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A cidade e as serras: onde criar (ou encerrar) uma universidade* * Os autores agradecem os comentários e sugestões do professor José Ferreira Gomes bem como de dois pareceristas anônimos da revista. Obviamente, a responsabilidade pelas falhas e omissões é dos autores.

The city and the mountains: where to build (or close) a university

Resumo

O despovoamento do leste português e a concentração próxima ao litoral é tema de um debate antigo que inclui, inclusive, as virtudes das cidades menores em detrimento das maiores. Enquanto este último aspecto é inconcluso, o esvaziamento do Leste é um fato. Também é um fato que as Instituições de Ensino Superior (IES) mais próximas ao litoral tendem a ter uma demanda maior do que as mais distantes, o que tem levantado um debate sobre a possibilidade de se concentrar recursos para expandir as IES mais pressionadas pela demanda ou de se reduzir aquelas com um número diminuto de matrículas. Os conceitos de Economia nem sempre são utilizados nesse debate de forma precisa. Uma IES é importante não somente para a manutenção da demanda agregada, mas fundamentalmente por contribuir para o incremento da inovação e da competitividade regional a longo prazo. Este artigo tem por objetivo analisar essas questões e indicar alguns pontos importantes para a consideração dos tomadores de decisão.

Palavras-chave:
Ensino superior; Desenvolvimento regional; Impacto regional das universidades

Abstract

The depopulation of eastern Portugal and concentration along the coast is the subject of a longstanding debate that includes the virtues of living in smaller cities rather than in large ones. While the latter is an on-going debate, the depopulation from the east is a fact. It is also a fact that Higher Education Institutions (HEIs) closer to the coast tend to be in higher demand than those further away. This has raised a debate about whether to concentrate resources for the expansion of HEIs under greater pressure by demand or to reduce those with a low number of enrolments. The economic concepts are sometimes unclear. By looking at this issue through the regional development lens, a HEI is important not only to maintain the aggregate demand, but mainly to contribute to the increase in innovation as well as regional competitiveness in the long term. This article aims to analyse these issues and indicate some important points to be taken into consideration by decision-makers.

Key-words:
Higher education; Regional development; Regional impact of universities

Introdução

A tendência geral de despovoamento do leste português e a concentração de população em áreas mais próximas ao litoral é tema de um debate antigo que inclui, inclusive, as virtudes de se habitar cidades menores em detrimento das grandes aglomerações. É o clássico Tormes versus Paris. Enquanto este último aspecto é um debate inconcluso, o esvaziamento do Leste é um fato. Também é um fato que as instituições de ensino superior (IES) mais próximas ao litoral tendem a ter uma demanda maior, em parte como decorrência do maior volume populacional, do que aquelas mais distantes. Em muitas dessas IES há mais vagas que alunos (Blattler et al., 2013BLATTLER, A. et al. Portuguese higher education: a view from the outside. Brussels: European University Association - EUA, 2013.). Um dado adicional é que em função de variáveis demográficas o sistema de ensino superior português como um todo parece estar atingindo a sua estabilidade (Gomes, 2012GOMES, J. F. Sobre a sustentabilidade da educação superior em Portugal. Porto: Universidade do Porto, 2012.). O quadro esboçado tem levantado na sociedade portuguesa um debate entre a concentração de recursos para a expansão das IES mais pressionadas pela demanda ou a redução/fechamento daquelas com poucas matrículas. O alvo preferido tem sido os Institutos Politécnicos.

O que está posto sob a ótica da política de ensino superior pode ser rebatido com um argumento de política de desenvolvimento, isto é, que as IES desempenham um papel fundamental em termos de manutenção da demanda agregada nas regiões em que estão inseridas. Por sua vez, poder-se-ia contra argumentar, com base numa perspectiva financeira, que seria mais barato manter a demanda agregada subsidiando essas populações e, ao mesmo tempo, concentrando esforços em algumas IES litorâneas, gerando, dessa forma, um retorno nacional mais eficiente.

É possível conseguir evidências sólidas tanto para negar quanto para confirmar esses argumentos. Concentrar os recursos no ensino superior ou dispersá-los pelo território produziria distintas respostas em diferentes perspectivas de tempo, dependeria tanto dos parâmetros estruturais, como as propensões regionais a consumir e importar, quanto das diferentes capacidades de cada IES de influir no desenvolvimento regional, e envolveria a interdependência de políticas públicas. Dessa forma, o trade-off entre concentrar recursos no ensino superior ou dispersá-los é uma questão muito mais complexa do que, a princípio, pode parecer, uma vez que, para cada opção política, haverá uma consequência econômica distinta. Por sua vez, grande parte desse debate utiliza a ideia do multiplicador keynesiano de renda e emprego, instrumento de análise de curto prazo, insuficiente para debater desenvolvimento, um fenômeno necessariamente de médio e longo prazo.

