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Reflexões sobre a forma de recrutamento das Forças Armadas Brasileiras e suas implicações para a defesa nacional

Reflections on recruitment by the Brazilian Armed Forces and its implications for national defense

Réflexions sur le recrutement dans les Forces Armées Brésiliennes et ses conséquences pour la défense nationale

Resumos

Military recruitment in Brazil is a "non-issue". Given the lack of research on the subject, the current article attempted to approach it in conceptual terms in order to back potential discussions in the future. The implications of the current draft system for the Brazilian Army were analyzed. Future demands on the Brazilian Armed Forces in relation to international security were outlined. Based on this potential scenario, the ideal military profile for the country was inferred. The study suggests changes in the recruitment system to allow the Army to adjust its current structure to the detected needs. The analysis indicates that the proposed reform can only be carried out through a decision emanating from the country's civilian leadership.

military recruitment; Brazilian military system; needs for reform


Le recrutement militaire au Brésil est dans l'impasse. Face à l'absence d'une réflexion sur le sujet, on a essayé d'aborder la question en termes conceptuels de façon à délimiter de possibles discussions ultérieures. On a analysé les retombées, pour l'armée brésilienne, de l'actuel système de conscription. On a esquissé les demandes futures à l'échelon de la sécurité internationale influant sur les forces armées. À partir du cadre mis en place, on a imaginé le profil militaire souhaitable pour le pays. On a suggéré un changement dans le système d'enrôlement permettant à l'Armée de rendre sa structure actuelle compatible avec les besoins constatés. On avance que la réforme proposée ne pourra aboutir que par le moyen d'une décision venant des leaderships civils de la nation.

recrutement militaire; structure militaire brésilienne; besoin de réformes


military recruitment; Brazilian military system; needs for reform

recrutement militaire; structure militaire brésilienne; besoin de réformes

Reflexões sobre a forma de recrutamento das Forças Armadas Brasileiras e suas implicações para a defesa nacional* * Nenhum dos conceitos aqui expressos representa necessariamente a posição do Ministério das Relações Exteriores ou do Ministério da Defesa.

Reflections on recruitment by the Brazilian Armed Forces and its implications for national defense

Réflexions sur le recrutement dans les Forces Armées Brésiliennes et ses conséquences pour la défense nationale

João Paulo Soares Alsina Jr.

É diplomata de carreira desde 1996, chefe do setor político da Embaixada do Brasil em Lisboa e assessor do Gabinete do Ministro de Estado da Defesa. E-mail: <joão.alsina@defesa.gov.br>

ABSTRACT

Military recruitment in Brazil is a "non-issue". Given the lack of research on the subject, the current article attempted to approach it in conceptual terms in order to back potential discussions in the future. The implications of the current draft system for the Brazilian Army were analyzed. Future demands on the Brazilian Armed Forces in relation to international security were outlined. Based on this potential scenario, the ideal military profile for the country was inferred. The study suggests changes in the recruitment system to allow the Army to adjust its current structure to the detected needs. The analysis indicates that the proposed reform can only be carried out through a decision emanating from the country's civilian leadership.

Key words: military recruitment; Brazilian military system; needs for reform

RÉSUMÉ

Le recrutement militaire au Brésil est dans l'impasse. Face à l'absence d'une réflexion sur le sujet, on a essayé d'aborder la question en termes conceptuels de façon à délimiter de possibles discussions ultérieures. On a analysé les retombées, pour l'armée brésilienne, de l'actuel système de conscription. On a esquissé les demandes futures à l'échelon de la sécurité internationale influant sur les forces armées. À partir du cadre mis en place, on a imaginé le profil militaire souhaitable pour le pays. On a suggéré un changement dans le système d'enrôlement permettant à l'Armée de rendre sa structure actuelle compatible avec les besoins constatés. On avance que la réforme proposée ne pourra aboutir que par le moyen d'une décision venant des leaderships civils de la nation.

Mots-clé: recrutement militaire; structure militaire brésilienne; besoin de réformes

Sob o pretexto de que em nosso século é a nação inteira que se bate, não falta quem negue, sem constrangimento, todo valor à formação especificamente militar. [...] Um passo mais e se estabeleceria como princípio que uma nação combate tanto melhor quanto menos preparada se encontra, a exemplo de Emílio, que adquiriu instrução sem ter estudado (Charles de Gaulle, 1934:55-56).

INTRODUÇÃO

A Estratégia Nacional de Defesa (END), publicada em dezembro de 2008, definiu, do ponto de vista político, a postura do governo Lula em relação a um tema crucial: a forma de recrutamento das Forças Armadas (FFAA) brasileiras. A despeito dessa definição, que pode ser mais ou menos perene, a depender de uma eventual revisão da Estratégia, faz-se imprescindível debater em maior profundidade o assunto.

Não há como negar a complexidade da questão e as inúmeras vertentes a partir das quais seria possível abordar o problema. Admitidas as dificuldades de empreender estudo nesse campo, o presente texto concentrar-se-á em oferecer elementos de reflexão sobre os seguintes aspectos: a) a instrumentalidade essencial do recrutamento; b) o recrutamento em perspectiva histórica e comparada; c) os conceitos relacionados à forma de recrutamento e o caso norte-americano; d) os conceitos relacionados à forma de recrutamento e o caso brasileiro; e) as implicações da forma de recrutamento para a estruturação das FFAA (em especial para o Exército Brasileiro, EB); f) a estrutura das FFAA e sua influência sobre a postura estratégica brasileira; g) as consequências da postura estratégica brasileira atual diante das prováveis demandas de segurança do futuro; h) as possíveis vias de modificação do status quo relacionado ao recrutamento de modo a adequá-lo à estrutura que melhor garantiria a construção de FFAA aptas a enfrentar os desafios do futuro.

A INSTRUMENTALIDADE DO RECRUTAMENTO

A instrumentalidade do recrutamento poderia parecer, em uma primeira aproximação, algo óbvio. Nada mais longe da verdade, especialmente no caso brasileiro. Para além de uma mera sistemática voltada à garantia do fluxo de mão de obra necessário ao funcionamento regular das burocracias castrenses, no Brasil o recrutamento possui funções extrínsecas à sua instrumentalidade essencial1 1 . Na realidade, a instrumentalidade essencial do recrutamento militar encontra-se universalmente modulada por considerações de ordem moral, econômica, social, política, estratégica etc. Nesse sentido, cada coletividade equilibrará de modo singular a necessidade de provimento de mão de obra para o funcionamento regular das burocracias castrenses e a gama de considerações acima mencionadas. Para um excelente estudo sobre as peculiaridades da prestação militar no Brasil do século XIX, ver Mendes (1997). . Em vista de o País constituir nação em desenvolvimento não assolada por ameaças militares prementes, os temas relacionados à defesa nacional não fazem parte do rol de prioridades das suas elites. A esse fato soma-se uma série de fatores, como a falta de visão estratégica das lideranças políticas brasileiras, o vulto adquirido pelos problemas afetos à segurança pública, a escassez de quadros civis qualificados para a direção superior dos assuntos de defesa, a disseminação generalizada de uma visão clientelista do Estado2 2 . Por "visão clientelista" do Estado quer-se significar que esse ente coletivo é, regra geral, encarado como um provedor de benesses para clientelas privadas e não como um instrumento universalista de provimento de bens públicos. Para uma discussão aprofundada do assunto, ver Nunes (1997). , a permanência de profundas disparidades sociais, as incoerências em termos de implementação de políticas públicas resultantes do design das instituições políticas3 3 . Esse tema permanece em aberto no contexto da discussão sobre o sistema político brasileiro. Se houve enormes avanços no tocante à compreensão sobre o funcionamento desse último, não parece ter havido semelhante avanço no tratamento da inter-relação sistema político/gestão de políticas públicas. Para uma revisão das correntes em que poderia ser dividido o debate sobre o sistema político brasileiro, ver Power (2010). Para uma formulação inicial sobre a inter-relação mencionada, ver Amorim Neto (2007). , inter alia4 4 . Para uma visão brasileira sobre os fatores que militam contra a boa condução da política de defesa, ver Alsina Jr. (2006). Sobre o desinteresse das elites políticas latino-americanas pelos temas de defesa, ver Pion-Berlin e Trikunas (2007). .

Dada a problemática sucintamente mencionada acima, a perspectiva majoritária entre os decisores sobre a forma de recrutamento das FFAA é de fundo essencialmente assistencialista e possui baixo grau de articulação conceitual. De modo simplificado, poder-se-ia citar o seguinte encadeamento lógico como disseminado entre a elite política brasileira no que toca ao tema em apreço: não existem ameaças iminentes no plano da segurança militar externa; logo, as FFAA não são "úteis" no campo da defesa; para conferir "utilidade" às FFAA seria preciso empregá-las em funções subsidiárias (como as de caráter assistencial) ou na manutenção da lei e da ordem (operações GLO). Portanto, como não está clara a instrumentalidade dos militares no que diz respeito à garantia da soberania nacional, o mais razoável, do ponto de vista da obtenção de dividendos eleitorais pelos políticos, seria o emprego sistemático da estrutura das FFAA na consecução de tarefas não primariamente militares.

Em qualquer circunstância, deve-se admitir que a instrumentalidade da sistemática de recrutamento irá variar de acordo com as circunstâncias particulares de cada Estado nacional e com a percepção de seus dirigentes sobre a relevância do assunto, uma vez que as instituições castrenses podem ser empregadas nas mais variadas tarefas: desde as de cunho logístico (distribuição de cestas básicas), passando pelas educacionais (ensino militar ou mesmo civil), até as de administração dos assuntos de Estado (governos militares). A despeito disso, a necessidade irredutível do sistema de recrutamento será sempre o provimento de mão de obra que componha os quadros das Forças Armadas.

O RECRUTAMENTO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA E COMPARADA

Não constitui objetivo desta seção esgotar um tema de tamanha amplitude. Tenciona-se, tão-somente, contextualizar as formas de recrutamento de maneira a colocar em perspectiva a realidade brasileira. Assim, deve-se ter em mente que, ao longo da história da humanidade, a composição das forças armadas (ou das milícias), de grupos, tribos, clãs, cidades, reinos, impérios, Estados nacionais, obedeceu a variadas geometrias. São basicamente quatro os tipos-ideais de recrutamento encontrados nos exemplos históricos: a utilização de escravos (representando com frequência forças adversárias derrotadas no campo de batalha ou populações subjugadas coercitivamente), o serviço militar obrigatório (SMO, entendido como dever imposto pelo poder político a uma parcela ou à totalidade da população), o serviço militar voluntário (SMV, em que não há imposição do serviço militar ao conjunto da população) e a contratação de forças mercenárias (em que soldados, profissionais ou não, locais ou estrangeiros, são contratados como prestadores de serviço). Cada uma dessas sistemáticas pode ser encontrada individualmente ou em combinações as mais diversas.

Genericamente, pode-se sustentar que as características peculiares de uma determinada sociedade (sistema político, disponibilidade de recursos humanos e materiais, grau de desenvolvimento econômico, cultura cívica, história etc.) serão decisivas no sentido de delimitar as suas opções no que tange à forma de recrutamento militar. Exemplo disso pode ser encontrado no caso de Atenas e Esparta, que coexistiram no mesmo período histórico, mas que possuíam sistemas de recrutamento obrigatório sensivelmente distintos (ver Rocha e Pires, 2004:77-79). Um mesmo império, como o romano, a depender das circunstâncias, organizou de maneira diversa o seu sistema de recrutamento: em um primeiro momento, baseado no SMO e, posteriormente, em um mix de SMV e de mercenários - o que se explica pela expansão territorial e a necessidade de incorporar tropas em territórios longínquos. Na Idade Média, dada a grande fragmentação de poder prevalecente, a utilização de forças mercenárias difundiu-se de modo importante. Na medida em que o conceito de soberania se desenvolvia e consolidava, no rastro da construção dos Estados nacionais, a ideia do soldado-cidadão ganhou força. Nessa linha, o primeiro SMO universal foi instituído na Suécia do século XVII.

