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Evolução do padrão de consumo das famílias brasileiras entre 2008 e 2017

Evolution of the consumption pattern of Brazilian families between 2008 and 2017

Resumo

Entre 2004 e 2014, o Brasil vivenciou forte expansão do consumo popular, graças ao aumento do poder aquisitivo das famílias de baixa renda. Este artigo analisa, pela ótica microeconômica, as modificações no padrão de consumo domiciliar resultantes desse cenário, buscando avaliar em que medida a crise instalada no país a partir de 2014 foi capaz de reverter a melhoria no nível de bem-estar alcançada no período precedente. Para tanto, são analisados os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE) de 2017-2018, comparando-os com os de sua edição anterior (2008-2009). São estimadas as despesas familiares per capita em diferentes categorias, bem como suas elasticidades e razões de concentração em relação à renda, averiguando-se quais tipos de gasto tornaram-se mais (ou menos) concentrados nos relativamente ricos. Especial atenção é conferida às despesas de consumo, tendo em vista sua influência direta no nível de bem-estar das famílias.

Palavras-chave:
Despesas familiares; Elasticidade-renda; Curva de concentração; Decomposição do índice de Gini; Brasil

Abstract

Between 2004 and 2014, Brazil experienced a rise in mass consumption, thanks to the increase in the purchasing power of low-income families. This article analyzes, from a microeconomic perspective, the changes in the pattern of household expenditure that resulted from this scenario. It also assesses the extent to which the economic crisis that started in 2014 has reversed the improvement in the welfare level reached in the previous period. To this end, we use data from the 2017-2018 Brazilian Family Budget Survey, comparing them with the corresponding results from its previous edition (2008-2009). We estimate per capita family expenses in different categories, as well as income-elasticities and concentration ratios, to evaluate which types of expenditure have become more (or less) concentrated in the relatively wealthy families. We pay particular attention to consumption expenditure, given its direct influence on living standards.

Keywords:
Family expenditure; Income elasticity; Concentration curve; Gini index decomposition; Brazil

Introdução

Nas últimas décadas, o Brasil vivenciou um modelo de crescimento caracterizado por alguns autores como de consumo de massas. É fato que entre 2004 e 2010, o incremento na renda familiar, combinado com a redução da desigualdade em sua distribuição, permitiu considerável expansão do mercado consumidor doméstico. Mesmo quando o crescimento econômico arrefeceu, entre 2011 e 2014, a continuidade nos processos de redistribuição de renda e redução da pobreza e o maior acesso ao crédito possibilitaram à população de diferentes estratos de renda desfrutar de um padrão de consumo mais diversificado.

Entre as condições que favoreceram esse cenário aponta-se a implementação de políticas de mercado de trabalho, como a de valorização real do salário mínimo - “farol” para os rendimentos mais baixos - e a de indução à formalização do emprego. Também foi determinante a ampliação das transferências governamentais de renda à população mais pobre, realizadas por meio das aposentadorias rurais e de programas sociais federais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada. O aumento do poder de compra das famílias foi impulsionado, ainda, pela forte expansão da oferta de crédito à pessoa física, para a qual contribuíram: i) a mudança de estratégia das instituições bancárias, que identificaram no novo contexto econômico ganhos potenciais nos empréstimos a famílias; ii) a flexibilização regulatória, com a autorização do consignado a todos os empregados e aposentados; iii) e a expansão do crédito direcionado imobiliário (Kerstenetzky, 2016KERSTENETZKY, C. L. Consumo social e crescimento redistributivo: notas para se pensar um modelo de crescimento para o Brasil. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 36, n. 1, p. 29-45, jan./mar. 2016.; Paiva; Silva; Feijó, 2016PAIVA, G. F. S.; SILVA, D. B. N.; FEIJÓ, C. A. Exploratory note on consumption and socioeconomic classification in Brazil based on evidences from the family expenditure survey. Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 207-228, Aug. 2016.). Pelo lado da oferta, foi propícia a estabilidade nos preços dos bens industriais de consumo popular, por valorização cambial e por importação da China e da Ásia (Bielschowsky, 2012BIELSCHOWSKY, R. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. spe, p. 729-747, dez. 2012.; Medeiros, 2015MEDEIROS, C. A. Inserção externa, crescimento e padrões de consumo na economia brasileira. Brasília: IPEA , 2015.).

A crise econômica que atingiu o País a partir de meados de 2014 ocasionou a mudança desse cenário, com aumento no número de trabalhadores desocupados, desalentados e inativos, cuja renda do trabalho é nula. A desigualdade na distribuição da renda domiciliar per capita, que havia declinado sistematicamente entre 2001 e 2015, voltou a aumentar, com parte substancial daquela conquista sendo revertida nos três anos seguintes. Após grande redução de 2003 a 2014, a pobreza cresceu consideravelmente de 2015 a 2017 (Hoffmann, 2020HOFFMANN, R. Distribuição da renda domiciliar per capita no Brasil, 2012 a 2019 e 1995 a 2015. IEPE/Casa das Garças, maio 2020. (Texto para Discussão n. 59). Disponível em: Disponível em: https://iepecdg.com.br/wp-content/uploads/2020/05/RDPC1995-2019.pdf . Acesso em: 27 maio 2020.
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). Para economistas ortodoxos e novo desenvolvimentistas, isso seria evidência de que o modelo de crescimento dos governos Lula e Dilma, puxado pelo consumo doméstico, ter-se-ia esgotado, ainda que um elevado percentual dos domicílios brasileiros não tenha atingido um padrão de consumo que garanta segurança alimentar e a satisfação das demais necessidades básicas.

A proposta deste artigo não é apontar as causas do eventual esgotamento desse modelo ou suas fragilidades. O objetivo é analisar, de uma ótica microeconômica, as modificações no padrão de consumo das famílias brasileiras que ocorreram nesse período. Nesse sentido, este trabalho dialoga com a literatura a respeito da economia do comportamento do consumidor, que, em âmbito nacional, tem se apoiado nos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE) - única fonte de microdados sobre a estrutura de gastos dos domicílios no País. Pesquisas empíricas anteriores mostraram ter havido, entre as edições de 2002-2003 e 2008-2009 da POF, aumento dos gastos dos indivíduos dos estratos socioeconômicos mais baixos, juntamente com redução do nível de poupança e elevação no grau de endividamento em diferentes estratos de renda (Paiva; Silva; Feijó, 2016PAIVA, G. F. S.; SILVA, D. B. N.; FEIJÓ, C. A. Exploratory note on consumption and socioeconomic classification in Brazil based on evidences from the family expenditure survey. Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 207-228, Aug. 2016.). Observou-se, ainda, queda da participação das despesas com Alimentação no domicílio e com Vestuário nas despesas monetárias totais - repetindo tendências anteriores e em consonância com a Lei de Engel - e diversificação do consumo. Para as famílias acima do sétimo decil da renda, houve um direcionamento dos gastos para a aquisição de bens duráveis, como imóveis, automóveis e eletrodomésticos (Dória, 2013DÓRIA, R. M. S. Evolução do padrão de consumo das famílias brasileiras no período 2003-2009 e relações com a distribuição de renda. 2013. 134f. Dissertação (Mestrado em Economia)-Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; Medeiros, 2015MEDEIROS, C. A. Inserção externa, crescimento e padrões de consumo na economia brasileira. Brasília: IPEA , 2015.).

O enfoque deste trabalho é nas transformações mais recentes no padrão de consumo das famílias, derivadas da comparação dos resultados das POF 2017-2018 e 2008-2009. Como esse lapso de tempo encobriu fases distintas do ciclo econômico, esses dados não permitem medir separadamente os efeitos da crise instalada no País a partir de 2014, mas permitem avaliar se ela foi capaz de reverter a melhoria de bem-estar observada no período anterior.

A metodologia empregada na análise consiste na estimação dos gastos e das elasticidades-renda da despesa familiar total e das subcategorias de despesas correntes (nas quais incluem-se as despesas de consumo), aumento do ativo e diminuição do passivo. Além disso, obtêm-se as razões e curvas de concentração das despesas em relação à renda. Como o grau de progressividade ou regressividade das diversas categorias de despesa é estimado em relação à renda familiar per capita, é possível averiguar quais delas tornaram-se mais (ou menos) concentradas nos relativamente ricos do que a própria renda.