A análise do impacto das IES sobre as suas regiões é recente no Brasil. Os primeiros trabalhos apareceram no início do século XXI, (Bovo, 2003BOVO, J. M. Impactos econômicos e financeiros da Unesp para os municípios. São Paulo: Unesp, 2003.) (Rolim; Kureski, 2006ROLIM, C.; KURESKI, R. Impacto econômico de curto prazo das universidades estaduais paranaenses. Curitiba: Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná, 2006., 2007ROLIM, C.; KURESKI, R. Impacto econômico de curto prazo das universidades estaduais paranaenses - 2004. Revista Paranaense de Desenvolvimento, v. 112, n. 3, p. 111-130, 2007.) e desde então parece haver uma tendencia ao crescimento desse tema. Por outro lado, o contexto político e demográfico de Portugal favoreceu a elaboração de vários estudos tendo em conta o impacto de IES em várias regiões do país. A experiência portuguesa - tanto a relativa ao debate concentração/dispersão como a relativa às implicações do uso inadequado de instrumentos de análise econômica - poderá ser útil para a continuidade desse tipo de estudo no Brasil.

Este artigo objetiva analisar essas questões e indicar alguns pontos importantes - tomando como base o impacto de uma IES em dois estereótipos de região, uma litorânea e outra no leste de Portugal - de modo a auxiliar os tomadores de decisão acerca dos distintos caminhos e dos resultados econômicos. Para tanto, o artigo está estruturado em seis seções além desta introdução. A primeira seção faz uma síntese do contexto em que o debate se desenvolve em Portugal procurando tornar a sua compreensão mais fácil para o leitor brasileiro. A segunda seção resume as tendências na interpretação do desenvolvimento de uma região. Já a terceira seção simula com algum detalhe a análise de impactos econômicos baseada no multiplicador keynesiano, apontando suas limitações. Na quarta seção, as metodologias usuais de análise de impacto dos gastos de IES são discutidas. Por sua vez, a quinta seção mostra claramente a insuficiência das análises de curto prazo em determinar o grau de importância das IES para o desenvolvimento de suas regiões e, consequentemente, propõe o redirecionamento para as análises de médio e longo prazos. Na última seção, algumas considerações finais são tecidas.

1 O contexto português

O território português é composto por uma porção continental e dois arquipélagos, Madeira e Açores. A área continental é de 89 102 km2, o que é um pouco menor que a área do estado de Pernambuco, 98 311 km2 ou que a do estado de Santa Catarina, 95 736 km2. A distância entre o seu ponto extremo Norte e o extremo Sul é de 560 km e a distância entre o ponto extremo Leste e o extremo Oeste é de 286 km. A sua população em 2016 era um pouco maior que a de Pernambuco, respectivamente, cerca de 10,3 e 9,5 milhões de habitantes, sendo que mais de 95% da sua população está localizada no Continente.

Um dos grandes problemas demográficos de Portugal é o envelhecimento da sua população. O índice de envelhecimento1 1 O índice de envelhecimento é a relação entre o número de pessoas com 65 e mais anos por cada 100 pessoas menores de 15 anos. Valores superiores a 100 indicam a existência de mais idosos que jovens na população. , que era de 70% em 1991, alcançou 153,2% em 2017. Tradicionalmente, Portugal sempre foi um país com grandes movimentos migratórios, com saldos negativos acumulados. O início deste século parecia ser um período de reversão desta tendência. No entanto, a forte crise econômica e a intervenção da Troica (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) intensificou o movimento de saída do país. Enquanto os movimentos migratórios do passado caracterizavam-se pela saída de população com baixa escolaridade, no movimento recente a proporção de migrantes com escolaridade superior foi muito elevada. A Figura 1, abaixo, ilustra o envelhecimento da população. Note-se que no início da série o grupo de jovens (15 a 19 anos), constituinte do principal grupo etário potencialmente demandante de ensino superior, era superior ao de idosos (acima de 65 anos), vinte anos depois os idosos superaram os jovens em 2,7 pontos percentuais. Atualmente essa diferença está na ordem de 16 pontos percentuais.

Figura 1
Portugal: Evolução da participação de grupos etários selecionados na população - 1960-2018

Internamente, há um movimento secular de deslocamento populacional no sentido Leste-Oeste, ou seja, do interior do país em direção ao litoral. Esse fenômeno foi responsável por uma concentração populacional em áreas próximas ao litoral, particularmente junto às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Esse intenso movimento é o dominante no país2 2 Muitos autores portugueses usam a expressão interior para o litoral. Preferimos utilizar Leste para o litoral. . Entretanto, também existem fluxos menores, como, por exemplo, aqueles direcionados tanto a Lisboa, a metrópole nacional, quanto ao extremo Sul, na região do Algarve.