As profundas mudanças que se processaram na França revolucionária, contudo, foram as responsáveis por plasmar a conscrição nos termos hoje conhecidos na maior parte das nações. A levée en masse napoleônica seria progressivamente emulada pelos Estados europeus - o que acabou por anular a grande vantagem inicial usufruída pelo exército gaulês - e se disseminaria pelo mundo ao longo do século XIX. A Inglaterra permaneceria como uma das poucas exceções ao SMO universal, tendo em vista que este último era encarado como um afronta às liberdades individuais. Ainda assim, mesmo no reino inglês, períodos de emergência, como a I Guerra Mundial, ensejaram a transição temporária do SMV para o SMO. Os Estados Unidos seguiria a mesma linha de sua ex-metrópole colonial, alternando períodos de voluntariado (predominantemente), conscrição parcial (guerra de secessão) e conscrição universal (II Guerra Mundial, Guerra do Vietnã). As profundas consequências do conflito no sudeste da Ásia sobre a sociedade estadunidense, contudo, determinaram a rejeição do SMO. Extinto em 1973, este último seria mais do que compensado em suas facetas essenciais pela utilização intensiva de tecnologia em substituição à massa de soldados (ibid.:80).

A iniciativa norte-americana seria, então, paulatinamente seguida por vários países do chamado mundo desenvolvido (França, berço do SMO, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica, Holanda, Austrália, Canadá, inter alia, sem mencionar a Inglaterra, nação em que a conscrição fora extinta em 1960), preocupados em garantir, ao mesmo tempo, a efetividade militar em um contexto cada vez mais exigente em termos tecnológicos e conceitualmente hostil à ideia de envolvimento de grandes parcelas da população em atividades castrenses (ver Jehn e Selden, 2002:93-100). A I Guerra do Golfo, no início dos anos 90 do século passado, constituiria verdadeiro ponto de inflexão no que tange à dialética forças intensivas em tecnologia versus forças intensivas em pessoal. Enquanto a coalizão liderada pelos EUA sofreu 240 baixas no conflito, estima-se que o Iraque teria perdido algo entre vinte mil e 35 mil homens5 5 . Persian Gulf War, "Microsoft® Encarta® Online Encyclopedia", 2009. http://encarta.msn.com © 1997-2009 Microsoft Corporation. . A conclusão inevitável derivada dessa guerra foi a de que, em um enfrentamento convencional, a tecnologia de ponta empregada por forças profissionais multiplica exponencialmente o seu poder combatente, relativizando o conceito da eficiência dos grandes exércitos de conscritos6 6 . Deve-se registrar que a redução do tamanho das FFAA normalmente acompanha a desmobilização que se segue ao término de conflitos quentes e frios. Na sequência da queda do Muro de Berlim, por exemplo, ocorreu acentuada redução dos contingentes militares dos Estados Unidos e da Rússia. Considerações sobre o atual contingente das FFAA norte-americanas podem ser encontrados em Bruner (2005). Sobre a situação das FFAA russas e seu atual contingente vis-à-vis o da antiga União Soviética, ver Barany (2008). Note-se, contudo, que existe um sem número de fatores contextuais domésticos e internacionais que matizam os movimentos de encolhimento e expansão de cada exército em particular. A evolução da tecnologia militar, em que avulta o papel potencialmente revolucionário das armas nucleares, e o nível de conflituosidade sistêmica percebido no plano internacional representam elementos importantes. No entanto, estão longe de serem suficientes para explicar as trajetórias das políticas de defesas nacionais no que toca à definição dos contingentes militares. Como já mencionado, fatores extrínsecos a considerações de natureza exclusivamente militar podem possuir peso decisivo nessa definição. .

No presente, o SMO continua a ser a forma mais difundida de recrutamento. Há, contudo, especialmente nas nações desenvolvidas, uma clara tendência no sentido do profissionalismo (SMV). Nos países afluentes que decidiram manter o SMO, como a Alemanha, essa decisão não representa ônus intransponível para a defesa nacional, uma vez que o elevado grau de instrução médio da população e o tamanho comedido do estabelecimento castrense permitem recrutar contingente de jovens aptos a desempenhar convenientemente tarefas militares complexas7 7 . Em 2006, a Alemanha figurava em 13º lugar no teste PISA ( Programme for International Student Assessment) da OCDE, enquanto o Brasil aparecia em 52º lugar à frente somente de Colômbia, Tunísia, Azerbaijão, Catar e Quirguistão. . Nos países em desenvolvimento, no entanto, prevalece o SMO - concebido como alternativa menos onerosa à manutenção dos exércitos nacionais.

No Brasil, há que se dividir a história do recrutamento militar em três grandes períodos: o colonial, o pós-colonial e o que se segue à instituição formal do SMO, em 1908. Embora não seja útil para os propósitos deste artigo tratar do primeiro período mencionado, caberia salientar que a defesa inicial da colônia deu-se, sobretudo, com base na organização de milícias, formadas por soldados profissionais e por colonos não remunerados empregados em pequenos conflitos localizados8 8 . Sobre o assunto, ver Leal (2008:5). . Em situações de contingência, como a representada pela invasão holandesa do século XVII, a atuação dessas milícias foi importante para repelir o invasor estrangeiro. A partir da derrota da "Nova Holanda", a metrópole lusitana utilizou em defesa da colônia brasileira uma mistura de tropas voluntárias, recrutamento forçado e forças mercenárias.

A dimensão militar do processo que resultou na declaração de independência do País, em 1822, foi conduzida essencialmente por tropas voluntárias lideradas por mercenários estrangeiros como o general Labatut e o almirante Cochrane9 9 . Ao contrário do que reza o oficialismo conservador, a independência do Brasil não se processou de maneira incruenta. As milícias formadas pelas oligarquias regionais foram cruciais para que as forças portuguesas leais às Cortes fossem expulsas de território nacional. Sobre o assunto, ver Diégues (2004). . A Constituição imperial de 1824, a seu turno, estabeleceu a criação da Marinha de Guerra e do Exército como instituições nacionais permanentes, que deveriam ter seus quadros preenchidos fundamentalmente por homens recrutados mediante o SMO. As sístoles e diástoles da formação do Estado nacional pátrio, contudo, determinaram a precariedade das Forças Armadas regulares brasileiras ao longo de quase todo o Império, o que, na prática, tornava o SMO uma ficção. Prevaleceu, até a Guerra do Paraguai, a fragmentação da força militar consubstanciada na Guarda Nacional organizada em nível provincial. Para todos os efeitos, o Império continuou a recorrer ao voluntariado, ao recrutamento forçado e a tropas mercenárias para mobiliar suas precárias fileiras castrenses (ibid.).

A proclamação da República em nada alterou a circunstância acima mencionada, tendo havido tão-somente a extinção do recrutamento forçado. Apenas em 1908 instituiu-se formalmente o serviço militar obrigatório, que, contudo, tardaria muitos anos até adquirir a abrangência universal que possui no presente. Assim, somente após penoso processo de construção institucional as Forças Armadas brasileiras passaram a contar com um pool significativo de cidadãos aptos a compor suas fileiras. Como se verá em outra seção deste trabalho, esse contingente está longe de fornecer o perfil de soldado mais adequado para forças que se pretendam efetivamente combatentes e que tenham intenção de atuar no campo de batalha digital contemporâneo. Por seu caráter revelador, não pode deixar de ser destacado o fato de que um ex-diretor do Serviço Militar do EB afirme, ao defender a manutenção do serviço obrigatório nos seus moldes atuais, que: "[o SMO, pela] amplitude do universo que acorre ao Sistema, propicia uma seleção acurada e, em decorrência, excelência nos recursos humanos [...]" (ibid.:7, ênfase minha).

CONCEITOS RELACIONADOS À FORMA DE RECRUTAMENTO

No que tange à problemática da conscrição universal e aos conceitos que a justificam no Brasil, caberia fazer referência à experiência norte-americana como elemento capaz de iluminar a realidade nacional. Deve-se notar que, em torno da adoção da força totalmente voluntária (All-Volunteer Force, AVF)10 10 . AVF ou SMV são conceitos muito próximos. Utilizar-se-á, no entanto, somente o acrônimo SMV. , em 1973, se organizou um intenso debate acadêmico sobre a sua conveniência. Ainda que as bases ideológicas essencialmente polares que instruíram, e continuam instruindo, os debates sobre o assunto nos EUA, o republicanismo liberal e o liberalismo à outrance, não encontrem correspondência evidente no caso brasileiro, os argumentos tanto do primeiro quanto do segundo grupo são extremamente úteis para lançar luz sobre a problemática local do ponto de vista conceitual11 11 . Sobre o assunto, ver o excelente texto de Krebs (s/d.). .

Em essência, os republicanos liberais não encaram a priori a intervenção do Estado como um mal, mas como um meio de assegurar a permanência das liberdades democráticas. Nesse sentido, a conscrição universal constitui exercício tolerável, se a partir dela o Estado for capaz de manter as garantias individuais do conjunto da cidadania, zelar pela sua segurança e adensar a cultura de civismo. Para os liberais mais empedernidos, toda intervenção do Estado limita a liberdade dos indivíduos, especialmente quando esse ente coletivo exige de seus cidadãos o cumprimento do mais radical dos deveres cívicos: arriscar a própria vida em favor dos interesses da nação. Logo, o serviço militar não deveria jamais ser obrigatório, pois a obrigatoriedade representaria um avanço inaceitável do Estado sobre as liberdades individuais.

Como corolário das posições de princípio sintetizadas anteriormente, é possível constatar que o republicanismo liberal norte-americano atribui grande relevância aos elementos imateriais supostamente atrelados à conscrição universal. Nesse sentido, algumas premissas básicas fundamentam a defesa do serviço militar obrigatório universal por essa corrente de pensamento. São elas as ideias de motivação, representatividade, identidade e eficiência (subsumida de algum modo nas três primeiras) (ver Cohen, 2001):

  • Motivação - o SMO reflete um dever do cidadão perante o Estado, o que reforça a ideia de que há obrigações dos indivíduos em relação à comunidade política de que fazem parte - e de que o Estado também possui obrigações em relação à cidadania; haveria, com base nessa "teoria do consentimento", um reforço mútuo dos vínculos de lealdade entre o primeiro e o último;

  • Representatividade - o SMO, estando na origem de um exército de massa, permitiria a representação de um corte transversal da sociedade de onde emana; as clivagens étnicas, religiosas, econômicas e sociais existentes estariam espelhadas nas forças armadas, que constituiriam uma espécie de nação em miniatura - para o bem (como sustentam os republicanos liberais norte-americanos) ou para o mal

    12 12 . Para o bem, se o exército assim formado for proficiente o bastante para cumprir sua atividade-fim de modo conveniente. Para o mal, se o resultado do (suposto) corte transversal da sociedade representado pelo exército não desempenhar suas funções finalísticas a contento, ou seja, se for derrotado no campo de batalha deixando a nação prostrada diante do inimigo. ;

  • Identidade - o SMO constituiria um

    melting pot militar, onde as clivagens sociais existentes seriam anuladas em face da existência de uma causa comum e do espírito de colaboração e camaradagem inerente à caserna; em consequência, os laços de sociabilidade seriam reforçados;

  • Eficiência - embora não constitua uma categoria em si mesma no esquema de Cohen, os partidários do SMO evocam a eficiência derivada da fortaleza moral por ele proporcionada, característica adicionalmente reforçada em circunstâncias de emprego da força armada em que o princípio da massa se fizesse primordial; o SMO proporcionaria, ainda, substancial economia de recursos quando comparada a uma força voluntária, uma vez que os salários dos conscritos seriam significativamente menores do que os dos soldados profissionais.

