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Autômatos ideológicos

resumo

A fórmula de Mayombe consiste em introduzir o indivíduo em cada circunstância de afirmação ideológica, não para negá-la, mas numa tentativa de inseri-lo de tal modo que a conduta política seja pautada pela consciência do sujeito como condição necessária da liberdade.

palavras-chave:
Pepetela; Mayombe; Angola; História e literatura; Filosofia e literatura

abstract

The formula of Mayombe consists in introducing the individual to every circumstance of ideological affirmation, not to deny it, but in an attempt to insert him or her in such a way that political conduct is guided by the subject’s consciousness as the necessary condition of freedom.

keywords:
Pepetela; Mayombe; Angola; History and literature; Philosophy and literature

O problema fundamental de Mayombe (Pepetela, 2013a) é o da possibilidade de haver indivíduos. Uma vez que a resposta esteja, já de partida, dada, o que se impõe, como necessidade filosófica, é a formulação precisa da pergunta. Sua eficácia, portanto, depende das condições de enunciação. Audaciosa ironia do texto de Pepetela, que se vale do romance, forma artística que tem o indivíduo como necessário, para cogitar sua possibilidade.

A pergunta, para que não seja tomada como mero exercício de estilo, precisa impor-se de tal modo que faça sentido hesitar diante da resposta pronta. Não pretendo reduzir a engrenagem do texto a uma elaboração artística de duas vias em que se expressa, na perspectiva das personagens, uma performance, simulacro de um argumento cujo método é analítico - de constituição de uma resposta - e, na perspectiva do leitor, um real argumento de caráter sintético - de explicação da resposta (Arnauld; Nicole, 1992ARNAULD, A.; NICOLE, P. La logique ou L’art de penser. Paris: Gallimard, 1992., p.281). O objetivo aqui é compreender de que modo as condições do enunciado permitem que faça sentido se perguntar pela existência do indivíduo, tomado como sujeito último de liberdade. Antecipando, em linhas gerais, o que será minha proposta, pode-se dizer que o romance de Pepetela oferta um contexto limite, em que, de um dado ponto de apreciação, assentir a autonomia do indivíduo torna-se um risco.

A guerra como metáfora

As oposições fundamentais que dão movimento ao mundo são uma constante histórica tanto da ação humana quanto do pensamento. Ao suprimi-las, Parmênides condena a natureza a um monismo rigoroso e estático, que não comporta qualquer mudança. Antes das concepções metafísicas que propuseram oposições mais sutis a fim de restabelecer o movimento à realidade, Heráclito já havia compreendido que tornar inteligíveis as tensões entre opostos deveria ser a estratégia de apreensão para a multiplicidade e as mudanças do mundo. Sugeriu que a guerra é o pai de tudo (Kirk et al., 2010KIRK, G.; RAVEN, J.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010., p.187) e que o impasse é nossa própria condição de sobrevivência.

Pois Mayombe é um livro da e sobre a guerra que está em curso. Sem Medo é a personagem que expressa a resistência do sujeito a dois condicionantes que se inserem na luta pela independência de maneira decisiva para intensificar o que se pode apresentar como uma perspectiva de obliteração do indivíduo: ideologia e tribalismo, respectivamente. A ideia de que esses condicionantes não estabelecem tal perspectiva, e sim a intensificam, é tributária do fato, entre outros, de que estão contidos na luta armada.

A metáfora, que para Heráclito surge como tentativa de conferir inteligibilidade à mudança, impõe-se como realidade ao povo angolano. Mas em Mayombe a guerra também é, e tem de ser, metáfora, porque, a princípio, parece não haver inimigo - a menos não onde se espera que ele esteja. O tuga, que precisa ser combatido, vencido e humilhado, ludibriado por esguelhas da astúcia quando em vantagem numérica, não adquire, no romance, existência real. Rita Chaves (1999CHAVES, R. Pepetela: romance e utopia na história de Angola. Via Atlântica, n.2, 1999., p.222), em Pepetela: romance e utopia na história de Angola, observou que o inimigo não tem “sequer estatuto de personagem”, reduzindo-se a “uma espécie de figuração” ou “sombra que corta o caminho dos guerrilheiros”. Aquele que, prima facie, deveria ser o inimigo não se constitui essencialmente e sequer protagoniza as ameaças aos combatentes que, mais do que com as balas do tuga, preocupam-se com a indiferença do povo angolano e sua resistência em aderir à luta pela independência, com a desorganização dos responsáveis pela logística, com o arrivismo no movimento político que articula a guerra, com a sobrevivência na floresta, com a sujeição aos de outra tribo, etc.