Figura 2
Municípios com variação positiva (negativa) da população entre 1960 e 2011

Figura 3
Portugal - Densidade demográfica, Municípios 2011

A Figura 2 evidencia o movimento predominante, Leste-Litoral. Note-se que a imensa maioria dos municípios na área mais clara teve perda absoluta de população em cerca de 50 anos. Os municípios com crescimento positivo, isolados mais ao leste, são Vizeu, no Norte, e Évora, no Alentejo. O resultado desse processo é ilustrado pela Figura 3, que mostra claramente a elevada densidade demográfica dos municípios próximos ao litoral e, em contraposição, a baixa densidade daqueles situados mais a Leste.

O país é um Estado unitário semipresidencialista. Há um chefe de Estado, o Presidente da República, eleito diretamente pela população, e um chefe de Governo, eleito entre os membros do Parlamento. O segundo nível de governo é o das autarquias (308 municípios e 3092 freguesias). Tal como o parlamento nacional, os membros do parlamento autárquico são eleitos a partir de listas elaboradas pelos partidos (muito embora possa haver candidatos independentes). O Presidente do Concelho (prefeito) e, no caso das freguesias, o Presidente da Junta de Freguesia, é o primeiro indivíduo da lista mais votada. Ainda que as listas sejam constituídas em bases distritais, os líderes partidários, particularmente o presidente do partido, tem um poder muito grande na indicação dos candidatos em cada lista. Dessa forma, há uma tendência de o deputado ser mais leal às posições do presidente e do partido que às demandas da região em que ele foi eleito. Essa característica do sistema político português reforça uma centralização do poder no governo nacional, vale dizer, no governo nacional localizado em Lisboa. Assim sendo, a maior parte das decisões de políticas públicas são tomadas ao nível nacional. Até mesmo aquelas que, teoricamente, deveriam atender as regiões, como as relativas à aplicação dos Fundos Estruturais Europeus, na prática são muito influenciadas e dirigidas às ditas questões nacionais (Rolim, 2017ROLIM, C. A experiência de Portugal no âmbito da política regional europeia. In: RESENDE, G. M. (Org.). Avaliação de políticas públicas no Brasil: uma análise da política nacional de desenvolvimento regional. Brasilia: IPEA, 2017. p. 263-309.).

Em termos administrativos, o país sempre esteve dividido em províncias. Porém, a partir da Constituição de 1976, elas passaram a ser denominadas distritos. São dezoito no Continente e duas regiões autônomas: ilhas da Madeira e Açores. Com o ingresso na União Europeia em 1986, o território passou a ser dividido, para fins estatísticos, em NUTS (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos). Desde 2015, com a versão NUTS 2013, são 25 no nível hierárquico 3 (NUTS 3) e 7 no nível hierárquico 2 (NUTS 2), ambas contando com as duas regiões autônomas. Essas NUTS são agora designadas de “unidades administrativas”, que por sua vez correspondem às "Entidades Intermunicipais" no Continente e às regiões "Autônoma dos Açores" e "Autônoma da Madeira" nas ilhas. Em outras palavras, apesar de administrativamente o país estar dividido em distritos, cada vez mais ele se ajusta à divisão territorial utilizada pela União Europeia em função da importância dos seus Fundos Estruturais, cuja distribuição e gerenciamento é realizado pelas NUTS (Rolim, 2017ROLIM, C. A experiência de Portugal no âmbito da política regional europeia. In: RESENDE, G. M. (Org.). Avaliação de políticas públicas no Brasil: uma análise da política nacional de desenvolvimento regional. Brasilia: IPEA, 2017. p. 263-309.).

