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BAPTISTE-LOUIS GARNIER E LOUIS HACHETTE: CONTATOS INTERNACIONAIS, DIREITOS AUTORAIS E TRADUÇÃO

BAPTISTE-LOUIS GARNIER AND LOUIS HACHETTE: INTERNATIONAL CONTACTS, COPYRIGHTS AND TRANSLATION

Resumo

A definição do repertório literário no século XIX em diferentes países foi decorrente da atuação de agentes, que estabeleciam redes internacionais de contatos e, a partir delas, efetuavam escolhas de obras que atenderiam ao leitorado e delineavam estratégias de atuação no mercado livreiro. Baptiste-Louis Garnier entreteve relação com diversos intermediários e profissionais do campo editorial, coadunando suas ações com os interesses das pessoas com quem negociava, com as demandas de seu público e, claro, com seus próprios anseios de êxito de seus empreendimentos. Este artigo tem como objetivo compreender as ações de Garnier e sua interferência no delineamento da literatura traduzida oferecida aos leitores brasileiros. A partir de correspondências desse editor enviadas a Louis Hachette, buscaremos analisar como a preservação dos direitos autorais de autores estrangeiros ou sua violação impactou a circulação no Brasil de obras traduzidas de dois dos mais célebres romancistas de seu tempo, Jules Verne e Condessa de Ségur.

Palavras-chave
Tradução; Circulação; Editores; Baptiste-Louis Garnier; Louis Hachette

Abstract

The definition of the literary repertoire in the nineteenth century in different countries was the result of the actions of agents who established international networks of contacts, from which they outlined business strategies in the book market and chose works that would be of interest to their readers. Baptiste-Louis Garnier had relationships with various intermediaries and professionals in the publishing field and aligned his actions with the interests of his dealers, the demands of his audience and, of course, his own desires for success in his endeavors. This article aims to understand Garnier’s actions and his interference in delineating the translated literature offered to Brazilian readers. Based on correspondence from this editor sent to Louis Hachette, we will seek to analyze how preserving or violating foreign authors’ copyrights affected the circulation of translations in Brazil, especially the works of two of the most celebrated novelists of the time, Jules Verne and Countess of Ségur.

Keywords
Translation; Circulation; Publishers; Baptiste-Louis Garnier; Louis Hachette

Introdução

As ações editoriais de Baptiste-Louis Garnier são estudadas neste artigo como práticas internacionais relativas à publicação de livros e ao fazer editorial em geral, a partir da certeza de que os bens culturais circulavam no Brasil sem defasagem temporal e com as mesmas regras de mercado europeias e transatlânticas (Europa-Américas) (Abreu, 2016Abreu, Márcia. “A ficção como elemento de conexão cultural”. In: Abreu, Márcia (Org.). Romances em movimento: a circulação transatlântica dos impressos (1789-1914). Campinas: Editora da UNICAMP, 2016. p. 15-34., p. 15; Granja, 2018Granja, Lucia. “Chez Garnier, Paris-Rio (de homens e de livros)”. In: Granja, Lúcia & Luca, Tania Regina de (Org.). Suportes e mediadores: a circulação transatlântica dos impressos (1789-1914). Campinas: Editora da UNICAMP, 2018. p. 55-79., p. 15; Levin & Poncioni, 2018Levin, Orna Messer & Poncioni, Claudia. “Pessoas em trânsito, imagens em construção”. In: Levin, Orna Messer & Poncioni, Claudia (Org.). Deslocamentos e mediações: a circulação transatlântica dos impressos (1889-1914). Campinas: Editora da UNICAMP, 2018. p. 15-29., p. 15).

Dentre os nove irmãos da numerosa família Lechevallier-Garnier, três deles, livreiros-editores, foram muito importantes para a história da circulação internacional dos bens culturais nos séculos XIX e XX: Auguste Garnier (1812-1887), Hipollyte Garnier (1815-1911) e o caçula, Baptiste-Louis Garnier (1822-1893) (Granja, 2013Granja, Lucia. “Entre homens e livros: contribuições para a história da livraria Garnier no Brasil”. Livro, 3, p. 41-49, 2013., p. 44; Mollier, 2018Mollier, Jean-Yves. “Uma livraria internacional no século XIX, a livraria Garnier Frères”. Tradução de Willian Righini de Souza e Valéria Cristina Bezerra. In: Granja, Lúcia & Luca, Tania Regina de (Org.). Suportes e mediadores: a circulação transatlântica na literatura do século XIX (1889-1914). Campinas: Editora da UNICAMP, 2018. p. 33-53., p. 35-36). Este último fixou-se no Rio de Janeiro entre 1838 e 18441 1 As fontes divergem. Vapereau (1858) fala em 1838; Senna (1910) estabelece a data de 1844, replicada por outros historiadores do livro no Brasil, como Hallewell (2005). como comerciante de livros, mas não exclusivamente deles. A partir daí, a parceria comercial internacional entre os irmãos criou intensa circulação de livros e de homens e, até o final dos anos 1850, Baptiste-Louis construiu listas de livros à venda, variados, entre livros técnicos, escolares, religiosos e de literatura etc., oferecidos ao público por meio de catálogos e de todo tipo de publicidade nos jornais (anúncios de diferentes tamanhos e destaques, resenhas encomendadas). Dentre os livros que comercializava, muitos pertenciam ao catálogo dos irmãos editores em Paris, mas Baptiste-Louis Garnier atuou também como parceiro comercial, e em vários tipos de atividades, de outros editores franceses (Granja, 2021Granja, Lucia. “Os editores Garnier: da França ao espaço transatlântico”. Transatlantic cultures, 2021. DOI: https://doi.org/10.35008/tracs-0080
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, p. 4-5).

De tudo isso, este artigo extrai dados e interpretações que renovam o estudo da edição no Brasil, sobretudo demonstrando que a separação entre história literária nacional e internacional deve ser suplantada por um modelo globalizante de análise, posto que uma série de acontecimentos que tendemos a perceber como “nacionais” deram-se como parte do contato entre culturas. O caso dos Garnier deixa claro como uma empresa atuando em nível internacional pôde, complementarmente, estar a par da configuração de repertórios de leituras nos diferentes países, os quais se relacionaram à produção literária considerada “nacional”. Tem-se discutido como escritores pertencentes aos campos literários nacionais dominados (ou periféricos), caso queiram concorrer no ambiente literário mundial, precisam integrar um processo de nacionalização de textos universais, traduzindo-os, em sentido largo, dentro de uma literatura que pretende ganhar em tradição (Casanova, 2021Casanova, Pascale. “Consécration et accumulation de capital littéraire. La traduction comme échange inégal”. Actes de la recherche en Sciences Sociales, 4(144), p. 7-20, 2002. DOI: https://doi.org/10.3406/arss.2002.2804
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, p. 10; Bezerra, 2018Bezerra, Valéria Cristina. A literatura brasileira em cenário internacional: um estudo do caso de José de Alencar. Belo Horizonte: Relicário, 2018., p. 93).