Especial ênfase é conferida às despesas de consumo, tendo em vista sua influência direta nos níveis de bem-estar das famílias, servindo como medida mais apurada do padrão de vida no período corrente do que a renda em si. Após se calcular o índice de Gini da distribuição dos gastos em consumo, decompõe-se seu valor, a fim de verificar quais itens contribuíram para sua redução no período em estudo. Como a equidade no consumo é um fator fundamental para o bem-estar econômico de uma sociedade, identificar os fatores que contribuem para que ela seja alcançada pode amparar o desenho de políticas públicas para esse fim.

O trabalho encontra-se organizado conforme se segue. A seção 1 descreve em pormenores a base de dados utilizada (seção 1.1), a estratégia adotada para a estimação das elasticidades-renda das diversas categorias de despesa (seção 1.2) e a metodologia que permite analisar seu grau de concentração (seção 1.3). Os resultados são apresentados em seguida (seção 2), ressaltando-se sempre as diferenças entre aqueles observados para a POF 2008-2009 e a 2017-2018. O trabalho é encerrado com breves considerações.

1 Material e métodos

1.1 Base de dados

A base de dados utilizada neste trabalho foi a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se de uma pesquisa amostral, de natureza domiciliar, que coleta informações a respeito da estrutura de gastos e das fontes de rendimentos dos domicílios particulares permanentes do País.

Foram consideradas as informações relativas às edições de 2008-2009 e 2017-20181 1 A coleta de dados da POF 2008-2009 ocorreu entre 19 de maio de 2008 e 18 de maio de 2009. Já a POF 2017-2018 foi a campo entre 11 de julho de 2017 e 9 de julho de 2018. . Por simplicidade, elas serão identificadas deste ponto em diante como POF 2008 e POF 2017. Para torná-las comparáveis, os valores monetários da edição de 2008 foram expressos em reais de janeiro de 2018, data de referência da POF 2017. Para tanto, levou-se em consideração a inflação aferida pelo INPC2 2 De acordo com o INPC, os valores correntes da POF 2008 foram multiplicados por 1,688132, levando em consideração a inflação acumulada entre janeiro de 2009 e janeiro de 2018. .

A amostra da POF 2008 continha 56.091 unidades de consumo3 3 A unidade de consumo é definida como o “morador ou conjunto de moradores que compartilham da mesma fonte de alimentação” (IBGE, 2019, p.14). Esse conceito é considerado equivalente ao termo família, para efeito de divulgação da POF. , que ponderadas por seus respectivos fatores de expansão representavam uma população de 57.816.604 famílias e 190.519.297 indivíduos. Já em 2017, a POF investigou 58.039 unidades de consumo, que correspondiam a 69.017.704 famílias e 207.103.790 indivíduos. O número médio de pessoas por família passou de 3,3 em 2008 para 3,0 em 2017.

O objeto de análise deste trabalho - as despesas familiares monetárias e não monetárias - são subdivididas na POF em despesas correntes (nas quais estão incluídas despesas de consumo e outras despesas correntes), aumento do ativo e diminuição do passivo.

As despesas de consumo são classificadas em 11 grupos, a saber: i) alimentação; ii) habitação; iii) vestuário; iv) transporte; v) higiene e cuidados pessoais; vi) assistência à saúde; vii) educação; viii) recreação e cultura; ix) fumo; x) serviços pessoais; e xi) outras despesas diversas. As outras despesas correntes referem-se ao pagamento de impostos, contribuições trabalhistas, serviços bancários, pensões, mesadas, doações e aportes à previdência privada. O aumento do ativo compreende a compra, construção ou reforma de imóveis próprios, bem como investimentos em títulos de capitalização, títulos de clube, aquisição de terrenos, entre outros. Na diminuição do passivo estão incluídas as despesas com a amortização de dívidas ou com seus encargos (IBGE, 2019IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: primeiros resultados. Rio de Janeiro: IBGE. Coordenação de Trabalho e Rendimento, 2019. Disponível em: Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101670.pdf . Acesso em: 4 nov. 2019.
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).

1.2 Estimativa das elasticidades-renda

Para estimar as elasticidades-renda das despesas bastaria ajustar uma função poligonal que mostrasse como o logaritmo da despesa de interesse varia em função do logaritmo da renda familiar. Contudo, conforme tem sido amplamente discutido na literatura, um problema típico de pesquisas domiciliares diz respeito aos erros de medida na captação dos rendimentos (Hoffmann, 1988HOFFMANN, R. A subdeclaração dos rendimentos. São Paulo em Perspectiva, v. 2, n. 1, p. 50-54, 1988.; Rocha, 2003ROCHA, S. A investigação da renda nas pesquisas domiciliares. Economia e Sociedade, Campinas, v. 12, n. 2 (21), p. 205-224, jul./dez. 2003.; Souza, 2015SOUZA, P. H. G. F. A distribuição de renda nas pesquisas domiciliares brasileiras: harmonização e comparação entre Censos, PNADs e POFs. Rev. Bras. Estud. Popul., São Paulo, v. 32, n. 1, p. 165-188, abr. 2015.). No caso da POF, essa questão é extensiva aos valores declarados dos dispêndios. A fim de atenuá-la, consideraram-se, em lugar dos dados individuais, os valores médios de despesa e de renda em dez classes da renda familiar per capita (RFPC). Tal partição dos dados em classes foi feita com o objetivo de criar grupos homogêneos de informações, uma vez que as estruturas de despesas das famílias mostram-se altamente correlacionadas com sua renda. Esse procedimento conduz a resultados mais coerentes que aqueles obtidos utilizando-se dados individuais.

As classes de RFPC consideradas em 2017 são apresentadas na Tabela 1, a seguir. Seus limites foram estabelecidos de modo a evitar que uma delas detivesse uma proporção muito pequena da população ou da renda total, tendo em vista obter estimativas de médias de classe com menor variância, mas preservando elevada heterogeneidade entre si. A penúltima coluna da tabela mostra a renda familiar per capita média em cada classe; já a última coluna traz a distribuição da massa de rendimentos nas dez classes consideradas.

Tabela 1
Pessoas e famílias por classes da renda familiar per capita, Brasil, 2017-2018.

Para cada uma das dez classes de RFPC foram obtidas as médias das despesas familiares per capita, de acordo com as diferentes categorias de gastos apresentadas na seção anterior. Esses valores foram, então, utilizados para se ajustar uma função poligonal com três segmentos (dois vértices)4 4 Esse modelo, com quatro coeficientes, foi escolhido por se mostrar bastante flexível (com bom ajuste aos dados para a maior parte das categorias de despesa analisadas) e ser razoavelmente parcimonioso. , conforme se segue:

ln Y i = α + β ln X i + h = 1 2 δ h Z h i ln X i - ln θ h + u i , i = 1 , . . . , 10 (1)

em que Y i é a despesa familiar per capita média na i-ésima classe e X i a RFPC média correspondente. O valor θ h denota a RFPC correspondente ao h-ésimo vértice da poligonal (com θ1<θ2), e Z hi é uma variável binária igual a zero para Xiθh e igual a um para Xi>θh. Admite-se que os u i sejam termos estocásticos independentes, com distribuição normal5 5 Cabe lembrar que a pressuposição de normalidade de distribuição dos erros só é necessária para que testes t e F sejam rigorosamente válidos. de média zero e variância inversamente proporcional ao número de pessoas da população pertencente à respectiva classe. Assim, o ajustamento do modelo foi feito por mínimos quadrados ponderados, utilizando-se o número de pessoas por classe de RFPC como fator de ponderação.

De acordo com essa especificação, os três segmentos da poligonal correspondem a três grandes estratos (que serão indicados por I, II e III) delimitados por θ 1 e θ 2. No estrato I, com Xiθ1, a elasticidade-renda é igual a β; no estrato II, com θ1<Xiθ2, a elasticidade-renda é β+δ1; e no estrato III, com Xi>θ2, a elasticidade-renda é igual a β+δ1+δ2. Podem-se adotar como valores para θ 1 e θ 2 dois dos nove limites que definem as dez classes de renda apresentadas na Tabela 1. Combinados dois a dois, esses nove limites oferecem 36 diferentes maneiras de se ajustar uma poligonal com três segmentos. O ajustamento adotado foi aquele que resultou no maior coeficiente de determinação do modelo (R 2), salvo no caso de categorias de despesas em que a estimativa da elasticidade em algum dos três estratos mostrou-se claramente discrepante, particularmente no caso de estratos que incluíam apenas uma classe de renda. Nesses casos, escolheu-se outra forma de agrupamento, desde que isso não reduzisse muito o R 2.