Uma das mudanças mais profundas na sociedade portuguesa foi a que ocorreu no ensino superior, que por séculos esteve concentrado na Universidade de Coimbra. Em 1911, a Primeira República criou mais duas universidades: a do Porto e a de Lisboa. Essa concentração resultou numa universidade muito hierarquizada, rígida, avessa à inovação e autocentrada. Tudo isso começou a mudar no início dos anos setenta com a Reforma Veiga Simão. Este novo ministro da Educação aproveitou a sua experiência como reitor da Universidade de Lourenço Marques, em Moçambique, para criar as bases da moderna universidade portuguesa. O Decreto-Lei 402/73 forneceu não só as condições para a criação de várias IES distribuídas pelo país, como também estabeleceu um sistema de ensino superior binário3 3 O decreto criou as universidades de Aveiro, Minho, Nova de Lisboa e o instituto Universitário de Évora (dois anos depois renomeado Universidade de Évora); os institutos politécnicos de Covilhã (Universidade da Beira Interior em 1986), Faro, Leiria, Setúbal, Tomar, Vila Real (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro em 1986); antigas IES transformadas em institutos politécnicos, Coimbra, Lisboa, Porto e Santarém. Em 1976 mais duas universidades são criadas, a Universidade dos Açores e a Universidade do Algarve em Faro. Esta última incorpora o Instituto Politécnico de Faro em 1979. Em 1988 é criada a Universidade da Madeira. . Existem as Universidades e os Institutos Politécnicos. Caberia às universidades atuar como instituições pluridisciplinares, dar cursos de graduação e pós-graduação, além de realizar pesquisas, ao passo que os Institutos Politécnicos deveriam ser centros de formação técnico-profissional, ministrando o ensino superior de curta duração, realizando pesquisas particularmente aplicadas às suas regiões (Magalhães; Santiago, 2013MAGALHÃES, A. M.; SANTIAGO, R. Governance, public management and administration of higher education in Portugal. In: NEAVE, G.; AMARAL, A. Higher education in Portugal 1974-2009: a nation, a generation. London: Springer, 2012. p. 227-248. ; Arroteia, 2013ARROTEIA, J. A Universidade de Aveiro e os seus contextos (1973-2013). Aveiro: UA Editora, 2013.; Vieira, 2014VIEIRA, P. José Veiga Simão: uma vida vivida, v. 1 - Do Estado Novo de Salazar à Primavera Marcelista. Lisboa: Gradiva, 2014.). A Reforma Veiga Simão não ficou limitada ao ensino superior. Ela também estabeleceu as bases para a expansão e “democratização” do ensino básico com várias medidas, entre elas a criação de escolas de formação de professores (Sobral, 2012SOBRAL, J. National identity and higher education: from the origins till 1974. In: NEAVE, G.; AMARAL, A. Higher education in Portugal 1974-2009: a nation, a generation. London: Springer , 2012. p. 49-65. ).

No entanto, apesar de criadas em 1973, essas novas IES levaram algum tempo para serem efetivamente implantadas. O DL 402/73DL 402/73 (Ministério da Educação Nacional). 11 ago. 1973. é de 11 de agosto de 1973 e alguns meses depois, em 25 de abril de 1974 um golpe militar derruba o governo de Marcelo Caetano (continuador do salazarismo). O país entra em um período de grande convulsão social e política que só começa a se estabilizar no segundo semestre de 1976, após a promulgação da nova Constituição (2 de abril), a eleição do Presidente da República, general Ramalho Eanes (27 de junho) e a posse do primeiro governo constitucional (23 de julho), presidido por Mario Soares, líder do Partido Socialista (Ramos et al., 2015RAMOS, R.; SOUSA, B.; MONTEIRO, N. História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2015.).

Note-se que na sua origem era atribuído um papel importante ao ensino politécnico como difusor de conhecimento e inovação nas regiões em que os Institutos iriam operar. A expectativa da época recaía muito mais sobre eles do que sobre as universidades. Embora originalmente houvesse uma diferença clara entre os dois subsistemas, o tempo se encarregou de embaçar as competências de ambos, que atualmente são confusas. Em termos práticos, a grande diferença, até recentemente4 4 Recentemente o Decreto Lei 65/2018, passou a autorizar o doutoramento nos Institutos Politécnicos. No entanto, as regras para a necessária autorização de funcionamento dos cursos pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) ficaram muito mais exigentes. Além disso, para que as alterações do DL 65/2018 passem a valer, no que se refere à autorização da concessão do grau de doutor, ainda é necessária a alteração da lei 46/86 das Bases do Sistema Educativo. Em consequência, até o momento (setembro de 2019), nenhum Instituto Politécnico oferece cursos de doutoramento. , é que o grau de doutor apenas pode ser concedido por Universidades. Após a Revolução dos Cravos (1974), o ensino superior passou por profundas transformações, em que a Autonomia das Universidades foi normatizada pela Lei 108/88, sendo substituída pela lei 62/2007 (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior - RJIES), que vigora até hoje (Magalhães; Santiago, 2013MAGALHÃES, A. M.; SANTIAGO, R. Governance, public management and administration of higher education in Portugal. In: NEAVE, G.; AMARAL, A. Higher education in Portugal 1974-2009: a nation, a generation. London: Springer, 2012. p. 227-248. ).