A universalização do gosto pela leitura no século XIX esteve inexoravelmente ligada a escolhas editoriais e comerciais, que estão na base da circulação e oferta de livros e impressos por esse e outros editores. No caso de B.-L. Garnier, como é sabido, as personagens e histórias criadas por Jules Verne habitaram o imaginário dos brasileiros vorazes pela literatura de aventuras, dita infanto-juvenil (Leão, 2011Leão, Andréa Borges. “Além da nação: Sophie de Ségur no campo literário infantil brasileiro”. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, 34, p. 157-178, 2011. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9640. Acesso em: 16 abr. 2021.
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, p. 498-499; Catharina & Guirra, 2014Catharina, Pedro Paulo Garcia Ferreira & Guirra, Edmar. “Jules Verne na imprensa brasileira do século XIX”. Pensares em Revista, 4, p. 5-25, 2014. DOI: https://doi.org/10.12957/pr.2014.14112
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, p. 8). No entanto, como estudamos neste texto, esses mesmos leitores não tiveram acesso franco à igualmente célebre2 2 Utilizamos aqui o conceito de “celebridade” definido por Antoine Lilti (2018), em que se considera a singularidade contemporânea do escritor. Condessa de Ségur, cuja obra de literatura juvenil foi enormemente lida e conhecida no século XIX. Curiosamente, isso não indica que havia uma preferência brasileira pelas histórias de pioneira ficção científica em um veículo submarino, por exemplo, em detrimento das aventuras e impertinências de uma garotinha chamada Sophie. O gosto daqueles que só liam em português, bem como a circulação da literatura de entretenimento e de aventuras do tipo da praticada por Ségur e Verne, são resultados de escolhas editoriais e da parca legislação imperial brasileira sobre a propriedade literária e os direitos de autor, dentre outros fatores. Na lição do historiador francês Roger Chartier (1999, p. 35-36)Chartier, Roger. A ordem dos livros. Leitores, autores e bibliotecas da Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução de Mary Del Priori. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999., para além dos autores, os dispositivos materiais (editoriais, jurídicos, ligados à censura etc.) participam da produção dos textos, de suas formas e sentidos, da formação dos leitores e de suas escolhas de leitura. Aliás, é justamente nos acordos contratuais entre Garnier e Hachette que os dispositivos jurídicos se tornam protagonistas da possibilidade de os brasileiros terem acesso a diversificados tipos de livros escolares e de divulgação científica.

No que tange à empresa internacional Garnier (Mollier, 2018Mollier, Jean-Yves. “Uma livraria internacional no século XIX, a livraria Garnier Frères”. Tradução de Willian Righini de Souza e Valéria Cristina Bezerra. In: Granja, Lúcia & Luca, Tania Regina de (Org.). Suportes e mediadores: a circulação transatlântica na literatura do século XIX (1889-1914). Campinas: Editora da UNICAMP, 2018. p. 33-53., p. 33), a partir do início dos anos 1860, Baptiste-Louis deixou a condição de “representante” da Garnier Frères no Rio de Janeiro para se tornar um editor autônomo, sobretudo no que se refere à literatura e textos escolares em português, destinados a circular no Brasil. Investindo em seu próprio negócio, ao longo de quase toda a segunda metade do século XIX, Baptiste-Louis passou a dominar, além do comércio, a edição de livros “brasileiros”, o que fez de forma autônoma, sem a parceria dos irmãos (Granja, 2021Granja, Lucia. “Os editores Garnier: da França ao espaço transatlântico”. Transatlantic cultures, 2021. DOI: https://doi.org/10.35008/tracs-0080
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, p. 3). Figura paradoxal, publicou, além dos antigos, os escritores brasileiros da época, investindo na formação de coleções de literatura brasileira, sondando e dando publicidade aos textos daqueles literatos brasileiros contemporâneos (poesia, ficção, teatro). Ao mesmo tempo, tendo reunido capital, a partir dos anos 1870, e de olho nos lucros, expandiu a tradução de fenômenos de vendagens na Europa, estabelecendo relações ambíguas com outros editores, sobretudo franceses. Importante lembrar que, preparando esse fluxo de traduções, o editor contratou no Brasil e enviou a Paris, em 1864, um empregado fixo assalariado, o tipógrafo francês então residente no Rio de Janeiro Jules Henri Gueffier, que se ocuparia, assim que instalado na França, de várias atividades: revisão de provas dos textos mandados imprimir, em português, nas tipografias francesas; representação de B.-L. Garnier junto a editores e livrarias; tradução, entre outras atividades (Granja, 2018Granja, Lúcia & Luca Tania Regina de. “Apresentação”. In: Granja, Lúcia & Luca, Tania Regina de (Org.). Suportes e mediadores: a circulação transatlântica dos impressos (1789-1914). Campinas: Editora da UNICAMP, 2018. p. 15-32., p. 60-61). Portanto, já no início dos anos 1860, as ações editoriais e comerciais de Garnier mostram que o objetivo era também o da construção de coleções de obras, nacionais e traduzidas, como efetivamente viria a acontecer, com a criação da Biblioteca de Algibeira e da Biblioteca Universal, as principais coleções de Garnier a circularem na década de 1870.

A Biblioteca de Algibeira era constituída por obras nacionais e, principalmente, por traduções de romances estrangeiros, publicadas em formato in-12 e vendidas a um preço de 1$000 (mil reis), valor considerado “módico” por um redator anônimo do Jornal do Commercio (4 set. 1873)Jornal do Commercio. “Biblioteca de algibeira”. Publicações a pedido. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 4 set. 1873, 4.. O formato, o valor e as obras que integravam a Biblioteca de Algibeira evidenciam sua destinação popular, ao contrário da Biblioteca Universal, cujos títulos eram vendidos entre 2$500 e 3$000, em formato in-8°, contendo um número superior de obras de escritores nacionais, sem deixar de privilegiar a produção estrangeira, pois a maior parte dos mais de vinte romances traduzidos da célebre coleção Voyages Extraordinaires de Jules Verne foi publicada nessa coleção (Bezerra, 2018Bezerra, Valéria Cristina. “Tradução e literatura nacional: um estudo do empreendimento editorial de B. L. Garnier (1870-1880)”. In: Souza, Roberto Acízelo Quelha de & Medeiros, Constantino Luz (Org.). A história da literatura como problema: reflexões sobre a crise permanente nos estudos diacrônicos de literatura. Rio de Janeiro: Série E-books ABRALIC, 2018. p. 85-99., p. 42-44). A concepção e publicação dessas coleções se beneficiaram da falta de legislação no Brasil sobre direitos de propriedade de autores e editores estrangeiros, assim como da rede de contatos internacionais de Garnier, a qual permitiu a esse editor se informar sobre os títulos que entravam ou se mantinham no gosto do público do leitor no exterior. A busca por essas obras se dava por várias razões: o público brasileiro era bastante afeito à literatura estrangeira, sobretudo francesa; os editores poderiam se esquivar do pagamento de direitos autorais de autores estrangeiros; a produção nacional não parecia ser suficiente para abastecer essas coleções e os custos dos direitos de escritores locais, protegidos por uma lei de propriedade geral, poderiam comprometer o êxito financeiro desses empreendimentos editoriais. O próprio Garnier revelou a Hachette a prática disseminada no Brasil, ao buscar junto a seu homólogo um acordo favorável para a compra dos direitos de publicação de um dicionário realizado por um autor brasileiro que teria seguido o método do dicionário de Quicherat, de propriedade de Hachette: “Devo, contudo, chamar sua atenção para o fato de que, se o senhor quiser que eu conclua essa negociação, é indispensável que o senhor se mostre razoável, pois meus concorrentes, que não são onerados com esses direitos, estarão em condições de oferecer ao autor vantagens maiores”3 3 “Je dois toutefois vous faire observer que, si vous voulez que je fasse cette affaire, il est indispensable que vous vous montriez très raisonnables, car mes concurrents ne se trouvant pas onérés (sic) de ces droits, seront à même d’offrir à l’auteur des avantages plus grands”. Carta de B.- L. Garnier a Louis Hachette, 8 de setembro de 1877. (IMEC, Arquivo Hachette, HAC 28.25, tradução nossa).