Ao contrário dos republicanos, os liberais terão uma visão extremamente crítica em relação ao SMO. Além das questões filosóficas já abordadas, os últimos serão favoráveis ao SMV em razão de sua profunda descrença em relação aos argumentos dos proponentes da conscrição universal. Segue, abaixo, a contestação do SMO e a justificação do SMV sustentada pelos liberais nos quatro eixos em análise:

  • Motivação - a "teoria do consentimento" subjacente ao SMO seria precária, pois não há elementos empíricos que comprovem o reforço dos vínculos de lealdade entre o cidadão e o Estado a partir da sua adoção, podendo o caráter compulsório do SMO vir mesmo a miná-los; nos esquemas de recrutamento em que a maior parcela da população masculina apta a servir é dispensada, algo cada vez mais frequente em face do tamanho relativamente reduzido dos exércitos no presente, o problema mencionado acima seria exacerbado pela força do elemento quantitativo (quanto menos indivíduos servirem às FFAA, menor seria o efeito sistêmico da controversa tese do consentimento); ainda que a teoria estivesse correta, suas implicações não seriam distintas em caso de adoção do SMV, uma vez que o soldado voluntário seria tão ou mais patriota que o conscrito, já que opta por vontade própria pela profissão das armas;

  • Representatividade - a visão do SMO como corte transversal da sociedade não passaria de uma idealização da realidade, pois nenhum sistema de recrutamento seria capaz de reproduzir perfeitamente as clivagens sociais existentes em uma sociedade particular; ainda que isso fosse possível, as implicações supostas a partir do SMO não poderiam ser comprovadas, pois os contatos entre grupos sociais distintos em uma mesma instituição (no caso, a caserna) podem tanto aproximá-los quanto afastá-los; por conseguinte, seria incorreto afirmar que o SMV teria caráter necessariamente menos representativo em termos sociais do que aquele refletido em uma força baseada no SMO;

  • Identidade - supondo a correção da tese de que o SMO constituiria verdadeiramente um

    melting pot militar, nada no argumento de seus partidários garantiria que as clivagens sociais "anuladas em face da existência de uma causa comum" seriam insensíveis a diferentes contextos sociais; a experiência dos veteranos de guerra norte-americanos reforçaria a percepção de que, em contextos distintos, a coesão pode se enfraquecer grandemente ou mesmo desaparecer (Cohen, 2001:14); mais uma vez, os partidários do SMV sustentam que, na hipótese improvável da tese do

    melting pot ter algum fundamento, o voluntariado não seria incompatível com ela;

  • Eficiência - os partidários do SMV evocam a eficiência derivada do profissionalismo militar, assim como a impossibilidade prática de compor uma força intensiva em tecnologia a partir de um contingente majoritário de conscritos; da mesma forma, afirmam não acreditar que as supostas vantagens em termos de moral proporcionadas pelo SMO existam na prática, sobretudo se for levado em conta o fato de que o voluntário opta pelo serviço à pátria espontaneamente, e não de maneira compulsória, como ocorreria no SMO; a economicidade da força de conscritos é questionada por não computar os custos indiretos para a sociedade envolvidos na manutenção de uma força lastreada no SMO

    13 13 . A questão do custo relativo de uma força baseada em conscritos e de uma força baseada em voluntários é altamente polêmica. No caso dos EUA, a " Gates Comission", criada para estudar a extinção do SMO pelo governo Nixon, chegou à conclusão de que a manutenção de uma força completamente voluntária seria menos custosa do que a de uma formada a partir do SMO. Estudos mais recentes apontam para a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, o serviço militar obrigatório ser efetivamente mais econômico do que o SMV. Sobre o assunto, ver USA, Congressional Budget Office (2007:8-9). .

CONCEITOS RELACIONADOS À FORMA DE RECRUTAMENTO E O CASO BRASILEIRO

A sumária descrição das principais teses presentes no debate estadunidense ilustra muito bem o caso brasileiro. Por não haver uma clientela política organizada a favor do SMV no País14 14 . A rigor seria possível forçar o argumento e sustentar a existência de uma constituency favorável à adoção do SMV no Brasil - encontradiça em setores da imprensa, frações do poder legislativo (sobretudo de parlamentares identificados com a esquerda do espectro político), pequenos grupos de intelectuais etc. No entanto, a ausência de força política desse grupo, seu grau de dispersão, sua heterogeneidade e sua absoluta falta de organização indicam que a razão encontra-se mais próxima da visão oposta, ou seja: a de que não haveria uma constituency relevante favorável ao SMV. , valeria abordar os argumentos favoráveis à manutenção do SMO universal esgrimidos por seus defensores e testá-los do ponto de vista de sua adequação aos objetivos declarados nos diplomas que tratam da problemática de defesa nacional. Deve-se admitir, contudo, que o discurso favorável à manutenção, ou mesmo ao aprofundamento, do SMO universal no Brasil tem no EB seu principal baluarte. Na realidade, em vista da ausência de debate público minimamente instruído sobre o tema, a perspectiva sustentada pela força terrestre termina por ser incorporada de modo acrítico pelas autoridades direta ou indiretamente responsáveis pela condução da política de defesa. Note-se que, segundo pesquisa conduzida por Amaury de Souza entre a elite da comunidade brasileira de política externa, apenas 46% desse grupo afirma dever o País possuir FFAA totalmente voluntárias (ver Souza, 2009:108).

No Brasil, à semelhança do que ocorre no debate norte-americano, é possível subdividir as distinções entre SMV e SMO com base nos elementos de motivação, representatividade e identidade. No que se refere à eficiência, optar-se-á por incluí-la entre os elementos a serem analisados, embora a sua consideração no discurso público brasileiro sobre a forma de recrutamento das FFAA seja, na melhor das hipóteses, indireta. Seria necessário, ainda, acrescentar um item aos quatro anteriormente mencionados, qual seja o aspecto econômico. Este, embora presente na agenda de discussão pública estadunidense, não possui comparativamente o mesmo peso atribuído no caso brasileiro. Dado o estado de penúria com o qual Marinha, Exército e Aeronáutica veem-se confrontados desde a redemocratização do País15 15 . Na realidade, desde a sua criação pelo Império, as FFAA brasileiras defrontam-se com situações de penúria mais ou menos acentuada. Para tanto bastaria ler o relato de Nelson Werneck Sodré (1979). , em 1985, um leitmotif fundamental do argumento do EB em favor da manutenção do SMO universal é justamente a impossibilidade de custear uma força completamente voluntária de tamanho equivalente ao da força terrestre atual16 16 . Embora não conste do texto editado pela Câmara dos Deputados decorrente de seminário por esta promovido, o então Comandante do Exército, gal. Gleuber Vieira, em resposta a uma indagação do autor, fez veemente defesa da manutenção do SMO com base em tabela comparativa que apresentava os custos de incorporação de soldados conscritos e voluntários. Sobre a apresentação do comandante do EB, ver Vieira (2003:133-144). . São os seguintes os argumentos presentes no discurso governamental para justificar a manutenção do SMO universal:

  • Motivação - o SMO universal reflete um dever do cidadão perante o Estado, o que reforça a ideia de que há obrigações dos indivíduos em relação à comunidade política de que fazem parte; o Estado, por meio do SMO universal, serviria de conduto para a inculcação de valores cívicos, desempenhando função educativa, civilizacional; as FFAA seriam uma espécie de fator de reforço da noção de pertencimento a uma mesma comunidade de destino;

  • Representatividade - o SMO universal, estando na origem de um exército de massa, permitiria a representação de um corte transversal da sociedade de onde emana; as clivagens étnicas, religiosas, econômicas e sociais existentes estariam espelhadas nas Forças Armadas, que constituiriam uma espécie de nação em miniatura; essa circunstância possibilitaria evitar a criação de FFAA representativas de apenas algumas das parcelas em que se divide a sociedade, o que supostamente evitaria o desenvolvimento de tendências pretorianas

    17 17 . Não se conhece exemplo de país democrático dotado de AVF em que esta tenha se transformado em guarda pretoriana. ;

  • Identidade - o SMO universal constituiria um

    melting pot militar, onde as clivagens sociais existentes seriam anuladas em face da existência de uma causa comum e do espírito de colaboração e camaradagem inerente à caserna; em consequência, os laços de sociabilidade seriam reforçados, fortalecendo o que se convencionou chamar, no contexto do lançamento da END, de "nivelamento republicano"

    18 18 . O conceito de "nivelamento republicano" nada tem de inovador, estando inspirado em uma visão idealizada de república que remete, em última análise, à antiguidade clássica. No caso brasileiro, contudo, o conceito faz abstração do fato de que, até hoje, a república brasileira encontra imensas dificuldades de oferecer ao conjunto dos seus cidadãos oportunidades equitativas. A manutenção ou o aprofundamento do SMO tal qual ele se estrutura no presente não garantirá que tal objetivo seja atingido. ;

  • Eficiência - o SMO universal permitiria contar com tropas dotadas de grande fortaleza moral, uma vez que o soldado-cidadão seria intrinsecamente mais patriota que o soldado profissional; o SMO universal permitiria obter apreciável elasticidade das forças em circunstância de mobilização, uma vez que seria factível utilizar o contingente de reserva proporcionado por ele, algo especialmente útil em circunstâncias em que o emprego em massa da força terrestre se fizesse primordial. Essa "elasticidade" geraria efeito dissuasório eficaz

    19 19 . É extremamente controversa a tese de que a mobilização nacional geraria efeito dissuasório eficaz. Na verdade, embora a posse de reservas mobilizáveis possa em tese gerar algum efeito dissuasório, como demonstram Proença Jr. e Brigagão (2002:79-80) a própria necessidade de mobilização já representa o fracasso da dissuasão. ;

  • Economicidade - em caso de mobilização, o SMO universal possibilitaria aumentar rapidamente o contingente da força terrestre por um custo relativamente baixo; a manutenção de soldados profissionais custaria bem mais do que a de conscritos, gerando implicações financeiras de longo prazo, inclusive previdenciárias; adotar uma força completamente voluntária, na atual circunstância de severas restrições orçamentárias, significaria reduzir substantivamente o tamanho da força terrestre, o que seria inconveniente dada a opção por manter um exército intensivo em mão de obra - que muitos generais consideram deveria ser bem maior que o atual

    20 20 . Não existem parâmetros consensuais para a determinação da existência ou não de exércitos grandes ou pequenos. A ratio entre número de soldados e tamanho total da população, por exemplo, é um dado que não pode ser considerado isoladamente. É preciso incluí-lo em um contexto determinado para que tenha significado. Em última análise, o tamanho ideal do Exército tem a ver com a sua capacidade de ser bem-sucedido no campo de batalha empregando o menor contingente possível para a obtenção da vitória. .