O resultado dessas transformações foi um grande acréscimo do número de estudantes no ensino superior. Embora a população, entre 1991 e 2017, tenha tido um ligeiro acréscimo, o número de estudantes matriculados no ensino superior praticamente dobrou. Já o número de diplomados no ensino superior quadruplicou enquanto o de doutorados setuplicou entre 1991 e 2015. A Tabela 1 ilustra esses fatos. A maior parte dos alunos portugueses matriculados no ensino secundário ingressou no ensino superior. Cabe aqui ressaltar que a maioria absoluta dessas matrículas no ensino superior aconteceu em IES públicas. A taxa bruta de matrícula no ensino superior mais do que dobrou no período, atingindo 50% em 2017.

Tabela 1
Quadro-resumo de algumas estatísticas portuguesas

Figura 4
Matrículas no ensino superior por tipo e subsistema de ensino Portugal 1946-2018

A grande expansão das matrículas no ensino superior português no período apresentado na Figura 4, pode ser subdividida em 4 fases. Há uma expansão inicial no fim do salazarismo e início do período democrático. Em seguida há um movimento ascendente contínuo até 1990. A terceira fase apresenta um longo período com altas taxas de crescimento até o apogeu em 20035 5 Magalhães e Santiago (2012) consideram o período 1986-1996 a Década da Massificação. . Na quarta fase essa expansão do sistema universitário parece ter se estabilizado em níveis mais reduzidos, oscilando entre 350 e 400 mil inscritos. Vários fatores parecem indicar que existirão poucas pressões para a continuidade do crescimento do sistema (Gomes, 2012GOMES, J. F. Sobre a sustentabilidade da educação superior em Portugal. Porto: Universidade do Porto, 2012.), entre eles o fator demográfico e a possibilidade de migração. A expectativa é que o sistema tenda a investir no aumento da qualidade. Por outro lado, como foi mencionado na introdução, o esvaziamento do interior tem levado a uma maior pressão sobre as IES do litoral em detrimento daquelas mais a Leste. Isso significa o questionamento da atual distribuição territorial das IES que tanto poderá intensificar o atual padrão de concentração junto à faixa litorânea (Lisboa e o Porto detêm mais de 40% das vagas), como redirecioná-lo para o interior (ver Figura 6).

Por outro lado, dois pontos são importantes nesse processo. O primeiro deles é o papel do ensino público e do ensino privado. A expansão foi feita fundamentalmente através de IES públicas6 6 O ensino superior em Portugal é fundamentalmente público, porém não gratuito. Desde o período salazarista eram cobradas propinas (mensalidades) e taxas que eram proporcionalmente caras na época. No período posterior ao 25 de Abril de 1974 o valor das propinas (fixo durante o salazarismo) era relativamente simbólico. O ensino superior privado foi autorizado em 1986 e em 1992 o valor das propinas no setor público foi atualizado e desde então passaram por sucessivos aumentos de tal forma que hoje representam parcela importante no orçamento das famílias (Cabrito, 2002). Em 2010/2011 o valor anual médio em Euros das propinas nas universidades era, respectivamente, 1.146,00 nas públicas e 3.951,00 nas privadas (Cerdeira et al., 2015). . Na terceira fase o ensino privado conheceu uma importante expansão, no entanto, desde 1997 vem perdendo participação relativa e nos últimos anos está reduzido à metade do que chegou a ser. A primeira universidade privada7 7 Embora na sua essência seja uma instituição privada, a Universidade Católica (1971) é vista de maneira diferenciada. foi autorizada em 1979 (Universidade Livre, Lisboa e Porto) e em 1986 outras duas foram autorizadas (Universidade Lusíada (Lisboa, Porto, Famalicão) e a Universidade Internacional (Lisboa e Figueira da Foz). É sintomático que, dessas três, apenas a Universidade Lusíada ainda exista. A forte presença do ensino privado nessa etapa foi muito importante para atender a demanda por ensino superior da época. Desde 1973, mais ainda após o 25 de Abril, o grande investimento feito no ensino básico aliado à expansão do mercado de trabalho para portadores de diplomas superiores com o ingresso de Portugal no que é hoje a União Europeia, implicou em uma colossal demanda por ensino superior. No entanto, após a fase da Massificação, a política do ensino superior passou a priorizar a qualidade e com isso tornou mais difícil a vida das IES privadas. A conjugação do fator demográfico, a continuidade do investimento público na expansão das IES públicas, competição financeira e endurecimento de controles qualitativos, levaram à crise do setor privado de ensino superior em Portugal, ilustrada na Figura 4 (Teixeira et al., 2017TEIXEIRA, P. Regulatory changes and the public-private mix in Portuguese higher education. In: TEIXEIRA, P.; KIM, S.; LANDONI, P.; GILANI, Z. (Ed.). Rethinking the public-private mix in higher education. Rotherdam: Sense Publishers, 2017. p. 83-106.).

