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Ocorrência de resíduos de dietilestilbestrol e zeranol em fígado de bovinos abatidos no Brasil

Occurence of diethylstilbestrol and zeranol residues in liver of bovines slaughtered in Brazil

Resumos

O uso de substâncias anabolizantes, de natureza hormonal ou não, é muito difundida na pecuária de corte dos países maiores produtores de carne bovina (EUA, Austrália, Argentina, Canadá, etc.). Dentre estas destacam-se o banido dietilestilbestrol (DES) e o controlado zeranol, que aumentam o ganho de peso vivo, o peso da carcaça, a eficiência alimentar e o percentual de carne. O uso porém, pode ocasionar a presença de resíduos nos tecidos e órgãos dos animais que são utilizados como alimento. A presença de resíduos representa um perigo potencial para a saúde humana, o que levou vários países, inclusive o Brasil, a proibirem a utilização destes produtos. O objetivo do presente trabalho foi o de verificar, se a carne colhida no período de julho de 1993 a novembro de 1994, em matadouros frigoríficos pertencentes a Lista Geral dos Exportadores, atende a legislação vigente quanto ao uso destes anabolizantes. Para isto, foram analisadas por radioimunoensaio, 416 amostras de fígado para pesquisa de DES e 385 para zeranol. Observou-se que o DES não foi detectado em nenhuma das amostras (p > 0,05), enquanto que o zeranol foi detectado em duas (p < 0,05). A presença do zeranol nestas amostras foi confirmada por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa (p < 0,05). A recuperação média obtida na fase extrativa (³H-DES) foi de 62,6 ± 5,7% , enquanto que na fase extrativa + radioimunoensaio (DES), esta recuperação foi de 83,8 ± 16,8%. Quanto ao zeranol as recuperações médias obtidas foram de 63,0 ± 5,8% na fase extrativa (³H-zeranol) e 94,8 ± 13,8% na fase extrativa + radioimunoensaio (zeranol). Concluiu-se portanto, que a carne bovina brasileira atende a legislação vigente quanto a ausência de resíduos de DES, no entanto, contraria quanto ao zeranol, pois foi confirmada uma freqüência de 0,52% de amostras positivas.

anabolizantes; carne bovina; resíduos; monitoramento; radioimunoensaio; espectrometria de massa


The use of hormonal or non-hormonal agents in livestock is widespread among the greatest meat producers, as the U.S.A., Australia, Canada, Argentina and others. These agents include diethylstibestrol (DES), which is banned, and zeranol, which is controlled. Both substances improve live weight gain, carcass weight, feed conversion and meat percentage. Their use, however, may cause residues presence in tissues and organs of livestock, which, in turn, represents a potential hazard for human health. For this reason, many countries, including Brazil, do not allow their use. This trial aimed at verifying whether beef collected between July 1993 and November 1994 in Brazilian slaughterhouses was in accordance with the current legislation in regard to the above mentioned anabolic substances. Four hundred and sixteen samples of liver were searched for DES and 385 for zeranol presence by radioimmunoassay (RIA). DES was detected in no samples (p > 0,05) on the other hand zeranol was detected in two (p < 0,05). Zeranol presence was confirmed by gas cromatography-mass spectrometry (p < 0,05). Average recoveries obtained for DES were 62,6% ± 5,7 in the extractive phase (³H-DES) and 83,8% ± 16,8 in the extractive phase plus RIA (DES). As to zeranol, average recoveries were 63,0% ± 5,8 in the extractive phase (³H-zeranol) and 94,8% ± 13,8 in the extractive phase plus RIA (zeranol). Therefore, it is concluded that Brazilian cattle meat is in accordance with current legislation in regard to DES; it is not, however, in regard to zeranol for it was found in 0,52% of samples.

anabolics; beef cattle; residues; monitoring; radioimmunoassay; mass espectrometry


Ocorrência de resíduos de dietilestilbestrol e zeranol em fígado de bovinos abatidos no Brasil1 1 Recebido para publicação em 02/12/96. Aceito para publicação em 03/06/99.

