Acessibilidade / Reportar erro

Demetriou, Tania e Tomlinson, Rowan. The Culture of Translation Early Modern England and France, 1500–1660. United Kingdom: Palgrave Macmillan, 2015, 244 p.

Demetriou, Tania; Tomlinson, Rowan. The Culture of Translation Early Modern England and France, 1500–1660. United Kingdom: Palgrave Macmillan, 2015. 244

Um colóquio ocorrido na Universidade de Oxford foi o evento impulsionador do que mais tarde se tornaria The Culture of Translation Early Modern England and France, 1500–1660. A partir desse evento, organizado pela fundação John Fell e pelo centro de pesquisa da Universidade de Saint John, foram levantadas questões que seriam discutidas mais aprofundadamente na obra publicada em 2015. The Culture of Translation Early Modern England and France, 1500–1660, organizado por Tania Demetriou e Rowan Tomlinson, conta com uma introdução feita pelas autoras e dez capítulos, cada um composto por um artigo de um pesquisador. Professora de literatura inglesa pré-moderna na Universidade de York, Tania Demetriou está à frente do desenvolvimento de pesquisas na área de recepção de textos clássicos, especialmente gregos, na Idade Moderna. Rowan Tomlinson é professora de língua francesa na Universidade de Bristol e dedica-se à pesquisa em história literária, cultural e intelectual da Renascença francesa.

Na introdução, Tania Demetriou e Rowan Tomlinson enfatizam a importância do francês como uma língua mediadora das traduções de outros idiomas para o inglês, aspecto que, surpreendentemente, não tem sido devidamente abordado pelos historiadores da tradução. A retradução de Plutarco, empreendida por Thomas North por meio da tradução de Jacques Amyot para o francês, é um entre muitos exemplos elencados dessa prática. A partir de um banco de dados intitulado Renaissance Cultural Crossroads database, resultante de uma pesquisa realizada em 2010 e cujo objetivo era catalogar todas as traduções entre diversas línguas publicadas durante a idade pré-moderna na Inglaterra, Escócia e Irlanda, tendo como base o English Short Title Catalogue, as autoras apresentam um gráfico demonstrando a porcentagem de cada idioma como língua mediadora nas traduções feitas para o inglês entre 1500 e 1660. Demetriou e TomlinsonDemetriou, Tania e Tomlinson, Rowan. The Culture of Translation Early Modern England and France, 1500–1660. United Kingdom: Palgrave Macmillan, 2015, 244 p. apontam que 40% das traduções para o inglês nesse período – incluindo as traduções não-literárias - não foram feitas a partir do texto original, mas por intermédio de uma versão francesa. Ao considerar o latim como língua mediadora nesse mesmo contexto, as autoras indicam a quantidade de 42% das traduções, presumindo-se que a maior parte dos textos de partida foram escritos em grego.

The Culture of Translation Early Modern England and France, 1500–1660 explora as variadas modalidades e intervenções relacionadas à tradução na Inglaterra e na França, importantes polos de produção literária e cultural no início da Idade Moderna. Embora marcados por tradições literárias e tradutológicas distintas, os dois países estiveram sempre vinculados por laços políticos, comerciais, intelectuais e religiosos. Dedicando especial atenção aos parâmetros tradutórios compartilhados por essas culturas, a obra defende que a interação entre esses parâmetros é importante fato que merece mais atenção nos Estudos da Tradução. Os artigos dispostos no livro focam em nomes relevantes nesse contexto, como Mary Sidney, Michel de Montaigne e Florio, Urquhart e Rabelais, além de comprovar o quanto a tradução exerceu papel fundamental nos grandes movimentos culturais experienciados em paralelo nas duas nações.

Os ensaios que compõem a obra abordam, quase em sua totalidade, a tradução de textos canônicos, como a tradução de Montaigne feita por John Florio, a tradução de Virgílio realizada por Richard Stanihurst, além de um exame da personagem Penélope em variadas traduções da Odisseia. Dentre os assuntos abordados na coletânea estão a substancial relevância das línguas grega e hebraica para a formação da cultura na França e na Inglaterra; o papel da tradução na definição de diferenças nacionais; a tradução como ruptura no estado de diplomacia; a tradução como uma ferramenta para a filosofia cética; a tradução como meio de imaginar uma utopia linguística. O escopo dos artigos abrange especialmente reflexões metodológicas em relação à história cultural da tradução.