O segundo ponto é quanto ao tipo de ensino. A Figura 4 evidencia a predominância do ensino universitário sobre o politécnico, ainda que o politécnico tenha crescido a taxas superiores às do ensino universitário até o início do presente século. Ao longo do século 21, a participação no total de matrículas do ensino universitário tem sido, respectivamente, em torno de 65% para as universidades e 35% para os politécnicos. Um dos resultados desse esforço educativo em Portugal pode ser visto na Figura 5. A taxa de escolaridade do ensino superior para a população entre 15-64 anos cresceu continuamente atingindo 25% em 2018. Uma comparação de Portugal com o Brasil deve ter em conta alguns fatos: contextos demográficos distintos, escolaridade obrigatória de 6 anos desde 1964 (9 anos em 1986 e 12 a partir de 2009) e a predominância do setor público em Portugal.

Figura 5
Evolução da taxa de escolaridade do ensino superior da população portuguesa entre 15-64 anos

Finalmente, a Figura 6 aponta a distribuição contemporânea de vagas pelo território português. Note-se que a concentração no litoral e a relativa escassez no Leste é consistente com as densidades demográficas apresentadas na Figura 3.

Figura 6
Número de vagas em IES públicas por distrito em 2018

2 O desenvolvimento de uma região

Segundo Capello (2007CAPELLO, R. Regional economics. London: Routledge, 2007.), desenvolvimento regional significa a capacidade de uma região descobrir um papel adequado para sua inserção na divisão internacional do trabalho através do uso eficiente e criativo dos recursos de sua estrutura econômica. Consequentemente, a teoria do desenvolvimento regional busca identificar os fatores que geram essa capacidade e os processos e relações externas que a fortalecem ou a enfraquecem. No entanto, é possível sintetizar os vários elementos determinantes de um processo de desenvolvimento em um único indicador: o crescimento regional da renda ou do produto per capita.

As teorias de crescimento são, portanto, os modelos e teorias que fazem essa simplificação. Já aquelas que se preocupam com os fatores tangíveis e intangíveis que definem e mantêm o bem-estar de uma sociedade regional se denominam teorias de desenvolvimento local. Entretanto, não existe um conceito único do que é crescimento regional, mas sim várias conceituações. A literatura mais moderna, denominada evolucionista, considera que o crescimento acontece por três caminhos: inovações, mudanças dentro de cada setor e alterações no peso de cada setor. As inovações criam novos setores; as inovações e a sua difusão dentro de cada setor levam a um aumento no desempenho médio do setor; a alteração no peso relativo de cada setor - decorrente das inovações - acarreta numa mudança estrutural da economia. Decorre daí que uma política de crescimento é praticamente sinônima de uma política de inovação, que, por sua vez, está relacionada ao aumento de conhecimentos e a sua transformação em tecnologia (Vence, 2007VENCE, X. Crecimiento economico, cambio estructural y economia basada en conocimiento. In: VENCE, X. (Ed.). Crecimiento y políticas de innovación: nuevas tendencias y experiencias comparadas. Madrid: Piramide, 2007. p. 19-58. ). É dentro deste contexto que surge a importância das IES para o desenvolvimento regional.

Torna-se importante destacar três pontos decorrentes da discussão acima: (a) a confirmação de que desenvolvimento é um processo de longo prazo; (b) a incompatibilidade dessa ideia com o uso de teorias que enfatizam o curto prazo - baseadas na Teoria da Determinação da Renda de Keynes - para uma discussão de desenvolvimento regional; (c) a associação do conceito moderno de crescimento ao aumento de competitividade e inovação. Apesar disso, qualquer que venha a ser o conceito utilizado para o desenvolvimento econômico de uma região, estará sempre apoiado em um estímulo de renda, que poderá advir tanto da venda da produção regional para o resto do mundo, como do simples recebimento de transferências de recursos públicos e/ou privados de outras partes do país ou do mundo, ou ainda dos investimentos decorrentes da criação de uma IES. Essa injeção de renda, por sua vez, deverá implicar na busca da integração das atividades internas regionais para ampliar os efeitos multiplicadores dentro da região. Quanto mais amplos e diversificados forem, mais numerosos serão os beneficiários dessa injeção de renda. Em tais circunstâncias, a região poderá estar no limiar de um processo de transformação de sua estrutura produtiva. No entanto, não se pode perder de vista que essa transformação decorrerá de um processo longo e complexo, bem como que a injeção de renda não é garantia de sua ocorrência.