Diante dessa ausência, vale recorrer ao panorama oferecido por Jane Tutikian (2006TUTIKIAN, J. Velhas identidades novas. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2006., p.89) em Velhas identidades novas, que faz um mapeamento do papel desempenhado pela literatura no processo de constituição de uma identidade angolana, em suas dimensões histórica e cultural - do qual é partícipe o próprio Pepetela. Ora, com Mayombe 1 estamos, portanto, diante de um quadro em que a unidade do país que busca sua independência é extremamente inorgânica, ainda que, sob certo aspecto político, possa ser irrevogável.

Mas a ausência do suposto inimigo, embora suficiente para justificar a tentativa de encontrar no texto uma tensão que não se dê entre Angola e Portugal, não é suficiente para explicar a natureza não extrínseca dos opostos que, no romance, a guerra conjura. Perceber o conflito como um problema de identidade é deslocá-lo para o âmbito da consciência. Isso porque, no limite, Angola ainda é uma ideia portuguesa que, em tentativa de adquirir autonomia política, sequer está segura de sua autonomia identitária. Embora cada vez menos, Angola ainda é uma abstração imposta à realidade por seus exploradores, que delimitam suas configurações política e geográfica básicas. Mas, se, por um lado, Angola é uma concepção do colonizador, por outro, a própria noção de um Império Português passou a ser dependente da submissão da colônia, que agora a integra como parte constitutiva de sua identidade - não apenas pela relação de dependência econômica mas também por seu posicionamento numa outra relação, qual seja, a de dominador e dominado.

Tal como na elaboração das consciências e perspectivas de liberdade identificadas por Hegel (1992HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito: parte I. Petrópolis: Vozes, 1992., p.126 ss.) na dialética do senhor e do escravo, o mando português é constitutivo das identidades em jogo: uma (a portuguesa) que o toma como afirmação; outra (a angolana) que vai, progressivamente, se fazendo autônoma em relação a ele. Ainda: para o povo que se rebela, uma eventual derrota não modifica seu estado corrente, já para Portugal, que se pretende um Império uno e indiviso, do Minho ao Timor, a derrota determina, não apenas em termos políticos e econômicos, mas mesmo identitários, uma nova condição de existência.2

Numa tentativa de tornar mais esquemático o argumento, podemos traçar uma linha de apropriação no intento separatista: a guerra de Angola é com Portugal, não com as demais potências europeias cujas respectivas colônias delimitam o território angolano. Ou seja, a guerra de Angola é para ser aquilo que Portugal determina geograficamente que Angola é, mas sê-lo a seu próprio modo e de acordo com seus próprios interesses. Há tanto afirmação quanto negação das ideias constitutivas. Um conjunto complexo definiu, com o tempo, um traço de unidade das muitas culturas que a demarcação portuguesa contingenciou. A língua 3 e, por antagonismo, o colonizador (Bortolotto, 2015BORTOLOTTO, B. Revolução, camarada porco. Via Atlântica, n.27, 2015., p.32), organizam e pautam os elementos deste conjunto.

O que se tem é, enfim, um problema de identidade e de autonomia que, embora indissociáveis, não se expressam em termos de igualdades estanques. Deflagrada a guerra, municiadas as armas e mobilizadas as tropas, o problema da identidade se põe ao conjunto dos guerrilheiros, fazendo perder-se, em perspectiva, sua expressão mais elementar e suas clivagens mais significativas, que remetem ao próprio indivíduo, cuja ação se desenvolve em contextos que o forçam até os limites de sua ética, seu conhecimento e, ainda, seus signos.

O que temos da guerra real, portanto, é um emaranhado de filiações identitárias que, sob qualquer que seja o aspecto, eclodem e redefinem constantemente suas grandezas. O ponto fixo, cuja constância precisa absorver as rupturas institucionais e a própria fluidez dos signos,4 é a constituição de uma identidade que opere como substrato de todas essas mudanças. Ora, além de tomá-las, as mudanças, como eventos constitutivos de uma identidade em formação, é necessário, ainda, tomá-las como resultado da autonomia que lhe vai caracterizar. Impõe-se, assim, uma perspectiva de liberdade cuja expressão primeira reporta, em essência, ao indivíduo. Mais: na disputa entre colônia e colonizador há já um desfecho anunciado, de tal modo que os dramas que tomam corpo ao longo do texto são mais os da vitória do que os da derrota,5 ou seja, mais os da superação da subserviência do que os da sua continuidade.

Tentei fundamentar uma leitura do romance em que se possa definir, a partir da centralidade da guerra, uma disputa que não se dá meramente de modo externo à nação e ao indivíduo, entre colonizadores e colonizados.6 A engrenagem do romance permitirá identificar, na guerra real, uma ferramenta de decifração para aquilo que de fato está em disputa: a liberdade do indivíduo que ancora as ideias de desenvolvimento de um país cuja identidade, até então dada numa relação de subserviência, adquire uma autonomia que se revela com o terrível assombro de suas responsabilidades e seus limites.