O perfil dessas coleções assim como o repertório oferecido por Garnier são resultado de suas relações com agentes e editores estrangeiros, como veremos a seguir a partir do estudo do caso de Louis Hachette.

Baptiste-Louis Garnier e Louis Hachette

O acervo do editor Louis Hachette, conservado no Institut Mémoires de l’Édition ContemporaineInstitut Mémoires de l’Édition Contemporaine, coleção “Hachette” (HAC 28.25).,4 4 O IMEC, Institut Mémoires de l’Édition Contemporaine é uma associação francesa criada em 1988 para agrupar acervos, arquivos e fundos consagrados às principais editoras, às revistas e aos diferentes atores do meio editorial. O instituto está abrigado na Abadia de Ardennes, nas cercanias de Caen, na França. Tomamos a liberdade de expor dados sobre o arquivo, pois ele ainda é relativamente pouco conhecido entre os pesquisadores brasileiros. abriga uma amostra da correspondência estabelecida entre o editor de “La Bibliothèque des Chemins de Fer” e B.-L. Garnier. Nesse conjunto de documentos relativos aos dois editores que, salvo engano, jamais foi mencionado ou referenciado pelos estudiosos do campo, estão seis cartas assinadas por Garnier, datadas de 4 de março de 1876, 15 de outubro de 1875, 8 de setembro de 1877, 15 de novembro de 1877, 8 de maio de 1878 e 8 de julho de 1881. Compõem também o rol de documentos três rascunhos de contrato, elaborados por Hachette, os quais mencionam as condições acordadas entre ele e Baptiste-Louis, no tocante à venda de direitos de tradução, de clichês de gravuras e dos preços acordados entre ambos. Hachette mostra-se negociador rigoroso, como lemos no rascunho não datado, mas certamente posterior a meados de 1881:

De nossa carta de 10 de junho de 1881, cópia no 15, página 188, endereçada à Monsieur Garnier, editor no Rio

De uma parte

E da sua em resposta, datada de 8 de julho de 1881

De outra parte

Decorre

que nós cedemos a M. B. Garnier os clichés de 299 gravuras de um total de 341, e o direito de tradução do texto da obra do Sr. Dr. Saffray: Leçon de choses, sob as seguintes condições:

1: Preço dos clichês: quinze centavos por centímetro quadrado

2: Preço do direito de tradução do texto: trezentos francos.

que o Sr. Garnier se compromete a apenas utilizar esses clichês em suas próprias publicações em língua portuguesa, exclusivamente.

que, de nossa parte, nós nos reservamos o direito de os revender para toda publicação na mesma língua, que não seja “Leçons de choses” du Dr. Saffray.

(IMEC, Arquivo Hachette, HAC 28.25, tradução nossa)5 5 “De notre lettre du 10 Juin 1881, copie-clichés n° 15, page 188, à l’adresse de Monsieur Garnier, éditeur à Rio/d’une part/Et de la sienne en réponse, datée du 8 Juillet 1881/d’autre part/Il appert/que nous avons cédé à Mr. B. Garnier les clichés de 299 gravures sur 341, & le droit de traduction du texte de l’ouvrage de Monsieur le Dr. Saffray: Leçons de choses, aux conditions suivantes :/1 : Prix des clichés: quinze centimes le centimètre carré II/2 : Prix du droit de traduction du texte: trois cents francs/ que Mr. Garnier s’engage à n’utiliser ces clichés que dans ses propres publications en langue portugaise exclusivement/ que, de notre côté, nous nous réservons le droit de les revendre pour toute publication dans la même langue autre que les « Leçons de choses » du Dr. Saffray”. Grifos do original.

A resposta de B.-L. Garnier à carta de Louis Hachette de 10 de junho de 1881 felizmente resta entre as seis conservadas na coleção Hachette do IMEC e está datada de 8 de julho de 1881. Ela nos deixa perceber vários detalhes das trocas comerciais internacionais entre editores do século XIX, além das condições acordadas entre eles. A primeira coisa a se notar é a agilidade das negociações, por meio de cartas que viajavam entre os dois lados do Atlântico em menos de um mês. A segunda questão é que o editor franco-brasileiro adquiriu 299 gravuras das 341, pois, como ele explicará a Hachette na carta de 8 de julho de 1881, as outras 42 haviam sido retomadas, pelo editor estabelecido em Paris, ao livro Les Grandes Inventions, de Louis Figuier. A tradução desse texto fora publicada em 1873 pelo editor português Ernesto Chardron, com quem B.-L. Garnier mantinha relações comerciais (Queiroz, 2016Queiroz, Juliana Maia de. “Romances brasileiros em Portugal: a conexão das casas Chardron e Garnier”. In: Abreu, Marcia (Org.). Romances em movimento: a circulação transatlântica dos impressos (1789-1914). Campinas: Editora da UNICAMP, 2016. p. 121-133., p. 124). O reaproveitamento das ilustrações seria, portanto, uma forma de baratear a edição da tradução da Leçons de choses. Afinal, ele arcava com $300 Francos em direitos de tradução do texto e, como expõe na mesma carta, com a despesa de $2855,25 Francos, correspondentes a 19.035 cm2 de clichés de gravuras. Importante dizer que, certamente, Garnier achava alto esse investimento e procurava economizar. Em carta de 4 de março de 1876, havia dito ao correspondente parisiense que achava “um pouco caro” o preço do clichê praticado por Hachette e que outros editores estabelecidos naquela cidade lhe cediam clichês por $0,12 centavos o cm2, ao invés dos $0,15 centavos estabelecidos nos contratos entre Hachette e Garnier.

De tudo isso, concluímos que o investimento de Garnier na produção de tal livro é alto. Só os dados que temos aqui (sem considerar o preço do papel, da mão-de-obra e de outros itens e processos da transformação do texto em livro), remonta a $3.155 Francos, que, em valores da época, compram quase 900 gramas de ouro.6 6 Em termos de comparação, o salário de um professor primário, na França, àquela época, era de $250 Francos por mês (agradecemos os termos da comparação apresentados por Jean-Yves Mollier em conversa acadêmica). Em um site experimental para conversão de moedas (Historical Currency Converter, https://www.historicalstatistics.org/Currencyconverter.html), observamos que $3100 Francos, no ano de 1881, compravam 894.989 gramas de ouro. É preciso, portanto, criar hipóteses para justificar tal investimento, sobretudo considerando-se que inexistia no Brasil da época uma legislação que obrigasse o editor a pagar pelos direitos de tradução de uma obra. A única referência legal de que dispúnhamos era o insuficiente Código Criminal, de 1830, que em seu título III, “Dos crimes contra propriedade”, Capítulo I, dedicado ao “Furto”, artigo 261, estabeleceu a proibição de “Imprimir, gravar, litografar, ou introduzir quaisquer escritos, ou estampas, que tiverem sido feitos, compostos, ou traduzidos por cidadãos brasileiros, enquanto estes viverem, e dez anos depois da sua morte, se deixarem herdeiros” (Código Criminal do Império do Brasil, lei de 16 de dezembro de 1830Brasil. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Codigo Criminal. Rio de Janeiro, 1831. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso em: 6 jun. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).7 7 Havia debates acirrados em torno da questão da “Propriedade Literária” no Brasil nessa mesma época, mas ainda não existia legislação competente, o que só aconteceria a partir da Lei 496 de 1o de agosto de 1898. Sobre alguns dos importantes debates referentes ao assunto, conferir o artigo de Godoi (2017), “José de Alencar e os embates em torno da Propriedade Literária no Rio de Janeiro (1857-1875)”. Os debates a respeito da mesma questão eram intensos também na Europa. Em 1878, havia sido fundada, em Paris, a Association Littéraire et Artistique Internationale, que tinha como presidente honorário Victor Hugo. Tal associação tinha o objetivo de criar uma convenção internacional de proteção aos direitos de escritores e artistas, favorecendo assim a Convenção de Berna, de 9 de setembro de 1886, que estabeleceu o reconhecimento do direito de autor entre os países signatários. Além de muito genérico e inscrito na ideia de furto, ou subtração da coisa (material) alheia, o código protege apenas os cidadãos brasileiros, de forma que, no Brasil Imperial, não estavam assegurados os direitos de artistas e escritores estrangeiros aqui residentes, nem dos estrangeiros que tiveram obras contrafeitas no Brasil, em língua original ou em tradução para o português.