Após estimarem-se as elasticidades-renda nos três estratos, correspondentes aos três segmentos do modelo de poligonal adotado, a elasticidade-renda média foi obtida mediante a média ponderada dessas três elasticidades, adotando-se como fator de ponderação a participação de cada estrato na despesa analisada.

Cumpre notar que essa estratégia para obtenção das elasticidades de Engel apareceu pioneiramente em Hoffmann (1983HOFFMANN, R. Elasticidades de Engel para dispêndios familiares na cidade do Rio de Janeiro: outro método de estimação. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 267-274, 1983.) e, em vista da facilidade de sua aplicação e da coerência dos resultados obtidos, foi adotada por outros autores, a exemplo de Bacchi e Spolador (2002BACCHI, M. R. P.; SPOLADOR, H. F. S. Income-elasticity of poultry meat consumption in metropolitan areas of Brazil. Scientia Agricola, v. 59, n. 3, p. 451-455, jul./set. 2002.) e Souza, Oliveira e Burnquist (2013SOUZA, M. J. P.; OLIVEIRA, P. R.; BURNQUIST, H. L. Lar “doce” lar: uma análise do consumo de açúcar e de produtos relacionados no Brasil. Rev. Econ. Sociol. Rural, v. 51, n. 4, p. 785-796, out./dez. 2013.).

1.3 Curvas e razões de concentração

Após estimarem-se as elasticidades-renda das diversas categorias de despesa da POF, foram obtidas suas razões e curvas de concentração, comparando-se os resultados obtidos para 2008 e 2017.

Para a construção da curva de concentração de um determinado tipo de despesa, digamos, Y, é necessário previamente ordenar os indivíduos segundo valores não decrescentes de uma outra variável, que indicaremos genericamente por X. Na seção 2.2, em que se analisa o grau de progressividade ou regressividade das diversas categorias de despesa em relação à renda familiar per capita (RFPC), a ordenação dos indivíduos pautou-se nessa variável. Já na seção 2.3 considerou-se a ordenação segundo os valores das despesas familiares totais de consumo per capita (DCPC).

Define-se, então, a proporção acumulada da população até a i-ésima pessoa como pi=in, em que n indica o tamanho da população. Calcula-se, ainda, a proporção acumulada, até o i-ésimo indivíduo, da despesa familiar per capita (Y) de interesse, mediante a expressão

Ψ i = 1 n μ Y j = 1 i Y j (2)

em que μ Y é a média de Y.

A curva formada pela origem e pelos pontos (p i, Ψi ) é a curva de concentração de Y em relação a X. Seja β i a área compreendida entre essa curva e o eixo das abscissas. Então, a razão de concentração de Y é dada por

C Y = 1 - 2 β Y (3)

Note-se que, embora a variável de interesse seja Y, os dados são ordenados conforme valores não decrescentes de X. O índice de Gini é o caso particular da razão de concentração em que a proporção acumulada da variável de interesse é ordenada por ela mesma. O índice de Gini da RFPC, por exemplo, é obtido ao se ordenar os indivíduos segundo valores não decrescentes dessa variável e ao se adotar como variável de interesse na expressão (2) a própria RFPC.

É possível demonstrar que a razão de concentração (C Y ) encontra-se compreendida no intervalo

- 1 + 1 n C Y 1 - 1 n (4)

Um valor elevado (próximo de 1) de C Y indica que a despesa está concentrada nos relativamente ricos, ao passo que um valor baixo (próximo de -1) indica que ela está concentrada nos pobres. Despesas com razão de concentração superior ao índice de Gini estão mais concentradas nos relativamente ricos do que a própria variável X.

É importante destacar que uma razão de concentração nula não implica que a distribuição de Y seja igualitária. Esse valor indica tão somente que não há associação linear entre Y e X na população, embora possa haver substancial desigualdade na distribuição de ambas. Para medir a desigualdade da distribuição de uma determinada categoria de despesa, deve-se calcular seu índice de Gini, o que requer ordenar previamente a população segundo valores não decrescentes dessa variável.

Há uma relação direta entre a razão de concentração de uma categoria de despesa em relação à renda e a elasticidade-renda dessa despesa. Se a elasticidade-renda for sempre maior do que 1, a respectiva razão de concentração será necessariamente maior do que o índice de Gini da distribuição da renda e a curva de concentração estará sempre abaixo da curva de Lorenz. Se a elasticidade-renda for sempre menor do que 1, a respectiva razão de concentração é necessariamente menor do que o índice de Gini da renda (Kakwani, 1977KAKWANI, N. C. Applications of Lorenz curves in economic analysis. Econometrica, v. 45, n. 3, p. 719-727, abr. 1977.).

1.3.1 Decomposição do índice de Gini

Conforme mostrou Rao (1969RAO, V. M. Two decompositions of concentration ratio. Journal of Royal Statistical Society: Series A (General), v. 132, n. 3, p. 418-425, 1969.), o índice de Gini de uma determinada variável (digamos, Y) pode ser escrito como uma média ponderada das razões de concentração de seus K fatores componentes, admitindo que estes sejam exaustivos e mutuamente exclusivos:

G = h = 1 k φ h C h (5)

em que φ h é a participação da h-ésima parcela em Y e C h sua razão de concentração.

Tal propriedade permite que variações no índice de Gini de Y entre dois instantes no tempo sejam decompostas em um efeito associado a variações nas razões de concentração de seus k componentes, e em outro resultante de alterações na participação de cada um deles no total. Para tanto, sejam G 1 e G 2 os valores do índice de Gini nos instantes inicial e final da análise. A mudança observada no grau de desigualdade, entre esses dois períodos, é dada por

Δ G = G 2 - G 1 = h = 1 k φ 2 h C 2 h - φ 1 h C 1 h (6)

Mediante algumas operações algébricas, essa expressão pode ser reescrita como

Δ G = h = 1 k C h - G Δ φ h + φ h Δ C h (7)

em que, Δφh=φ2h-φ1h,ΔCh-C1h,Ch=12C1h+C2h,G=12G1+G2 e φh=12φ1h+φ2h.

A expressão (7) mostra que a contribuição da h-ésima parcela de Y para a mudança observada no índice de Gini é formada por dois componentes. O primeiro, dado pela expressão Ch-GΔφh, corresponde ao efeito-composição e resulta de modificações na participação dessa parcela em Y. Já o segundo efeito, denominado concentração, resulta de variações em sua razão de concentração e é dado por φhΔCh. A expressão (7) mostra, ainda, que a variação no índice de Gini resulta do somatório dos efeitos composição e concentração associados às k parcelas constitutivas de Y.

Vale ressaltar que a contribuição do efeito-composição depende da progressividade ou regressividade de cada parcela. O aumento de φ h , no caso de uma parcela progressiva, contribui para a queda do índice de Gini no período considerado. Por outro lado, aquele mesmo aumento, considerando uma parcela regressiva, colabora para o aumento da desigualdade geral no intervalo analisado.

2 Resultados

2.1 Elasticidade-renda das despesas

A Tabela 2 traz as estimativas das médias mensais por unidade de consumo das diversas categorias de despesa investigadas na POF, a preços de janeiro de 2018, bem como sua distribuição nas duas últimas edições da pesquisa.

Tabela 2
Despesa monetária e não monetária média mensal familiar, segundo os tipos de despesas selecionadas, e variação patrimonial mensal familiar, Brasil, 2008 e 2017

Conforme se vê, em 2017 as despesas totais conservaram a trajetória ascendente que já havia sido observada entre as edições de 2002 e 2008 da POF. Sua composição, porém, apresentou modificações importantes. Em 2017 o aumento do ativo das famílias foi 26,5% menor, em relação a 2008. Como consequência, sua participação na composição da despesa reduziu-se a 4,1%. No mesmo período, as despesas com o pagamento de dívidas e seus encargos (diminuição do passivo) aumentaram 63,6%, apresentando, assim, a maior variação dentre todas as categorias discriminadas na Tabela 2.