Tendo em mente os argumentos acima assinalados, poder-se-ia arguir que, em tese, nada haveria de negativo no resgate de hipotecas sociais e no fortalecimento dos laços de solidariedade nacional por meio da incorporação de número significativo de recrutas às fileiras castrenses, se fosse possível conciliar esses objetivos com o bom desempenho da atividade-fim das FFAA. Infelizmente, isso não é viável em um contexto de perda de prestígio da profissão das armas, o que a torna pouco atrativa para cidadãos de melhor qualificação intelectual, e de aceleração dos padrões de transição tecnológica no setor militar, o que implica a necessidade de FFAA modernas contarem com oficiais e praças dotados de elevados níveis de formação e cognição. Em essência, poder-se-ia argumentar que o desenvolvimento da tecnologia militar constitui apenas um dos elementos relacionados à diferenciação funcional inerente às sociedades capitalistas afluentes, o que faria com que a necessidade de especialização dos profissionais das armas em nada diferisse daquela intrínseca a qualquer ocupação laboral no universo civil21 21 . Sobre o assunto, ver Haltiner (1998:7-8). . Na realidade, como se pode inferir a partir da reprodução do debate norte-americano, os argumentos favoráveis à manutenção do SMO universal são, no mínimo, conceitualmente controversos.

Nos casos brasileiro e estadunidense, contudo, devem ser registradas algumas distinções importantes, a despeito da discussão sobre os elementos de motivação, representatividade e identidade estar fundada rigorosamente na mesma base conceitual em ambos os países. No Brasil, ao contrário do que se processa no colosso do Norte, não há doutrinas formalizadas que incorporem coerentemente os conceitos referidos - o que torna difícil a classificação de posições polares como as consubstanciadas no debate estadunidense (republicanismo liberal versus liberalismo à outrance)22 22 . No Brasil, até por desconhecimento da questão, não há coerência entre persuasão político-ideológica e posicionamento específico sobre a problemática do recrutamento obrigatório. Tanto direitistas quanto esquerdistas podem defender ou combater o SMO, quase sempre com argumentos superficiais. . De outra parte, nos EUA inexistem as graves assimetrias sociais presentes no Brasil, da mesma forma que naquele país é notadamente mais relevante a temática da eficiência militar entendida em sentido estrito. O nível de afluência relativa das duas sociedades também determina diferenças marcantes entre o debate nos dois países, uma vez que limitações de ordem econômico-financeira são muito mais relevantes em nações em desenvolvimento do que em um Estado desenvolvido.

Diante do que precede, pode-se afirmar que, no Brasil, a incorporação de recrutas às fileiras das FFAA encontra-se muito mais pautada por uma lógica assistencialista/clientelista do que por uma lógica instrumental que conceba o sistema de recrutamento como ferramenta de absorção do contingente melhor talhado para o desempenho dos labores guerreiros. Assim, a maximização do poder combatente das Forças (objetivo social de cunho universalista) encontra-se politicamente subordinada ao desempenho por parte destas de funções subsidiárias que possam ser instrumentalizadas pela lógica do particularismo. Essa dinâmica apresenta-se de maneira evidente se forem consideradas algumas características peculiares ao caso brasileiro, que tornam ainda mais problemática a defesa do SMO universal tal qual ele hoje se apresenta estruturado:

  • O SMO não é verdadeiramente universal, pois apenas cerca de 5% dos jovens que completam 18 anos a cada ano são efetivamente incorporados pelas FFAA

    23 23 . Dos cerca de 1,6 milhões jovens de 18 anos que se apresentaram às juntas de alistamento militar em 2008, apenas oitenta mil foram efetivamente incorporados às FFAA. Do total incorporado, apenas 1.007 recrutas, ou 1,2%, estavam matriculados em cursos universitários, enquanto 24,1% possuíam somente o ensino fundamental. Note-se que a grande maioria dos 1.007 recrutas universitários incorporados devem ter sido direcionados aos Centros de Preparação de Oficiais da Reserva (CPORs), o que significa dizer que entre a tropa praticamente inexistiam soldados de nível universitário no EB (maior absorvedor de recrutas). Sobre o assunto, ver Marques (2008). Entre 2000 e 2009, o número médio anual de soldados conscritos (incorporados nas três Forças) foi de 69.830 (fonte: Assessoria Especial Militar do MD). Para registro, consultado sobre os dados oficiais de recrutamento, o Exército Brasileiro não respondeu ao pedido de informações encaminhado por este autor. ;

  • Devido aos frequentes cortes incidentes sobre os orçamentos das FFAA, tornou-se rotina a redução do número de jovens incorporados a cada ano, bem como a diminuição do período de incorporação dos recrutas - o que compromete de maneira adicional o já sofrível adestramento militar a eles proporcionado

    24 24 . Em vista dos cortes incidentes sobre o orçamento das FFAA em 2009, o EB anunciou a redução do número de recrutas a serem incorporados durante o exercício de 70 mil para 48 mil (ver Monteiro, 2009). ;

  • Do contingente incorporado, a sua quase totalidade é voluntária, pois os indivíduos não dispostos a servir às FFAA são quase invariavelmente dispensados;

  • A despeito de o SMO brasileiro constituir, na realidade, um serviço seletivo voluntário, o nível de instrução médio dos recrutas efetivamente incorporados é bastante baixo, pois apenas aos indivíduos oriundos das camadas menos favorecidas da população interessa financeiramente dedicar um ano de suas vidas às FFAA

    25 25 . Há registro de casos em que, por tradição familiar, convicção ou outros fatores, indivíduos dotados de boa instrução oriundos da classe média decidem espontaneamente servir às FFAA. Esse, contudo, não é o padrão predominante. ;

  • Em número não desprezível de casos, os voluntários o são não somente por atravessarem dificuldades financeiras, mas por possuírem problemas físicos e mentais que tornariam problemática sua inserção no mercado de trabalho

    26 26 . Depoimento de oficial do EB ao autor. ;

  • Nos centros urbanos, cresce o número de voluntários que procuram ingressar no Exército para em suas fileiras praticar atos ilícitos

    27 27 . São cada vez mais freqüentes as situações em que elementos conscritos ingressam no EB com o objetivo de furtar armamento, facilitar o seu furto ou mesmo fornecer drogas aos seus companheiros de farda. Depoimento de oficial do EB ao autor. ;

  • Inexistem documentos públicos que tratem do custo global de manutenção do SMO medido em termos de horas de trabalho e estudo perdidos tanto por parte dos recrutas quanto dos oficiais e praças envolvidos na administração da estrutura de recrutamento, do custo de oportunidade de empregar grande parte da força terrestre em tarefas relacionadas ao sistema de recrutamento do ponto de vista da eficiência militar

    stricto sensu, das consequências em termos de preparo da força terrestre em face das ineficiências militares decorrentes

    28 28 . Uma falha gritante do SMO do ponto de vista da operacionalidade das FFAA tem a ver com o chamado Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), que envolve as três forças singulares. Devido à necessidade de adestrar os elementos conscritos que operarão os (obsoletos) sistemas de defesa antiaérea (AAe) do EB, as unidades de AAe somente podem participar de exercícios de adestramento do SISDABRA nos últimos dois meses do ano! O que, em tese, significa dizer que o País terá alguma capacidade AAe em apenas um dia em cada seis! etc.

IMPLICAÇÕES DA FORMA DE RECRUTAMENTO PARA A ESTRUTURAÇÃO DO EXÉRCITO BRASILEIRO (EB)

Obviamente, existe uma relação dialética entre o sistema de recrutamento, a estrutura organizacional das FFAA e o nível de prontidão operacional destas últimas. Um elemento não pode ser analisado sem referência ao outro, o que justifica a criação do acrônimo EOD (equipamento, organização e doutrina) como forma de avaliar genericamente as capacidades militares de uma determinada força armada29 29 . O emprego do conceito de EOD pode ser encontrado no artigo de Marco Cepik sobre as características das FFAA de Brasil, Índia e África do Sul. Sobre o assunto, ver Cepik (2009). . Por conseguinte, quando o sistema de recrutamento não é concebido como meio de favorecer a maximização do poder combatente - tido como politicamente pouco relevante - a estrutura das Forças refletirá essa baixa prioridade em maior ou menor grau30 30 . Importante discussão sobre as condicionantes domésticas (teoria das organizações, relações civis-militares) e internacionais (balança de poder e percepções de ameaças) das doutrinas militares pode ser encontrada em Posen (1999). .

No caso brasileiro, isso pode ser exemplificado ao se estudar as alternativas polares adotadas por Marinha e Exército. Enquanto a primeira concebe sua missão como essencialmente relacionada à defesa stricto sensu, o segundo entende sua missão como transcendente em relação a considerações de cunho estritamente militar, o que implica atribuir peso elevado a valores imateriais como a difusão do civismo e a presença nacional. Não espanta, portanto, que o sistema de recrutamento baseado na conscrição universal adotado pelo País tenha baixo impacto na força naval (que incorpora número negligenciável de conscritos a cada ano), ao passo que possua peso expressivo na força terrestre (80 mil conscritos, em 2008). Por conseguinte, parece natural que a força de fuzileiros navais seja composta apenas por soldados profissionais e que o seu nível médio de prontidão operacional seja bastante superior ao das unidades padrão do EB31 31 . O EB constitui-se, em sua quase totalidade, por subdivisões ternárias (três unidades inferiores para uma unidade superior, e.g. três companhias formam um batalhão, três batalhões formam uma brigada e assim sucessivamente). No entanto, o EB classifica suas organizações militares (OMs) em três tipos, de acordo com o número de subunidades completas do ponto de vista de pessoal e material. Assim, apenas as OMs de "tipo III" estão completas, enquanto as de "tipo II" possuem dois terços da dotação prevista e as de "tipo I" possuem apenas um terço. .

Neste ponto, valeria fazer uma consideração de caráter genérico sobre as razões que mantêm o Brasil atolado no que se poderia chamar de círculo vicioso do subdesenvolvimento aplicado ao universo castrense. De maneira perfunctória, pode-se sustentar a existência de um sistema que se retroalimenta: a cultura particularista (ao mesmo tempo causa e consequência de vários dos fatores contextuais já citados acima) favorece a manutenção da forma de recrutamento atual, baseada no conceito napoleônico de levée en masse, cuja origem data do final do século XVIII, que, a seu turno, torna materialmente impraticável uma modernização abrangente da força terrestre32 32 . Essa impossibilidade dá-se fundamentalmente em face do número total de oficiais e praças (de carreira e conscritos) do EB. Em vista das variações de contingente, a cada ano o Exército Brasileiro possui hostes quantitativamente distintas. No entanto, o quantum total gira em torno de 180 mil homens. Pela dimensão do quantitativo, a transformação da força terrestre em um exército profissional seria extremamente custosa - sobretudo em um contexto de seriíssimas restrições orçamentárias. Outro fator que militaria contra uma modernização abrangente, que não envolvesse a adoção do voluntariado, seria a própria precariedade de formação do material humano disponível. A questão relacionada ao dimensionamento das FFAA será tratada ao longo do texto de forma pouco profunda, tendo em vista o fato de esse tema merecer um artigo em separado em face de sua complexidade. , que, por sua vez, crescentemente se conforma em exercer funções assistencialistas/parapoliciais - em vista da aparente impossibilidade de o poder político incorporar o fortalecimento do poder militar nacional às suas prioridades efetivas33 33 . Um dos grandes desafios da END é, justamente, o de transformar as intenções explicitadas em fatos concretos - o que dependerá de vultosos investimentos, para os quais não há fontes de recursos definidas. .