Voltando, então, às ações de B.-L. Garnier, se ele investia dispendiosamente no pagamento de direitos autorais a Hachette, enquanto furtava-se a fazê-lo em relação a outros editores do período, duas coisas são evidentes: Garnier não desejava se indispor com esse editor francês em específico; os resultados compensavam o investimento feito. Nesse caso, observamos que, no fluxo de cartas trocadas com Hachette, o interesse vivo do francês estabelecido no Rio de Janeiro era o de traduzir, via negociações perfeitamente legais, obras que poderiam ter uso didático, tais e quais livros de Física (Simples lectures sur la Physique, de Périer8 8 Provavelmente se referia a Simples entretiens sur la physique et la cosmographie, de Mme Isaure Aristide Rey (Isaure Périer), publicado por Hachette em 1879. ), de divulgação científica (Le lendemain de la mort, ou La vie future selon la science, de Louis Figuier), ou a adaptação Latim-Português do Dictionnaire Latin-Français, de Quicherat. Possivelmente, aí estavam implicados importantes lucros do editor, desde que conseguisse vender e distribuir milhares de exemplares desses textos para uso escolar, talvez com alguma subvenção governamental. Se essa última afirmação não pode ser, por enquanto, comprovada, ela pode ser reforçada pela certeza de que Garnier agia fortemente sobre o mercado de livros escolares na época (Hallewell, 2005Hallewell, Lawrence. O livro no Brasil: sua história. Tradução de Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Edusp, 2005., p. 215-217). Em uma disputa judicial que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça e gerou até mesmo um debate sobre direitos autorais, acompanhamos como Garnier comercializava a sexta edição de uma gramática escrita por Cirillo Dilermando da Silveira, na tiragem impressionante de seis mil exemplares, apesar de Nicolau Antonio Alves, antecessor de Francisco Alves na Livraria Clássica e na Alves & Cia, declarar-se dono dos direitos de comercialização da quinta edição da obra sob contenda (Arquivo Nacional. Supremo Tribunal Justiça. 1872. BU.O.RCI.0714Arquivo Nacional. Supremo Tribunal Justiça. 1872 (BU.O.RCI.0714).).

A obra de Saffray, cuja negociação entre os dois editores nos rende tanto assunto, foi enfim publicada por B.-L. Garnier no Brasil em 1884, como anuncia a Gazeta de Noticias de 20 de julho de 1884: “Recebemos...a Lição de cousas, pelo Dr. Saffray, traduzidas para uso das classes de instrução primárias pelo Prof. B. Alves Carneiro” (Gazeta de Noticias. 20 jul. 1884Gazeta de Noticias. “Recebemos”. Impressões semanais de crítica e de ciência. Rio de Janeiro: Typographia da Gazeta de Noticias, 20 jul. 1884, 2.). Esse anúncio corrobora a ideia de que o investimento no negócio dos livros escolares poderia ser rentável para Garnier devido à sua adoção no ensino formal.

Curiosamente, na mesma época, já era grande a lista de romances traduzidos por contrafação pelo mesmo Baptiste-Louis. Nesse caso, ele subtraía os lucros que Pierre-Jules Hetzel teria com a venda de direitos de tradução sobre os afamados romances de Jules Verne no Brasil. Parece mesmo, como veremos, que Garnier teve relevantes retornos financeiros vendendo os romances contrafeitos de Verne, publicados por Hetzel; ao mesmo tempo, as negociações entre o editor franco-brasileiro e Hachette, que era o editor da Condessa de Ségur, a criadora das aventuras da garotinha Sophie, deram-se por meio de relações mais complexas, que incluem venda de clichês de ilustrações, discussões sobre direito autoral, interdição de repasse dos clichês, entre outras clausulas contratuais.

Dois pesos e duas medidas: literatura contrafeita da dupla Verne/Hetzel; livros de uso escolar (mas não de literatura de grande circulação) chez Hachette. Apesar disso, a contradição se esgota nos atos. O cenário é rigorosamente o mesmo: o comércio e a circulação transatlântica dos bens culturais.

A ação de Garnier na diferenciação da oferta dos romances de Ségur e de Verne no Brasil

Em carta do dia 26 de julho de 1876, Garnier confirmou a Hachette a recepção por Lemale, seu impressor no Havre, dos clichês que ilustrariam a tradução de Le lendemain de la mort, de Louis Figuier, e assegurou seu compromisso de usar as ilustrações unicamente nas suas edições em língua portuguesa da obra. O editor aproveitou a missiva para fazer uma encomenda de livros, a serem remetidos a Belhatte, editor parceiro de B.-L. Garnier na França, que faria o envio dos exemplares ao Rio de Janeiro. A lista é reveladora das estratégias adotadas por Garnier, de suas relações internacionais e do quanto seu trabalho no mercado livreiro brasileiro definia o repertório de obras em circulação no país. Garnier solicitou ao editor francês 78 obras em língua francesa de diferentes gêneros, com grande predominância de romances:

Gráfico 1
Distribuição por gênero dos livros encomendados por B.-L. Garnier em correspondência a Louis Hachette

Para cada título, Garnier tinha o cuidado de referir a quantidade de volumes que compunham a obra e, claro, a quantidade de exemplares de que precisava. Ao todo, o editor encomendou 228 exemplares das 78 obras listadas. Dentre estas, os romances representavam mais de 70%: 43 títulos no total, dos quais foram encomendados 127 exemplares. Esses romances eram sobretudo instrucionais ou moralizadores, destinados às crianças e escritos por autoras francesas notórias no gênero, como Zulma Carraud, Julie Gouraud, Madame de Stolz e, principalmente, Condessa de Ségur. A estrela da Bibliothèque Rose e do periódico La semaine des enfants teve 18 de seus romances encomendados por Ganier, com 84 exemplares, o que representa mais de 36% do total da encomenda. A significativa presença de Ségur nessa lista contrasta com sua inexpressiva inserção no mercado brasileiro de livros traduzidos à época.

Nessa década de 1870, Garnier investiu intensamente na tradução de romances franceses, cujas publicações pelo editor eram anunciadas semanalmente nos jornais do país. Ao todo, 75 romances traduzidos foram disponibilizados por Garnier aos leitores brasileiros ao longo desse decênio, dentre os quais 21 escritos por Jules Verne (Bezerra, 2022Bezerra, Valéria Cristina. “Le tour du monde das obras de Jules Verne: uma análise da atuação internacional dos editores Pierre-Jules Hetzel e Baptiste-Louis Garnier”. Alea, 24(1), p. 52-76, 2022. DOI: https://doi.org/10.1590/1517-106X/202224103
https://doi.org/10.1590/1517-106X/202224...
, p. 65). Nenhum dos títulos traduzidos e publicados tinha por autoria a Condessa de Ségur.