Olga Maria Chaves CARDOSO2 2 Farmacêutica-Industrial do Laboratório de Referência Animal - Pedro Leopoldo - MG; MSc. concluído no Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da UFMG, Belo Horizonte-MG. , Teófilo José Pimentel SILVA3 3 Professor Titular Apos. da Escola de Veterinária/UFMG e Prof. Adj. do Depto. de Tecnologia dos Alimentos da UFF - Rua Vital Brazil Filho, 64 - Cep.: 24230-340, Niterói - RJ. ,* * A quem a correspondência deve ser enviada. , Wagner Luiz Moreira SANTOS4 4 Professor do Depto. de Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal da EV/UFMG, Belo Horizonte - MG. , Jorge Luiz PESQUERO5 5 Professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Belo Horizonte - MG.

RESUMO

O uso de substâncias anabolizantes, de natureza hormonal ou não, é muito difundida na pecuária de corte dos países maiores produtores de carne bovina (EUA, Austrália, Argentina, Canadá, etc.). Dentre estas destacam-se o banido dietilestilbestrol (DES) e o controlado zeranol, que aumentam o ganho de peso vivo, o peso da carcaça, a eficiência alimentar e o percentual de carne. O uso porém, pode ocasionar a presença de resíduos nos tecidos e órgãos dos animais que são utilizados como alimento. A presença de resíduos representa um perigo potencial para a saúde humana, o que levou vários países, inclusive o Brasil, a proibirem a utilização destes produtos. O objetivo do presente trabalho foi o de verificar, se a carne colhida no período de julho de 1993 a novembro de 1994, em matadouros frigoríficos pertencentes a Lista Geral dos Exportadores, atende a legislação vigente quanto ao uso destes anabolizantes. Para isto, foram analisadas por radioimunoensaio, 416 amostras de fígado para pesquisa de DES e 385 para zeranol. Observou-se que o DES não foi detectado em nenhuma das amostras (p > 0,05), enquanto que o zeranol foi detectado em duas (p < 0,05). A presença do zeranol nestas amostras foi confirmada por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa (p < 0,05). A recuperação média obtida na fase extrativa (3H-DES) foi de 62,6 ± 5,7% , enquanto que na fase extrativa + radioimunoensaio (DES), esta recuperação foi de 83,8 ± 16,8%. Quanto ao zeranol as recuperações médias obtidas foram de 63,0 ± 5,8% na fase extrativa (3H-zeranol) e 94,8 ± 13,8% na fase extrativa + radioimunoensaio (zeranol). Concluiu-se portanto, que a carne bovina brasileira atende a legislação vigente quanto a ausência de resíduos de DES, no entanto, contraria quanto ao zeranol, pois foi confirmada uma freqüência de 0,52% de amostras positivas.

Palavras-chave: anabolizantes, carne bovina, resíduos, monitoramento, radioimunoensaio, espectrometria de massa.

SUMMARY

Occurence of diethylstilbestrol and zeranol residues in liver of bovines slaughtered in Brazil. The use of hormonal or non-hormonal agents in livestock is widespread among the greatest meat producers, as the U.S.A., Australia, Canada, Argentina and others. These agents include diethylstibestrol (DES), which is banned, and zeranol, which is controlled. Both substances improve live weight gain, carcass weight, feed conversion and meat percentage. Their use, however, may cause residues presence in tissues and organs of livestock, which, in turn, represents a potential hazard for human health. For this reason, many countries, including Brazil, do not allow their use. This trial aimed at verifying whether beef collected between July 1993 and November 1994 in Brazilian slaughterhouses was in accordance with the current legislation in regard to the above mentioned anabolic substances. Four hundred and sixteen samples of liver were searched for DES and 385 for zeranol presence by radioimmunoassay (RIA). DES was detected in no samples (p > 0,05) on the other hand zeranol was detected in two (p < 0,05). Zeranol presence was confirmed by gas cromatography-mass spectrometry (p < 0,05). Average recoveries obtained for DES were 62,6% ± 5,7 in the extractive phase (3H-DES) and 83,8% ± 16,8 in the extractive phase plus RIA (DES). As to zeranol, average recoveries were 63,0% ± 5,8 in the extractive phase (3H-zeranol) and 94,8% ± 13,8 in the extractive phase plus RIA (zeranol). Therefore, it is concluded that Brazilian cattle meat is in accordance with current legislation in regard to DES; it is not, however, in regard to zeranol for it was found in 0,52% of samples.