O indivíduo

A primeira das personagens de Mayombe a assumir o papel de narrador, já na segunda página do texto, é Teoria. Do relato sobre seu drama no mundo, face ao problema capital que lhe dá motor à existência, segue-se a decisão que expressa uma primeira vontade individual que se sobrepõe a um consenso. Teoria diz trazer em si o inconciliável. Proscrito do sim e do não, separa as pessoas em dois grupos, “os maniqueístas e os outros”, e acrescenta: “É bom esclarecer que raros são os outros, o Mundo é geralmente maniqueísta” (Pepetela, 2013a, p.14). Dizê-lo é reivindicar uma condição de raridade, e é nessa condição que insiste em, mesmo ferido, seguir a marcha, contra todas indicações. Afirma estar apto a prosseguir quando, de fato, não está; afirma estar apto a bater em retirada caso necessário; e afirma, ainda, que seu retorno, amparado por outro guerrilheiro, resultaria em um desfalque significativo para o contingente já escasso - ou seja, alega, contrariamente às ponderações do Comissário, que sua permanência é do melhor interesse para o êxito da ação. Há, nisso, um movimento relevante: sua vontade - continuar a marcha com o restante do grupo - se expressa, ainda que Teoria não diga “quero ir para ajudá-los”, pela declaração de estar conforme ao interesse coletivo. Há, para se valer do jargão kantiano, uma opacidade motivacional naquilo que, estando conforme ao interesse dos demais, talvez não se dê pelo interesse dos demais.

Observemos, no entanto, que a insolubilidade entre agir conforme ao interesse coletivo e agir pelo interesse coletivo é ardilosamente realocada a outra distinção: aquela entre a conveniente declaração dos fins e a garantia dos meios. Ora, dada a natureza do evento, os riscos envolvidos e a responsabilidade com a vida dos outros, as condições físicas de Teoria não são, de forma alguma, secundárias em relação a seu desejo de ajudar. Como apontado pelo Comissário, um soldado combalido pode ser mais prejudicial ao destacamento do que dois soldados faltantes. Mas esse é precisamente um dos pontos de refração com que a personagem conta para fazer valer sua vontade. Sua insistência parece sustentar-se em pelo menos duas posições distintas que Teoria não delimita - deixando-as em aberto para ver por onde poderá obter mais êxito: a primeira, de que, ao contrário do que dá a entender o Comissário, um soldado combalido vale mais do que dois soldados faltantes (negar a validade dessa asserção é colocar seu mérito em disputa); a segunda, de que o sujeito sabe mais de suas condições físicas do que qualquer outra pessoa.

Tanto por aquilo que fala quanto por aquilo que ouve sem assentir, Teoria parece ter uma estratégia: dar ares de certeza quanto ao fim, forçar um impasse no que concerne aos meios, e, deste modo, submeter o supostamente incerto ao supostamente certo. O absurdo da tentativa de tomar como critério para subordinação dos meios aos fins não a própria natureza da ação mas sim a subjetiva e enviesada aferição das garantias de propósito é expressamente refutada: “Num passeio, um tipo pode agir contra toda a razão, só porque lhe apetece ir pela esquerda em vez de ir pela direita. Na guerra não tem esse direito, arrisca a vida dos outros” (ibidem, p.15).

A resistência de Teoria em acatar a posição do Comissário e de Sem Medo carece de um endosso. O que a personagem obtém não é apenas a autorização para prosseguir mas, mais do que isso, um reconhecimento de validade. Este reconhecimento vem de Sem Medo, para quem “é evidente que a razão objetiva está do lado do Comissário” (ibidem, p.15). O que se assinala por “razão objetiva” é que o grau de certeza não pode ser o critério para estabelecer, no caso específico, o papel desempenhado pelas partes numa estrutura de subordinação entre o que é finalidade e o que é meio. Ainda assim, Sem Medo assente. Sua justificativa, no entanto, não parece, e nem pretende parecer, em nada mais objetiva do que aquela que Teoria oferecera: “Se foi por teimosia ou não, só ele sabe. [...] Se quer partir a cabeça, se escolheu partir a cabeça, devemos dar-lhe a liberdade de partir a cabeça” (ibidem, p.16). Repousa, assim, sua decisão, sob o abrigo de uma autoridade que faltava ao postulante.

O que o romance vai mostrar, com êxito e relevância, é que existe um princípio para a decisão de Sem Medo, e este princípio não é mera arbitrariedade. Não se trata, com isso, de um transbordo da literatura para uma prescrição ética de natureza particularista, tampouco de um subjetivismo militante ou de um individualismo libertário. O que pretendo mostrar é que esta possibilidade é dada, essencialmente, pela resistência ao que chamei de perspectiva de obliteração do indivíduo.