O autor de Le tour du monde en 80 jours foi a grande aposta de Hetzel, editor que, em 1864, lançou Le magasin d’éducation et de récréation, passando assim a concorrer com o periódico La semaine des enfants, de Hachette (Charle, 2004Charle, Christophe. Le siècle de la presse (1830-1939). Paris: Éditions du Seuil, 2004., p. 108), no qual Ségur costumava publicar, entre 1860 e 1865, seus romances antes de saírem em livro pela coleção La Bibliothèque Rose, igualmente de propriedade de Hachette. Enquanto na França esses dois escritores protagonizaram a cena literária para a infância, no Brasil o mesmo cenário não se reproduziu. Isso porque Garnier parece ter tido reservas quanto à tradução sem autorização das obras publicadas por seu homólogo Hachette. Dentre os editores das versões originais dos romances traduzidos por Garnier, predominava sobretudo Hetzel, seguido por Édouard Dentu e Michel Lévy (Bezerra, 2018Bezerra, Valéria Cristina. A literatura brasileira em cenário internacional: um estudo do caso de José de Alencar. Belo Horizonte: Relicário, 2018., p. 89). Apenas um dos romances vertidos para o português tinha Hachette como editor original da obra em francês. Trata-se de Le coureur des bois ou les chercheurs d’or, de Gabriel Ferry, publicado em Paris em 1855 em formato de livro depois de sua veiculação em 1850 na Revue étrangère de la littérature, des sciences et des arts. Se Garnier priorizava obras de grande atualidade e sucesso, publicando-as traduzidas em curto espaço de tempo após a aparição do original, o mesmo não ocorreu com esse romance, que foi publicado no Brasil 24 anos depois, em 1874, em folhetim, no jornal A República e em livro, no mesmo ano, sob o título O mateiro ou os bandeirantes.

Não consta qualquer registro de negociação entre Hachette e Garnier para a publicação da tradução de Le coureur des bois. Da mesma forma, os arquivos de Hetzel, igualmente abrigados no Institut Mémoire de l’Édition Contemporaine e também na Bibliothèque Nationale de France, não apresentam, como mencionamos, contratos de venda de direitos de tradução a Garnier. Essa ausência de dados sobre acordos com os editores franceses sugere que os romances estrangeiros publicados por Garnier foram contrafeitos no Brasil. Um testemunho contemporâneo à morte de Garnier dá corpo à ideia do enriquecimento ilícito por meio da apropriação de textos publicados por Hetzel no Brasil. O jornalista e dramaturgo Arthur Azevedo escreveu, em tom ferino, para O Album, em outubro de 1893, um dia após o falecimento de Baptiste-Louis, que “o velho editor do Instituto Histórico, [...] famoso livreiro da rua do Ouvidor, [...] editava tudo, a torto e a direito, e nesse ecletismo está talvez o segredo de sua fortuna. Julio Verne, mais que nenhum outro escritor, contribui para enriquecê-lo... sem o saber” (O Album, 10/1893O Album. “Chronica Fluminense”. Rio de Janeiro: Imprensa H. Lombaerts & C, out. 1893, 22.).9 9 Devemos a informação sobre o texto de O Album ao artigo de Alexandra Pinheiro “Baptiste-Louis Garnier: o homem e o empresário”, referenciado no final deste artigo.

Enquanto Garnier fazia contrafação de obras de autores franceses publicadas por renomados editores, sua relação com Hachette parece ter sido pautada, em geral, pela preservação dos direitos desse seu homólogo em exercício na França. Esse entendimento entre os dois impactou fortemente a literatura traduzida no Brasil, já que, ao negociar com Hachette a compra dos direitos de tradução, Garnier limitava drasticamente a circulação no país de obras desse editor devido aos custos gerados. Garnier preferiu, portanto, investir em romances sobre os quais teria maior margem de lucro, sem o pagamento dos direitos. Dessa forma, enquanto as traduções dos romances de Verne deliciavam os leitores brasileiros semanalmente, os romances de Ségur ficaram restritos àqueles que liam em francês e tinham recursos para mandar importar as versões originais, por um dos agentes da época, dentre os quais o próprio Garnier, pois é possível crer que a quantidade limitada de exemplares por obra da lista de encomenda, de 1 a 13 exemplares, tinha como fim atender a solicitações de seus clientes ou ainda conservar alguns exemplares disponíveis em sua loja para eventuais procuras.

Os periódicos brasileiros testemunham a distinção entre a presença das obras de Verne no Brasil e as de Ségur. Entre anúncios, artigos críticos, notas de publicação, notas de agradecimento,10 10 Tratam-se de pequenos textos em que as redações dos jornais agradeciam aos editores, sobretudo Garnier para este caso, o envio de exemplares das mais recentes publicações, com o fim de divulgação. foi possível detectar quase 1300 textos publicados na imprensa na década de 1870 referentes às obras traduzidas de Verne.11 11 O levantamento foi feito por meio dos recursos da Hemeroteca Digital Brasileira, a partir da busca por títulos dos romances de Verne traduzidos. Os dados foram tratados e organizados em tabela Excel, em que foram classificados por tipo de texto, local, data e nome do jornal. Já quando a pesquisa se centrou em dados relativos à Condessa de Ségur, os resultados são significativamente inferiores, restringindo-se a poucas menções. Os romances e demais obras presentes na lista de encomenda de Garnier não foram anunciados, o que reforça a hipótese de o editor ter contado com uma clientela para os volumes adquiridos.

Ainda que em número limitado, as referências à Ségur merecem nossa atenção. Em 1871, o redator do Thesouro Litterario, em artigo publicado no Jornal do Commercio, prometia, dentre os escritores coligidos na obra, oferecer citações provindas das obras de “(Mlle de) Ségur” (Jornal do Commercio, 13 agosto de 1871Jornal do Commercio. “Importante leilão...”. Leilões. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 2 dez. 1871, 4.).12 12 Esta publicação é a seguinte: Reis, Antonio Manoel dos (org.). Thesouro Litterario ou Collecção de maximas, pensamentos, aphorismos, definições, reflexões, noticias e trechos extrahidos dos mais célebres escritores sagrados e profanos, nacionais e estrangeiros sobre assumptos religiosos, civis, politicos e litterarios coordenada por ordem alphabetica com um indice das materias e autores citados. Rio de Janeiro: Typ. do Apóstolo, 1873. O primeiro dos dois volumes que deveriam compor a obra foi publicado em 1873 pela tipografia do jornal O Apóstolo. O segundo não veio a lume. Apenas o filho da Condessa de Ségur, bispo Louis-Gaston de Ségur, é citado na obra.

Um outro indício da existência de volumes em língua francesa das obras de Ségur no Brasil são os catálogos de leilões. Em 2 de dezembro de 1871, ocorreria um leilão em que se poderia arrematar um exemplar ilustrado de Petites filles modèles, sem que o nome de sua autora fosse enunciado (Jornal do Commercio, 2 dez. 1871Jornal do Commercio. “Thesouro Litterario”. Publicações a pedido. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 13 ago. 1871, 4.). Outro leilão, ocorrido em 30 de março de 1875, anunciava 32 volumes de Ségur, sem que se especificasse se se tratava da mãe ou do também prolífico filho (Jornal do Commercio, 29 e 30 mar. 1875Jornal do Commercio. “Enéas Pontes faz o grande leilão...”. Leilões. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 29 e 30 mar. 1875, 5.).