O aumento das despesas com a diminuição do passivo pode ser explicado, de um lado, pela ampliação do mercado de crédito ao consumidor no País e, de outro, pela crise econômica verificada a partir de meados de 2014. Com relação ao primeiro aspecto, é emblemática a expansão do crédito para aquisição de imóveis entre 2008 e 2013, com consequente aumento no volume de financiamentos concedidos. A partir de meados de 2014 a crise econômica levou à elevação da taxa de desemprego e ao aumento do endividamento das famílias. Como consequência, quando a POF 2017 iniciou a coleta dos dados, em junho de 2017, 8% das famílias declarava possuir dívida imobiliária e 76,9% delas, dívida no cartão de crédito, face aos percentuais de 3,1% e 67,7% em janeiro de 20106 6 Idealmente, essa comparação deveria ser feita levando-se em consideração maio de 2009 - último mês em que a POF 2008 coletou dados. Entretanto, isso não é possível porque a Peic/CNC teve início apenas em janeiro de 2010. , segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e TurismoCONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO. Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) - Série Histórica. Disponível em: Disponível em: http://cnc.org.br/sites/default/files/2019-10/S%C3%A9rie_Hist%C3%B3rica_Peic.xls . Acesso em: 17 fev. 2020.
http://cnc.org.br/sites/default/files/20...
(Peic/CNC).

Entre as despesas de consumo, aquelas realizadas com Habitação seguem sendo as de maior importância no orçamento das famílias, respondendo por 29,6% de seus gastos totais, de acordo com a POF 2017. Em segundo lugar encontram-se as despesas com Transporte (14,6%), que pela primeira vez na série histórica da POF suplantaram Alimentação (14,2%)7 7 Vale notar que, em consonância com o comportamento descrito pela Lei de Engel, a despesa com Alimentação tem perdido participação no orçamento familiar desde a POF 2002-2003, uma vez que à medida que a renda per capita aumenta, o montante gasto com itens não essenciais torna-se proporcionalmente maior. . Embora ambas tenham sofrido decréscimo na média mensal familiar entre 2008 e 2017, este foi maior no grupo Alimentação (−7,5%). Reduções importantes também foram verificadas nos gastos com Vestuário (−19,7%) e Fumo (−11,3%).

No caso de Fumo, a queda nos gastos é um possível indicativo de mudança nos hábitos da população em decorrência de campanhas de conscientização a respeito dos malefícios do cigarro.

O barateamento relativo de bens de consumo - facilitada pela apreciação cambial observada no período - pode ter influenciado a redução dos gastos em categorias como Vestuário. Mas também é fato que à medida que aumenta o nível de renda da população, o consumo se desloca para bens mais sofisticados e, consequentemente, de maior valor agregado. O mesmo se aplica à Alimentação, categoria que, por um lado, tem sido influenciada pelo barateamento de produtos prontos para consumo e, por outro, pela opção por itens de qualidade superior. A redução nos gastos com Alimentação e Vestuário entre 2008 e 2017 parece estar mais relacionada aos efeitos da crise econômica, que inibiram a sofisticação do padrão de consumo para a maior parte das famílias, que a um eventual efeito preço. Evidências nesse sentido são apontadas por Vaz e Hoffmann (2020VAZ, D. V.; HOFFMANN, R. Elasticidade-renda e concentração das despesas com alimentos no Brasil: uma análise dos dados das POF de 2002-2003, 2008-2009 e 2017-2018. Revista de Economia, v. 41, n. 75, 2020.), que mostram ter havido reversão na tendência de aumento dos gastos com carnes, vísceras e pescados e queda nas despesas com todas as categorias de produtos light/diet entre 2008 e 2017.

As despesas de consumo que apresentaram os maiores aumentos monetários reais em 2017 foram as realizadas com Educação, que cresceram 60,5% ante 2008, e com Higiene e cuidados pessoais (aumento de 58,9%).

No que se refere à Educação, é digno de nota que na comparação entre a POF 2002-2003 e a 2008, esse tipo de gasto havia declinado e, assim, perdido participação no orçamento das famílias (ver IBGE, 2019IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: primeiros resultados. Rio de Janeiro: IBGE. Coordenação de Trabalho e Rendimento, 2019. Disponível em: Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101670.pdf . Acesso em: 4 nov. 2019.
https://servicodados.ibge.gov.br/Downloa...
, p. 47). A mudança de trajetória observada entre 2008 e 2017 encontra explicação tanto no aumento das despesas com cursos regulares (crescimento de 94,2%), como com cursos superiores (38,1%) e outros cursos e atividades (49,1%)8 8 A categoria Educação é também formada pelos subitens Livros didáticos e revistas técnicas, Artigos escolares e Outras, que juntas representavam 19,16% dos gastos mensais familiares em Educação em 2017. . Na rede privada, o número de matrículas na educação básica passou de 7.309.742 em 2009 para 8.887.061 em 2017. No mesmo período, os valores correspondentes na rede pública declinaram de 45.270.710 para 39.721.032 (INEP, 2019aINSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Básica 2009. Brasília: Inep , 2019a. Disponível em: Disponível em: http://download.inep.gov.br/informacoes_estatisticas/sinopses_estatisticas/sinopses_educacao_basica/sinopse_estatistica_da_educacao_basica_2009.zip . Acesso em: 11 jun. 2020.
http://download.inep.gov.br/informacoes_...
, 2019bINSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Básica 2017. Brasília: Inep , 2019b. Disponível em: Disponível em: http://download.inep.gov.br/informacoes_estatisticas/sinopses_estatisticas/sinopses_educacao_basica/sinopse_estatistica_da_educacao_basica_2017.zip . Acesso em: 11 jun. 2020.
http://download.inep.gov.br/informacoes_...
). Assim, em que pese a diminuição no número total de alunos, decorrente da transição demográfica, a rede privada sofreu expansão, o que se refletiu nos gastos familiares.

Em se tratando dos cursos em nível superior, o aumento nos gastos também esteve associado à expansão do ensino privado: entre 2009 e 2017, o número de matrículas em cursos de graduação (presenciais e à distância) em instituições privadas passou de 4.430.157 para 6.241.307 - um salto de 40,1% (INEP, 2018aINSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Superior 2009. Brasília: Inep, 2018a. Disponível em: Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/superior/censo/2009/sinopse_da_educacao_superior_2009.zip . Acesso em: 11 jun. 2020.
http://download.inep.gov.br/download/sup...
, 2018bINSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Superior 2017. Brasília: Inep , 2018b. Disponível em: Disponível em: http://download.inep.gov.br/informacoes_estatisticas/sinopses_estatisticas/sinopses_educacao_superior/sinopse_educacao_superior_2017.zip . Acesso em: 11 jun. 2020.
http://download.inep.gov.br/informacoes_...
). Os programas governamentais de financiamento estudantil - em particular, o ProUni/MEC9 9 Programa Universidade para Todos do Ministério da Educação. Estimativas indicam que o gasto com esse programa passou de R$ 578 milhões em 2010 para R$ 1,125 bilhão em 2014 (Pinto, 2016). e o Fies/MEC10 10 Fundo de Financiamento Estudantil do Ministério da Educação, cujos gastos saltaram de R$ 1,6 bilhão em 2010 para R$ 12 bilhões em 2014 (Pinto, 2016). - tiveram um papel importante nessa expansão, ao subsidiarem, por meio de renúncias fiscais, parte das despesas das instituições privadas, permitindo-lhes manter as mensalidades mais atraentes e, também, contemplar estudantes de baixa renda mediante a concessão de bolsas de estudo parciais ou integrais (Fávero; Bechi, 2017FÁVERO, A. A.; BECHI, D. O financiamento da educação superior no limiar do século XXI: o caminho da mercantilização da educação. Revista Internacional de Educação Superior, v. 3, n. 1, p. 90-113, 26 abr. 2017.). Tais mudanças em termos de oferta e custo de aquisição da educação, no período estudado, ajudam a compreender a ampliação dos gastos das famílias em educação superior.