Keywords: anabolics, beef cattle, residues, monitoring, radioimmunoassay, mass espectrometry.

1 – INTRODUÇÃO

No mundo atual a alimentação humana constitui uma das principais questões dos sistemas de produção. O aumento exponencial da população tem impulsionado o desenvolvimento de sistemas cada vez mais sofisticados de produção de alimentos, com a utilização de novos métodos e produtos químicos, dentre eles as substâncias anabolizantes de natureza hormonal ou não, como promotores de crescimento de animais para produção de carne. Destacam-se nesta classe os xenobióticos dietilestilbestrol (DES), que são proibidos mundialmente [8]; e zeranol, que também é proibido no Brasil [4], mas que é de uso controlado em muitos outros países [7, 8, 10, 12]. Estes produtos aumentam o ganho de peso vivo, o peso da carcaça, a eficiência alimentar e o percentual de carne em determinadas espécies. Vários países têm restrição ao seu uso devido ao perigo potencial para a saúde humana e a deficiência de metodologias analíticas suficientemente sensíveis para a detecção dos resíduos em carne para o consumo humano [21]. Diferentemente, outros países em que o zeranol está liberado [7, 12, 18], consideram que a substância não possui ação prejudicial à saúde e que é passível de uma avaliação segura dos resíduos na carcaça e nos órgãos dos animais tratados [8]. Estudos epidemiológicos realizados nos Estados Unidos demonstraram o aparecimento de tumores vaginais em filhas de pacientes que utilizaram DES como antiabortivo [2]. De acordo com o 32o Informe do Comitê Mixto do Codex Alimentarius/FAO/WHO [8] a ingestão de alimentos contaminados pode levar ao aparecimento de distúrbios endócrinos tais como, indução de puberdade precoce em crianças, avanços na idade óssea com repercussões negativas no crescimento, modificações de caracteres sexuais, entre outros. Segundo ROSA & DODE [18] a via de administração mais utilizada em bovinos é o implante em parte não comestível da carcaça como por exemplo, a orelha. A administração oral ou injeção de suspensão oleosa ou cristalina aumentam a possibilidade de abusos e a ocorrência de resíduos em tecidos comestíveis que podem acarretar problemas de saúde pública. O zeranol é obtido da zearalanona elaborada pela Gibberella zeae e não é estruturalmente um esteróide. Tem atividade estrogênica e anabólica, sendo que, a maior parte da substância administrada oralmente é absorvida. Sua eliminação é espécie dependente, sendo excretada como substância livre e conjugada, e como zearaleanona livre e conjugada. Os mesmos metabólitos aparecem na bílis. A maior parte do zeranol administrado oralmente desaparece praticamente de todos os tecidos em 24 horas, exceto do fígado e dos rins, sendo que aos 45 dias, os valores encontrados nestes tecidos são inferiores a 2 partes por bilhão (ppb = nanograma/grama = ng/g). Não existe acumulação nos órgãos, e, ainda é desconhecida a proporção de metabólitos livres ou conjugados e sua natureza exata [17]. O dietilestilbestrol é um estilbeno que possui uma atividade estrogênica dez vezes mais potente que o estrógeno natural, 17b estradiol. Estudos radiométricos realizados com novilhos implantados com 14C-DES estabeleceram que o fígado e o rim são os tecidos de máximo acúmulo, encontrando-se os resíduos principalmente em forma conjugada como dietilestilbestrol monoglicuronídeo, mantendo-se o nível dos resíduos em fígado abaixo de 0,5 partes por bilhão (ppb) durante os 120 dias posteriores ao implante [13]. Evidências de que o DES administrado via oral era absorvido e não destruído prontamente pelo fígado influenciou na decisão de banir o uso desta substância em animais destinados a alimento no início dos anos 70 [22].