Enquanto a concorrência das versões portuguesas dos romances de Verne não dissuadiu Garnier de manter suas próprias traduções das obras desse escritor, o mesmo não ocorreu com os romances de Ségur, cujas poucas traduções anunciadas na década de 1870 provinham de Portugal, por meio da Bibliotheca Rosa Illustrada, iniciativa editorial dos irmãos François e Adolphe Lallemant, que replicava o empreendimento de Hachette, ao vender romances infantis e moralizadores em edições em “percalina cor de rosa” (Correio do Sul, 28 set. 1873Correio do Sul. Revista politica, liberal e noticiosa. “Publicações escolhidas”. Secção de annuncios e publicações. Lisboa: s. e., 28 set. 1873, 4.). Assim, os romances Que amor de criança, Os desastres de Sophia, As meninas exemplares e As férias podiam ser adquiridos por meio de livreiros que importavam os volumes de Portugal (Leão, 2011Leão, Andréa Borges. “Vamos ao Brasil com Jules Verne? Processos editoriais e civilização nas Voyages Extraordinaires”. Revista Sociedade e Estado, 27(3), p. 494-517, 2012. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-69922012000300004
https://doi.org/10.1590/S0102-6992201200...
, p. 167) e ainda dispunham de preços especiais para encomendas pelos estabelecimentos de ensino, indicando o interesse dos editores e livreiros em atender o público escolar (Correio do Sul, 28 set. 1873).

Três dessas traduções das obras de Ségur estavam disponíveis no estabelecimento dos principais concorrentes de Garnier, os irmãos LaemmertLaemmert, Henrique. “Catálogo n. 2 da Livraria Universal de H. Laemmert & C”. In: Silva, Conselheiro J. M. Pereira da. Curso de História. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1876., conforme mostra o Catálogo n. 2 da Livraria Universal, de 1876. Em 1875, a livraria de Serafim José Alves anunciava Os desastres de Sophia, com 48 ilustrações e vertida por Abranches Gallo (Jornal do Commercio, 4 abr. 1875Jornal do Commercio. “O livro dos sonhos”. Annuncios. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 4 abr. 1875, 4.). Essa versão aparece listada entre as publicações saídas dos prelos franceses em 1874 no Journal général de l’imprimerie et de la librairieJournal général de l’imprimerie et de la librairie. Deuxième série, tome XVIII. Paris: Au cercle de l’imprimerie, de la librairie et de la papeterie, 1874., editada por Guillard, Aillaud et Cie. e ilustrada por H. Castelli (Journal général..., p. 503). Abranches Gallo foi um recorrente colaborador de Garnier na tradução de romances, vertendo mais de 10 obras ficcionais entre 1872 e 1874.13 13 Títulos de romances traduzidos por Abranches Gallo para Garnier: O nariz de um tabelião, Edmond About; O doutor Judasshon, Alfred Assolant; Confissão de um badense/O coronel Happethaler, Alfred Assolant; O bígamo, Xavier de Montépin; A noiva de Fontenay-das-Rosas, Paul de Kock; Dacolard e Lubin, Adolphe Belot e Jules Dautin; Friquette, Paul de Kock ; A mulher de fogo, Adolphe Belot; Matricida, Adolphe Belot e Jules Dautin; O nariz de um tabelião, Edmond About. Esse tradutor não trabalhava exclusivamente para Garnier, tendo colaborado outras vezes com Aillaud, que, por sua vez, atuava em parceria com os irmãos Lallemant, editando na França as traduções dos romances de Ségur que integrariam a Bibliotheca Rosa Illustrada.14 14 Da mesma forma, as traduções Que amor de criança e As meninas exemplares também foram impressas por Guillard e Aillaud na França, conforme mostra o Journal général de l’imprimerie et de la librairie e o Bibliographie de la France. O fato de as traduções de Ségur serem impressas em território francês sugere que essas edições contavam com a devida permissão de Hachette, por meio da aquisição dos direitos de tradução, negociados provavelmente pelo próprio Aillaud,15 15 Não constam no Arquivo Hachette conservado no IMEC contratos ou tratados com os Lallemant. Quanto a Aillaud, constam correspondências sobre a publicação de obras de Sophie de Ségur. Consultar: https://portail-collections.imec-archives.com/ark:/29414/a011537544359pCoS0l/from/a0114315290493T3p7U. já que é bastante improvável a contrafação debaixo dos olhos daqueles que detêm os direitos de propriedade. O investimento dos Lallemant na compra dos direitos poderia recrudescer sua vigilância às contrafações de Ségur no mercado de livros de língua portuguesa, garantindo assim o monopólio de suas traduções e sua exclusividade na venda no espaço lusófono. A contrafação por Garnier poderia levar seus concorrentes a denunciá-lo a Hachette, e Garnier provavelmente não gostaria de se submeter a tal constrangimento junto a seu parceiro na edição de obras instrucionais no Brasil.

A título de comparação, verificamos dados sobre a circulação de Ségur e Verne em diferentes países, a fim de identificarmos se os dois autores replicam em outros mercados o sucesso conquistado na França, ou se, como no Brasil, Verne se sobrepõe à romancista da Bibliothèque Rose na preferência dos editores. Para tanto, recorremos mais uma vez a dados obtidos nos arquivos do IMEC, dessa vez por meio dos livros de registro da casa editorial de Pierre-Jules Hetzel, que conservam informações sobre a contabilidade da venda de clichês e de direitos de tradução das obras dos autores da casa, inclusive de Jules Verne. Os países cujos editores estabeleceram maior número de negociação na compra de ilustrações e de direitos das obras de Verne são Inglaterra, Espanha, Itália, Áustria, Portugal, Holanda e Rússia. Analisaremos, portanto, neste artigo os casos dos países de língua inglesa, espanhola e o da Itália.

Nos países de língua inglesa, identificamos, ao todo, nove versões para esse idioma dos romances de Ségur, publicadas entre 1869 e 1880.16 16 Estabelecemos esse período para nosso recorte, quando houve maior volume de publicação das traduções de Verne no Brasil por Garnier (Cf. Bezerra, 2018, p. 91). Diferentemente do Brasil, onde Garnier se deteve nas traduções de Verne e ainda de outros autores de sucesso, sem que tenha incluído nessa iniciativa editorial as obras de Ségur, os editores Porter e Coates, de Filadélfia, publicaram traduções de língua inglesa desses dois escritores, difundindo-as no espaço anglófono, que contava ainda com a circulação de versões inglesas dos romances de Verne e Ségur pelos editores John C. Winston, atuante em Filadélfia e ainda em outras cidades de língua inglesa; Lee e Shepard, de Boston; Michael Henry Gill, de Dublin.17 17 Para esse levantamento de dados, consultamos o WorldCat <https://www.worldcat.org/> e o HathiTrust Digital Library <https://www.hathitrust.org/>. Acesso em: 21 abr. 2021. Vê-se, no caso do idioma inglês, a recorrência de editores que publicavam ao mesmo tempo os dois romancistas franceses.

O mesmo cenário não se repete nos países de língua hispânica, pois muitos dos editores franceses, bastante interessados nesse imenso mercado, difundiam eles mesmos versões em língua espanhola das obras de seus autores (Borel, 2001Borel, Jean-François. “L’exportation des livres et modèles éditoriaux français en Espagne et en Amérique latine (1814-1914)”. In: Michon, Jacques & Mollier, Jean-Yves (Org.). Les mutations du livre et de l’édition dans le monde du XVIIIe siècle à l’an 2000. Laval: Les Presses de l’Université de Laval, 2001. p. 220-240., p. 225). Nesse sentido, o próprio Hachette editava traduções espanholas de Ségur e as fornecia para os leitores hispanófonos.