No caso da rubrica Higiene e cuidados pessoais, a elevação nos gastos já se fazia notar desde a POF 2002-2003, porém o salto foi mais expressivo entre 2008 e 2017. Nesse período, o setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos obteve um crescimento médio anual ex-factory - líquido de impostos sobre vendas - de 3,8%, em contraste com uma taxa média de crescimento do PIB a preços de mercado de 1,6% a.a. e da indústria geral de 0,2% a.a. (Anuário ABIHPEC 2018ABIHPEC - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE HIGIENE PESSOAL, PERFUMARIA E COSMÉTICOS. Anuário 2018. Disponível em: Disponível em: https://abihpec.org.br/anuario-2018-flip/mobile/index.html#p=1 . Acesso em: 23 abr. 2020.
https://abihpec.org.br/anuario-2018-flip...
; IBGE/SCN Anual).

A Tabela 3, a seguir, mostra, para cada uma das grandes categorias de gasto definidas na POF, os resultados para o ajustamento da função poligonal que relaciona o logaritmo da despesa per capita ao logaritmo da renda per capita (RFPC) nas dez classes de renda definidas na seção 1.2. Nessa tabela também é possível observar, para o ano de 2017, o esquema de agrupamento das classes de RFPC, o coeficiente de determinação do modelo (R 2), as elasticidades em cada um dos estratos (I, II e III) e a elasticidade média.

Tabela 3
Elasticidade-renda das despesas familiares, por categoria, Brasil, 2008/2017

Para todas as categorias de gasto consideradas, o ajuste da função aos dados é quase perfeito, com o R 2 sempre superior a 0,99, o que indica que as variações no logaritmo da renda explicam mais de 99% da variabilidade observada no logaritmo das despesas médias nas dez classes.

As duas últimas colunas da Tabela 3 trazem as estatísticas de teste para as hipóteses de que H0:δ1=0 (isto é, a elasticidade é a mesma nos estratos I e II), e H0:δ2=0 (a elasticidade é a mesma nos estratos II e III). Verifica-se que sempre é possível rejeitar ao menos uma das duas hipóteses, o que mostra que seria inapropriado adotar um modelo mais parcimonioso, em que a elasticidade fosse igual para todas as classes de renda. Além disso, salvo no caso de Fumo e Diminuição do passivo, ambos os testes são significativos, o que sugere que uma poligonal com apenas dois segmentos, em lugar de três, tampouco seria adequada para explicar o comportamento da elasticidade-renda.

Em se tratando das Despesas de consumo, observa-se que, à exceção de Fumo, as elasticidades aumentam do 1o para o 2o estrato de renda, voltando a cair no 3o. Para Alimentação, Vestuário e Higiene e cuidados pessoais, há um padrão semelhante: a elasticidade, apesar de baixa no 1o segmento da poligonal, aumenta no 2o. Esse comportamento está associado ao consumo de produtos de maior qualidade (e, consequentemente, maior preço), assim como à diversificação dos bens adquiridos, à medida que a renda aumenta. Para outro grupo de gastos - constituído por Transporte, Assistência à saúde, Educação e Recreação e cultura - a elasticidade, que já é elevada no 1o estrato, torna-se superior à unidade no 2o. Esse comportamento é revelador da demanda reprimida pelos produtos e serviços dessas categorias, pois, com a mudança do patamar de renda, eles adquirem o caráter de bens superiores, com aumento mais que proporcional do gasto quando há aumento da RFPC.

As Outras despesas correntes compreendem uma gama muito variada de gastos, entre eles o pagamento de impostos diretos, contribuições trabalhistas (incluindo previdência pública), serviços bancários, pensões, mesadas, doações e aportes à previdência privada. Trata-se da única categoria de despesa dentre as listadas na Tabela 3 que tem elasticidade-renda superior à unidade nos três estratos de renda.

O comportamento da variação patrimonial encontra-se em linha com a teoria econômica, mostrando que as famílias dos estratos inferior e intermediário de renda dependem em maior medida do crédito para financiar seus gastos e, assim, apresentam elevada elasticidade-renda para a Diminuição do passivo, superior à unidade. O oposto ocorre com as famílias relativamente ricas, pertencentes ao 3o estrato, para as quais a elasticidade-renda nessa categoria declina para 0,48.

O Aumento do ativo é um gasto de caráter bastante elástico, com elasticidade média de 1,6. Mesmo no estrato inferior da RFPC, a resposta a um aumento na renda é diretamente proporcional. Isso é possível porque essa categoria compreende não apenas a aquisição e a construção de imóveis, como também os gastos com reformas de qualquer valor. À medida que se consideram os estratos mais elevados de renda, a demanda nessa categoria torna-se ainda mais elástica. No segmento superior a elasticidade atinge o maior valor dentre todos os reportados na Tabela 3, mostrando que um aumento de 1% na RFPC acarreta um aumento de cerca de 2% no dispêndio. Esse comportamento torna patente a imperfeição no mercado de crédito para aquisição, construção e reforma de imóveis no País. Na ausência de tal falha de mercado, as famílias sempre poderiam recorrer ao crédito para suprir suas demandas nessa categoria e não seriam observadas diferenças tão pronunciadas de elasticidade entre os estratos extremos.

A Tabela 3 traz, ainda, as elasticidades-renda médias para a POF de 2008. A comparação com as respectivas médias para o ano de 2017 mostra um aumento relevante em se tratando do Aumento do ativo, cujo valor passou de 1,26 para 1,60. Esse foi justamente o tipo de gasto cuja média mensal familiar mais declinou entre 2008 e 2017. Tendo em vista tratar-se de um bem superior, e como houve aumento na RFPC média no período, tal redução no gasto sugere que as famílias foram compelidas a reduzir seus dispêndios nessa categoria ante o cenário de crise econômica, em lugar de os terem reduzido espontaneamente como resposta à saciedade.

A Figura 1, a seguir, complementa a análise intertemporal ao apresentar as poligonais ajustadas nos anos de 2008 e 2017 para subcategorias selecionadas de despesas de consumo. Como os valores das duas POF foram expressos na mesma moeda, a posição geral das linhas mostra se houve variação substancial de nível de consumo, ao passo que a mudança de inclinação indica alteração na elasticidade-renda.

Em se tratando de Alimentação, é possível observar um gasto menor em 2017 para um dado valor de RFPC real. Esse grupo é subdividido, na POF, em alimentação dentro e fora de casa. A primeira manteve a tendência de queda que já vinha sendo observada anteriormente: entre 2002 e 2008, a média mensal familiar declinou 9,65%, e, entre 2008 e 2017, 9,78%. Em contrapartida, o gasto com alimentação fora do domicílio apresentou reversão no forte crescimento observado entre 2002 e 2008 (da ordem de 29,1%), com queda de 2,59% em 2017, ante 2008. Em se tratando da alimentação fora de casa, é possível que tenha havido redução no consumo físico de alimentos, ao passo que, no caso da alimentação no domicílio, ocorreu substituição de produtos sofisticados por itens mais baratos (Vaz; Hoffmann, 2020VAZ, D. V.; HOFFMANN, R. Elasticidade-renda e concentração das despesas com alimentos no Brasil: uma análise dos dados das POF de 2002-2003, 2008-2009 e 2017-2018. Revista de Economia, v. 41, n. 75, 2020.).

Os grupos Vestuário e Transporte também apresentaram queda no nível de gastos em 2017. No primeiro, a diminuição foi mais intensa para as rendas mais altas, indicando redução da elasticidade no estrato superior.