No Brasil, segundo TEIXEIRA [20] a proibição ao uso de anabolizantes para qualquer finalidade teve início em 1961 até que, em 1972 o seu uso foi permitido para fins terapêuticos e sob prescrição veterinária. Em 1986 foi facultado o registro de produtos destinados ao aumento de peso de bovinos, ficando proibida a formulação e o emprêgo à base de estilbenos (DES) para fins anabolizantes e/ou uso terapêutico. No mesmo ano foi revogada esta decisão, sendo liberado o uso de anabolizantes somente para fins terapêuticos e sob prescrição veterinária. Atualmente é válida a Portaria Ministerial no 51 que proíbe a produção, importação, comercialização e o uso de produtos para fins de crescimento e ganho de peso dos animais de abate. Para os compostos não esteróidais com atividade anabolizante, a proibição se estende, inclusive, para fins terapêuticos.

Segundo PALERMO NETO [16], o que se constata, a exemplo do que ocorreu em outros países, é que essa proibição só fez piorar a situação, pois estimulou o contrabando desses agentes e seu uso descontrolado, aumentando os riscos à saúde pública. O controle de resíduos de anabolizantes vem sendo efetuado pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento (M.A.) desde 1984 [20]. A cromatografia gasosa foi inicialmente utilizada como metodologia analítica, sendo posteriormente substituída por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa e atualmente os resíduos de DES e zeranol são analisados por radioimunoensaio e confirmados por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa. No Brasil, o limite de tolerância para os resíduos de DES e zeranol é zero, já que o uso é proibido [4], entretanto, não existem trabalhos científicos que abordem a situação nacional, quanto a ocorrência destes resíduos. Só mais recentemente é que o M.A. publicou em Diário Oficial resultados de levantamento realizado no ano de 1995 [5], tornando-os disponíveis à comunidade acadêmica e aos consumidores.

Considerando todos estes aspectos, o presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de verificar se a carne inspecionada no Brasil atende a legislação vigente, do ponto de vista da presença dos anabolizantes DES e zeranol; e oferecer à comunidade informações sobre este relevante problema de saúde pública.

2 – MATERIAL E MÉTODOS

As análises de DES e zeranol foram desenvolvidas nos Laboratórios de Referência Animal de Pedro Leopoldo e Campinas, pertencentes à rede de laboratórios do Ministério da Agricultura e do Abastecimento (M.A.).

2.1 – Método de amostragem

A pesquisa foi realizada em fígado de bovinos provenientes de frigoríficos controlados pelo Serviço de Inspeção Federal incluídos na Lista Geral de Frigoríficos Exportadores e a amostragem baseada no modelo estatístico recomendado pelo Codex Alimentarius [8]. As amostras foram colhidas, a partir de sorteio realizado de modo aleatório pelo M.A. de acordo com o Programa de Controle de Resíduos Biológicos em Carnes - PCRBC [4]. Como a população de interesse são milhares de animais, para que se tivesse 95% de probabilidade de detectar violação, caso ela ocorresse em 1% ou mais da população, o evento deveria ser pesquisado em 300 animais desta categoria no período de um ano. Assim, no período de julho de 1993 a novembro de 1994 foram colhidas 416 amostras de fígado para pesquisa de DES e zeranol. As amostras foram colhidas logo após o abate, imediatamente congeladas, enviadas ao laboratório congeladas, onde foram mantidas a -20° C até a análise.