Na Itália, os livros parecem ter circulado em língua francesa, como sugere o catálogo de Felice Paggi, de Florença, em que se anuncia relevante número de romances de Ségur em francês à venda em sua livraria (Paggi, 1867Paggi, Felice. Catalogo dei libri d’istruzione, educazione e di premio. Florença: s/e, 1867., p. 63-64). A Rivista Sicula, edição de janeiro de 1869, também publicou um catálogo da Bibliothèque Rose, enumerando as obras originais de língua francesa dessa coleção, com indicação de preço em francos. A publicação desse catálogo num periódico de língua italiana demonstra as investidas de Hachette na venda de seus livros para o público das regiões italianófonas que lia em francês. Nesse caso, a atuação de Hachette nesse território pode ter inibido a atuação dos editores italianos na tradução dos romances de Ségur. O próprio Garnier sugere as reservas de Hachette quanto à translação de suas obras, ao defender que a tradução não interromperia a circulação dos originais em mercados propícios a recebê-las: “O senhor não ignora que, longe de prejudicar o original, a tradução aumenta as vendas, e seu colaborador do Tour du Monde, afirmando esse fato no n. 6 de março de 1875, estava bem informado a esse respeito”.18 18 “Vous n’ignorez pas que loin de faire tort à l’original, la traduction ne fait que d’en accroître la vente, et votre collaborateur du Tour du monde en affirmant ce fait dans le n° du 6 Mars 1875, était bien renseigné à ce sujet”. Carta de Garnier a Hachette, 15 de dezembro de 1875. IMEC: HAC 28.25. O Tour du monde era um periódico de propriedade de Hachette. Não localizamos o artigo referido por Garnier. A declaração de que Hachette não ignoraria essa referida vantagem pode, antes, significar um recurso de convencimento, do contrário, nem seria necessária sua menção e ainda a alusão à opinião do colaborador de Hachette como argumento de autoridade.

Os editores italianos, segundo Gondolo della RivaGondolo Della Riva, Piero. “Jules Verne en Italie”. Revue Jules Verne, 19/20, p. 41-45, 2006., buscavam publicar “o maior número possível de títulos do autor das Viagens extraordinárias19 19 “Les éditeurs italiens, désireux de publier le plus grand nombre possible de titres de l’auteur des Voyages extraordinaires, n’ont pas hésité à publier les traductions de ses pièces de jeunesse [...]”. (2006, p. 41, tradução nossa), mas não parecem ter demonstrado o mesmo tipo de entusiasmo pelos livros de Ségur. As transações que Hetzel estabeleceu com os editores italianos pode sugerir interpretações a esse respeito, pois, enquanto Hachette parecia controlar o mercado italiano com a venda de suas obras em francês, Hetzel vendia os clichês das gravuras dos romances de Verne aos editores da Itália para edições em língua italiana ilustradas, sem que os direitos de tradução fossem sequer negociados, o que sugere não ter havido, por parte de Hetzel, vigilância sobre essas traduções. Quando havia registro de acordo de venda de direitos de tradução, seu valor era, na maioria das vezes, bastante inferior ao da venda dos clichês. A negligência de Hetzel pode ter favorecido a proliferação das obras de Verne na Itália, provocando também uma distinção em relação a Ségur, que contou com poucas traduções para o italiano. Ainda assim, o cenário se diferencia do Brasil, pois os irmãos editores Treves, por exemplo, atuantes em Milão, investiram em versões italianas de obras de Verne, mas também ousaram traduzir alguns dos romances de Ségur.20 20 Dados obtidos online no Catalogo del Servizio Bibliotecario Nazionale: https://www.iccu.sbn.it/it/. Acesso em: 21 abr. 2021.

Conclusão

A correspondência de Garnier a Hachette permite compreender alguns dos meandros da circulação internacional de livros e da presença da literatura traduzida no Brasil na segunda metade do século XIX. O país, nessa época, tinha uma atividade livreira comercial dinâmica, em sintonia com outros mercados estrangeiros, ao propor para os leitores brasileiros obras que eram lidas ao mesmo tempo em diferentes partes do globo. Dessa forma, como bem assinala Márcia Abreu, a particularidade da circulação literária no Brasil em relação a países europeus era de escala, não de natureza (Abreu, 2019Abreu, Márcia. “Uma questão de escala, não de natureza: a circulação da cultura no século XIX”. Réel. Revue étudiante des expressions lusophones, 3, p. 265-281, 2019. Disponível em: https://lareelsite.files.wordpress.com/2020/01/reel_03_p266-282_mc3a1rcia_abreu.pdf. Acesso em: 15 mar. 2021.
https://lareelsite.files.wordpress.com/2...
, p. 280). Com uma dimensão reduzida, o mercado brasileiro não conseguia absorver todas a produção livresca estrangeira, sobretudo aquela originária do então saturado espaço literário francês. Os editores tiveram que fazer escolhas. Para tanto, na seleção de seu repertório, Garnier atendeu a critérios que se baseavam na atualidade das obras, o que favoreceria sua boa acolhida pelo público brasileiro; na contrafação de romances, ao negligenciar o pagamento de direitos a autores e editores estrangeiros; no investimento na literatura pátria, que também tinha seu espaço na preferência dos leitores e poderia contar com subsídio imperial para sua publicação (Granja, 2018Granja, Lúcia & Luca Tania Regina de. “Apresentação”. In: Granja, Lúcia & Luca, Tania Regina de (Org.). Suportes e mediadores: a circulação transatlântica dos impressos (1789-1914). Campinas: Editora da UNICAMP, 2018. p. 15-32., p. 69); e na manutenção de boas parcerias, como a que entretinha com Hachette, um dos mais proeminentes editores franceses, com notória atividade de edição de livros escolares. Para atuar nesse segmento, Garnier precisaria oferecer aos estabelecimentos de ensino brasileiro obras com credibilidade. Para isso, buscou celebrar contratos com Hachette que garantissem a legalidade de suas traduções de obras de instrução. Visando o êxito dessas negociações e das relações comerciais com Hachette, evitou a contrafação dos célebres romances de sua editora, impactando o cenário literário brasileiro, ao oferecer ao público obras originais de autores brasileiros e de traduções, lançadas semanalmente, de alguns dos mais renomados romancistas franceses, como Jules Verne, e também ao negar a esse mesmo público a oferta de traduções dos romances da Condessa de Ségur e de outros títulos que integravam a famosa coleção Bibliothèque Rose de seu parceiro Hachette. Já nas origens da história da tradução brasileira, incidiam escolhas comerciais, homens de negócios, correspondências com tratativas, que definiam os termos dessa conexão internacional por meio dos impressos.