Habitação e Assistência à Saúde são categorias em que as poligonais para 2008 e 2017 quase se sobrepõem, mostrando, assim, não ter havido mudança expressiva de nível ou inclinação (elasticidade). Em se tratando de Saúde, seria de se esperar uma mudança de nível, tendo em vista o rápido processo de envelhecimento da população brasileira e o fato de famílias com idosos apresentarem maior consumo de medicamentos e serviços de saúde (Almeida; Kassouf, 2007ALMEIDA, A. N.; KASSOUF, A. L. Determinantes do consumo das famílias com idosos e sem idosos com base na pesquisa de orçamentos familiares de 1995-1996. In: SILVEIRA, F. G.; SERVO, L. M.; MENEZES, T.; PIOLA, S. F. (Org.). Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas. 1.ed. Brasília: IPEA , 2006. v. 1, p. 285-314.; Almeid; Freitas, 2007ALMEIDA, A. N.; FREITAS, R. Famílias com idosos nas áreas urbana e rural: análise do dispêndio a partir da pesquisa de orçamentos familiares de 2002-2003. In: SILVEIRA, F. G.; SERVO, L. M.; MENEZES, T.; PIOLA, S. F. (Org.). Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas. 1. ed. Brasília: IPEA, 2007. v. 2, p. 251-278.). Some-se a isso a tendência observada no período pré-crise de ampliação na taxa de cobertura dos planos privados de saúde, que saltou de 18,9%, em dezembro de 2004, para 25,6%, em dezembro de 2014. Entretanto, esse percentual reduziu-se nos meses seguintes, quando a economia entrou em recessão, alcançando 24,2% em dezembro de 2018, de acordo com os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Para Higiene e cuidados pessoais, Educação e Recreação e Cultura, por outro lado, houve aumento no nível de gastos em 2017, para um dado nível de renda. No caso de Higiene, essa mudança foi acompanhada de redução da elasticidade nos dois primeiros estratos de renda, ao passo que para os gastos em Educação a inclinação da função tornou-se menor em 2017 nas três faixas de renda.

O aumento do nível de gastos em Educação mostra que parte do orçamento de famílias que tiveram ganhos recentes de renda foi destinado à compra dos serviços de educação, em busca de segurança e qualidade, ante a insuficiência e/ou deficiência da provisão pública. Cerca de 9,9% dos domicílios brasileiros em 2017 tinham gastos com cursos regulares, 7,8% com cursos superiores e 19,6% com outros cursos e atividades, ante as cifras de 7,9%, 5,6% e 19,1% em 2008, respectivamente.

Com relação às atividades de Recreação e Cultura, a expansão das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) tem originado novos formatos para seu consumo, tais como interação virtual (redes sociais) e consumo audiovisual mediante a internet. Com isso, as preferências dos consumidores têm se alterado, provocando o deslocamento da demanda para essas novas formas de entretenimento. Como resultado, observa-se o aumento dos gastos culturais dentro do domicílio em detrimento dos observados externamente, como idas ao cinema (Earp, 2009EARP, F. S. O expectador eventual: notas sobre demanda por cinema no Brasil. Políticas Culturais em Revista, v. 2, n. 1, p. 77-87, 2009.; Earp; Paulani, 2014EARP, F. S.; PAULANI, L. M. Mudanças no consumo de bens culturais no Brasil após a estabilização da moeda. Nova Economia, v. 24, n. 3, p. 469-490, 2014.; Silva; Araújo; Souza, 2007SILVA, F. B.; ARAÚJO, H. E.; SOUZA, A. L. O consumo cultural das famílias brasileiras. In: SILVEIRA, F. G.; SERVO, L. M.; MENEZES, T.; PIOLA, S. F. (Org.). Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas. 1. ed. Brasília: IPEA , 2007. v. 2, p. 105-141.; Almeida; Lima; Gatto, 2019ALMEIDA, C. C. R.; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Inserção digital e desigualdades na demanda por cultura no Brasil. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 29, n. spe, p. 1221-1247, 2019.).

Figura 1
Poligonais ajustadas para a variação do logaritmo da despesa em função do logaritmo da RFPC, para categorias selecionadas, Brasil, 2008/2017

Notas: O ajuste da poligonal para os gastos com Fumo foi omitido, pois se mostrou satisfatório apenas ao se considerar o primeiro segmento, que inclui as famílias de menor poder aquisitivo.


2.2 Concentração das despesas

Na Tabela 4 é possível observar as participações dos agregados de despesas na renda familiar per capita (RFPC) e as respectivas razões de concentração, para a POF 2008 e a 2017. Na última linha da tabela está a RFPC, cuja razão de concentração equivale ao índice de Gini da respectiva distribuição. Em se tratando de 2017, esses dados são complementados pela Figura 2, que traz a curva de Lorenz da RFPC e as curvas de concentração dos diversos tipos de gastos.

Tabela 4
Participação de cada categoria de despesa na renda familiar per capita e razões de concentração, Brasil, 2008/2017

Figura 2
Curva de Lorenz da RFPC e curvas de concentração das despesas, Brasil, 2017

Entre 2008 e 2017, o gasto total das famílias brasileiras tornou-se menos concentrado em relação à renda, com declínio de quase 7% em sua razão de concentração. Esse movimento também foi observado para as Despesas correntes e a Diminuição do passivo, cujas razões de concentração reduziram-se em 6,5% e 10,1%, respectivamente. Cumpre observar que como a própria renda tornou-se menos concentrada nesse período - com redução de 4,6% em seu Gini -, isso implica dizer que essas categorias de gasto tiveram efetiva melhora distributiva no intervalo considerado.

Os dispêndios relacionados ao Aumento do ativo, por outro lado, tornaram-se mais concentrados relativamente à renda. Sua razão de concentração, em 2017, superou o valor observado para as Outras despesas correntes, tornando-o a categoria de gasto mais concentrada dentre todas as elencadas na Tabela 4. A Figura 3, a seguir, ilustra esse fato, ao mostrar como essa despesa está distribuída conforme os décimos da RFPC em 2017. Mais de 63% dos gastos são realizados por famílias pertencentes ao décimo superior da RFPC. Em contraste, juntas, as famílias da metade inferior da distribuição não respondem por sequer 10% desses gastos.

Figura 3
Distribuição (%) do Aumento do ativo (a) e dos gastos com Higiene e cuidados pessoais (b) conforme décimos da renda familiar per capita (RFPC), Brasil, 2017

As Despesas de consumo apresentam razão de concentração muito inferior à observada para as Outras despesas correntes e para a variação patrimonial, em ambos os anos. Considerando suas subcategorias, a mais concentrada de todas em 2017 é a das Despesas diversas (0,588). Trata-se da única categoria de consumo cuja razão de concentração supera o índice de Gini da RFPC (0,535), mostrando-se, assim, mais concentrada nos relativamente ricos do que a própria renda. Esse agregado inclui toda a sorte de despesas de consumo que não podem ser incluídas nas outras rubricas. O IBGE (2019IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: primeiros resultados. Rio de Janeiro: IBGE. Coordenação de Trabalho e Rendimento, 2019. Disponível em: Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101670.pdf . Acesso em: 4 nov. 2019.
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) cita como exemplos “despesas com jogos e apostas, comunicação (correio, telefone público, etc.), cerimônias e festas familiar e religiosa, serviços profissionais como: de cartório, advogado, despachante, contador e despesas com imóveis de uso ocasional (aluguel de imóvel, condomínio, etc.) ”. Na comparação com 2008, trata-se do único gasto de consumo cuja razão de concentração aumentou.

À exceção das Despesas diversas e com Alimentação, houve redução no grau de concentração de todas as despesas de consumo, com destaque para Higiene e cuidados pessoais (−31%). A Figura 3b mostra que em 2017 o décimo mais pobre da população passou a responder por 4,3% dos gastos nessa categoria. Esse percentual aumenta ao longo da distribuição da RFPC, porém muito menos acentuadamente que a RFPC, particularmente a partir do 8o decil.

Também merece destaque a redução no grau de concentração das despesas em Educação (−16,3%), o que fez com que elas deixassem de ser o gasto em consumo mais concentrado nos ricos, relativamente à renda. A queda no grau de concentração foi maior para os cursos superiores (−22,9%) que para os regulares (−11,7%). Conforme mencionado anteriormente, esse comportamento foi resultado, em grande medida, do forte incentivo público ao ensino superior privado a partir de 2010, por meio do Fies e do ProUni. Esses programas contribuíram para a ampliação do acesso à educação superior das classes populares, não absorvidas nas instituições estatais11 11 O Fies, por meio de empréstimos subsidiados aos estudantes, foi responsável por nada menos que 35% das matrículas da rede privada em 2014 (Pinto, 2016). Graças aos incentivos fiscais oferecidos pelo ProUni, as instituições privadas passaram a oferecer um número crescente de bolsas de estudo, alcançando a marca de 307 mil bolsas em 2014, sendo um terço delas integrais (Marques; Ximenes; Ugino, 2018). Uma análise crítica desses programas foge ao escopo deste trabalho, mas pode ser encontrada em Sguissardi (2015), Pinto (2016), Fávero e Bechi (2017) e Marques, Ximenes e Ugino (2018). .

