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“Tu és jesuíta”. A epistemologia inaciana de José de Alencar

resumo

Através de uma leitura da peça O jesuíta, de José de Alencar, o artigo propõe a análise de alguns mecanismos político-discursivos que caracterizariam a epistemologia dos padres da Companhia de Jesus em sua dinâmica colonial no Brasil, fundamentada na construção de certas identidades paradoxais. Essas identidades, compondo o quadro geral de um barroco jesuítico, se apresentariam sob a forma enigmática do deslocamento e do desaparecimento, indexadas nos problemas enfrentados pelos personagens da peça. O artigo busca, enfim, avaliar de que modo tais elementos permitiriam entender como o vínculo entre a perspectiva de José de Alencar e a dos jesuítas não seria apenas temático, mas propriamente epistemológico, reconsiderando, assim, a operação de dominação identitária que sustenta a narrativa da história da literatura brasileira.

palavras-chave:
José de Alencar; Jesuítas; Filosofia da literatura brasileira

abstract

By reading one of José de Alencar’s plays called The Jesuit, this paper presents an analysis of certain political-discursive mechanisms that characterize the epistemology of the priests of the Society of Jesus in its colonial dynamics in Brazil, grounded on the development of some paradoxical identities. These identities compose the general framework of a Jesuit Baroque and are enigmatically presented as displacement and disappearance, as referenced in the issues faced by the play’s characters. The paper aims, at last, to evaluate how these components might allow us to understand that the link between the perspectives of José de Alencar and the Jesuits is not only thematic, but properly epistemological. Thus, it reconsiders the operation of identity dominance that underpins the narrative of the history of Brazilian literature.

keywords:
José de Alencar; Jesuits; Philosophy of Brazilian literature

“Mas, senhor, meio século do tempo e dez milhões de habitantes para esse imenso império, o que são?”

(José de Alencar, Cartas a favor da escravidão)

I

Admiramo-nos de um paradoxo; chamemo-lo, por enquanto, de enigma. Mais especificamente, de enigma do barroco brasileiro. Como toda questão enigmática, dar-lhe uma forma significa violar sua contradição,

que, ao mesmo tempo, é a violência de sua estrutura; e uma vez que a demanda do dizer aqui se confunde com não poder fazê-lo, somos obrigado a afirmar a violência do enigma do seguinte modo: quanto mais glorioso o barroco jesuítico se dá ao olhar, mais ele instaura um amplo campo de invisibilidade, ou melhor, de desaparecimento. Teremos de deixar para uma outra ocasião explorar as implicações dessa proposição para uma teoria geral do barroco no Brasil, para o que, adotando a perspectiva teológico-política, seria necessário avaliar também a retórica e os modos de visualidade de outras ordens, além daquela da Companhia de Jesus. Limitamo-nos, portanto, a discutir sumariamente a particularidade estabelecida na fórmula que apresentamos, ou seja, o sentido da dimensão jesuítica do barroco em seu paradoxo.

Para além dos debates acadêmicos sobre o significado histórico-político da presença jesuítica no Brasil, para além dos detratores iluministas e de seus apologetas dogmáticos, a controvérsia a respeito desse tema se desenvolveu frequentemente por caminhos mais elípticos e certamente menos conhecidos. Aqui se insere a primeira senha de sua invisibilidade: codificada em meio a conceitos estéticos, a questão ideológica do jesuitismo por vezes passou como acessória ou circunstancial. Ocorre, contudo, que, justamente nesses momentos em que ela emerge como ornamento, se deixa, aparentemente, calar a operação que institui uma matriz de inteligibilidade, ela mesma, jesuítica. Seria simplista afirmar que obras cujas temáticas pertencem ao horizonte semântico da Companhia de Jesus revelam, no fundo, compromissos ideológicos com a ordem. Nesse nível, a continuidade poderia ser eletiva, e o que gostaríamos de propor é algo diverso, ou seja, que o modo de pensar inaciano, seu modo de produzir sínteses discursivas, modos de objetivação e subjetivação, enfim, paradigmas de experiências, configuraria uma epistemologia de tipo muito particular, na qual o aparecimento do poder no mundo é também um mecanismo de desaparição. Não nos parece uma coincidência que esse mecanismo se manifeste justamente em uma peça cujo título, O jesuíta, denuncia, a princípio, sem dúvidas seu objeto. Menos arbitrário ainda seria o fato de ter ela sido assinada em 1861 por esse nome que constitui, nos manuais de história da literatura no Brasil, o primeiro nacionalista: José de Alencar. Ao tomarmos essa peça como uma espécie de miniatura do barroco jesuítico estamos completamente cientes do anacronismo dessa leitura, que, no entanto, instrumentalizamos a fim de assinalarmos os componentes de um jesuitismo mais intermitente que sua designação histórica clássica.