Sabe-se que as pesquisas a respeito das relações entre a França e a Inglaterra têm se beneficiado com crescimento da interface entre História e Estudos da Tradução. A tradução auxilia no entendimento dos fatores políticos e ideológicos que moldaram as relações entre a França e a Inglaterra, especialmente no período de grandes transformações compreendido entre os anos de 1500 e 1660. Desse modo, a coletânea considera cuidadosamente os processos multiculturais que possibilitaram a autores da Inglaterra renascentista terem acesso a textos da Antiguidade.

O primeiro artigo que compõe a obra é “From Cultural Translation to Cultures of Translation? Early Modern Readers, Sellers and Patrons” (Da Tradução Cultural à Culturas de Tradução? Leitores, Comerciantes e Patronos) de Warren Boutcher, que utiliza a Renaissance Cultural Crossroads database e mais três estudos de caso para definir o que pode ser considerado como cultura tradutória renascentista. No decorrer do capítulo inicial, através da comparação entre aspectos das culturas tradutórias inglesa e francesa, há uma detalhada descrição do cenário estudado, reforçada por gráficos que demostram o fluxo de traduções para o inglês impressas na Inglaterra, Escócia e Irlanda, no período de 1473 a 1640.

O segundo capítulo, “Francis I’s Royal Readers Translation and the Triangulation of Power in Early Renaissance France” (Os Leitores Reais da Tradução de Francisco I e a triangulação de Poder na França Renascentista), escrito por Glyn P. Norton, destaca a dimensão potencialmente subversiva que a tradução possui e questiona as concepções unilaterais de língua, texto e autoridade política e religiosa, considerando as relações de poder e o papel da tradução e interpretação nesse ambiente em plena Reforma francesa.

Em “Pure and Common Greek in Early Tudor England” (Grego puro e comum na Inglaterra pré-Tudor), o terceiro capítulo, Neil Rhodes retorna ao cenário inglês, enfatizando a importância da língua grega como um agente enriquecedor, através do qual se alcançou um novo patamar cultural. Para isso, o autor retoma a expressiva atuação de Erasmo e Thomas More como tradutores, sendo esses personagens imprescindíveis no estabelecimento de uma relação entre o grego, o latim e o inglês, no início do Século XVI.

O capítulo quatro enfatiza a estreita ligação existente entre tradução e ensino. Em “From Commentary to Translation: Figurative Representations of the Text in the French Renaissance” (Do Comentário à Tradução: Representações figurativas do texto na França renascentista), o pesquisador da Universidade de Manchester Paul White debruça-se no trabalho do editor parisiense Jodocus Badius Ascensius, envolvido diretamente com educação, impressão e publicação na França renascentista. As traduções feitas na França através das publicações de Ascencius revelam muitas questões sobre as práticas de escrita e leitura de seu ambiente, da tradução como ferramenta pedagógica, além dos ‘comentários particulares’, que, segundo White, apontam para uma nova perspectiva na relação entre tradução e comentário naquele contexto.

O capítulo cinco, redigido por uma das organizadoras da coletânea, Tania Demetriou, “Periphr?n Penelope and her Early Modern Translations” (Periphron Penélope e suas traduções na Idade Moderna), também explora a interface tradução-comentário, no contexto pedagógico inglês, especialmente no que concerne à recepção de textos clássicos. Tania Demetriou reforça a ideia de que traduzir é necessariamente interpretar; comparando práticas pedagógicas de tradutores de obras épicas por toda a Europa, centraliza sua análise sobre a personagem Penélope, da Odisseia, de Homero. A partir da análise proposta, pode-se observar quais aspectos foram alterados na construção da personagem Penélope em diversas traduções ao longo do tempo, revelando mudanças na recepção da Odisseia que dizem respeito não apenas à condição feminina da personagem, mas à condição da mulher em geral.

Nos capítulos 6 e 7, o foco recai sobre as questões políticas e diplomáticas envolvidas com a prática de tradução na Europa renascentista. A pesquisadora irlandesa Patricia Palmer, em “Richard Stanihurst’s Aeneis and the English of Ireland” (A Eneida de Richard Stanihurst e o inglês da Irlanda), faz considerações sobre a tradução enquanto meio de formação linguística e da identidade nacional em seu país, a partir de um estudo de caso relacionado à tradução dos quatro primeiros livros da Eneida para o inglês, concebida em 1582.