A desconcentração das despesas com Recreação e cultura em favor das famílias de menor renda é uma tendência que vem sendo observada para as regiões metropolitanas brasileiras desde os anos 90. Silveira Neto e Menezes (2010SILVEIRA NETO, R. M.; MENEZES, T. A. Nível e evolução da desigualdade dos gastos familiares no Brasil: uma análise para as regiões metropolitanas no período 1996 a 2003. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 40, n. 2, p. 341-372, jun. 2010.) constataram-na ao analisarem os dados das POF de 1995-1996 e 2002-2003, e Almeida, Lima e Gatto (2019ALMEIDA, C. C. R.; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Inserção digital e desigualdades na demanda por cultura no Brasil. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 29, n. spe, p. 1221-1247, 2019.)12 12 Cumpre notar que esses autores incorporaram entre os gastos com cultura alguns itens que neste trabalho e em Silveira Neto e Menezes (2010) figuram como despesas com Habitação (a exemplo de assinatura de TV e internet). , ao considerarem as edições de 2008 e 2017.

As Outras despesas correntes ilustram a relação entre elasticidade-renda e razão de concentração (em relação à renda) apresentada por Kakwani (1977KAKWANI, N. C. Applications of Lorenz curves in economic analysis. Econometrica, v. 45, n. 3, p. 719-727, abr. 1977.). Para essa despesa, as elasticidades são sempre superiores à unidade, conforme mostra a Tabela 3. A respectiva razão de concentração é, destarte, superior ao índice de Gini da RFPC (Tabela 4) e sua curva de concentração está sempre abaixo da curva de Lorenz. Por outro lado, sempre que as elasticidades-renda mostram-se sistematicamente menores que a unidade, a exemplo dos gastos com Alimentação, Vestuário e Higiene e cuidados pessoais, a despesa mostra-se menos concentrada nos relativamente ricos do que a própria renda.

2.3 Decomposição da desigualdade da distribuição das despesas de consumo

Nesta seção obtém-se o índice de Gini da distribuição das despesas familiares totais de consumo per capita (DCPC), avaliando seu comportamento entre 2008 e 2017. A Tabela 5 apresenta as participações (φ h ) e razões de concentração (C h ) de cada grupo de gastos que compõem as DCPC. Cumpre notar que as razões de concentração, nesse caso, foram calculadas ordenando-se os indivíduos segundo valores não decrescentes da DCPC. Assim, é possível avaliar se um determinado tipo de gasto é mais ou menos concentrado nos que podem ser considerados relativamente ricos com base nas suas despesas totais de consumo.

O índice de Gini da DCPC, apresentado na última linha da tabela, era de 0,515 em 2008, declinando para 0,487 em 2017, uma variação de −5,5%. Tal queda reflete a redução no grau de desigualdade de bem-estar desfrutado pelas famílias.

As subcategorias de consumo que se mostram menos concentradas, relativamente aos gastos totais em consumo, são aquelas ligadas às necessidades mais imediatas das famílias, a exemplo de Alimentação, Habitação e Vestuário. O fato de o gasto menos concentrado de todos ser o realizado com Fumo - superando inclusive Alimentação -, é revelador da dependência causada pelo cigarro. As famílias com menor poder aquisitivo são privadas de outros produtos e serviços para que um ou mais de seus membros possam custear seus gastos nessa categoria.

No outro extremo, dos subgrupos com maiores razões de concentração - acima, inclusive, do Gini para a DCPC - estão Despesas diversas, Transporte e Educação. Entre 2008 e 2017, as duas últimas sofreram redução em suas razões de concentração, o mesmo não sendo observado para a primeira, que, em 2017, superou Educação, tornando-se a categoria de gasto mais concentrada de todas.

A comparação entre 2008 e 2017 revela, ainda, que o maior declínio no grau de concentração foi observado para os gastos com Higiene e cuidados pessoais (−29,1%), o que fez esse tipo de gasto se tornar, em 2017, o segundo menos concentrado nos relativamente ricos, atrás somente de Fumo. Por razões culturais, os brasileiros são grandes consumidores de produtos de higiene e beleza. A desconcentração desse tipo de gasto não é um fato novo, tendo sido observada por Silveira Neto e Menezes (2010SILVEIRA NETO, R. M.; MENEZES, T. A. Nível e evolução da desigualdade dos gastos familiares no Brasil: uma análise para as regiões metropolitanas no período 1996 a 2003. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 40, n. 2, p. 341-372, jun. 2010.), que atribuíram ao barateamento de produtos decorrente da abertura comercial da economia uma possível explicação para a popularização de seu consumo. Tal popularização teve continuidade nas últimas duas décadas. Em 2000, o Brasil era o 6o principal mercado consumidor de produtos de higiene e cuidados pessoais, respondendo por cerca de US$ 8,5 bilhões ou 4,4% das vendas mundiais (Garcia, 2005GARCIA, R. Internacionalização comercial e produtiva na indústria de cosméticos: desafios competitivos para empresas brasileiras. Produção, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 158-171, maio/ago. 2005.). Em 2018, ele havia saltado para a 4a posição, com um consumo anual de US$ 30 bilhões ou 6,2% do total, atrás apenas de Estados Unidos, China e Japão (ABIHPEC, 2019ABIHPEC - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE HIGIENE PESSOAL, PERFUMARIA E COSMÉTICOS. Anuário 2019. Disponível em: Disponível em: https://abihpec.org.br/anuario-2019/mobile/index.html#p=1 . Acesso em: 19 maio 2020.
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). A melhora na distribuição pessoal de renda nesse período, associada ao aumento do poder aquisitivo da população mais pobre - que tinha demanda reprimida por esses produtos - ajudam a explicar a expansão observada em seu consumo. Some-se a isso o comportamento favorável dos preços ao consumidor nesse grupo, cujos aumentos foram, em média, menores do que os observados para o índice de preços da economia em geral (Triches; Godoy; Silva, 2018TRICHES, D.; GODOY, M. R.; SILVA, C. Desempenho da indústria brasileira de higiene pessoal, beleza e cosméticos e pass through da taxa de câmbio entre 2009 a 2015. Revista Brasileira de Economia de Empresas, v. 18, n. 1, p. 7-25, 2018.).

A Tabela 5 traz, ainda, os valores e as contribuições percentuais dos efeitos composição e concentração de cada tipo de gasto em consumo para a diminuição observada no índice de Gini entre 2008 e 2017.

O subgrupo com maior contribuição foi o dos gastos com Habitação. Isso se deveu preponderantemente ao efeito concentração: como esses gastos têm alta participação no consumo total, a queda em sua razão de concentração contribuiu com 58,67% da redução no índice de Gini da distribuição da DCPC.

O segundo subgrupo que mais influenciou o comportamento do Gini foi o de Transporte. Como os gastos nessa categoria apresentam razão de concentração superior à média, a queda de sua participação nas despesas totais ocasionou 7,73% da redução no índice de Gini. Some-se a isso o fato de a própria razão de concentração desses gastos ter declinado, o que respondeu por um efeito adicional de 22,89% da redução no grau de desigualdade.

Tabela 5
Participação das subcategorias de despesas de consumo no total (∅h ), razões de concentração (C h ) e decomposição da variação no índice de Gini da distribuição das despesas de consumo, Brasil, 2008/2017

O comportamento dos dispêndios em Alimentação se contrapôs a uma maior redução no índice de Gini das despesas em consumo. Primeiro, esse tipo de gasto, que é progressivo, perdeu importância no orçamento das famílias, com sua participação no consumo total declinando de cerca de 20% para 17,5%. Tudo o mais constante, essa mudança de composição teria ocasionado um aumento no Gini igual a 8,07% do valor absoluto da redução observada. Além disso, a despesa com Alimentação apresentou elevação em sua razão de concentração, o que por si só teria sido responsável por uma elevação no índice de Gini igual a 9,16% do valor absoluto da variação observada.

Considerações finais

Este trabalho analisou a evolução recente do padrão de consumo das famílias brasileiras, a partir dos microdados da POF de 2008 e 2017.