2.2 – Análises laboratoriais

As metodologias utilizadas foram radioimunoensaio (RIE) para triagem [23] e cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa (CG-EM) para confirmação, segundo os métodos oficiais do M.A. [6]. O processo de extração e purificação que precedeu a quantificação foi baseado no método oficial do Instituto Nacional de Tecnologia de Alimentos (INTA) do Ministério da Agricultura da Argentina [1]. O radioimunoensaio foi realizado com uso de kit - Rhode Islands Labs. [23] que contém DES e zeranol marcados com trítio, padrões de DES e anticorpos anti-DES e anti-zeranol. Todas as drogas e solventes utilizados foram grau para análise (P.A.) e o éter etílico, livre de peróxidos, foi bidestilado em coluna de vidro.

2.2.1 - Procedimento para triagem de DES e zeranol por radioimunoensaio

As amostras de fígado (2,5g) foram analisadas pelo método esquematizado na Figura 1 que compreende as seguintes etapas: extração das substâncias livres e conjugadas, a partir do tecido, com metanol, hidrólise enzimática, purificação por sucessivas partições líquido-líquido, e da solução final de 0,75mL, uma alíquota de 0,15mL foi usada para determinação da recuperação média (contador de cintilação líquida) e duas alíquotas de 0,30mL foram quantificadas por radioimunoanálise, sendo uma para pesquisa de DES e a outra para pesquisa de zeranol, de acordo com as metodologias oficiais recomendadas [1, 6, 23]. Assim, 416 alíquotas de 0,30mL foram quantificadas por radioimunoensaio para pesquisa de DES e as outras 416 alíquotas de 30mL destinadas a pesquisa de zeranol resultaram na quantificação de 385 amostras, isto devido às perdas de amostras durante a corrida analítica (quebra de tubo ou outro motivo).


O radioimunoensaio é baseado numa reação onde o antígeno radioativo e o não radioativo (presente na amostra que está sendo analisada), competem para reagir com o anticorpo. A separação do antígeno livre do antígeno conjugado com o anticorpo é realizada por adsorção do antígeno livre (radioativo e não radioativo) em suspensão de carvão ativado, que é centrifugada sendo o precipitado descartado e o sobrenadante levado para leitura em contador de cintilação líquida. A quantificação por radioimunoensaio foi efetuada através da extrapolação das contagens obtidas nas amostras através de uma curva de calibração, onde, quantidades fixas e limitadas de antígeno radioativo e anticorpo e quantidades crescentes de antígeno não radioativo foram utilizadas. A curva foi formada por sete pontos de calibração, em duplicata, nas concentrações de 15,6; 31,2; 62,5; 125; 250; 500 e 1000 picogramas (pg)/0,1mL de tampão fosfato 0,01M salina pH 7,4 contendo 0,1% de gelatina. A concentração final de DES e zeranol foi obtida após a correção do valor extrapolado de cada amostra na curva de calibração, considerando-se a recuperação obtida pela amostra através das etapas de extração e purificação. Os cálculos foram elaborados através de planilha eletrônica (Quatro-Pro).

2.2.2 - Confirmação de DES e zeranol por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa

O método ilustrado na Figura 2 consiste na extração com acetonitrila do DES e zeranol, purificação líquido-líquido de três fases, purificação em fase sólida e análise por cromatografia capilar a gás acoplada a detector seletivo de massas (CG/EM) para identificação e quantificação [6].


2.3 – Controle de qualidade e critérios de aceitabilidade das análises

Em cada grupo de amostras analisadas foram feitos os seguintes tipos de amostras controle, todas em duplicata: branco de reativos, testemunha, testemunha fortificada in vitro com 200pg/g, denominada fortificado e testemunha fortificada in vitro com concentração desconhecida para o analista, denominada controle de qualidade. Com exceção da amostra branco de reativos, às restantes foram adicionados 0,1mL de solução de anabolizante tritiado (~2500cpm) no começo da extração, com o qual, medindo a radioatividade remanescente a uma alíquota do extrato final, se determinou a recuperação obtida pela amostra através das etapas de extração e purificação, conforme a metodologia oficial recomendada [6].