A ESTRUTURAÇÃO DAS FFAA E A POSTURA ESTRATÉGICA BRASILEIRA

Tendo em conta que a problemática sumariada acima diz respeito, em essência, à força terrestre, uma vez que Marinha e Aeronáutica possuem contingentes de conscritos bastante limitados34 34 . Não é à toa que Marinha e Aeronáutica possuem baixo percentual de conscritos nas suas fileiras. A própria sofisticação do material naval e aeronáutico implica a necessidade de um corpo de oficiais e praças dotados de melhor qualificação educacional. Tendência que parece só se acentuar no futuro. , caberia definir o lugar do EB, tal qual hoje organizado, no contexto das futuras necessidades de defesa do Brasil. Isso será feito em outro momento do trabalho. Agora, tratar-se-á da inter-relação da estrutura organizacional das FFAA (que, considerada de modo abrangente, inclui também a sua distribuição espacial) com a postura estratégica do País. Em um mundo ideal, haveria coerência perfeita entre a primeira e a segunda. Não é isso, contudo, que ocorre na prática. No caso brasileiro, a relação entre uma e outra é particularmente problemática, em função da tibieza da concepção estratégica nacional - muito mais o amálgama de visões corporativas fragmentárias do que a resultante de consenso político abrangente35 35 . Na falta de direção política clara, emanada de razoável consenso sobre questões de Estado como a postura estratégica do País, a definição desta acaba sendo inferida a partir da resultante dos três vetores representados por Marinha, Exército e Aeronáutica. No caso brasileiro, essa resultante não possui coerência necessária com a política externa e nem tampouco pode ser considerada em si mesma coerente. . Dada essa tibieza, ocorre uma inversão da lógica que deveria pautar a inter-relação analisada: a postura estratégica brasileira passa a ser decorrência da estrutura organizacional das FFAA e não o contrário, como seria razoável36 36 . Infelizmente, não há dados empíricos precisos que sustentem essa assertiva. Ela está lastreada, não obstante, em uma série de elementos contextuais tais como: o subdesenvolvimento institucional do País, o limbo social a que foram relegados os militares brasileiros na maior parte da história nacional, o contexto internacional relativamente benigno em relação a ameaças externas de caráter interestatal que afetassem o Brasil, o padrão histórico de distribuição espacial de unidades militares, inter alia. . Contudo, é lícito supor que a estrutura organizacional dessas últimas, em razão da fragilidade da direção civil sobre o poder militar no Brasil, resulte primordialmente de dinâmicas corporativas e inerciais e não de reflexões sedimentadas sobre o papel que a nação deveria exercer no mundo.

Se a suposição aduzida acima estiver correta, a discussão sobre a própria concepção estratégica nacional passaria a ser de certa forma sobredeterminada. Logo, o termo mais importante da relação seria a estrutura organizacional das FFAA e suas consequências para a política de defesa. Não haveria, aqui, condições de historiar os processos que plasmaram a presente estrutura das forças singulares. Para tanto, seria preciso recorrer a uma enorme massa de informações dispersas37 37 . O autor desconhece a existência de estudos que tratem da sociologia histórica do desenvolvimento organizacional das FFAA brasileiras. . Porém, pode-se inferir com segurança algumas das linhas de força que fundamentaram o design das atuais estruturas, sendo a principal delas a influência dos fatores limitativos domésticos - entre os quais avultam as restrições orçamentárias, as idiossincrasias das lideranças de plantão, a cultura organizacional militar e a busca de afirmação corporativa das forças singulares no contexto mais amplo da política nacional - modulada pelos sucessivos contextos históricos particulares (e.g., a prioridade atribuída ao teatro do Prata ao longo da maior parte do século XIX, ao patrulhamento do Atlântico Sul durante a II Guerra Mundial, à Amazônia verde a partir do fim dos anos 1980 etc.) que emprestaram grau variado de plausibilidade às estruturas organizacionais efetivamente existentes ou planejadas.

Como a definição dessas estruturas, a despeito da maior ou menor influência dos elementos aludidos, não se encontrava balizada pelo poder político, consolidou-se uma estrutura tripartida - que, na realidade, poderia ser subdividida em um número muito maior de unidades38 38 . Quer por isso dizer o autor que as FFAA brasileiras exercem muitas funções que não são necessária e primordialmente militares. Portanto, a funcionalidade das forças é multiplicada para além do estritamente necessário ao cumprimento das tarefas castrenses. Logo, pode-se falar que a Marinha possui uma dimensão de guarda costeira, assim como a Aeronáutica de controle do espaço aéreo civil. Pode ocorrer, contudo, que essas estruturas funcionais não necessariamente militares passem de acessórias a primordiais no âmbito das três grandes organizações castrenses. É nesse sentido que seria possível subdividir as políticas setoriais naval, terrestre e aeroespacial em número muito maior que três. . Assim, Marinha, Exército e Aeronáutica seguiram caminhos essencialmente divergentes. A primeira optou por assumir um papel de força naval combatente, conferindo atenção primordial às tarefas clássicas de uma marinha de guerra: negação do uso do mar, projeção de poder, controle de área marítima e dissuasão. O Exército aferrou-se à tarefa de defesa territorial e de garantia da lei e da ordem, melhor adaptada ao papel tutelar que passou a exercer a partir da proclamação da República39 39 . Uma importante discussão sobre o processo de afirmação institucional do Exército Brasileiro encontra-se em Coelho (2000). . A Aeronáutica, a seu turno, desdobrou-se em múltiplas tarefas de cunho desenvolvimentista - várias delas somente muito indiretamente relacionadas às funções de uma força aérea combatente, como a administração da infraestrutura aeroportuária e do Correio Aéreo Nacional. Isso explica a baixa prioridade conferida por esta última à FAB propriamente dita - algo que parece estar em fluxo no presente40 40 . Percebe-se uma maior preocupação do Comando da Aeronáutica com o incremento do seu poder combatente nos últimos anos. Não haveria espaço aqui para debater as causas dessa nova postura. .

A resultante da ausência de efetivo controle civil sobre a estrutura das FFAA é a falta de coerência entre as divisões administrativas de Marinha, Exército e Aeronáutica do ponto de vista de seu recorte geográfico. Logo, não há no presente coincidência entre as jurisdições militares ao longo do território nacional - algo essencial para permitir a fluidez da cadeia de comando em situações de emprego conjunto. Da mesma forma, não é de espantar o fato de que as prioridades estratégicas de cada força não são coincidentes no que se refere à disposição espacial de Organizações Militares (OMs). A prioridade atribuída pelo EB à defesa da Amazônia verde, por exemplo, não caminha no mesmo sentido das prioridades da Marinha e da Força Aérea, o que se reflete também na tibieza da presença das duas últimas no arco norte41 41 . Deve-se notar que, a despeito da definição de prioridades estratégicas, os constrangimentos orçamentários são muito importantes para definir as reais possibilidades de que haja correspondência entre aquelas e a disposição espacial das forças. . É forçoso admitir, no entanto, que as dinâmicas domésticas de cunho centrífugo anteriormente mencionadas processaram-se a partir de um contexto internacional permissivo - tanto pela posição periférica ocupada pelo Brasil no mundo, quanto pelo caráter relativamente benigno do complexo de segurança sul-americano.

Como é possível inferir, o Brasil detém hoje FFAA intensivas em mão de obra pouco qualificada (caso do EB, em particular), obsoletas do ponto de vista material, precárias em termos de adestramento, portadoras de prioridades estratégicas díspares, dotadas de baixo grau de articulação setorial e não integradas em uma cadeia de comando conjunta claramente estabelecida e funcional42 42 . Discussão sobre esses fatos, centrada no conceito de "projeto de forças", pode ser encontrada em Raza (2009/10). . Levando em conta, contudo, que a sistemática de recrutamento atual afeta em especial o EB, caberia aprofundar a discussão sobre a instrumentalidade da força terrestre para a defesa nacional diante dos cenários que se apresentarão ao Brasil no campo da segurança internacional. Para que tal intento possa ser levado a cabo, faz-se imprescindível definir previamente quais os desafios futuros que, no entendimento do autor, se apresentarão ao País no plano da segurança internacional.

AS CONSEQUÊNCIAS DA POSTURA ESTRATÉGICA BRASILEIRA ATUAL EM FACE DAS PROVÁVEIS DEMANDAS DE SEGURANÇA DO FUTURO

De modo extremamente simplificado, as tendências identificadas no presente apontam para a provável permanência dos EUA como única superpotência até meados do século XXI43 43 . Sobre o estatuto dos EUA no futuro previsível, ver Fiori, Medeiros e Serrano (2008). , momento em que a China poderá vir a encontrar-se em situação de equipolência em relação ao primeiro. No que diz respeito à configuração do sistema internacional de segurança, é lícito supor que nas próximas décadas o mundo estará organizado em torno de uma estrutura do tipo 1+X (1 representando os EUA e X um número variável de grandes potências). Sem aprofundar o debate sobre as implicações dessa configuração, caberia assinalar que o Brasil deverá transitar em um sistema tendente a uma nova bipolaridade - levando em conta que Europa, Japão, Rússia e Índia não são, por diferentes motivos, candidatos prováveis ao estatuto de superpotência (ver Buzan, 2004). Esse ambiente poderá ser mais ou menos hostil a depender da identidade que EUA e China assumirem em seu inter-relacionamento.

O aumento da conflituosidade interestatal pode, contudo, processar-se a partir do já perceptível aprofundamento da rivalidade entre norte-americanos e chineses. Nesse sentido, o fato de tratar-se de Estados nuclearmente armados de modo algum significa que a guerra, convencional ou de outra natureza, seja impossível entre eles44 44 . Há grande número de autores que defendem a tese de que as guerras entre as grandes potências, nuclearmente armadas ou não, deixaram de ser racionais e, portanto, politicamente possíveis. Ver Mueller (1989). Esta tese não é, todavia, consensual. Para uma visão divergente, ver Gray (2006). . As implicações decorrentes de fenômenos como o aquecimento global, a escassez de água potável, o esgotamento das reservas de petróleo, a insuficiência da produção de gêneros alimentícios, entre outros fatores, poderão suscitar o aumento da tensão entre os Estados nacionais. Na medida em que se supõe que o Brasil venha a ocupar espaços cada vez mais importantes no plano mundial, eventualmente passando, nos próximos quarenta anos, da condição de potência regional para a de grande potência, não parece improcedente a suposição de que será impossível para o País permanecer alheio aos desenvolvimentos oriundos do sistema de segurança internacional. Em outras palavras, para além da preocupação com as chamadas ameaças "assimétricas" e a participação em operações de manutenção da paz, há reais possibilidades de que as FFAA se vejam obrigadas a dissuadir ameaças estatais clássicas45 45 . Sobre o provável retorno de conflitos entre Estados, ver, também, Gray (2006). .