O efeito final desse processo e a magnitude dos efeitos multiplicadores dentro da própria região dependerão dos seguintes aspectos: volume dos vazamentos de renda; volume de impostos arrecadados; grau de desenvolvimento de cada um desses setores; dimensões dos mercados que vierem a surgir em decorrência das injeções de renda; condições de aparecimento e localização de novas atividades dentro da região; economias de aglomeração que vierem a surgir; capacidade empresarial dos empresários locais; grau de vinculação das suas instituições educacionais ao sistema produtivo local; enfim, de condições econômicas objetivas e daquilo que se convencionou chamar capital social da região. Tudo isso em um período suficientemente longo para permitir as transformações que levarão a uma nova configuração da estrutura econômica regional.

Embora possa ser entendida como uma “injeção” ou como um “vazamento” de renda na região, a implantação ou o fechamento de uma IES ultrapassa, e muito, essas categorias específicas. De fato, a sua implantação poderá transformar a estrutura da economia regional em função das demandas necessárias para o seu funcionamento, mas isso não será suficiente para a transformação da economia regional no caso dela não contribuir efetivamente para a alteração das estruturas, o que significa, em última instância, modificar as condições de inovação e competitividade da região. Enquanto o primeiro é um processo de curto prazo, o segundo é de longo e, portanto, bem mais complexo.

As avaliações do impacto de curto prazo podem ser vistas com o auxílio do multiplicador keynesiano que será apresentado a seguir.

3 O multiplicador keynesiano

A versão regional para a determinação da renda no curto prazo segue o modelo keynesiano tradicional de determinação da renda em uma economia nacional. Considerando-se uma economia aberta - como são as economias regionais -, pode-se obter um multiplicador de renda regional por meio da seguinte expressão:

Y r = C r + I r + G r + X r - M r (1)

sendo Yr a renda regional; Cr o consumo regional; Ir o investimento regional; Gr os gastos governamentais na região; Xr as exportações regionais; e Mr as importações regionais. Cada uma das variáveis é um componente da demanda agregada regional e as exportações e importações representam, respectivamente, qualquer venda ou compra realizada fora da região.

Duas suposições são necessárias: (a) o nível de consumo regional, Cr, é parcialmente exógeno à renda da região, Yr e parcialmente uma função da renda regional, conforme equação (2); e (b) o nível de importação regional, Mr é parcialmente exógeno à renda da região, Yr e parcialmente uma função da renda regional, conforme a equação (3). Além disso, como nas equações (2) e (3) não temos o rendimento total Yr, mas apenas o rendimento disponível Ydr, depois de pagos o total dos impostos Tr, tem-se a equação (4), em que o coeficiente t é a alíquota média dos impostos cobrados na região, sendo Yr1-t o rendimento regional disponível.

C r = C o + c Y r (2)

M r = M o + m Y r (3)

Rendimento disponível = Y r - t Y r = Y r 1 - t (4)

Com as três equações acima, e o pressuposto de que o investimento regional (Ir), os gastos governamentais na região (Gr) e as exportações regionais (Xr) são exógenos, passando, pois, respectivamente a Io, Go e Xo, podem-se substituir as equações (2) a (4) em (1) de modo a obter, a partir do rendimento disponível:

Y r = C o + c Y r + I o + G o + X o - M o - m Y r / 1 - t (5)

Como o rendimento regional, Yr é a soma dos componentes exógenos da procura agregada, multiplicada por um multiplicador regional. O rendimento regional pode, então, ser expresso assim:

Y r = K r x C o + I o + G o + X o - M o (6)

Sendo Kr o multiplicador regional simples, dado pela seguinte expressão:

K r = 1 / 1 - c - m 1 - t (7)

Os coeficientes c e m são, respectivamente, a propensão marginal a consumir regionalmente e a propensão marginal regional para importar. A diferença entre elas, representada por c-m, significa a propensão marginal regional a consumir bens locais (Armstrong; Taylor, 2000ARMSTRONG, H.; TAYLOR, J. Regional economics and policy. Oxford: Blackwell, 2000., p. 17).

O Quadro 1 apresenta os valores possíveis em uma simulação para o caso do multiplicador simples, equação (7), considerando diferentes propensões marginais a consumir e a importar e, consequentemente, diferentes propensões marginais a consumir bens locais. O exercício é feito tendo em conta dois valores para t, a parcela de impostos aplicada sobre a renda. É feita uma injeção de renda similar nas duas regiões hipotéticas consideradas e, portanto, é possível ter uma avaliação do impacto relativo sobre as rendas regionais para cada valor do multiplicador simples k.