No início do romance, é Teoria a primeira personagem a assumir a condição de narrador, é ele quem, após reivindicar o lugar especial que atribui aos não maniqueístas, põe-se diante de seus superiores, informando sua decisão em tom de descabida confiança e simulando uma autoridade que se desmente na exata medida em que se expressa, apesar de certa empáfia, na condição de um pedido ou uma súplica. Diz eu vou para a missão, mas ir ou não ir depende, mais do que de sua vontade obstinada, da anuência daqueles que enfrenta com postura algo esotérica e pleno de suas convicções. Faz algo típico do herói de aventuras - que, diante de uma necessidade pessoal, posta pela consciência, precisa transgredir formalidades. Mas fazê-lo não lhe garante o protagonismo do texto. É porque, configurada a situação, surge um drama cuja abordagem detalhada é peculiaridade de Mayombe: o critério do endosso.

A resposta de Sem Medo (ibidem, p.15), em si, parece ter pouco a oferecer: “eu compreendo o camarada Teoria… Por mim, se ele acha que pode continuar, não me oponho. Mas objetivamente o Comissário tem razão”. O trecho ainda revela uma cumplicidade lacônica entre quem pede e quem consente. Sem Medo reconhece que Teoria tem seus motivos para ir e que este os conhece (“Teoria sabe e pode explicar. Mas não quer, e acho que nisso ele tem razão”), e, uma vez pressionado pelos oficiais mais próximos a ser menos subjetivo, escapa, também ele, de se justificar, esvaziando a “razão objetiva” que há pouco reconhecera na posição do Comissário: “Neste caso? Não, aqui só arrisca a sua [vida], e mesmo isso… Sei que se for necessário bater o xangui, Teoria parecerá um campeão”.

O que se segue, no argumento deste estudo, é a iluminação que o restante do livro pode conceder a esse primeiro diálogo, no qual há ainda uma formulação, da perspectiva de Teoria, que se mostra central: “o Comandante também tinha um segredo. Como cada um dos outros. E era esse segredo de cada um que os fazia combater, frequentemente por razões longínquas das afirmadas” (ibidem, p.17). A cartografia é retórica, mas marca um ponto: a diferença. Qualquer que seja sua intensidade ou a relação de distância que estabelece, há algo de distinto entre o conjunto do alegado e o conjunto do vivido e, para os autômatos, o que quer que estabeleça a disjunção precisa ser negado.

Não para Sem Medo, solitário convicto para quem a verde clausura do Mayombe acabará por se tornar seu lugar definitivo no mundo. A tragédia da guerra, que se constitui num denominador comum da experiência de todos os homens da base, é, a partir da obstinada solidão de Sem Medo, contraposta às individualidades de cada combatente. Mas, vale reiterar, o texto não é, de forma alguma, um manifesto individualista.

Para o recorte deste estudo, a solução estrutural da narrativa que se faz relevante é o revezamento dos narradores. Em forma de pequenos monólogos, cada declaração é resultado subjetivo da experiência comum da guerra. O primeiro deles, “Eu, o narrador, sou Teoria”, já define o tom quase arquetípico que essas intervenções terão ao longo do texto. Não apenas pelos significados comuns dos nomes de guerra dos combatentes (Eu, o narrador, sou Teoria; Eu, o narrador, sou Mundo Novo etc.), que proporcionam ao leitor um acesso já carreado por sentidos ao monólogo, mas, principalmente, porque esses trechos revelam uma determinada estrutura mental de percepção do mundo (ibidem, p.14, 64, 209): “o mundo é geralmente maniqueísta”; “um intelectual, que nada conhece da vida, que não sofreu”; “não tem razão em estar ao lado do Comandante, que é kikongo”. As sentenças, note-se, são afirmações peremptórias que, num registro íntimo e solitário, revelam nuances de uma perspectiva de apreensão essencial do mundo a sua volta. Mas os essencialismos, mesmo os que possam ser considerados mais lúcidos e precisos, ou ainda os triviais, se desfazem, ora na alteridade das narrativas, ora na conduta de Sem Medo, que força um acesso ao que é propriamente subjetivo em seus interlocutores não no refúgio de um monólogo solipsista, mas numa estrutura dialógica em que as subjetividades se expressam diante de uma razão e uma subjetividade alheias. É a constante do livro: Sem Medo, frente a algum de seus companheiros de Movimento, pergunta pela razão que o leva a lutar, não as razões comuns, mas as mais íntimas e verdadeiras.