Não se vislumbra, contudo, dada a inserção do País no seio da civilização Ocidental e as características fisiográficas de seu território, circunstância em que tensões no relacionamento com a(s) superpotência(s)/grandes potências venham a redundar em ameaças de usurpação de parcelas do território nacional - hipótese que deveria ser algo matizada no caso da Amazônia verde46 46 . O Brasil, até mesmo em função de sua fragilidade no plano da defesa, poderia vir a sofrer pressões militares em questões relacionadas aos direitos de minorias indígenas, ao desmatamento da hiléia amazônica, à exploração de recursos minerais etc. Nessas circunstâncias, seria plausível conceber atentados, ainda que pontuais e temporários, contra a soberania territorial brasileira na região amazônica capitaneados por potências militarmente mais poderosas que o País. A elasticidade da força terrestre, nesse contexto, poderia servir de fator dissuasório e de sustentáculo de ações de guerrilha contra o eventual invasor. Nessa hipótese, justificar-se-ia a manutenção do SMO na região, até por que a guerra irregular a ser travada necessitaria do apoio das populações locais - algo que poderia ser favorecido pelo seu maior envolvimento cotidiano com as FFAA brasileiras. . Em última análise, o Brasil, pela densidade de sua população, dimensão de sua economia e massa territorial, não constitui um alvo compensador para iniciativas de anexação ou ocupação. Os custos políticos, econômicos e militares de semelhantes tentativas parecem ser elevados demais para que racionalmente se justificassem. No entanto, esse não é o caso de episódios pontuais de coerção, de demonstrações de força, ameaças de bloqueio econômico, entre outras. Há, também, o País que assegurar a redução de suas inúmeras vulnerabilidades, o que aponta para a necessidade de se possuírem meios militares adequados para a consecução desse desiderato. A eventual participação em missões de paz, embora não possa, de modo algum, representar o cerne da política de defesa brasileira, deve ser igualmente considerada como instrumental para os interesses nacionais47 47 . Sobre a instrumentalidade da força armada para a política externa brasileira, ver Alsina Jr. (2009). .

Logo, pode-se prever que as FFAA devam possuir, no futuro imediato, capacidades múltiplas, sendo a mais importante delas a de dissuadir ameaças convencionais - o que permitiria ao Brasil trilhar o desenvolvimento sem a interposição de óbices de caráter extraeconômico a esse processo (a defesa como "escudo do desenvolvimento")48 48 . Termo corretamente utilizado na END como forma de estabelecer uma vinculação facilmente perceptível aos olhos da população entre a defesa e o processo nacional de desenvolvimento. . Dessa forma, supondo a dissuasão convencional como meta mais relevante - e descartando a improvável hipótese de invasão do território nacional - tornar-se-ia essencial que o EB mudasse o seu perfil. De uma força pouco móvel, dispersa, intensiva em mão de obra de baixa qualificação, dotada de tecnologia obsoleta e possuidora de precário poder combatente, o EB precisaria passar a constituir uma força de dissuasão respeitável.

Essa transformação, contudo, suporia a convivência de tropas bastante distintas dentro das fileiras do Exército, uma vez que este deveria ser capaz de atuar em contextos socioeconômicos e fisiográficos diferenciados. Se, no restante do território nacional, o EB precisaria possuir forças profissionais dotadas de alta prontidão operacional, mobilidade e tecnologia no estado da arte, na Amazônia seria conveniente manter um mix de tropas profissionais e de conscritos como forma de garantir a formação de reservas mobilizáveis significativas e maior interação com a população local - no contexto do combate de resistência a inimigos militarmente mais poderosos49 49 . No contexto do combate de resistência, a conquista da boa vontade da população local torna-se fundamental - o que indicaria ser conveniente agregar a maior parcela possível de habitantes da região norte ao serviço militar. . Deve-se notar, porém, que a hipótese de anexação da Amazônia por algum país ou coalizão de países é extremamente improvável. (O que não parece ser o caso de rusgas tópicas ou mesmo de disputas pela posse de pontos focais, e.g., áreas de fronteira, reservas minerais, vias aquaviárias e centros locais de decisão.)

O elemento essencial de uma renovada estruturação do EB deve ser, portanto, o foco no profissionalismo e no aumento do poder combatente da força terrestre - o que precisaria se processar em perfeita sintonia com a MB e a FAB no que se refere à interoperabilidade. A convivência entre tropas profissionais e de recrutas, bem como a manutenção de alguma capacidade de GLO e de atuação em operações de paz, não deve turvar a necessidade imperiosa de incremento do poder de dissuasão do EB. As ações assistenciais da força devem ser pontuais, secundárias e não devem ser de modo nenhum enfatizadas, o que alimentaria a visão errônea de que as FFAA são, em última análise, instituições especializadas em benemerência e não mecanismos de sustentação dos interesses nacionais brasileiros no plano internacional. Na mesma linha, as intervenções em crises de segurança pública nos estados devem ocorrer apenas em situações agudas e por curtíssimo espaço de tempo - evitando-se, assim, o contato do EB com a marginalidade50 50 . O emprego do EB no combate à marginalidade teria o gravíssimo inconveniente de expor a força terrestre ao contato cotidiano com o crime. A experiência das PMs estaduais brasileiras dá uma ideia da catástrofe que poderia advir desse processo. .

O STATUS QUO RELACIONADO AO RECRUTAMENTO E OS DESAFIOS DO FUTURO

É desnecessário aprofundar o inventário de consequências negativas que o status quo relacionado à forma de recrutamento atual produz no seio das FFAA brasileiras - em especial no EB. Uma das mais perversas, no entanto, é justamente aquela que concebe o universo castrense como ambiente propício ao resgate de hipotecas sociais. Nessa linha, ao não entender a missão primordial das FFAA como a de garantir a soberania e resguardar os interesses internacionais do País, as elites políticas enxergam na caserna instrumento passível de contribuir para remediar disparidades sociais (via transmissão de conhecimentos técnicos básicos e pagamento de pequeno soldo a recrutas oriundos em sua maioria de estratos sociais menos favorecidos) e de aplastar distinções de classe por meio da difusão do sentimento de pertencimento a uma comunidade de destino (o que se convencionou chamar, recentemente, de "nivelamento republicano").

Na realidade, a forma de recrutamento hoje existente perpetua o círculo vicioso do subdesenvolvimento aplicado ao universo castrense, que poderia ser assim resumido: as disparidades sociais geram demandas assistenciais de todo tipo; como o Estado brasileiro não se encontra estruturado para dar conta dessas demandas e não se percebem ameaças militares prementes, aprofunda-se o impulso no sentido de minimizar essas carências por meio da utilização de instituições públicas (no caso as FFAA) que primariamente não deveriam se ocupar de ações de benemerência; nesse caldo de cultura, a instrumentalidade da força armada (o saber-fazer a guerra como instrumento de dissuasão e de projeção externa dos interesses brasileiros) submerge em face da instrumentalização da capacidade logística e organizacional dos três ramos das Forças Armadas em prol de atividades subsidiárias, muito mais facilmente utilizáveis para fins de proselitismo político-eleitoral; o desempenho dessas atividades pelas FFAA, contudo, reforça a perspectiva difusa de que Marinha, Exército e Aeronáutica não teriam serventia fora do universo assistencial; essa noção, por sua vez, não incentiva a profissionalização das forças e renova as demandas relacionadas ao emprego do sistema de recrutamento como meio de aprimoramento "civilizacional", em vez de uma forma de garantir a seleção do melhor contingente possível de soldados para o desempenho das tarefas tipicamente castrenses.

Para que essas distorções fossem minimizadas, a transição do presente sistema para um serviço militar misto indubitavelmente representaria passo na direção correta. Esse novo sistema deveria ser capaz de, ao mesmo, garantir a incorporação de recrutas de níveis educacional e cognitivo muito mais elevados do que os atuais (para assegurar a atuação do EB em um campo de batalha tecnologicamente avançado) e de permitir a necessária elasticidade da força terrestre em um (improvável) contexto de guerra de resistência na região amazônica. Logo, deveria haver um mix de soldados profissionais e de recrutas, com forte preponderância dos primeiros. Os soldados voluntários seriam incorporados em todo o Brasil, à exceção da Amazônia, onde o SMO continuaria a existir em seus moldes atuais - com a diferença de que haveria uma maior incorporação de recrutas que se mostrassem aptos a serem incorporados ao efetivo profissional (ou núcleo base, na linguagem do EB). Essas mudanças implicariam, em um primeiro momento, a manutenção ou o aumento do efetivo na região norte, e a diminuição do efetivo no restante do País.

A estrutura proposta acima implicaria a redução do efetivo total do EB, o que faria com que o número de OMs fosse enxugado, com a concomitante concentração de tropas no centro do País - de onde poderiam se deslocar rapidamente utilizando os meios aéreos necessários para a garantia de sua mobilidade tática e estratégica. A diminuição significativa do peso da "estratégia da presença" no planejamento do EB só faria sentido se fosse acompanhada por abrangente processo de modernização de métodos, processos, ensino e, inevitavelmente, equipamentos. A passagem de uma força intensiva em mão de obra para uma força intensiva em tecnologia redundaria na necessidade de aumento dos investimentos no EB. Essa mudança, contudo, permitiria ao Brasil contar com poder de dissuasão significativamente maior do que o atual, circunstância compatível com as enormes vulnerabilidades estratégicas nacionais e com o papel crescentemente protagônico que o País deverá assumir no cenário internacional nas próximas décadas.

Finalmente, caberia assinalar que a "presença nacional" e a "identificação com a sociedade", tão caras ao EB (conceitos de problemática tradução em termos práticos e, portanto, extremamente duvidosos como balizadores de políticas públicas), poderiam ser garantidas pela extensão do sistema de tiros de guerra ao interior de todos os estados brasileiros, com base em uma estrutura administrativa mínima51 51 . Essa estrutura deveria ser composta por cabos e sargentos que se deslocariam de suas unidades de origem e teriam sua hospedagem e alimentação custeada pelas prefeituras locais. Em última análise, essa estrutura não teria maiores conseqüências sobre a operacionalidade da força terrestre - tanto pelo fato de que o contingente de tiros de guerra não possuiria relevância militar, quanto pelo custo relativamente baixo que uma tal organização implicaria para o EB. Na realidade, o sistema de tiros de guerra serviria como um grande programa de relações públicas, objetivando estimular a cultura castrense no Brasil. . Com as modificações estruturais delineadas acima, seria possível aumentar a capacidade de dissuasão da força terrestre, ampliar o efetivo na Amazônia e manter um mecanismo de interação com a sociedade que não contribuísse para aumentar o distanciamento entre as instituições castrenses e a população, tendo em vista a imperiosa necessidade de o Brasil contar com um exército capaz de respaldar sua soberania e interesses.

CONCLUSÃO

A END representa um avanço inequívoco no tratamento da problemática de defesa por parte do poder civil52 52 . Ver Brasil, Estratégia Nacional de Defesa (2008). . Como não poderia deixar de ser, o documento apresenta pontos positivos e negativos. Entre os primeiros, a tentativa de estruturar o MD para exercer direção efetiva sobre as FFAA, o projeto de fortalecimento da indústria nacional de material de emprego militar, a reorganização do estado-maior da Defesa, a criação de uma carreira civil de especialistas em defesa, a busca de mais independência no campo da ciência e tecnologia militar e a valorização do poder combatente como produto essencial derivado da ação das Forças Armadas. Entre os segundos, a ausência de menção explícita aos mecanismos de financiamento da política de defesa, o seu caráter talvez excessivamente "gaullista"53 53 . Sobre o "gaullismo" da END, ver Almeida (2009). e a insistência em aprofundar um sistema de recrutamento de pessoal para as FFAA (o EB, em particular) que não se coaduna com a criação de forças voltadas para a dissuasão derivada do incremento do poder combatente de Marinha, Exército e Aeronáutica vislumbrado na Estratégia.