2.4 – Análise estatística

Para a caracterização da ocorrência de resíduos de determinada variável (resíduos de DES e zeranol) em carnes obtidas de frigoríficos da Lista Geral dos Exportadores do Brasil, a qual ocorreu "x" vezes num total de "n" amostras, a ocorrência p = x/n teve como intervalo de confiança p ± 1,96 Ö p(1-p)/n para a definição de seus limites de confiança [19].

3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 – Análises de triagem e confirmação de DES

No período de julho de 1993 a novembro de 1994 foram analisadas 416 (quatrocentas e dezesseis) amostras de fígado bovino para pesquisa de DES e os resultados obtidos nas análises por radioimunoensaio, assim como o total de análises por unidades da federação brasileira são apresentados nas Tabela 1.

Conforme pode-se observar na Tabela 1, das 416 amostras analisadas para DES por radioimunoensaio, 407 foram consideradas negativas determinando uma frequência de 97,84%, enquanto que nove amostras apresentaram resultados positivos, representando a frequência de 2,16%. Estas nove amostras positivas pela análise por radioimunoensaio foram então submetidas à análise de confirmação por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa sendo que todas estas amostras resultaram negativas ao teste de confirmação, determinando assim uma frequência de 0% de resultados positivos. Resultados falsos positivos podem ocorrer normalmente em amostras de animais não tratados em função das impurezas ainda presentes no extrato final depois da purificação do tecido, que interferem na radioimunoanálise, ou ainda, pelo uso de anticorpos policlonais que podem apresentar reações cruzadas com metabólitos da substância em pesquisa [13, 14].

Resultados semelhantes foram relatados por TEIXEIRA [19] que não identificou nenhuma amostra positiva no período de 1986 a 1987, utilizando o mesmo processo de colheita de amostras, porém usando a cromatografia gasosa como metodologia analítica e os relatados por Cunha (Antônio Cavalcante Cunha - Coordenação Geral de Laboratórios do M.A. - Brasília - comunicação pessoal) sobre as ações do PCRBC no período de 1992 a 1993 (RIE + CG - EM).

Os resultados encontrados neste trabalho confirmam que os bovinos abatidos nos frigoríficos da Lista Geral dos Exportadores, inspecionados pelo Serviço de Inspeção Federal, atendem a legislação vigente do ponto de vista do uso do anabolizante DES, de acordo com o plano de amostragem estabelecido pelo governo brasileiro [3].

Estes resultados evidenciam a redução da ocorrência de amostras positivas, uma vez que em 1990 foram relatados sete resultados positivos em 300 amostras analisadas por cromatografia gasosa (Antônio Cavalcante Cunha - Coordenação Geral de Laboratórios do M.A. - Brasília - comunicação pessoal). E mais recentemente os dados da Portaria no 110/96 [5] vieram corroborar essa redução, uma vez que no controle do PCRBC/M.A. executado em 1995 (RIE + CG - EM), em 301 amostras de fígado bovino, não foi encontrado violação pelo uso de DES no rebanho brasileiro. Resultados semelhantes foram encontrados em outros países. JANSEN & STEPHANY [10] em um estudo inicial de investigação da utilização de DES na Holanda, observaram a frequência de 0,043% em 4558 amostras analisadas no período de agosto de 1981 a abril de 1983 e em estudo posterior JANSEN et al. [11] não detectaram nenhuma amostra positiva. CORDLE [7] relata que em programa de monitoramento, realizado nos Estados Unidos não foi encontrado nenhum resíduo de DES em 1200 amostras testadas no ano de 1983.