A busca pelo indivíduo não se dá na tentativa de isolá-lo do contexto social. Ao contrário, o objetivo é inseri-lo numa relação cujos parâmetros de endosso estão condicionados, sobretudo, pela luta armada, que define um sentido comum de apreensão do mundo, pela ideologia e pelo tribalismo. Como quer que se dê essa inserção, ela estabelece, forçosamente, uma estrutura relacional que se perde na totalização a que tende toda ideologia.

Convém ressaltar que a afirmação do indivíduo só adquire sentido num contexto não individualista (que seria, em seus aspectos normativos, mais uma forma de ideologia) - ou seja, levando em consideração que o indivíduo não é e nem deve ser o parâmetro único de toda ação ou conduta humana -, já que sua afirmação se dá tomando-o como elemento fundamental de uma estrutura maior. Os monólogos demarcam a posição do indivíduo, mas a narrativa em terceira pessoa e a postura política de Sem Medo o inserem em relações com os demais em que o associativo e o dissociativo precisam, como no modelo de Heráclito, coexistir sem que se anulem. O comandante, aliás, o manifesta expressamente em conversa com Mundo Novo (ibidem, p.227-8), ao dizer que seus guerrilheiros “não são um conjunto de homens manejados para destruir o inimigo, mas um conjunto de seres diferentes, individuais” e, reiterando a percepção de Teoria, acrescenta: “cada um com as suas razões subjetivas de lutar”.

Sem Medo, então, insiste em trazer à luz um aspecto da ação política - a luta armada - que, ao mesmo tempo em que estabelece um drama comum a todos os membros do grupo, ainda se adere diretamente a algo de subjetivo. Sua insistência é uma batalha pessoal contra a negação que se impõe ao que é próprio do indivíduo. Antes de retornar à necessidade de negação, vale observar que o que constitui a diferença entre o alegado e o vivido é justamente a dimensão subjetiva do indivíduo que, ao compartilhar com os demais a luta pela sobrevivência, a ideologia política e, em alguns casos, a tribo, ainda tem em si algo de profunda e inexoravelmente seu, que não ganha sentido para além da própria experiência.

Não convém, aqui, definir com maior rigor a constituição ideológica, no caso específico, da necessidade de negar o que é subjetivo, isto é, aquilo que é a marca do indivíduo. É porque o caso específico remonta ao modelo socialista que pauta a ação política do Movimento Pela Libertação de Angola, o que, como cabe à personagem de Sem Medo deixar claro, é contingente. A apreciação política de Pepetela é mais ampla que o momento histórico preciso, que não lhe serve como matriz, mas apenas como ilustração exemplar. O problema está calcado na demarcação sempre insuficiente de padrões prescritivos. Seu limite, embora fundamental para a composição de qualquer modelo político, é invariavelmente deficitário diante do imenso conjunto da experiência humana possível. Noutras palavras: em qualquer que seja o modelo político, a pressão ou a omissão da sociedade e suas limitações operacionais são forças que vão, a seus turnos, incidir sobre a vontade individual, marcando a diferença essencial e fazendo pressão em sua liberdade. O ponto parece ser que, diante de uma limitação natural, negar esta limitação é promover ilusões que de nada servem para a erradicação do limite, que deixa de ser um impasse para o indivíduo, diante daquilo em que acredita, e adquire feições revulsivas ou expiatórias. O impasse entre indivíduo e ideologia, visto de fora, não resulta de uma oposição inconciliável entre termos que sequer são análogos, mas, ainda assim, o impasse força, necessariamente, um recuo, ou seja, o efeito esperado do que seria uma contradição stricto sensu. Cabe à precipitação irrefletida engendrar, de improviso, uma causa (o indivíduo) que possa ser limada.

A morte, a ideologia e a tribo

A fim de entender de que modo a ideologia acaba por obliterar o indivíduo é preciso antes considerar as maneiras pelas quais uma opção política desempenha, na distribuição dos signos e dos valores, um papel semelhante ao da própria guerra, que se torna o campo de significação em que a sobrevivência e a luta de cada um adquirem contornos comuns. Propriedade da alma humana a de converter, por confluências mais ou menos naturais, particularidades que, sob certos aspectos, se misturam e confundem. As situações extremas proporcionam uma sensação de pertencimento que acolhe as peculiaridades subjetivas e as organiza, não sem impacto psicológico.