No que diz respeito à formação dos discursos, Alencar se encontrava em um ponto em que o antijesuitismo já se poderia representar como uma tradição. A expulsão dos padres da Companhia de Jesus de todo o reino e domínio de Portugal, decretada pelo marquês de Pombal em nome do rei D. José I em 3 de setembro de 1759, autorizava, enfim, há mais de um século, a organização das inúmeras críticas empreendidas contra os inacianos, quase desde sua presença primeira na Bahia, ainda no século XVI, sob a forma de um projeto filosófico-político no qual eles não mais se incorporavam - ou pior, faziam-no como sinal invertido do poder.1 Esse expurgo permitiu não apenas que representações, alegorias e argumentos antijesuíticos se instituíssem como objeto ou tema de peças teatrais, poesias, pinturas e tratados, mas que viessem a configurar o próprio modo de se pensar as artes, a filosofia e a política. Ou seja, o ethos pombalino se reconheceria não somente no nível das sínteses objetivas dadas, mas, mais fundamentalmente, no nível epistemológico das formações dos campos de produção de sentido - não apenas no grande colorido antijesuítico, por exemplo, dos versos de Basílio da Gama, mas na compreensão mesma do sentido da poesia, dos mecanismos de seu funcionamento, dos dispositivos de inscrição ideológica que esses versos partilham como seus pressupostos. Desenha-se, desse modo, uma epistemologia pombalina que não se limita a ser uma propaganda do esclarecimento português, mas se constitui como a matriz de inteligibilidade de discursos muitas vezes aparentemente distantes do horizonte teológico-político, mesmo que, olhadas de certo modo, possam nele se localizar. Sua figura é a luz, e sua exigência, a de um olhar pleno que repousa sem trégua sobre tudo.

Seria, é claro, equivocado enxergar nessa situação a homogeneidade de um contexto ideológico. Na verdade, a via pombalina está inserida em um território de disputas muito amplo, uma vez que, do lado dos defensores da Companhia de Jesus também se procurou constituir uma ordem discursiva, ou antes, uma epistemologia pró-jesuítica, muito mais incisiva do que qualquer simples apologia que lhe poderia ser feita. É nesse território que o jesuitismo encontra um caminho muito mais longo, fixando-se, na linguagem, não como transparência, mas como vertigem do olhar. Sua figura é o ofuscamento, e a lógica de sua dominação se guarda no poder de se imiscuir e desaparecer. Estamos não no nível das ideias, mas no das formações de sínteses.

Em um autor como José de Alencar, confundir um nível com o outro, sobrepor seus temas aos seus procedimentos discursivos, pode significar desconsiderar a complexidade de sua poética que, em todo caso, e exatamente em razão de sua forma muito peculiar de se colocar a favor dos inacianos no nível daquela produção de sentido, parece-nos sempre mais interessante que seu repertório melodramático, que o faz meramente do ponto de vista dos objetos e do gosto de uma época. Pode-se, assim, tanto denunciar o histrionismo corneilliano de seus personagens como acusar, com razão, os elementos reacionários de suas composições - lembremo-nos de suas cartas a favor da escravidão, manifestação enfática de um conservadorismo que ele defendeu em sua vida política e nos padrões de sociabilidade desenvolvidos em seus romances. São todas boas razões para não gostarmos de Alencar, e poderíamos imaginar algumas outras tantas. Há, no entanto, ao menos uma que investe esse escritor, colocado pelas narrativas historiográficas no lugar de uma fundação, de um interesse insuspeito: sua compreensão da mecânica jesuítica.

II

Curiosamente, é no instante mesmo em que essa compreensão se insinua que Alencar parece condenado a se tornar um extemporâneo, uma figura obsoleta, incompatível com a tendência supostamente progressista das vésperas do positivismo no Brasil. Referimo-nos especificamente ao modo como O jesuíta foi responsável pelo seu desfavor junto ao público e a uma parte considerável da crítica. Sua estreia no palco do teatro São Luís, no Centro do Rio de Janeiro, se deu no dia 18 de setembro de 1875, quatorze anos depois de ter sido escrita a pedido do ator João Caetano para a celebração do 7 de setembro (Prado, 1972PRADO, D. A. João Caetano. São Paulo: Perspectiva, 1972., p.131), mas seu surpreendente fracasso fez que, das outras três representações planejadas, apenas mais uma tivesse lugar, no dia seguinte, para uma plateia praticamente deserta (Faria, 1987FARIA, J. R. José de Alencar e o teatro. São Paulo: Perspectiva; Edusp, 1987., p.153).

A peça se passa no Rio de Janeiro, às vésperas da expulsão dos jesuítas ordenada por Pombal. Seu personagem central é Samuel, introduzido e reconhecido por todos à sua volta inicialmente como um médico italiano, uma espécie de pai adotivo de Estêvão - que, no entanto, é indicado como seu “pupilo” na apresentação dos personagens (Alencar, 1960ALENCAR, J. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960. 4v., v.IV, p.478). Desde o começo da peça, o conde de Bobadela, governador do Rio de Janeiro, afirma estar de posse de um documento marcado com o selo de Pombal que iria revelar uma verdade insuspeita sobre o suposto médico, e que resultaria em sua prisão. Esse segredo, ignorado por todos e revelado em seguida, é a própria identidade de Samuel, na verdade, um jesuíta. Para sua surpresa, contudo, no momento em que essa revelação é feita pela primeira vez (quando o falso médico aparece vestido com o traje de sua ordem), ouve-se a confissão de que se trata não de um jesuíta apenas, mas do próprio “vigário-geral da Companhia de Jesus no Brasil” (ibidem, p.522). Disfarçado durante décadas, ele pretendia levar a termo o plano de, com a ajuda de grupos de judeus, ciganos, índios e protestantes, vindos de toda parte do mundo para auxiliá-lo, instituir a independência do Brasil em relação a Portugal. Samuel sabe, contudo, que já alcançou idade avançada demais para realizar seus planos e concebe várias artimanhas para obrigar Estêvão, inadvertidamente, a dar continuidade a eles. A principal delas foi ter, secretamente, instituído o jovem como jesuíta, sem que esse o soubesse. Estêvão havia feito, há muito tempo, uma promessa a Samuel de ordenar-se entre os inacianos. Tomado, contudo, de amor pela jovem filha do conde de Bobadela, Constança, ele se recusa a cumprir o juramento. O que Estêvão não podia imaginar é que, sendo Samuel ele mesmo um padre, esse juramento, acompanhado de algumas palavras de confirmação por parte do pai-mestre, que o jovem não pôde discernir à altura, tinha a força de um voto. A cena IX do primeiro ato se constitui, assim, na revelação de uma profissão de fé secreta e enviesada:

SAMUEL - Lembras-te do dia em que me prometeste abraçar a vida religiosa e entrar no convento dos jesuítas?

ESTÊVÃO - É verdade que vos fiz então essa promessa; porém, não previ que me seria impossível cumpri-la [...]

SAMUEL - Mas essa promessa, feita nas minhas mãos, é juramento: é um voto!... Naquele momento tu professaste, Estêvão!

ESTÊVÃO - Eu...

SAMUEL - [...] Nas palavras que pronunciei então, e que não compreendeste, aceitei os teus votos, e te sagrei em nome do Senhor. Tu és jesuíta! (Alencar, 1960ALENCAR, J. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960. 4v., v.IV, p.491)

Sem que pudesse convencer o jovem de sua condição, Samuel parte, então, para uma série de estratégias para atar Estêvão ao destino que lhe havia traçado, ou melhor, ao destino do Brasil mesmo - e que incluíam sequestrar Constança, forçá-la a se oferecer sexualmente e, por fim, ameaçá-la de morte - tudo com o auxílio do índio paraguaio Garcia, que servia como aquilo que a Inquisição chamava de “braço secular”, ou seja, o meio que permitia à Igreja condenar e executar através de um outro, que preservava sua pureza.2 Há, contudo, uma espécie de conversão piedosa ao final da peça, quando Samuel resolve o conflito entre o maquiavelismo de seus planos e o amor paterno para com Estêvão, cedendo a essa última disposição e abençoando sua união com Constança. Nos últimos instantes após essa redenção sentimental, Samuel, encurralado pelo exército do conde de Bobadela, declama um discurso profético sobre o futuro do Brasil e escapa por uma porta secreta.3 A peça se encerra com a constatação atônita desse desaparecimento.

As hipóteses para o descaso do público diante do drama permanecem sustentadas em conjecturas, todas exploradas pelos seus leitores desde então: em primeiro lugar, o crescente interesse dos cariocas pelo teatro de divertimento, antítese da sobriedade celebratória de O jesuíta e, ao mesmo tempo, signo de que “o público fluminense ainda não sabe ser público” (Alencar, 1960ALENCAR, J. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960. 4v., v.IV, p.1008); além disso, um anticlericalismo insistente derivado de recentes reações da população contra medidas ultraconservadoras da Igreja; por fim, elementos mais intrínsecos ao texto, como a ambiguidade incômoda de Samuel (Faria, 1987FARIA, J. R. José de Alencar e o teatro. São Paulo: Perspectiva; Edusp, 1987., p.153-5), para Alencar (1960, v.IV, p.1009), única via de composição de um autor “que não é nem maçom, nem carola”. O que, entretanto, não parece ser reconhecido nem pelo público de 1875, nem pelos comentadores mais contemporâneos de Alencar, é como esse drama, indexical em seu decepcionante destino, se nutria, justamente, de uma compreensão radical da mecânica do jesuitismo na qual seu autor, de inúmeras maneiras, procurou se inscrever. É a epistemologia inaciana de O jesuíta que o torna não a peça mais bem-sucedida acerca da Companhia de Jesus, mas a que mais amplamente derivou de suas premissas.

E é aqui que reencontramos o problema do enigma, que se traduz, no drama, nas tensões organizadas entre duas indiscernibilidades:

1. A primeira delas, na cena em que Estêvão é informado de que era um jesuíta, e que poderíamos denominar de enigma do filho, ou seja, o do pertencimento compulsório à tradição. Essa cena, edificada sobre um conjunto de signos cifrados - uma promessa que é um voto, palavras entreouvidas que se revelam sacramentos, um pai que é um confessor - pode ser lida como a repetição teatral de um dos mais eficientes procedimentos de colonização dos jesuítas entre os índios brasileiros: o de revelar-lhes, não sem esforço, seu cristianismo latente. De fato, a intenção dessa filiação compulsória estava firmada desde, pelo menos, a carta de Pero Vaz de Caminha, que, a respeito dos nativos ameríndios, afirma: “outra coisa não falece a essa gente, para ser toda cristã, a não ser nos entenderem” (Caminha, 2001, p.113). No século que se seguiu, e além, os Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e Antonio Vieira expressaram tão mais sua cautela quanto mais investiam o projeto da conversão com o tom ibérico, heroico-cavalheiresco, da Companhia de Jesus. Tema perene de suas lamentações - analisado por Eduardo Viveiros de Castro (2017CASTRO, E. V. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. In: A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Ubu, 2017.) - a tendência a voltar aos velhos hábitos pré-cristãos fazia dos índios quase-cristãos,4 mas não somente cristãos por vir, uma vez que os jesuítas enxergavam entre eles sinais de um passado piedoso. Conhecemos bem a carta de Nóbrega a Martin de Azpicuelta Navarro escrita em 10 de agosto de 1549, poucos meses depois da chegada dos inacianos à Bahia:

Tienen noticia dei diluvio de Noé, puesto que no según la verdadera historia, porque dizen que murieron todos, sino una vieja que escapo en un arbol alto.Y tanbién tienen noticia de Santo Thomé e de un su compaiero, y en esta Baya están unas pisadas en una rocha que se tienen por suias, y otras en Sant Vicente, que es en el cabo desta costa. Dizen dél que les dió el mantenimiento que ellos agora tienen, que son raizes de yervas; están bien con él, puesto que de un su compaiero dizen mal. Y no sé la causa, sino, quanto oy dezir que las flechas que le tiravan se tornavan a los que las tiravan y los matavan. Espántanse mucho de veer el nuestro culto divino y la veneración que tenemos a las cosas de Dios. (Monumenta Brasiliae, 1956, v.I, p.138)

Se a presença de São Tomé nas Américas, de acordo com uma velha lenda da Igreja primitiva (Cavalcante, 2009CAVALCANTE, T. L. V. Tomé: o apóstolo da América. Índios e Jesuítas em uma história de apropriações e ressignificações. Dourados: Editora da UFGD, 2009., p.30-45), justificava o vínculo através de um passado mítico cristão, e se um outro jesuíta, Fernão Cardim, reconhecia nas falas dos pajés em sua tribo os traços da sermonística dos padres da Companhia (Massimi, 2005MASSIMI, M. Palavras, almas e corpos no Brasil colonial. São Paulo: Loyola, 2005., p.21-3), não era apenas porque o Brasil, para os missionários do XVI e XVII, segundo a fórmula do mesmo Cardim (2009, p.168), “é já outro Portugal”, mas porque, além disso, os nativos são já outros cristãos. Como na cena de José de Alencar, os sinais de pertencimento entre os índios estão cifrados, e apenas o jesuíta é capaz de, construindo um léxico organizado por sua teologia, quase murmurado entre dentes, atribuir ao outro as condições de escuta e de rememoração que, na verdade, serão sempre as suas próprias. Nesse sentido, não é nada ocasional que, em O jesuíta, os signos da visualidade sejam constantemente embaralhados pelos da escuta: tudo aquilo que aparece, tudo o que é visto, é profundamente modificado pela ordem do dizer, do ouvir, ou, mais precisamente, do ouvir-dizer.5 Com isso, o passado, mítico porque redescobre na imanência da visualidade uma espessura insuspeita e fatal, uma história, só pode emergir à tona através do ofício da autoridade de uma voz que o faz lembrar. Tomando essa autoridade como ponto de partida, o jesuíta - em José de Alencar, mas em Vieira, igualmente - é o único que pode administrar a distância cheia de sombras entre o olho e ouvido. Na peça de 1875, a primeira frase pronunciada por Samuel em cena - “Tua vida, meu filho, já não te pertence” (Alencar, 1960, v.IV, p.488) - se explica pelo seu poder de mediação entre a memória e a audição. À desalentada Constança, ele diz: “Minha voz lembrava a Estêvão que ele não pode dar-vos, e que vós não podeis aceitar, a sua vida” (ibidem, p.489, grifos nossos), diz ele a Constança.

Alencar explora aqui um dos mecanismos mais radicais do poder colonizador dos jesuítas dos séculos XVI e XVII no Brasil - a instituição da voz como instrumento de construção de um pertencimento esquecido, ou seja, de uma vocação secreta dos indígenas, reativada pela memória ouvida. Esse elemento dramático em Alencar parece, contudo, atravessar todo o campo discursivo do barroco jesuítico. Sua característica específica é a de que, nele, a vertigem do olhar, de suas dobras e ornamentos, é amplificada pelo modo como sua expressão, bem como os problemas de enunciação vinculados a ela, levam continuamente, o sentido para um outro lugar. Se aceitarmos essa caracterização, podemos avaliar mais amplamente a importância dada aos sermões na dinâmica colonial da Companhia de Jesus. As torções e retorções operadas por Vieira ao longo de sua obra parenética, em todos os níveis da linguagem (simbólicos, sintáticos, acústicos, etimológicos) -- e que organiza, aliás, o colapso de todos esses níveis - oficiam esse deslocamento intermitente do sentido através da atividade de rememoração, administrada pela escuta, ou seja, pela pregação. Os Exercícios espirituais de Inácio de Loyola fazem dessa compreensão um de seus centros. É por isso que o primeiro ponto estabelecido já no primeiro desses exercícios é, justamente, a demanda de se trazer à lembrança e falar sobre o passado de pecado para modificar a vontade:

El primer puncto será traer la memoria sobre el primer pecado, que fue de los ángeles, y luego sobre el mismo el entendimiento discurriendo, luego la voluntad, queriendo todo esto memorar y entender por más me envergoiizar y confundir, trayendo en comparación de un pecado de los ángeles tantos pecados míos. (Loyola, 1982LOYOLA, San I. Obras completas. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1982., p.222, grifo nosso)

Que a lembrança se produza pela voz que corrige o olhar, eis o que Vieira afirma em muitas ocasiões, às vezes de forma bem explícita, ainda que sob a forma do enigma, como, por exemplo, no Sermão das chagas de São Francisco, pregado em Roma em 1672, ao dizer:

Olhai, senhores, para aquelas Chagas. Oh que silêncio! Oh que vozes! Oh que clamores! Aquelas chagas abertas são cinco bocas; aquele sangue ardentemente gelado nelas são cinco línguas, que ferindo os olhos mais cegos penetram os ouvidos mais surdos. Ou as vejais como Chagas de Cristo impressas em Francisco, ou como Chagas de Francisco transformado em Cristo, de modo que são bocas, são línguas, são vozes. [...] A estas vozes convido hoje, senhores, não os vossos ouvidos, senão os vossos olhos. (Vieira, 2015VIEIRA, A. Obra completa. São Paulo: Loyola, 2015. 4t., 30v., t.II, v.X, p.437)

O Samuel de Alencar é a chave de um mistério identitário porque o que ele dá a ouvir, cifradamente, deve fazer Estêvão lembrar o que ele é, modificando seu destino. João Adolfo Hansen (2005HANSEN, J. A. A escrita da conversão. In: COSTIGAN, L. H. (Org.) Diálogos da conversão. Campinas: Editora da Unicamp, 2005., p.31) já havia mostrado como esse dispositivo funcionava em Anchieta: “quando estabelece analogia entre a oralidade e as ações dos selvagens, o jesuíta propõe que a língua deles está escurecida pelo mal”; é desse modo que, “visando reavivar a memória desse saber no indígena, também o padre Anchieta confere uma memória do bem à língua tupi”. Colonizado por Samuel, Estevão se reúne à vocação dos índios sob o jugo jesuítico de se tornar um povo - o do Império de Cristo, entre os inacianos, mas também o do Reino do Brasil no indigenismo de Alencar. Por isso, mesmo antes de a revelação “Tu és jesuíta”, diante das primeiras insinuações de Samuel de que era frei sem saber, Estêvão hesita: “E dizeis que eu sou... Não! não!... Vosso espírito se ilude... ou perdi a memória do passado... a recordação do passado... a recordação do que fui e do que eu sou...” (Alencar, 1960, v.IV, p.489).

O exercício de indiscernibilidade operado pela voz da memória, administrada em segredo por um representante do poder - e aqui é significativo que esse representante seja não um qualquer, mas uma autoridade máxima - arrasta a luminosidade plena do eu sou para o segredo da escuta complexa do tu és. O que se cria, com isso, é um poder sobre o modo de circulação das identidades, estratégia que permitia aos jesuítas projetarem suas vozes por dentro do tecido das mais diversas culturas. Que esse não seja apenas um tema da peça de 1875, mas uma configuração geral da poética de Alencar, se mostra pelo modo como muitos de seus textos se ocuparam do problema da relação entre linguagem e vocação. Na verdade, essa era a questão central de sua polêmica com Gonçalves de Magalhães, ao denunciar no épico A confederação dos tamoios, escrita por esse último em 1856, uma linguagem artificial, nos moldes do classicismo português, incapaz de alcançar esse ponto ideal em que “já não é o poeta que fala; é uma época inteira que exprime pela sua voz as tradições, os fatos e os costumes” (ibidem, p.893). O escritor genuinamente brasileiro deve ocupar, portanto, a função análoga do indiscernível confessor, que impõe, sem ser percebido, uma voz para o ser nacional, ou seja, indígena. Alencar se filia, assim, ao modelo de dominação da circulação identitária dos jesuítas, exigindo que sua voz atribua ao índio sua memória, sem aparecer enquanto tal. Para traduzir as ideias “rudes e grosseiras” dos nativos, se requer que “a língua civilizada se molde quanto possa à primitiva língua bárbara, e não represente as imagens e pensamentos indígenas senão por termos e frases que pareçam naturais na boca do selvagem” (Alencar, 1960, v.III, p.306).6 Tutela da identidade, a vocação soprada nos ouvidos deve se confundir com a voz de quem ouve. Quando Alencar publicou Iracema em 1865, acompanhada de várias notas explicativas nos pés de página, não era por “zelo” como acreditaram alguns de seus comentadores (Bastos 2014BASTOS, A. Alencar, o combatente das letras. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014., p.62), mas porque essas notas constituem um paratexto, que, por sua vez, corresponde ao murmúrio de um pertencimento atribuído sub-repticiamente - se não em segredo, ainda que a olho nu.

2. A segunda indiscernibilidade que organiza as tensões da peça se localiza no extremo oposto da cena da revelação a Estêvão, e, nela, a equivocidade se manifesta não na emergência de uma nova identidade, mas no eclipsamento de uma outra. Refiro-me aos já referidos últimos instantes do drama, quando Samuel, perseguido, após um discurso profético, escapa por uma passagem secreta e desaparece. A forma desse acontecimento dramático é a do enigma do pai.