A controvérsia sobre o uso de anabolizantes em produção animal começou há mais de 20 anos, quando o DES teve seu uso banido como promotor de crescimento em bovinos devido o uso clínico deste composto em mulheres, ter sido associado com câncer vaginal de suas filhas. Esta controvérsia teve continuidade com a Comunidade Econômica Européia (CEE) banindo o uso de todas as substâncias anabólicas hormonais para animais destinados à produção de alimentos [22]. Apesar de tudo, o DES ainda continuou sendo utilizado para fins terapêuticos e o que se constatou foi que essa proibição estimulou o contrabando desta substância.

De acordo com a literatura consultada o DES não tem sido utilizado nos países, onde existe a liberação dos anabolizantes considerados seguros devido à associação com câncer, mas também em função das penalidades sofridas pelos produtores. Portanto, fica evidente que os estilbenos por possuirem propriedades oncogênicas relatadas em diferentes espécies animais, e, em diferentes tecidos, não devem ser administrados como anabolizantes na pecuária de corte.

3.2 – Análises de triagem e de confirmação de zeranol

A Tabela 2 mostra os resultados obtidos para as análises de zeranol por unidades da federação brasileira, onde, das 385 amostras analisadas, 325 foram consideradas negativas resultando numa freqüência de 84,42% e 60 foram positivas, com a freqüência de 15,58% pela análise por radioimunoensaio. As 60 amostras positivas pelo método de triagem foram submetidas à análise por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa, das quais duas foram confirmadas como positivas para o resíduo de zeranol, com a freqüência de 0,52%.

As outras 58 amostras que não tiveram seus resultados confirmados como positivos, foram consideradas como sendo falso-positivas pela análise por radioimunoensaio. A maior quantidade de resultados falso-positivos ocorre com o zeranol o qual é produzido, a partir de uma micotoxina, comumente encontrada em grãos e nas pastagens. Assim, os anticorpos utilizados para o radioimunoensaio podem reagir com essas micotoxinas dando resultados falso-positivos [14].

Os dados obtidos pelo M.A. em 1990 (CG) e em 1993 (RIE + CG - EM) concordam com estes resultados, uma vez que foram confirmadas uma e duas violações de amostras de fígado com zeranol, nos respectivos anos. Dados mais recentes do PCRBC/M.A. [5] demonstram que das 301 amostras de fígados de bovinos analisadas (RIE + CG - EM) em 1995 resultou em 01 (uma) violação (0,33%) sobre o uso de zeranol na pecuária de corte nacional. Estes resultados evidenciam o uso de zeranol, ainda que muito discreto, em bovinos abatidos nos frigoríficos da Lista Geral dos Exportadores, controlados pelo Serviço de Inspeção Federal de acordo com o plano de amostragem estabelecido [3], contrariando a legislação vigente no país, que proibe o uso desta substância.

Resultados similares foram descritos em outros países. GRANGER & CRUZ [9] no período de junho a novembro de 1989 realizaram um estudo em Portugal onde foram efetuadas 563 dosagens, das quais foram confirmadas seis amostras com resíduos de zeranol (RIE + CG - EM). MADDOX [15] encontrou uma frequência de 6% de novilhos e novilhas tratados com zeranol (CG), conforme trabalho realizado no período de 1984 a 1985 na Escócia e norte da Inglaterra.

Diferentemente, dos resultados relatados por Cunha* * A quem a correspondência deve ser enviada. não ocorreu nenhum registro de amostras positivas (CG) no período de 1991 a 1992. Da mesma forma, em estudos realizados na Holanda por JANSEN et al. [11] no período de outubro de 1983 a janeiro de 1985, não foram identificados resíduos de zeranol (HPLC), no total de 573 amostras analisadas e também MADDOX [15] não detectou resíduos de zeranol (RIE + CG - EM) em novilhos na Escócia e norte da Inglaterra no período de 1986 a 1987.

De acordo com a literatura consultada o zeranol tem sido utilizado nos países onde existe a liberação do uso de anabolizantes [7, 12, 18], uma vez que não possui propriedades genotóxicas ou carcinogênicas e permite uma estimativa segura dos valores de resíduos controlados na carcaça e nos órgãos dos animais tratados [8]. Entretanto, a legislação brasileira proíbe o uso de zeranol na pecuária nacional [4] principalmente em função das exigências dos países importadores da União Européia.