Mas observe-se que, se por um lado a situação limite organiza as condições, primeiro de sobrevivência e depois de significação, os limites políticos da sociedade, artifício que para conferir liberdade precisa cerceá-la, também estabelecem parâmetros de convergência. Ideologia, tomada aqui com um sentido amplo, que abarca o ideal de modelo político, surge como um elemento aglutinador de indivíduos que convergem em suas representações de uma liberdade efetiva na vida em grupo. Mas à representação ideal (de finalidade) aderem-se ainda representações laterais (de condições práticas e de mobilização). “Tu serves-te dos homens, neste momento é necessário. Eu não posso manipular os homens, respeito-os demasiado como indivíduos”, diz Sem Medo (ibidem, p.228-9), apontando o ideal prático de Mundo Novo.

Entre as dificuldades de realização do projeto ideológico de liberdade social, está a divergência na própria noção que o conceito de liberdade adquire no curso interno de desenvolvimento de uma ideia. Contorná-la, seja pela sincera tentativa de elucidação de quem tem absoluta firmeza de suas posições, seja pela mobilização panfletária (ibidem, p.114), é um dos desafios sobre os quais se pode teorizar. Sobreposição constante de noções intelectuais, que, tendo início na definição de um conceito aceitável de liberdade, precisa agora de novas elucubrações conceituais para organizá-lo em contextos específicos e depois para realizá-los, a princípio de modo inerente à sua própria natureza e, em seguida, de modo a fazer frente às adversidades e assim sucessivamente.

A superestrutura ideológica, então, se compõe de maneira a dar conta de um amplo conjunto de divergências, intrínsecas e extrínsecas. O limite - isto é, quando não há, sob todas as diferenças em disputa, um substrato comum, interessa menos do que os distanciamentos parciais, as adesões que a vasta diversidade da experiência humana impede de totalizarem-se. “Posso ser liberalista de vez em quando, pois tenho-te sempre como anjo-da-guarda para me guiar”, diz Sem Medo ao Comissário Político (ibidem, p.160), lembrando-o de seu papel de orientação política, mas reservando-se o direito de resguardar uma dimensão de sua vida para agir conforme a própria consciência. O “posso” do comandante é, para que siga existindo, um “devo”.

Em nome da perspectiva de certa noção de liberdade realizada pelo modelo social pretendido, o discurso pode tolher a liberdade individual de escolha, de aderência ou não, uma vez que lhe sonegue ou adultere informações. Uma variação precisa dessa fórmula é cuidadosamente explorada no romance, cuja sintaxe estrutural define um drama basilar do discurso da formação nacional. A proximidade indébita com o proletariado é um remorso que distorce a realidade: “Para fazer parte da equipa dirigente, é preciso ter uma razoável formação política e cultural. O operário que a isso acede passou muitos anos ou na organização ou estudando. Deixa de ser proletário, é um intelectual. Mas nós todos temos medo de chamar as coisas pelos seus nomes e, sobretudo, esse nome de intelectual”, diz Sem Medo, e completa: “Tu, Comissário, és um camponês? Porque o teu pai foi camponês, tu és camponês? Estudaste um pouco, leste muito, há anos que faz trabalho político, és um camponês? Não, és um intelectual. Negá-lo é demagogia, é populismo” (ibidem, p.112). A maka com relação aos intelectuais, que se expressa de diferentes formas ao longo do texto, é concêntrica a problemas de pelo menos duas ordens: primeiro, a legitimidade do próprio discurso de formação, que se constitui teoricamente na experiência literária adquirida nos estudos na Europa e por meio do conhecimento acadêmico - ou seja, a definição de um propósito de liberdade que se organiza conceitualmente de acordo com as ideias produzidas por aqueles que lhes confiscam a autonomia; segundo, a analogia difusa com o próprio drama da liberdade do indivíduo que é sufocada pelas sobreposições teóricas da superestrutura ideológica, uma vez que os intelectuais, ao organizarem sua percepção dos dramas sociais, o fazem conceitual e cientificamente - ou seja, por meio de universais a abstrações -, ao passo que o “homem comum” lida com a apreensão individual e particular.

Quanto à legitimidade, não será necessário explorar a falácia da formulação que, sendo compreensível que surja, não sobrevive a uma análise minimamente cuidadosa. A legitimidade do conhecimento ou, para ser mais preciso, de uma ideia, não é dada por sua nacionalidade, mas por sua fundamentação. De tal modo que expressar aqui uma formulação possível do atrito com os intelectuais não é um endosso de argumento. É importante, de todo modo, notar que, se a própria noção de Angola é dolorosamente tributária do jugo português, os meios de conquista da autonomia reivindicada, em certo sentido, também o são. Como última ressalva a esse problema, vale recorrer à epígrafe do romance, que se utiliza da figura de Prometeu, herança da cultura grega, que rouba dos deuses um conhecimento eficiente também aos humanos (ibidem, p.9, 248).