Apesar de ser o maquiavélico idealizador do plano da independência do Brasil e de conduzir forçosamente todos à sua volta a se sacrificar a ele, Samuel é um personagem em conflito. O que o torna, aliás, defensável e modelar para Alencar é precisamente essa disjunção constitutiva entre a missão e a compaixão. Se, de um lado, ele é capaz de lançar mão das maiores vilezas para levar adiante seu projeto, por outro, o mais terrível, “terá consciência de seu ato” (Alencar, 1960, v.IV, p.1017). O resultado desse embate é que, a partir de certo ponto, ele passa a ameaçar a integridade identitária daquele que deve organizar as identidades: “Eu mesmo não me reconheço!”, confessa, aturdido, a uma certa altura (ibidem, p.529). O que interessa, contudo, é elaborar uma resposta a essa ameaça de tornar-se outro, que colocaria em risco o dispositivo catequético-colonial inteiro. Os primeiros jesuítas do Brasil tinham completa clareza quanto a essa ameaça. É horrorizado que Manuel da Nóbrega escreve, em italiano, ao padre Simão Rodrigues no dia 6 de janeiro de 1950:

Direi a V. R. [Vossa Reverência] uma coisa mais para chorar que para escrever. Um religioso sacerdote impelido pelo demônio conduziu um dia um principal [um chefe da tribo] de uma fortaleza ao seu adversário, para fazê-lo matar e comer. Ele, não querendo fazer o que foi dito ao adversário, dizendo para isso que o queria tomar em guerra e não por engodo, aquele sacerdote começou a incitá-lo, chamando-o vil e pusilânime, pois não matava seu inimigo, tanto que o fez e o comeu, sem outra utilidade daquele religioso, salvo que recebeu não sei que punhado de coisa. (Monumenta Brasiliae, 1956, v.I, p.164)

Evidentemente, o padre degenerado não poderia ser um jesuíta, mas oferece um espelho invertido da eficiência missionária. Assim, o medo de se corromper, ou seja, em última análise, de se tornar índio, fazia parte do cotidiano jesuítico e circunscrevia, pelo avesso, suas instabilidades. Nas mãos dos inimigos dos jesuítas, a imagem do padre como índio disfarçado obteve um destino duradouro, que se vinculava a outras denúncias de falsidade ideológica, ao apresentá-lo como filojudaizante ou herege. É exemplar, nesse sentido, a acusação enfrentada por Antonio Vieira, tal como narrada por ele em carta ao padre André Fernandes em 1659: “Um prelado de certa Religião diz constantemente que eu sou feiticeiro” (Vieira, 2015, t.I, v.II, p.259). Fixar uma nova identidade não seria suficiente - embora esse possa ser entendido como o objetivo final da missão jesuítica -, uma vez que qualquer modelo poderia vir a ser destituído pelo que, no Outro, seria da ordem do absolutamente desconhecido. O problema compreendido em profundidade pelos padres da Companhia de Jesus - e disso deriva, talvez, a eficácia de seu enraizamento no projeto de construção da identidade nacional brasileira - era escapar da armadilha das inversões identitárias. Para isso, era preciso se afirmar mesmo na negação, o que significou, em termos gerais, tornar-se presente mesmo na ausência, ou melhor, presente em toda parte por causa de sua ausência. Somente assim nenhuma inversão poderia apagar os signos da colonização jesuítica. Essa astúcia define o enigma do pai - da função-pai exercida por Samuel ou por Manuel da Nóbrega - dentro do quadro do que poderíamos chamar de dispositivo deuteronômico.

O capítulo 34, o último do livro de Deuteronômio no Antigo Testamento - o texto, portanto, que põe fim aos livros da Lei, o Pentateuco - parece concluir a longa história da busca pela Terra Prometida de modo paradoxal. Isso porque, ao final dos trinta anos de peregrinação pelos desertos, ao avistar, enfim, o lugar destinado por Iaweh a seu povo, Moisés é levado por este até o alto do monte Nebo, onde é informado de que não poderá entrar ali: “Eu a mostrei aos teus olhos; tu, porém, não atravessarás para lá” (Dt 34:4).7 Tudo poderia não passar de mais uma irônica maldade de Deus, não fosse essa impossibilidade acompanhada de uma estratégia que a transformasse em condição da onipresença de Moisés como figura legislante e originária no novo território. Isso porque, ao morrer, ele é sepultado pelo próprio Iaweh nas fronteiras da Terra Prometida, “e até hoje ninguém sabe onde é sua sepultura” (Dt 34:6). Transferido pelo próprio Deus mesmo do nível geográfico e determinado para o nível toponômico e indeterminado - ou seja, para a atopia fundamental da Ordem - é aí que Moisés pode fundar a Lei: ausente, ele está presente em toda parte, constituindo a própria fronteira enquanto limite do Novo Mundo. Paradoxo da excepcionalidade que anima essa fundação, o dispositivo deuteronômico faz do desaparecimento o quadro geral de invisibilidade onde qualquer olhar deve testemunhar qualquer aparecer: o deslizamento operado entre o em alguma parte e o por toda parte.