Em que pese a desaceleração da economia, as despesas familiares conservaram a trajetória ascendente que já havia sido observada entre as edições de 2002-2003 e 2008-2009 da POF; sua composição, porém, apresentou modificações importantes. A despesa média com o aumento do ativo declinou 26,5%, tendo aumentado sua elasticidade-renda e razão de concentração em relação à renda. Isso sugere que as famílias foram compelidas a reduzir seu dispêndio nessa categoria ante o cenário de crise econômica, em lugar de os terem reduzido espontaneamente como resposta à saciedade. Os gastos com o pagamento de dívidas e seus encargos, por outro lado, aumentaram, em média, 63,6%. É fato que a expansão do consumo das famílias observada a partir de 2004 pautou-se não apenas no aumento da renda, como também na ampliação do crédito à pessoa física. Entretanto, o comportamento desfavorável do mercado de trabalho a partir de 2015, com crescimento no número de trabalhadores desocupados, desalentados e inativos, contribuiu para a aceleração no endividamento das famílias.

Os gastos em Educação foram, dentre as despesas de consumo, as que apresentaram maior incremento na média mensal familiar entre 2008-2009 e 2017-2018, da ordem de 60,5%. Além disso, foram as com a segunda maior queda na razão de concentração em relação à RFPC (−16,3%). Contribuíram para a desconcentração desse gasto os programas governamentais de financiamento estudantil em nível superior. Ao subsidiarem, por meio de renúncias fiscais, parte das despesas das instituições privadas, permitiram-lhes manter as mensalidades mais atraentes e, também, contemplar estudantes de baixa renda com bolsas de estudo parciais ou integrais.

Também merecem destaque os gastos com Higiene e cuidados pessoais, cujo aumento monetário médio foi da ordem de 58,9%. Essa mudança foi acompanhada de redução da elasticidade-renda para as classes de menor poder aquisitivo e de queda do grau de concentração, mostrando que a expansão do consumo popular permitiu, no período em estudo, saciar parcialmente a demanda reprimida da população. Cumpre notar, no entanto, que esses são gastos de baixo valor agregado e que por isso podem ser consumidos com maior frequência por famílias de baixa renda. Em se tratando de gastos de maior valor, como os relacionados à Assistência à saúde, para os quais a insuficiência de provisão pública se soma à demanda crescente decorrente do envelhecimento populacional, não foi observada mudança expressiva de nível ou de elasticidade ao se compararem as poligonais ajustadas para 2008-2009 e 2017-2018.

Em linhas gerais, é possível concluir, portanto, que houve um avanço muito tímido das condições de vida da população entre 2008 e 2017. A melhora observada no nível de certos gastos - como Higiene e cuidados pessoais - ou em sua distribuição - é o caso de Vestuário e Higiene e cuidados pessoais, - deve ser relativizada, uma vez que se trata de dispêndios de baixo valor agregado. A compressão do aumento do ativo, a estagnação das despesas com saúde e habitação e o aumento dos gastos com amortização de dívidas e empréstimos revelam a fragilidade das conquistas ante um mercado de trabalho em deterioração. O esforço das famílias em alocarem parte de seus recursos em Educação mostra a deficiência da provisão pública e a preocupação em transmitir aos filhos condições mais estáveis de geração de renda.

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  • 1
    A coleta de dados da POF 2008-2009 ocorreu entre 19 de maio de 2008 e 18 de maio de 2009. Já a POF 2017-2018 foi a campo entre 11 de julho de 2017 e 9 de julho de 2018.
  • 2
    De acordo com o INPC, os valores correntes da POF 2008 foram multiplicados por 1,688132, levando em consideração a inflação acumulada entre janeiro de 2009 e janeiro de 2018.
  • 3
    A unidade de consumo é definida como o “morador ou conjunto de moradores que compartilham da mesma fonte de alimentação” (IBGE, 2019IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: primeiros resultados. Rio de Janeiro: IBGE. Coordenação de Trabalho e Rendimento, 2019. Disponível em: Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101670.pdf . Acesso em: 4 nov. 2019.
    https://servicodados.ibge.gov.br/Downloa...
    , p.14). Esse conceito é considerado equivalente ao termo família, para efeito de divulgação da POF.
  • 4
    Esse modelo, com quatro coeficientes, foi escolhido por se mostrar bastante flexível (com bom ajuste aos dados para a maior parte das categorias de despesa analisadas) e ser razoavelmente parcimonioso.
  • 5
    Cabe lembrar que a pressuposição de normalidade de distribuição dos erros só é necessária para que testes t e F sejam rigorosamente válidos.
  • 6
    Idealmente, essa comparação deveria ser feita levando-se em consideração maio de 2009 - último mês em que a POF 2008 coletou dados. Entretanto, isso não é possível porque a Peic/CNC teve início apenas em janeiro de 2010.
  • 7
    Vale notar que, em consonância com o comportamento descrito pela Lei de Engel, a despesa com Alimentação tem perdido participação no orçamento familiar desde a POF 2002-2003, uma vez que à medida que a renda per capita aumenta, o montante gasto com itens não essenciais torna-se proporcionalmente maior.
  • 8
    A categoria Educação é também formada pelos subitens Livros didáticos e revistas técnicas, Artigos escolares e Outras, que juntas representavam 19,16% dos gastos mensais familiares em Educação em 2017.
  • 9
    Programa Universidade para Todos do Ministério da Educação. Estimativas indicam que o gasto com esse programa passou de R$ 578 milhões em 2010 para R$ 1,125 bilhão em 2014 (Pinto, 2016PINTO, J. M. R. Uma análise da destinação dos recursos públicos, direta ou indiretamente, ao setor privado de ensino no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 37, n. 134, p. 133-152, 2016.).
  • 10
    Fundo de Financiamento Estudantil do Ministério da Educação, cujos gastos saltaram de R$ 1,6 bilhão em 2010 para R$ 12 bilhões em 2014 (Pinto, 2016PINTO, J. M. R. Uma análise da destinação dos recursos públicos, direta ou indiretamente, ao setor privado de ensino no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 37, n. 134, p. 133-152, 2016.).
  • 11
    O Fies, por meio de empréstimos subsidiados aos estudantes, foi responsável por nada menos que 35% das matrículas da rede privada em 2014 (Pinto, 2016PINTO, J. M. R. Uma análise da destinação dos recursos públicos, direta ou indiretamente, ao setor privado de ensino no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 37, n. 134, p. 133-152, 2016.). Graças aos incentivos fiscais oferecidos pelo ProUni, as instituições privadas passaram a oferecer um número crescente de bolsas de estudo, alcançando a marca de 307 mil bolsas em 2014, sendo um terço delas integrais (Marques; Ximenes; Ugino, 2018MARQUES, R. M.; XIMENES, S. B.; UGINO, C. K. Governos Lula e Dilma em matéria de seguridade social e acesso à educação superior. Revista de Economia Política, v. 38, n. 3 (152), p. 526-547, jul./set. 2018.). Uma análise crítica desses programas foge ao escopo deste trabalho, mas pode ser encontrada em Sguissardi (2015SGUISSARDI, V. Educação superior no Brasil. Democratização ou massificação mercantil? Educação & Sociedade, Campinas, v. 36, n. 133, p. 867-889, 2015.), Pinto (2016PINTO, J. M. R. Uma análise da destinação dos recursos públicos, direta ou indiretamente, ao setor privado de ensino no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 37, n. 134, p. 133-152, 2016.), Fávero e Bechi (2017FÁVERO, A. A.; BECHI, D. O financiamento da educação superior no limiar do século XXI: o caminho da mercantilização da educação. Revista Internacional de Educação Superior, v. 3, n. 1, p. 90-113, 26 abr. 2017.) e Marques, Ximenes e Ugino (2018MARQUES, R. M.; XIMENES, S. B.; UGINO, C. K. Governos Lula e Dilma em matéria de seguridade social e acesso à educação superior. Revista de Economia Política, v. 38, n. 3 (152), p. 526-547, jul./set. 2018.).
  • 12
    Cumpre notar que esses autores incorporaram entre os gastos com cultura alguns itens que neste trabalho e em Silveira Neto e Menezes (2010SILVEIRA NETO, R. M.; MENEZES, T. A. Nível e evolução da desigualdade dos gastos familiares no Brasil: uma análise para as regiões metropolitanas no período 1996 a 2003. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 40, n. 2, p. 341-372, jun. 2010.) figuram como despesas com Habitação (a exemplo de assinatura de TV e internet).
  • JEL D12.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2020
  • Aceito
    29 Set 2020
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