Como anteriormente mencionado, os pressupostos dos defensores do SMO universal são controversos do ponto de vista conceitual e particularmente problemáticos se se considera a realidade brasileira ora existente. Tendo em conta o axioma básico de que o Brasil precisará contar cada vez mais com FFAA aptas a respaldar a sua política externa, dissuadir ameaças oriundas do sistema internacional e minimizar as vulnerabilidades nacionais, resta evidente que a pretensão expressa na END de aumentar o contingente de jovens das classes alta e média que servem anualmente às Forças não é factível de se realizar de acordo com o planejado pelas autoridades brasileiras. Nesse sentido, a experiência recente do EB indica que a tentativa de forçar indivíduos de melhor qualificação educacional a servir acaba redundando em problemas disciplinares acrescidos - fato que por si só colocaria em xeque a noção de que o soldado conscrito seria mais "patriota" do que o soldado profissional54 54 . Sobre o assunto, ver Marques (2008). . Haveria nesse objetivo uma outra contradição essencial: como compatibilizar a suposta necessidade de replicar as clivagens presentes na sociedade com a consequente exclusão de voluntários oriundos das classes menos abastadas da população? Nos termos dos defensores do SMO: a representatividade seria mais importante do que a motivação? Se esses valores são, na prática, incompatíveis, como justificar a conscrição universal nos termos hoje existentes?

Resta claro que o aprofundamento do modelo do SMO brasileiro representa um dos pontos mais vulneráveis da END. O modelo ideal, diante do presente estádio de desenvolvimento nacional e dos problemas que assolam a condução da sua política de defesa, seria a implantação de um sistema misto que envolvesse a manutenção da conscrição na região amazônica e a implantação do voluntariado no restante do território55 55 . As implicações do sistema sugerido à luz do arcabouço constitucional brasileiro não foram analisadas em profundidade. No entanto, acredita-se que esse sistema seria plenamente factível, dada a flexibilidade do Regulamento da Lei do Serviço Militar instituído pelo decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966. Sobre o assunto, ver em especial o art. 38 do referido decreto. . Em qualquer caso, haveria necessidade de diminuição de efetivos, aumento dos gastos com equipamento, adestramento, P&D militar e mesmo com pessoal - tendo em vista a necessidade de melhorar substancialmente a remuneração dos soldados voluntários, de molde a atrair indivíduos de boa qualificação intelectual.

Não há, portanto, soluções mágicas para o problema do recrutamento. Nenhum objetivo ambicioso de reestruturação da política de defesa será atingido se não houver sintonia entre a percepção do governo sobre o papel internacional a ser desempenhado pelo Brasil no futuro, articulação adequada entre as políticas externa e de defesa, reforma do arcabouço institucional relacionado à condução da política de defesa, reestruturação dos mecanismos de financiamento da defesa nacional, mudança estrutural do perfil das FFAA e, acoplada a esta última, modificação no sistema de recrutamento de pessoal do EB. Somente assim seria possível vislumbrar a quebra do círculo vicioso do subdesenvolvimento aplicado ao universo da caserna atualmente prevalecente, em que as forças são obsoletas porque suas concepções são arcaicas e suas concepções são arcaicas porque suas forças são obsoletas.

Ainda que insuficientemente aprofundadas, estas reflexões visaram a problematizar a forma de recrutamento de pessoal hoje existente no âmbito das FFAA, em particular no EB. Seu objetivo foi o de oferecer uma visão divergente em um contexto de ausência de debate público instruído sobre esse tema no Brasil. Nesse sentido, não se deve perder de vista um elemento crucial: nenhuma das reflexões apresentadas neste artigo são completamente estranhas à alta administração do EB. Entre as novas gerações do Exército, há inúmeros oficiais que encaram a força totalmente profissional como o paradigma a ser seguido. Mais do que tudo, a reforma do EB constitui um problema político: como reestruturar a força terrestre se essa modificação implicará a perda de poder de parcela significativa da oficialidade que compõe os quadros dirigentes do Exército (uma vez que muitos cargos, inclusive de generais, teriam de ser cortados nesse processo)? Como reestruturar o EB se a "estratégia da presença", em muitos casos, envolve a força em uma dinâmica de pequena política expressa nas pressões de parlamentares pela permanência ou instituição de OMs em regiões sem nenhuma importância estratégica?56 56 . Em muitos casos, OMs completamente anacrônicas do ponto de vista da defesa nacional (e mesmo de operações de GLO) são mantidas em função de pressões de parlamentares que não admitem que seus redutos eleitorais percam a fonte de renda representada pelos quartéis instalados em áreas economicamente deprimidas. Esse tipo de pressão expressa de maneira clara o que classifico como círculo vicioso do subdesenvolvimento aplicado ao universo militar.

As questões acima mencionadas são fundamentais e somente o poder político civil poderá dar resposta a elas. Não seria razoável imaginar que das próprias burocracias que estão envolvidas nesse processo e acomodadas ao status quo surgissem respostas para as perguntas elencadas acima. Essa é uma tarefa que somente um MD forte e atuante poderá levar à frente, em conjunto com a representação popular. Na ausência de conflitos militares que testem efetivamente a (precária) capacidade de defesa nacional, faz-se mister indagar: conseguiremos romper o círculo vicioso do subdesenvolvimento prevalecente na caserna?

NOTAS

(Recebido para publicação em fevereiro de 2010)

(Reapresentado em abril de 2010)

(Aprovado para publicação em maio de 2010)