Como o Moisés do Deuteronômio, Samuel não pode alcançar sua Terra Prometida, muito embora a vislumbre de longe. Sintomáticas, portanto, são suas últimas palavras, em meio ao êxtase profético, antes de desaparecer: “Oh! Deus me ilumina!.. Eu vejo!... Além... no futuro... ei-lo!... Brasil!... Minha pátria!...” (Alencar, 1960ALENCAR, J. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960. 4v., v.IV, p.536). A pergunta final do conde Bobadela - “Onde está?” - e a resposta de frei Pedro depois da qual a cortina se fecha - “Deus o sabe!” (ibidem) - representam a contrapartida idealmente jesuítica à expulsão de Pombal, que pretendia não ver os padres da Companhia em parte alguma. Também aqui o padre Antonoio Vieira entendeu perfeitamente as premissas de sua ordem: nos eventos mais fundamentais, para se permanecer o mesmo, afirmava, seria preciso se deslocar de diante do olhar para trás dele. Não é senão essa ideia a que é expressa em seu comentário acerca do final do Deuteronômio no Sermão das Exéquias da senhora Dona Maria de Ataíde, de 1649: “Pois porque não quis Deus que tivessem os homens notícia da sepultura de Moisés? A razão não é menos que de Santo Agostinho: Ne faciem, quae radiaverat, supressam videret: ‘por que aquele rosto, em que se tinham visto tantos resplendores, não se visse mudado’” (Vieira, 2015, t.II, v.XIV, p.123-4). Eis o mistério do pai ausente-presente.

III

Chamamos de enigma os dois paradoxos da indeterminação jesuítica no drama de Alencar, mas se tivéssemos de usar de forma precisa seu vocabulário, teríamos de falar de charada. É esse o termo utilizado por ele em seu ensaio de autobiografia Como e porque sou romancista, escrito em 1873 e publicado postumamente: “O dom de produzir a faculdade criadora, se a tenho, foi a charada que a desenvolveu em mim” (Alencar, 1960, v.I, p.134).

Os enigmas ou as charadas de O jesuíta resultam em um deslocamento que só se nota ao final, mas que, ao ser notado, tem de ter estado em operação desde o início: não sabemos a quem se refere o personagem-título - ao filho, que escuta um passado que o modifica, ou ao pai, que desaparece para permanecer. Em se tratando de um autor depositado na origem da história literária nacional, essa indeterminação talvez seja mais do que circunstancial. Pode-se erguer a hipótese de que a função da origem na narrativa da história de nossa literatura esteja tensionada entre essas suas fantasmagorias que chamamos de início de barroca, a de um filho que não é e a de um pai que não está. Não temos como desenvolver essa questão tão amplamente quanto desejaríamos aqui. O que nos parece importante notar, ainda que não surpreendentemente, é que o patriarca do indigenismo tenha compromissos epistemológicos tão incontornáveis com o jesuitismo, ou antes, com o modelo de estratégia colonial da Companhia de Jesus.

Restaria explorar, além dos mecanismos paradoxais que procuramos discutir aqui, semelhanças mais imediatas entre a posição retórico-ideológica de Alencar e a dos jesuítas. Do ponto de vista dos valores com os quais seus romances identificam os índios, basta mencionarmos a distinção entre os bons goitacazes e os cruéis aimorés, que sustenta o argumento central de O guarani: ela perpetua a oposição entre os nativos do litoral e os do interior, ou, para usarmos a designação generalista de Anchieta e de Vieira, entre os tupis protocristãos e os indomáveis tapuias.8 No que diz respeito à política, somente um grande esforço comparativo poderia avaliar a abrangência da homologia que fazia com que tanto Vieira, por exemplo, quanto Alencar, embora por argumentos distintos, fizessem a apologia do índio simultaneamente à defesa da necessidade social da escravidão negra.9 Consideramos mesmo que esse debate poderia produzir uma nova compreensão da relação entre a historiografia da literatura brasileira e os mecanismos de sujeição colonial para além de seu tempo histórico. Ainda está por se abordar, enfim, na consideração do jesuitismo de Alencar, o papel vocacional da profecia na construção da identidade nacional. Enquanto em Anchieta e Vieira, a perscrutação do futuro autorizava a entrada da história em uma nova narrativa de sentido, conforme analisou César Braga-Pinto (2003, espec. cap.2 e 4), o que dizer do lugar da antevisão do tempo na poética de Alencar? O lugar dessa contemplação, presente, como vimos, no discurso final de Samuel em O jesuíta, não seria o mesmo daquele “Tu viverás!” pronunciado por Peri em O guarani ao salvar sua amada? Essas questões desenham todo um campo problemático que coincide com a reconsideração do viés colonialista do discurso fundador indigenista de Alencar.

Seja como for, parece-nos razoável supor que seja possível construir um argumento no qual sua obra atestaria que o jesuitismo seria uma outra coisa, além do movimento histórico-político determinado no tempo, embora esteja, é claro, relacionado a ele. Referindo-se ao amor de Peri por Ceci, e ao resgate heroico da jovem durante a inundação na fazenda da família, Luiz Roncari (2014RONCARI, L. Literatura brasileira. Dos primeiros cronistas aos últimos românticos. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2014., p.606) havia notado:

Entre a realização desse amor promíscuo, com a consequente corrosão da ordem patriarcal, e incendiar a casa dos Mariz com todos os seus membros, inclusive os entes familiares queridos, de modo a liberar os amantes para fundar a “nova nação”, Alencar opta pela segunda alternativa. Ele alimenta o mito da nacionalidade sem transgredir a velha ordem. Seria o que poderíamos chamar de a boa devastação.