3.3 – Aceitabilidade das análises

A porcentagem de recuperação aceitável para a análise de DES e zeranol por radioimunoensaio abrange a faixa de 50 a 120% e o coeficiente de correlação ( r ) deve ser pelo menos igual a 0,985. O coeficiente de correlação médio obtido neste experimento foi igual a 0,9960. O limite de detecção estabelecido foi de 160 partes por trilhão (ppt = picograma/grama = pg/g) e o limite de determinação 200 ppt.

A Tabela 3 mostra os dados obtidos para a recuperação média das amostras fortificadas com 3H-DES e das amostras fortificadas com DES padrão.

As recuperações foram consideradas satisfatórias considerando-se os resultados obtidos por LONGHI et al. [13] quando efetuou um estudo da curva de acumulação-eliminação de DES em fígado e plasma de novilhos implantados, utilizando a mesma metodologia analítica.

Os resultados obtidos nas amostras de controle de qualidade, que são analisadas em paralelo com as amostras de rotina, são fatores importantes na rejeição de uma corrida analítica. Nestas amostras, é analisado o erro em relação ao valor real, ou seja, o coeficiente de variação, que pode ser até de 45% devido ao nível de resíduo pesquisado. Só foram consideradas as análises que tiveram os resultados satisfatórios.

A Tabela 4 mostra os dados obtidos para a recuperação média das amostras fortificadas com 3H-zeranol e das amostras fortificadas com zeranol padrão.

Resultados semelhantes foram obtidos por LONGHI et al. [14] quando determinou os níveis de resíduos de zeranol e seus metabólitos em fígado, rins e músculo de bovinos. Neste estudo foi demonstrado que os tecidos de acumulação são o fígado e os rins, sendo o fígado o tecido de máximo acúmulo. Os resíduos de zeranol foram quantificados aos 148 dias após o último tratamento e em nenhum dos 20 animais tratados foi possível detectar resíduos em músculo.

4 – CONCLUSÕES

O fígado bovino colhido nos matadouros frigoríficos inspecionados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF), participantes da Lista Geral dos Exportadores, no período de julho de 1993 a novembro de 1994 não apresentou resíduos do anabolizante DES, o que implicaria na ausência do resíduo de DES em carne bovina oriunda destes estabelecimentos.

Foi verificada uma freqüência de 0,52% (02 em 385 amostras) de resíduos de zeranol no fígado bovino colhido nos mesmos matadouros frigoríficos, o que contraria a legislação brasileira vigente.

Considerando-se a importância do tema novos trabalhos são recomendáveis, uma vez que a maioria dos abates de bovinos efetuados no Brasil não são controlados pelo Serviço de Inspeção Federal. Sugere-se assim, reproduzir este tipo de trabalho nos bovinos abatidos sob inspeção estadual e municipal. Além disso, novas metodologias alternativas deveriam ser pesquisadas visando ao aprimoramento destas técnicas analíticas.

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    Recebido para publicação em 02/12/96. Aceito para publicação em 03/06/99.
  • 2
    Farmacêutica-Industrial do Laboratório de Referência Animal - Pedro Leopoldo - MG; MSc. concluído no Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da UFMG, Belo Horizonte-MG.
  • 3
    Professor Titular Apos. da Escola de Veterinária/UFMG e Prof. Adj. do Depto. de Tecnologia dos Alimentos da UFF - Rua Vital Brazil Filho, 64 - Cep.: 24230-340, Niterói - RJ.
  • 4
    Professor do Depto. de Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal da EV/UFMG, Belo Horizonte - MG.
  • 5
    Professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Belo Horizonte - MG.
  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2000
    • Data do Fascículo
      Dez 1999

    Histórico

    • Aceito
      03 Jun 1999
    • Recebido
      02 Dez 1996
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