Está identificada, então, a primeira de duas maneiras relevantes de subjugar o indivíduo à ideologia. É a relação exterior em que se precipita uma aderência enganadora. Há ainda uma relação interior que guarda algumas semelhanças, em características e efeitos, com o elemento tribalista que abordarei adiante. Com o adiamento de alguns de seus aspectos, cabe a formulação sucinta: trata-se do jugo que a estrutura ideológica impõe ao indivíduo que a toma de maneira monolítica, em sua totalidade e sem clareza de seus aspectos constitutivos, como parâmetro de apreensão do mundo e juízo de ações. A totalidade do corpus ideológico adquire um sentido que é imposto a suas partes; um conjunto de ideias cuja formação nem sempre está clara, mas que adquire, mesmo que na falta de clareza, a capacidade de representar o ideal de formação social, a medida do certo ou do errado, a posição do indivíduo diante dos demais - amigo ou inimigo - etc. É nesse sentido que a ideologia tende a uma totalização violenta, já que serve, em termos práticos, ao indivíduo, em muitas esferas distintas: determina o modo de apreensão do mundo, o modo de atuação, os parâmetros éticos do juízo e o situa diante dos demais indivíduos. Drama individual o de quem, para não prescindir do ideológico, abrirá mão de si mesmo. Drama político e cultural o que, na irrefletida negação do indivíduo, inviabiliza o refinamento do corpus ideológico.

Se antes da ideologia como campo de significação comum observamos que, de forma mais ampla, é a guerra, como situação limite, que desempenha esse papel, é necessário ter em mente que os contextos agudos, os momentos extremos das crises são, por definição, transitórios. A configuração crítica que perdura não é mais crise, mas um novo estado de coisas. No horizonte, portanto, aparece o retorno às diferenças e ao alcançá-lo se faz necessário saber como agir diante delas. Como prospecto do impasse diante da diferença, Sem Medo tem, mais do que suas crenças e intuições, o vislumbre imediato do tribalismo, origem de boa parte dos atritos internos do grupo.

É porque a noção de pertencimento do tribalismo monopoliza a empatia e oferece um critério de legitimação de indivíduos. Um conjunto cultural retém travas tocantes à moralidade, ao epistema e aos costumes que são reproduzidas de modo a forçar uma convergência identitária que se assenta em um critério específico de reconhecimento. O sangue é ora seu signo, ora seu avalista - tradução ou fundamento. Toda similitude humana que transcende a fronteira delimitada pela tribo passa a ser ilegítima. A engrenagem negativa é tal qual a operada pela ideologia e não é o propósito delinear suas peculiaridades genéticas, mas há uma complexidade orgânica e fluida que o romance revela com precisão: tribalismo e ideologia, ao compartilharem certos aspectos funcionais, contribuem para uma mútua intensificação de seus respectivos discursos ao custo de, eventualmente, fragilizarem-se diante dos atritos entre pressupostos e formulações constituídas em percursos socioculturais específicos (ibidem, p.47).

Sem Medo é a personagem solitária de Pepetela em Mayombe que, a seu modo, cumprirá a mesma função que Aníbal desempenha em A geração da utopia (Pepetela, 2013b). Os preconceitos do tribalismo não podem afetá-lo porque o vínculo tribal não tem muito a oferecer. O sangue que traduz e oferece mediação é menos preciso e autêntico que o juízo de quem aprendeu a identificar de maneira menos mediada aquilo que discursos tribais e ideológicos pretendem sintetizar. Os ranços da “ideologia estreita” (Pepetela, 2013a, p.233), que não relativiza, não se convertem em modelo de apreensão do mundo ou fórmula para julgar os homens porque a ideologia é segunda em relação a um propósito de liberdade do qual a personagem não abre mão. Tampouco acredita que possa ser liberdade se repete, com seus homens, por ascendência de qualquer natureza, a relação de dependência identitária entre dominador e dominado. Sua noção de liberdade, portanto, não pode se realizar às custas da liberdade alheia.

A inquietação humana de Sem Medo engendra seu isolamento e lhe permite a visão crítica, a consciência dos limites de sua ação e, com a consciência, os seus riscos. A coragem a que faz referência o nome de guerra não é, portanto, apenas a do guerreiro bravio (ibidem, p.45), mas uma coragem para assumir a dura responsabilidade de julgar por si mesmo.7 Sua obstinação na busca pela liberdade não o tolhe de uma visão política específica, mas não a toma como parâmetro último. Sabe que abstrair as responsabilidades de uma opção ideológica - qualquer que seja ela - e negar seus limites significa, necessariamente, negar-se a si mesmo ao deparar com a divergência entre o preceito político e a própria liberdade.