  • 1
    As fontes divergem. Vapereau (1858)Vapereau, Gustave. Dictionnaire universel des contemporains: contenant toutes les personnes notables de la France et des pays étrangers. Paris: Hachette, 1858. fala em 1838; Senna (1910)Senna, Ernesto. O velho comércio do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1910. estabelece a data de 1844, replicada por outros historiadores do livro no Brasil, como Hallewell (2005)Hallewell, Lawrence. O livro no Brasil: sua história. Tradução de Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Edusp, 2005..
  • 2
    Utilizamos aqui o conceito de “celebridade” definido por Antoine Lilti (2018)Lilti, Antoine. A invenção da celebridade (1750-1850). Tradução de Raquel Campos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., em que se considera a singularidade contemporânea do escritor.
  • 3
    “Je dois toutefois vous faire observer que, si vous voulez que je fasse cette affaire, il est indispensable que vous vous montriez très raisonnables, car mes concurrents ne se trouvant pas onérés (sic) de ces droits, seront à même d’offrir à l’auteur des avantages plus grands”. Carta de B.- L. Garnier a Louis Hachette, 8 de setembro de 1877.
  • 4
    O IMEC, Institut Mémoires de l’Édition Contemporaine é uma associação francesa criada em 1988 para agrupar acervos, arquivos e fundos consagrados às principais editoras, às revistas e aos diferentes atores do meio editorial. O instituto está abrigado na Abadia de Ardennes, nas cercanias de Caen, na França. Tomamos a liberdade de expor dados sobre o arquivo, pois ele ainda é relativamente pouco conhecido entre os pesquisadores brasileiros.
  • 5
    “De notre lettre du 10 Juin 1881, copie-clichés n° 15, page 188, à l’adresse de Monsieur Garnier, éditeur à Rio/d’une part/Et de la sienne en réponse, datée du 8 Juillet 1881/d’autre part/Il appert/que nous avons cédé à Mr. B. Garnier les clichés de 299 gravures sur 341, & le droit de traduction du texte de l’ouvrage de Monsieur le Dr. Saffray: Leçons de choses, aux conditions suivantes :/1 : Prix des clichés: quinze centimes le centimètre carré II/2 : Prix du droit de traduction du texte: trois cents francs/ que Mr. Garnier s’engage à n’utiliser ces clichés que dans ses propres publications en langue portugaise exclusivement/ que, de notre côté, nous nous réservons le droit de les revendre pour toute publication dans la même langue autre que les « Leçons de choses » du Dr. Saffray”. Grifos do original.
  • 6
    Em termos de comparação, o salário de um professor primário, na França, àquela época, era de $250 Francos por mês (agradecemos os termos da comparação apresentados por Jean-Yves Mollier em conversa acadêmica). Em um site experimental para conversão de moedas (Historical Currency Converter, https://www.historicalstatistics.org/Currencyconverter.html), observamos que $3100 Francos, no ano de 1881, compravam 894.989 gramas de ouro.
  • 7
    Havia debates acirrados em torno da questão da “Propriedade Literária” no Brasil nessa mesma época, mas ainda não existia legislação competente, o que só aconteceria a partir da Lei 496 de 1o de agosto de 1898. Sobre alguns dos importantes debates referentes ao assunto, conferir o artigo de Godoi (2017)Godoi, Rodrigo Camargo de. “José de Alencar e os embates em torno da Propriedade Literária no Rio de Janeiro (1857-1875)”. Estudos Históricos, 30(62), p. 573-596, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S2178-14942017000300004
    https://doi.org/10.1590/S2178-1494201700...
    , “José de Alencar e os embates em torno da Propriedade Literária no Rio de Janeiro (1857-1875)”. Os debates a respeito da mesma questão eram intensos também na Europa. Em 1878, havia sido fundada, em Paris, a Association Littéraire et Artistique Internationale, que tinha como presidente honorário Victor Hugo. Tal associação tinha o objetivo de criar uma convenção internacional de proteção aos direitos de escritores e artistas, favorecendo assim a Convenção de Berna, de 9 de setembro de 1886, que estabeleceu o reconhecimento do direito de autor entre os países signatários.
  • 8
    Provavelmente se referia a Simples entretiens sur la physique et la cosmographie, de Mme Isaure Aristide Rey (Isaure Périer), publicado por Hachette em 1879.
  • 9
    Devemos a informação sobre o texto de O Album ao artigo de Alexandra PinheiroPinheiro, Alexandra dos Santos. “Baptiste-Louis Garnier: o homem e o empresário”. In: Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial, 1., 2004. Disponível em: http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/trabalhos.php. Acesso em: 15 maio 2021.
    http://www.livroehistoriaeditorial.pro.b...
    “Baptiste-Louis Garnier: o homem e o empresário”, referenciado no final deste artigo.
  • 10
    Tratam-se de pequenos textos em que as redações dos jornais agradeciam aos editores, sobretudo Garnier para este caso, o envio de exemplares das mais recentes publicações, com o fim de divulgação.
  • 11
    O levantamento foi feito por meio dos recursos da Hemeroteca Digital Brasileira, a partir da busca por títulos dos romances de Verne traduzidos. Os dados foram tratados e organizados em tabela Excel, em que foram classificados por tipo de texto, local, data e nome do jornal.
  • 12
    Esta publicação é a seguinte: Reis, Antonio Manoel dos (org.). Thesouro Litterario ou Collecção de maximas, pensamentos, aphorismos, definições, reflexões, noticias e trechos extrahidos dos mais célebres escritores sagrados e profanos, nacionais e estrangeiros sobre assumptos religiosos, civis, politicos e litterarios coordenada por ordem alphabetica com um indice das materias e autores citados. Rio de Janeiro: Typ. do Apóstolo, 1873.
  • 13
    Títulos de romances traduzidos por Abranches Gallo para Garnier: O nariz de um tabelião, Edmond About; O doutor Judasshon, Alfred Assolant; Confissão de um badense/O coronel Happethaler, Alfred Assolant; O bígamo, Xavier de Montépin; A noiva de Fontenay-das-Rosas, Paul de Kock; Dacolard e Lubin, Adolphe Belot e Jules Dautin; Friquette, Paul de Kock ; A mulher de fogo, Adolphe Belot; Matricida, Adolphe Belot e Jules Dautin; O nariz de um tabelião, Edmond About.
  • 14
    Da mesma forma, as traduções Que amor de criança e As meninas exemplares também foram impressas por Guillard e Aillaud na França, conforme mostra o Journal général de l’imprimerie et de la librairie e o Bibliographie de la France.
  • 15
    Não constam no Arquivo Hachette conservado no IMEC contratos ou tratados com os Lallemant. Quanto a Aillaud, constam correspondências sobre a publicação de obras de Sophie de Ségur. Consultar: https://portail-collections.imec-archives.com/ark:/29414/a011537544359pCoS0l/from/a0114315290493T3p7U.
  • 16
    Estabelecemos esse período para nosso recorte, quando houve maior volume de publicação das traduções de Verne no Brasil por Garnier (Cf. Bezerra, 2018Bezerra, Valéria Cristina. A literatura brasileira em cenário internacional: um estudo do caso de José de Alencar. Belo Horizonte: Relicário, 2018., p. 91).
  • 17
    Para esse levantamento de dados, consultamos o WorldCat <https://www.worldcat.org/> e o HathiTrust Digital Library <https://www.hathitrust.org/>. Acesso em: 21 abr. 2021.
  • 18
    “Vous n’ignorez pas que loin de faire tort à l’original, la traduction ne fait que d’en accroître la vente, et votre collaborateur du Tour du monde en affirmant ce fait dans le n° du 6 Mars 1875, était bien renseigné à ce sujet”. Carta de Garnier a Hachette, 15 de dezembro de 1875. IMEC: HAC 28.25. O Tour du monde era um periódico de propriedade de Hachette. Não localizamos o artigo referido por Garnier.
  • 19
    “Les éditeurs italiens, désireux de publier le plus grand nombre possible de titres de l’auteur des Voyages extraordinaires, n’ont pas hésité à publier les traductions de ses pièces de jeunesse [...]”.
  • 20
    Dados obtidos online no Catalogo del Servizio Bibliotecario Nazionale: https://www.iccu.sbn.it/it/. Acesso em: 21 abr. 2021.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2022
  • Aceito
    18 Dez 2022
  • Publicado
    Fev 2023
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