Objetivando um maior grau de realidade ao exercício aplicado às duas regiões hipotéticas, A, com pequena população, e B, com uma grande aglomeração populacional, foi utilizado como representação da primeira região, o produto regional da subregião estatística (NUTS III) Alto-Trás-os-Montes8 8 Alto-Trás-os-Montes é a denominação na classificação NUTS 2002. Em 2015 foi publicada uma nova versão (NUTS 2013) em que ela foi subdividida em duas e recebeu alguns acréscimos (Alto Tâmega e Terras de Trás-os-Montes). O Grande Porto também sofreu alterações e passou a ser Área Metropolitana do Porto. O processo de ajuste das séries históricas portuguesas à nova classificação, embora avançado, ainda está em andamento. Dessa forma, para assegurar a comparabilidade entre os dados utilizados, preferiu-se manter a classificação NUTS 2002. e, para a segunda região, o produto regional da subregião estatística Grande Porto, sendo ambos relativos ao ano de 2010. O PIB de Grande Porto é quase dez vezes maior que o PIB de Alto-Trás-os-Montes. A injeção de renda considerada foi o montante de gastos totais do Instituto Politécnico de Bragança para o ano de 2008 (Fernandes, 2009FERNANDES, J. O impacto econômico das instituições de ensino superior no desenvolvimento regional: o caso do Instituto Politécnico de Bragança. Tese (Doutoramento em Engenharia Industrial e de Sistemas/Engenharia Econômica)-Universidade do Minho, Braga, Portugal, 2009.). Os valores para t são os da proporção da carga tributária sobre o PIB português em 2009 e 2012 (OECD, 2013OECD. OECD DATA, From Data.OECD. 2013Org. Available at: https://data.oecd.org/tax/tax-revenue.htm.
https://data.oecd.org/tax/tax-revenue.ht...
). Os valores para as propensões marginais a consumir e a poupar são valores hipotéticos.

O Quadro 1 permite vislumbrar pontos importantes sobre o multiplicador. Em primeiro lugar, um aumento da propensão marginal a consumir e uma redução na propensão marginal a importar levam a um aumento na propensão marginal a consumir bens locais, c-m. A consequência é um aumento no valor do multiplicador. A condição para que isso aconteça é que 0<m<c<1. No caso de m>c, o multiplicador seria menor do que 1. Isso significa que o acréscimo na renda regional seria menor que o montante injetado na região. A lógica do modelo é que as injeções de renda potencializam a expansão da atividade econômica e os vazamentos (importação e impostos em especial) a reduzem.

Quadro 1
Simulação de valores do multiplicador e respectivos impactos regionais

O segundo ponto é a influência dos impostos. Quando alteramos o valor de t de 0,307 para 0,326, o valor do multiplicador diminui. O terceiro ponto é o impacto relativo do multiplicador sobre regiões com dimensões econômicas diferentes. Considera-se inicialmente que ambas as regiões têm os mesmos parâmetros comportamentais e, consequentemente, a mesma propensão a consumir bens locais. Dessa forma, o multiplicador terá o mesmo valor para ambas. No caso de um multiplicador de 1,072 e de uma alíquota t de 0,307, havendo uma injeção de renda de 30 € x 10^6, o acréscimo absoluto na renda de cada região será 32,23 € x 10^6. No entanto, o acréscimo relativo será muito diferente segundo o tamanho da região. A região A terá um acréscimo de 1,354% (32,23/2.380,2) e na região B será de apenas 0,153% (32,23/21.058,5). Ou seja, para a mesma injeção de gastos em duas regiões com o mesmo multiplicador, a menor delas, economicamente, terá um acréscimo proporcional na sua renda superior ao da maior região.

Surge outro ponto de grande importância quando se adotam hipóteses mais realistas sobre os parâmetros. As economias regionais são economias abertas e, como tal, a análise de Blanchard (2004BLANCHARD, O. Macroeconomia. São Paulo: Prentice Hall, 2004.) aplica-se a elas ainda com mais intensidade. No exercício que está sendo realizado, é uma hipótese razoável considerar a propensão a importar na região B (Grande Porto) menor que a da região A (Alto-Trás-os-Montes). Em função de o Grande Porto ter uma economia mais diversificada que a de Alto-Trás-os-Montes, a obtenção, em termos proporcionais, de mais bens e serviços dentro da sua NUTS III é um fato. Dessa forma, os multiplicadores serão diferentes, sendo o do Grande Porto maior que o de Alto-Trás-os-Montes. Tendo em conta os dados do Quadro 1, considera-se que Alto-Trás-os-Montes tenha como valores para c e m, respectivamente 0,55 e 0,45, o que leva a uma propensão marginal a consumir bens locais de 0,1 e a um multiplicador de 1,074. Suponha-se ainda que esses valores para o Grande Porto sejam respectivamente 0,7 e 0,3, com uma propensão marginal a consumir bens locais de 0,4 e o multiplicador 1,384. