Раб?е и народна? ку?ьтура Средневековь? и Ренессанса (1965 г.). Раб?е и Гого?ь. Искусство с?ова и народна? смехова? ку?ьтура (1940, 1970 гг.). Комментарии и ?ри?о?ени?. [M. M. BAKHTIN. Obras reunidas vol. 4(2). A criação de François Rabelais e a cultura popular na Idade Média e no Renascimento (1965). Rabelais e Gógol. A arte da palavra e a cultura cômica popular (1940, 1970). Comentários e anexos]. Москва: Языки С?ав?нских Ку?ьтур, 2010.
  • Бахтин, Mихаи? Mихай?ович. [Bakhtin, Mikhail Mikháilovitch] М. М. Бахтин: собрание сочинений т. . 3 Теори? романа (1930-1961 гг.) [M. M. Bakhtin: obras reunidas vol. 3. A teoria do romance (1930-1961)]. Редакторы тома С. Г. Бочаров и В . В. Ко?инов. Москва: Языки С?ав?нских ку?ьтур, 2012a.
  • Бахтин, Mихаи? Mихай?ович [Bakhtin, Mikhail Mikháilovitch] Из ?редыстории романного с?ова [Sobre a pré-histórica do discurso/palavra romanesco/a]. In: Бахтин, М. М. [Bakhtin, M. M.]. М. М. Бахтин: собрание сочинений т. 3. Теори? романа (1930-1961 гг.) [M. M. Bakhtin: obras reunidas vol. 3. A teoria do romance (1930-1961)]. Редакторы тома С. Г. Бочаров и В . В. Ко?инов. Москва: Языки С?ав?нских ку?ьтур, 2012b. c. 513-553.
  • Бахтин, Mихаи? Mихай?ович [Bakhtin, Mikhail Mikháilovitch] Тезисы к док?аду М. М. Бахтина « Роман, как ?итературный ?анр» [Teses à apresentação de M. M. Bakhtin “O romance como gênero literário”]. In: Бахтин, М. М. [Bakhtin, M. M.]. М. М. Бахтин: собрание сочинений т. 3. Теори? романа (1930-1961 гг.) [M. M. Bakhtin: obras reunidas vol. 3. A teoria do romance (1930-1961)]. Редакторы тома С. Г. Бочаров и В . В. Ко?инов. Москва: Языки С?ав?нских ку?ьтур, 2012c. c. 644-645.
  • Бахтин, Mихаи? Mихай?ович [Bakhtin, Mikhail Mikháilovitch] ?ри?о?ение. Зак??чите?ьное с?ово М. М. Бахтина на обсу?дении док?ада «Роман, как ?итературный ?анр» 24 марта 1941 [Palavras finais de M. M. Bakhtin no debate da apresentação “O romance como gênero literário” 24 de março de 1941]. In: Бахтин, М. М. [Bakhtin, M. M.]. М. М. Бахтин: собрание сочинений т. 3. Теори? романа (1930-1961 гг.) [M. M. Bakhtin: obras reunidas vol. 3. A teoria do romance (1930-1961)]. Редакторы тома С. Г. Бочаров и В . В. Ко?инов. Москва: Языки С?ав?нских ку?ьтур, 2012d. c. 646-654.
  • Бахтин, Mихаи? Mихай?ович [Bakhtin, Mikhail Mikháilovitch]. Роман, как ?итературный ?анр [O romance como gênero literário]. In: Бахтин, М. М. [Bakhtin, M. M.]. М. М. Бахтин: собрание сочинений т. 3. Теори? романа (1930-1961 гг.) [M. M. Bakhtin: obras reunidas vol. 3. A teoria do romance (1930-1961)]. Редакторы тома С. Г. Бочаров и В . В. Ко?инов. Москва: Языки С?ав?нских ку?ьтур, 2012e. c. 608-643.
  • Бахтин, Mихаи? Mихай?ович [Bakhtin, Mikhail Mikháilovitch.]. М. М. Бахтин Собрание Сочинений [Problemas da poética de Dostoiévski. In: M.M. Bakhtin obras reunidas]. T. 6. Москва: Русские С?овари /Языки С?ав?нской Ку?ьтуры, 2002. [Editores: S. G. Botcharóv, L. A. Gogotichvíli)
  • Bakhtin, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010[1963].
  • Bakhtin, Mikhail. Teoria do romance I. A estilística. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015[193-].
  • Bakhtin, Mikhail. “Os gêneros do discurso”. In: Bakhtin, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016[1953-1954]. p. 11-70.
  • Bakhtin, Mikhail. “O texto na filologia, na linguística e em outras ciências humanas: experimento de análise filosófica”. In: Bakhtin, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016[1959-1960]. p. 71-110.
  • Bakhtin, Mikhail. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2017.
  • Bakhtin, Mikhail. “Por uma metodologia das ciências humanas”. In: Bakhtin, Mikhail. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas de P. Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2017. p. 57-79.
  • Bakhtin, Mikhail. “A ciência da literatura hoje” [Resposta a uma pergunta da Revista Novi Mir]. In: Bakhtin, Mikhail. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2017[1970]. p. 9-20.
  • Bakhtin, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2022[1929].
  • Bastos, Leandro Tibiriçá Camargo. “Morte do homem branco e potência-senzala: tradução em tempo de novas ontologias”. Cadernos de Tradução, 39, n. esp., p. 47-64, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp47
    » https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp47
  • Beauvoir, Simone. Le deuxième sexe I. Les faits et les mythes. Paris: Gallimard, 2021[194-].
  • Faleiros, Álvaro. “Poiéticas não europeias em tradução – refundações e reescritas desde Brasis”. Cadernos de Tradução, 39, n. esp., p. 10-46, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp10
    » https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp10
  • Faleiros, Álvaro. Traduções canibais: uma poética xamânica do traduzir Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2019a.
  • Foucault, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995[1966].
  • Grillo, Sheila Vieira de Camargo; Reboul-Toure, Sandrine & Glushkova, Maria (Org.). Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques Bruxells: Peter Lang, 2021.
  • Grillo, Sheila Vieira de Camargo. “Fondements théorico-méthodologiques pour les analyses comparatives/contrastives des discours : les documents officiels de l’éducation de base au Brésil et en Russie”. In: Grillo, Sheila Vieira de Camargo; Reboul-Toure, Sandrine & Glushkova, Maria (Org.). Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques Bruxells: Peter Lang, 2021. p. 55-85.
  • Jullien, François. O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
  • Mesquita, Igor Bezerra & Grillo, Sheila Vieira de Camargo. “Análise comparativa e tradução sob o viés da metalinguística de Bakhtin: Cours de Linguistique Générale nas traduções ao russo e ao português”. Cadernos de Tradução, 41(2), p. 400-427, 2021. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e75124
    » https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e75124
  • von Münchow, Patricia. “L’analyse du discours contrastive, un voyage au cœur du discours”. In: Grillo, Sheila Vieira de Camargo; Reboul-Toure, Sandrine & Glushkova, Maria (Org.). Analyse du discours et comparaison: enjeux théoriques et méthodologiques Bruxells: Peter Lang, 2021. p. 35-54.
  • Silva, Heber de Oliveira Costa. A tradução na perspectiva dialógica: a re-enunciação da teoria de Austin em português 2018. 203 f. Tese (Doutorado) – Curso de Letras, Centro de Artes e Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018.
  • Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[2002].
  • Viveiros de Castro, Eduardo. “Imanência do inimigo”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1992]. p. 229-254.
  • Viveiros de Castro, Eduardo. “O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1993]. p. 157-228.
  • Viveiros de Castro, Eduardo. “Imagens da natureza e da sociedade”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1995]. p. 275-298.
  • Viveiros de Castro, Eduardo. “Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1996]. p. 299-346.
  • Viveiros de Castro, Eduardo. “Atualização e contraefetualização do virtual: o processo do parentesco”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998a]. p. 347-393.
  • Viveiros de Castro, Eduardo. “Entrevista”. In: Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: UBU, 2017[1998b]. p. 395-311.
  • Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural São Paulo: UBU, 2018[2009].
  • Viveiros de Castro, Eduardo. Métaphysiques cannibales. Paris: PUF, 2009.
  • Volóchinov, Valentin Nikoláevitch (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem Problema fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2021[1929].
  • Wagner, Roy. A invenção da cultura. Tradução de Marcelo Coelho de Souza e Alexandre Morales. São Paulo: UBU, 2017[1981].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2022
  • Aceito
    11 Dez 2022
  • Publicado
    Fev 2023
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: suporte.cadernostraducao@contato.ufsc.br