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  • 1
    . Na realidade, a instrumentalidade essencial do recrutamento militar encontra-se universalmente modulada por considerações de ordem moral, econômica, social, política, estratégica etc. Nesse sentido, cada coletividade equilibrará de modo singular a necessidade de provimento de mão de obra para o funcionamento regular das burocracias castrenses e a gama de considerações acima mencionadas. Para um excelente estudo sobre as peculiaridades da prestação militar no Brasil do século XIX, ver Mendes (1997).
  • 2
    . Por "visão clientelista" do Estado quer-se significar que esse ente coletivo é, regra geral, encarado como um provedor de benesses para clientelas privadas e não como um instrumento universalista de provimento de bens públicos. Para uma discussão aprofundada do assunto, ver Nunes (1997).
  • 3
    . Esse tema permanece em aberto no contexto da discussão sobre o sistema político brasileiro. Se houve enormes avanços no tocante à compreensão sobre o funcionamento desse último, não parece ter havido semelhante avanço no tratamento da inter-relação sistema político/gestão de políticas públicas. Para uma revisão das correntes em que poderia ser dividido o debate sobre o sistema político brasileiro, ver Power (2010). Para uma formulação inicial sobre a inter-relação mencionada, ver Amorim Neto (2007).
  • 4
    . Para uma visão brasileira sobre os fatores que militam contra a boa condução da política de defesa, ver Alsina Jr. (2006). Sobre o desinteresse das elites políticas latino-americanas pelos temas de defesa, ver Pion-Berlin e Trikunas (2007).
  • 5
    . Persian Gulf War, "Microsoft® Encarta® Online Encyclopedia", 2009.
    http://encarta.msn.com © 1997-2009 Microsoft Corporation.
  • 6
    . Deve-se registrar que a redução do tamanho das FFAA normalmente acompanha a desmobilização que se segue ao término de conflitos quentes e frios. Na sequência da queda do Muro de Berlim, por exemplo, ocorreu acentuada redução dos contingentes militares dos Estados Unidos e da Rússia. Considerações sobre o atual contingente das FFAA norte-americanas podem ser encontrados em Bruner (2005). Sobre a situação das FFAA russas e seu atual contingente
    vis-à-vis o da antiga União Soviética, ver Barany (2008). Note-se, contudo, que existe um sem número de fatores contextuais domésticos e internacionais que matizam os movimentos de encolhimento e expansão de cada exército em particular. A evolução da tecnologia militar, em que avulta o papel potencialmente revolucionário das armas nucleares, e o nível de conflituosidade sistêmica percebido no plano internacional representam elementos importantes. No entanto, estão longe de serem suficientes para explicar as trajetórias das políticas de defesas nacionais no que toca à definição dos contingentes militares. Como já mencionado, fatores extrínsecos a considerações de natureza exclusivamente militar podem possuir peso decisivo nessa definição.
  • 7
    . Em 2006, a Alemanha figurava em 13º lugar no teste PISA (
    Programme for International Student Assessment) da OCDE, enquanto o Brasil aparecia em 52º lugar à frente somente de Colômbia, Tunísia, Azerbaijão, Catar e Quirguistão.
  • 8
    . Sobre o assunto, ver Leal (2008:5).
  • 9
    . Ao contrário do que reza o oficialismo conservador, a independência do Brasil não se processou de maneira incruenta. As milícias formadas pelas oligarquias regionais foram cruciais para que as forças portuguesas leais às Cortes fossem expulsas de território nacional. Sobre o assunto, ver Diégues (2004).
  • 10
    . AVF ou SMV são conceitos muito próximos. Utilizar-se-á, no entanto, somente o acrônimo SMV.
  • 11
    . Sobre o assunto, ver o excelente texto de Krebs (s/d.).
  • 12
    . Para o bem, se o exército assim formado for proficiente o bastante para cumprir sua atividade-fim de modo conveniente. Para o mal, se o resultado do (suposto) corte transversal da sociedade representado pelo exército não desempenhar suas funções finalísticas a contento, ou seja, se for derrotado no campo de batalha deixando a nação prostrada diante do inimigo.
  • 13
    . A questão do custo relativo de uma força baseada em conscritos e de uma força baseada em voluntários é altamente polêmica. No caso dos EUA, a "
    Gates Comission", criada para estudar a extinção do SMO pelo governo Nixon, chegou à conclusão de que a manutenção de uma força completamente voluntária seria menos custosa do que a de uma formada a partir do SMO. Estudos mais recentes apontam para a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, o serviço militar obrigatório ser efetivamente mais econômico do que o SMV. Sobre o assunto, ver USA, Congressional Budget Office (2007:8-9).
  • 14
    . A rigor seria possível forçar o argumento e sustentar a existência de uma
    constituency favorável à adoção do SMV no Brasil - encontradiça em setores da imprensa, frações do poder legislativo (sobretudo de parlamentares identificados com a esquerda do espectro político), pequenos grupos de intelectuais etc. No entanto, a ausência de força política desse grupo, seu grau de dispersão, sua heterogeneidade e sua absoluta falta de organização indicam que a razão encontra-se mais próxima da visão oposta, ou seja: a de que não haveria uma
    constituency relevante favorável ao SMV.
  • 15
    . Na realidade, desde a sua criação pelo Império, as FFAA brasileiras defrontam-se com situações de penúria mais ou menos acentuada. Para tanto bastaria ler o relato de Nelson Werneck Sodré (1979).
  • 16
    . Embora não conste do texto editado pela Câmara dos Deputados decorrente de seminário por esta promovido, o então Comandante do Exército, gal. Gleuber Vieira, em resposta a uma indagação do autor, fez veemente defesa da manutenção do SMO com base em tabela comparativa que apresentava os custos de incorporação de soldados conscritos e voluntários. Sobre a apresentação do comandante do EB, ver Vieira (2003:133-144).
  • 17
    . Não se conhece exemplo de país democrático dotado de AVF em que esta tenha se transformado em guarda pretoriana.
  • 18
    . O conceito de "nivelamento republicano" nada tem de inovador, estando inspirado em uma visão idealizada de república que remete, em última análise, à antiguidade clássica. No caso brasileiro, contudo, o conceito faz abstração do fato de que, até hoje, a república brasileira encontra imensas dificuldades de oferecer ao conjunto dos seus cidadãos oportunidades equitativas. A manutenção ou o aprofundamento do SMO tal qual ele se estrutura no presente não garantirá que tal objetivo seja atingido.
  • 19
    . É extremamente controversa a tese de que a mobilização nacional geraria efeito dissuasório eficaz. Na verdade, embora a posse de reservas mobilizáveis possa em tese gerar algum efeito dissuasório, como demonstram Proença Jr. e Brigagão (2002:79-80) a própria necessidade de mobilização já representa o fracasso da dissuasão.
  • 20
    . Não existem parâmetros consensuais para a determinação da existência ou não de exércitos grandes ou pequenos. A
    ratio entre número de soldados e tamanho total da população, por exemplo, é um dado que não pode ser considerado isoladamente. É preciso incluí-lo em um contexto determinado para que tenha significado. Em última análise, o tamanho ideal do Exército tem a ver com a sua capacidade de ser bem-sucedido no campo de batalha empregando o menor contingente possível para a obtenção da vitória.
  • 21
    . Sobre o assunto, ver Haltiner (1998:7-8).
  • 22
    . No Brasil, até por desconhecimento da questão, não há coerência entre persuasão político-ideológica e posicionamento específico sobre a problemática do recrutamento obrigatório. Tanto direitistas quanto esquerdistas podem defender ou combater o SMO, quase sempre com argumentos superficiais.
  • 23
    . Dos cerca de 1,6 milhões jovens de 18 anos que se apresentaram às juntas de alistamento militar em 2008, apenas oitenta mil foram efetivamente incorporados às FFAA. Do total incorporado, apenas 1.007 recrutas, ou 1,2%, estavam matriculados em cursos universitários, enquanto 24,1% possuíam somente o ensino fundamental. Note-se que a grande maioria dos 1.007 recrutas universitários incorporados devem ter sido direcionados aos Centros de Preparação de Oficiais da Reserva (CPORs), o que significa dizer que entre a tropa praticamente inexistiam soldados de nível universitário no EB (maior absorvedor de recrutas). Sobre o assunto, ver Marques (2008). Entre 2000 e 2009, o número médio anual de soldados conscritos (incorporados nas três Forças) foi de 69.830 (fonte: Assessoria Especial Militar do MD). Para registro, consultado sobre os dados oficiais de recrutamento, o Exército Brasileiro não respondeu ao pedido de informações encaminhado por este autor.
  • 24
    . Em vista dos cortes incidentes sobre o orçamento das FFAA em 2009, o EB anunciou a redução do número de recrutas a serem incorporados durante o exercício de 70 mil para 48 mil (ver Monteiro, 2009).
  • 25
    . Há registro de casos em que, por tradição familiar, convicção ou outros fatores, indivíduos dotados de boa instrução oriundos da classe média decidem espontaneamente servir às FFAA. Esse, contudo, não é o padrão predominante.
  • 26
    . Depoimento de oficial do EB ao autor.
  • 27
    . São cada vez mais freqüentes as situações em que elementos conscritos ingressam no EB com o objetivo de furtar armamento, facilitar o seu furto ou mesmo fornecer drogas aos seus companheiros de farda. Depoimento de oficial do EB ao autor.
  • 28
    . Uma falha gritante do SMO do ponto de vista da operacionalidade das FFAA tem a ver com o chamado Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), que envolve as três forças singulares. Devido à necessidade de adestrar os elementos conscritos que operarão os (obsoletos) sistemas de defesa antiaérea (AAe) do EB, as unidades de AAe somente podem participar de exercícios de adestramento do SISDABRA nos últimos dois meses do ano! O que, em tese, significa dizer que o País terá alguma capacidade AAe em apenas um dia em cada seis!
  • 29
    . O emprego do conceito de EOD pode ser encontrado no artigo de Marco Cepik sobre as características das FFAA de Brasil, Índia e África do Sul. Sobre o assunto, ver Cepik (2009).
  • 30
    . Importante discussão sobre as condicionantes domésticas (teoria das organizações, relações civis-militares) e internacionais (balança de poder e percepções de ameaças) das doutrinas militares pode ser encontrada em Posen (1999).
  • 31
    . O EB constitui-se, em sua quase totalidade, por subdivisões ternárias (três unidades inferiores para uma unidade superior, e.g. três companhias formam um batalhão, três batalhões formam uma brigada e assim sucessivamente). No entanto, o EB classifica suas organizações militares (OMs) em três tipos, de acordo com o número de subunidades completas do ponto de vista de pessoal e material. Assim, apenas as OMs de "tipo III" estão completas, enquanto as de "tipo II" possuem dois terços da dotação prevista e as de "tipo I" possuem apenas um terço.
  • 32
    . Essa impossibilidade dá-se fundamentalmente em face do número total de oficiais e praças (de carreira e conscritos) do EB. Em vista das variações de contingente, a cada ano o Exército Brasileiro possui hostes quantitativamente distintas. No entanto, o
    quantum total gira em torno de 180 mil homens. Pela dimensão do quantitativo, a transformação da força terrestre em um exército profissional seria extremamente custosa - sobretudo em um contexto de seriíssimas restrições orçamentárias. Outro fator que militaria contra uma modernização abrangente, que não envolvesse a adoção do voluntariado, seria a própria precariedade de formação do material humano disponível. A questão relacionada ao dimensionamento das FFAA será tratada ao longo do texto de forma pouco profunda, tendo em vista o fato de esse tema merecer um artigo em separado em face de sua complexidade.
  • 33
    . Um dos grandes desafios da END é, justamente, o de transformar as intenções explicitadas em fatos concretos - o que dependerá de vultosos investimentos, para os quais não há fontes de recursos definidas.
  • 34
    . Não é à toa que Marinha e Aeronáutica possuem baixo percentual de conscritos nas suas fileiras. A própria sofisticação do material naval e aeronáutico implica a necessidade de um corpo de oficiais e praças dotados de melhor qualificação educacional. Tendência que parece só se acentuar no futuro.
  • 35
    . Na falta de direção política clara, emanada de razoável consenso sobre questões de Estado como a postura estratégica do País, a definição desta acaba sendo inferida a partir da resultante dos três vetores representados por Marinha, Exército e Aeronáutica. No caso brasileiro, essa resultante não possui coerência necessária com a política externa e nem tampouco pode ser considerada em si mesma coerente.
  • 36
    . Infelizmente, não há dados empíricos precisos que sustentem essa assertiva. Ela está lastreada, não obstante, em uma série de elementos contextuais tais como: o subdesenvolvimento institucional do País, o limbo social a que foram relegados os militares brasileiros na maior parte da história nacional, o contexto internacional relativamente benigno em relação a ameaças externas de caráter interestatal que afetassem o Brasil, o padrão histórico de distribuição espacial de unidades militares,
    inter alia.
  • 37
    . O autor desconhece a existência de estudos que tratem da sociologia histórica do desenvolvimento organizacional das FFAA brasileiras.
  • 38
    . Quer por isso dizer o autor que as FFAA brasileiras exercem muitas funções que não são necessária e primordialmente militares. Portanto, a funcionalidade das forças é multiplicada para além do estritamente necessário ao cumprimento das tarefas castrenses. Logo, pode-se falar que a Marinha possui uma dimensão de guarda costeira, assim como a Aeronáutica de controle do espaço aéreo civil. Pode ocorrer, contudo, que essas estruturas funcionais não necessariamente militares passem de acessórias a primordiais no âmbito das três grandes organizações castrenses. É nesse sentido que seria possível subdividir as políticas setoriais naval, terrestre e aeroespacial em número muito maior que três.
  • 39
    . Uma importante discussão sobre o processo de afirmação institucional do Exército Brasileiro encontra-se em Coelho (2000).
  • 40
    . Percebe-se uma maior preocupação do Comando da Aeronáutica com o incremento do seu poder combatente nos últimos anos. Não haveria espaço aqui para debater as causas dessa nova postura.
  • 41
    . Deve-se notar que, a despeito da definição de prioridades estratégicas, os constrangimentos orçamentários são muito importantes para definir as reais possibilidades de que haja correspondência entre aquelas e a disposição espacial das forças.
  • 42
    . Discussão sobre esses fatos, centrada no conceito de "projeto de forças", pode ser encontrada em Raza (2009/10).
  • 43
    . Sobre o estatuto dos EUA no futuro previsível, ver Fiori, Medeiros e Serrano (2008).
  • 44
    . Há grande número de autores que defendem a tese de que as guerras entre as grandes potências, nuclearmente armadas ou não, deixaram de ser racionais e, portanto, politicamente possíveis. Ver Mueller (1989). Esta tese não é, todavia, consensual. Para uma visão divergente, ver Gray (2006).
  • 45
    . Sobre o provável retorno de conflitos entre Estados, ver, também, Gray (2006).
  • 46
    . O Brasil, até mesmo em função de sua fragilidade no plano da defesa, poderia vir a sofrer pressões militares em questões relacionadas aos direitos de minorias indígenas, ao desmatamento da hiléia amazônica, à exploração de recursos minerais etc. Nessas circunstâncias, seria plausível conceber atentados, ainda que pontuais e temporários, contra a soberania territorial brasileira na região amazônica capitaneados por potências militarmente mais poderosas que o País. A elasticidade da força terrestre, nesse contexto, poderia servir de fator dissuasório e de sustentáculo de ações de guerrilha contra o eventual invasor. Nessa hipótese, justificar-se-ia a manutenção do SMO na região, até por que a guerra irregular a ser travada necessitaria do apoio das populações locais - algo que poderia ser favorecido pelo seu maior envolvimento cotidiano com as FFAA brasileiras.
  • 47
    . Sobre a instrumentalidade da força armada para a política externa brasileira, ver Alsina Jr. (2009).
  • 48
    . Termo corretamente utilizado na END como forma de estabelecer uma vinculação facilmente perceptível aos olhos da população entre a defesa e o processo nacional de desenvolvimento.
  • 49
    . No contexto do combate de resistência, a conquista da boa vontade da população local torna-se fundamental - o que indicaria ser conveniente agregar a maior parcela possível de habitantes da região norte ao serviço militar.
  • 50
    . O emprego do EB no combate à marginalidade teria o gravíssimo inconveniente de expor a força terrestre ao contato cotidiano com o crime. A experiência das PMs estaduais brasileiras dá uma ideia da catástrofe que poderia advir desse processo.
  • 51
    . Essa estrutura deveria ser composta por cabos e sargentos que se deslocariam de suas unidades de origem e teriam sua hospedagem e alimentação custeada pelas prefeituras locais. Em última análise, essa estrutura não teria maiores conseqüências sobre a operacionalidade da força terrestre - tanto pelo fato de que o contingente de tiros de guerra não possuiria relevância militar, quanto pelo custo relativamente baixo que uma tal organização implicaria para o EB. Na realidade, o sistema de tiros de guerra serviria como um grande programa de relações públicas, objetivando estimular a cultura castrense no Brasil.
  • 52
    . Ver Brasil, Estratégia Nacional de Defesa (2008).
  • 53
    . Sobre o "gaullismo" da END, ver Almeida (2009).
  • 54
    . Sobre o assunto, ver Marques (2008).
  • 55
    . As implicações do sistema sugerido à luz do arcabouço constitucional brasileiro não foram analisadas em profundidade. No entanto, acredita-se que esse sistema seria plenamente factível, dada a flexibilidade do Regulamento da Lei do Serviço Militar instituído pelo decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966. Sobre o assunto, ver em especial o art. 38 do referido decreto.
  • 56
    . Em muitos casos, OMs completamente anacrônicas do ponto de vista da defesa nacional (e mesmo de operações de GLO) são mantidas em função de pressões de parlamentares que não admitem que seus redutos eleitorais percam a fonte de renda representada pelos quartéis instalados em áreas economicamente deprimidas. Esse tipo de pressão expressa de maneira clara o que classifico como círculo vicioso do subdesenvolvimento aplicado ao universo militar.
  • *
    Nenhum dos conceitos aqui expressos representa necessariamente a posição do Ministério das Relações Exteriores ou do Ministério da Defesa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2010
    • Revisado
      Abr 2010
    • Recebido
      Fev 2010
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