O papel das mulheres tradutoras, que tem sido pouco explorado historicamente, recebe especial atenção nessa obra por meio do ensaio de Edward Wilson-Lee “Women’s Weapons: Country House Diplomacy in the Countess of Pembroke’s French Translations” (Armas femininas: Diplomacia nas traduções francesas da Condessa de Pembrok). O autor aborda o papel que as traduções em questão tiveram ao serem usadas como elementos importantes nas manobras diplomáticas de seu tempo. Nesse sétimo capítulo, o estreito vínculo entre tradução literária, diplomacia e identidade cultural e religiosa é novamente destaque. Edward Wilson-Lee menciona o papel de duas traduções anglo-francesas relevantes à luz das relações políticas entre os dois países durante a ascensão de Henrique IV.

Nos capítulos seguintes, a obra apresenta, sob uma visão mais epistemológica, dois estudos cujo objeto são traduções de expressões de Montaigne. Em “Peradventure in Florio’s Montaigne” (Peradventure no Montaigne de Florio), a pesquisadora Kirsti Sellevold, da Universidade de Oslo, analisa os Ensaios de John Florio, uma das mais destacadas traduções desse texto francês. Sellevold propõe reflexões sobre o modo através do qual as escolhas linguísticas recriam o texto para os leitores no contexto de recepção da obra traduzida, especialmente no que concerne às variantes possíveis para o uso de advérbios em diferentes versões.

“Translating Scepticism and Transferring Knowledge in Montaigne’s House” (Traduzindo Ceticismo e Transferência de Conhecimento na Casa de Montaigne), o nono capítulo da coletânea, John O’Brien se debruça sobre os procedimentos de escrita, bem como o pensamento idiossincrático de Michel de Montaigne, argumentando que a tradução é não apenas um meio transmissor de conhecimento, mas uma ferramenta de investigação dos princípios aristotélicos e escolásticos.

“Urquhart’s Inflationary Universe” (O Universo Inflacionário de Urquhart), de Anne Lake Prescott, é o décimo e último artigo da obra. Prescott mostra como a tradução esteve relacionada diretamente ao gênio criativo e à filosofia de Sir Thomas Urquhart, linguísta inglês. Urquhart realizou traduções da obra de François Rabelais, e destacou-se por produzir traduções eivadas de neologismos, que teriam ultrapassado em inventividade a escrita do próprio Rabelais.

Terence Cave redige o epílogo que encerra a coletânea. A professora emérita de literatura francesa na Universidade de Oxford enfatiza as principais contribuições dos artigos que compõem a coletânea e retorna à tensão inerente ao ato de traduzir: a necessidade de comunicação que subjaz a qualquer transferência linguística e cultural e as questões que estão na raiz de um dado sistema historicamente e culturalmente determinado. Além disso, Cave também nos convida a refletir sobre as especulações em torno do que se compreende comumente por uma boa tradução, sobre a recorrente questão da qualidade e das controvérsias em torno de dicotomias como estrangeirização e domesticação. Após o epílogo, o livro é encerrado por uma extensa bibliografia, seguida por um índice onomástico.

The Culture of Translation Early Modern England and France, 1500–1660 reforça a centralidade da tradução para a cultura da europeia durante o período da Idade Moderna, fornecendo ao leitor um amplo panorama do contexto intelectual, linguístico e ideológico em que ocorria a circulação de textos entre França e Inglaterra durante o Renascimento. Os artigos que compõem o livro oferecem diversos estudos de caso, o que auxilia na diversidade de conceitos expostos. A decisão de apresentar entradas bibliográficas contendo o nome do tradutor é significativa se considerarmos os recentes debates nos Estudos da Tradução, em que o conceito de autoria do tradutor e sua visibilidade estratégica tem estado cada vez mais em evidência.

É certo que a Renascença foi uma fase significativa para o desenvolvimento da história europeia e que a tradução foi fundamental para a difusão de valores e informações no período, de tal modo que qualquer historiador da Idade Pré-moderna e Moderna pode asseverar as grandes transformações culturais que ocorreram via tradução. The Culture of Translation Early Modern England and France, 1500–1660 alcança com sucesso seu objetivo de contemplar variados movimentos culturais, históricos e políticos na Europa renascentista, ao conferir à tradução sua devida importância na circulação e propagação de informações nesse período. Um dos grandes méritos dessa coletânea é o olhar cuidadoso aos modos de produção, distribuição e recepção das traduções na França e na Inglaterra no início da Idade Moderna, contemplando satisfatoriamente, colocando em diálogo e de modo bastante equilibrado as realidades de ambos países.

Referências

  • Demetriou, Tania e Tomlinson, Rowan. The Culture of Translation Early Modern England and France, 1500–1660. United Kingdom: Palgrave Macmillan, 2015, 244 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2019
  • Aceito
    22 Jul 2019
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: suporte.cadernostraducao@contato.ufsc.br