A expressão boa devastação define de modo preciso a teologia colonial: como acontecia em Vieira, a igualdade utópica entre os nativos e os colonos, deixando de fora, ou mantendo subjugados, inúmeros outros personagens, serve às estratégias de dominação de um discurso paradoxalmente identitário. “Peri quer ser cristão!”, diz o índio apaixonado em devoção religiosa (Alencar, 1960ALENCAR, J. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960. 4v., v.II, p.364). Uma compreensão dos problemas filosófico-políticos de José de Alencar enquanto fundador da literatura brasileira depende de entendermos que é a nós que sua triste figura se dirige. Nós, os jesuítas.

Referências

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  • _______. Vieira em movimento: subjacências da distinção entre tapuias, tupis e negros. Estudos Avançados, v.33, n.97, 2019.

Notas

  • 1
    Uma síntese didática desse contexto, do ponto de vista da constituição de campos discursivos, é fornecida em Silva (2015, p.413-52).
  • 2
    Sobre a fórmula “relaxamento ao braço secular”, ver Vainfas (2010, p.375-6).
  • 3
    A verossimilhança dessa passagem secreta se sustenta para Alencar, como ele sugere na série de artigos “O teatro brasileiro: a propósito de O jesuíta” (publicados no jornal O Globo também em 1875), na lenda de que o colégio dos jesuítas se ligava através de passagens subterrâneas pelo morro do Castelo - àquela altura denominado de São Sebastião - a outros edifícios construídos pelos padres da Companhia (cf. Alencar, 1960, v.IV, p.1019).
  • 4
    Apenas para dar um exemplo típico, quase estrutural pela sua repetição incansável nas cartas jesuíticas dos séculos XVI e XVII, remeto a essa passagem de uma carta de Anchieta escrita no dia 1º de setembro de 1554: “Com estas e semelhantes coisas conseguem que uns não creiam na pregação da palavra de Deus e que outros, que parecia já termos encerrado no redil de Cristo, voltem aos antigos costumes e se apartem de nós, para poderem viver mais livremente” (Anchieta, 1984, p.77). Uma versão conceitualmente e retoricamente mais elaborada da questão é apresentada no conhecido Sermão do Espírito Santo, de Antonio Vieira, de onde partem as análises de Viveiros de Castro.
  • 5
    Ana Lúcia de Oliveira (200, p.70-) mostrou a importância da performance oral em Vieira, mas não explorou os mecanismos, também próprios das práticas jesuítas que analisa, através dos quais se dá a colonização do espaço entre a boca e o ouvido, além de não tirar consequências do cruzamento dessa linha com a do olhar.
  • 6
    É bem verdade que os leitores de um texto como Ubirajara (1874) teriam, talvez, mais facilidade em reconhecer certos diálogos travados entre índios de aldeias inimigas (cf. Alencar, 1960, v.III, p.342) a partir da estilística da ética cavalheiresca de referências clássicas como Le Cid, de Corneille, notável em toda parte no livro. Assim como os jesuítas do século XVI escreveram gramáticas tupi desde a perspectiva do sistema de categorizações das gramáticas latinas, a demanda de pureza linguística de Alencar dependia do que lhe interessava estabelecer como código primitivo: “Não que o escritos tratasse o perfil linguístico ao natural, de fato, jornais e charges satíricas já vinham estabelecendo uma espécie de convenção caricata da prosódia popular. Alencar deve ter aproveitado o material dessa codificação para compor falas que obedecessem ao preceito da coloquialidade, tal como o exigia o gênero dramático em que suas peças se inseriam, a Comédia Realista. Trata-se de uma imitação artística por excelência” (Parron, 2008, p.29).
  • 7
    O impedimento imposto por Iaweh a Moisés pode caracterizar uma punição por este, em companhia de Aarão, ter desobedecido suas instruções para bater em um rochedo de modo a que dele jorrasse água diante do povo incrédulo e sedento. Tendo Moisés e Aarão batido duas vezes na rocha, Iaweh os acusa de duvidar de seu poder (Nm 20:12). Ou ainda, ele poderia se explicar pela necessidade estrutural da narrativa, no momento em que seria preciso criar as condições históricas para a sucessão de Josué. Sobre esse último ponto, ver Woods (2011, p.331-2).
  • 8
    David Treece (2008, p.253) já havia tocado nesse ponto a respeito de O guarani. Sobre a perpetuação dessa mitologia classificatória, ver Zeron (2019). Há de notar que a oposição, embora tenha sido mais amplamente divulgada nos escritos jesuíticos, se encontrava disponível em autores como Gabriel Soares de Souza (2010, p.290-1) e seu Tratado descritivo do Brasil em 1587. O estudo introdutório de Tâmis Parron (2008) permanece uma referência importante e rara para a questão da escravidão em Alencar.
  • 9
    Sobre esse ponto, o estudo mais detalhado de que temos conhecimento encontra-se em Zeron (2011, especialmente p.159-88). Cf. também Amantino (2013).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    26 Dez 2019
  • Aceito
    23 Jan 2020
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