A fórmula de Mayombe consiste em inserir o indivíduo em cada circunstância de afirmação ideológica, sem revogá-la, mas numa tentativa de introduzi-lo de tal modo que a conduta política seja pautada pela consciência, sua condição de liberdade. A narrativa em terceira pessoa, ao descrever os fatos narrados e referir suas justificativas como proferidas por seus atores nem substitui nem pode ser substituída pela narração solipsista dos monólogos, mesmo quando não parecem divergir fatualmente. Sobretudo porque a imprecisão representativa do que é narrado só se revela nos narradores momentâneos, condicionados, por algo alheio a suas consciências, a negar a distinção entre o narrado e o vivido.

Com Sem Medo, ideologia e indivíduo convergem sem a alienação das divergências que força uma ruptura entre discurso e realidade ou, como efeito, entre discurso e ação. O drama individual vai do mais básico (a sobrevivência diante da fome e do inimigo de morte), ao mais abstrato e intelectualizado (a constituição política de uma sociedade), passando pelo amor e o afeto. No cerne dessas inquietações propriamente humanas, está uma personagem que busca nos demais algo de profundamente particular, que seja capaz de mostrar que, no final das contas, tanto sobreviver quanto amar ou construir uma sociedade livre diz respeito àquilo que motiva cada um a lutar e a correr riscos.

O pensamento distópico que Pepetela retratou em A geração da utopia já se insinua como ameaça em Mayombe. É o paroxismo da “ideologia estreita” que, como se verá n’A geração da utopia, terá levado o discurso político revolucionário a assumir o papel autoritário e regulativo que antes era do desempenhado pelo colonizador.

A inquietação humana sobre sua própria natureza adquire, com a sofisticação teórica e o avanço tecnológico e cultural, camadas e camadas que se sobrepõem, incorporando complexidade a ideias cuja envergadura se perde nas limitações do olhar mais breve. Disputas ideológicas dividiram o mundo no século XX e, de certo modo, com oscilação de intensidade, dividem, internamente, as sociedades cada vez menos autóctones do século XXI. O que se deixa escapar é que para qualquer que seja a posição ideológica defendida há, em sua gênese, uma determinada noção do que seja uma pessoa e uma determinada concepção de liberdade que a ancoram. Mais do que oferecer julgamentos ou formulações parciais, Mayombe traz essas concepções ao primeiro plano para que sejam capazes de iluminar aquilo que se perde entre as trivialidades e pressupostos de teorias esvaziadas que, partindo de um ideal de liberdade, tantas vezes se tornam os apreciados e confortáveis calabouços de nossa consciência.

Referências

  • ARNAULD, A.; NICOLE, P. La logique ou L’art de penser. Paris: Gallimard, 1992.
  • BORTOLOTTO, B. Revolução, camarada porco. Via Atlântica, n.27, 2015.
  • CHAVES, R. Pepetela: romance e utopia na história de Angola. Via Atlântica, n.2, 1999.
  • HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito: parte I. Petrópolis: Vozes, 1992.
  • KANT, I. Resposta à pergunta: que é esclarecimento? In: Textos seletos. Petrópolis: Vozes, 1985.
  • KIRK, G.; RAVEN, J.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
  • LOURENÇO, E. A nau de Ícaro. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
  • PEPETELA. Mayombe. São Paulo: Leya, 2013a.
  • _______. A geração da utopia. São Paulo: Leya, 2013b.
  • TUTIKIAN, J. Velhas identidades novas. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2006.
  • _______. Os órfãos de passado e a busca do presente. In: Construções literárias e discursivas da Modernidade. Porto Alegre: Nova Prova, 2008.
  • VECCHIA, R.; REGHINI, T. Mayombe: presença da guerra, perspectiva histórica e memória na construção do romance. Cerrados, n.40, 2016.

Notas

  • 1
    Cf., sobre Mayombe especificamente, Vecchia e Reghini (2016, p.291).
  • 2
    Cf., sobre os desdobramentos da nostalgia do Império Português, Lourenço (1996).
  • 3
    Cf., sobre o papel desempenhado pela língua portuguesa na conformação das identidades nacionais das colônias portuguesas, Tutikian (2006).
  • 4
    Cf., sobre a relação entre história, ficção e identidade nas literaturas luso-africanas, Tutikian (2008, p.67).
  • 5
    Rita Chaves (1999, p.222) apresenta de modo bastante preciso o quadro emocional daquilo que chama de “inexorabilidade que ergue impasses e registra a necessidade de soluções”.
  • 6
    Cf., sobre as múltiplas instanciações, em que os elementos semânticos são sucessivamente substituídos de modo a preservar estruturas relacionais, Bortolotto (2015, p.32).
  • 7
    Cf., sobre a coragem necessária para “servir-se de si mesmo” e fazer uso do entendimento, Kant (1985, p.100).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2018
  • Aceito
    29 Jun 2018
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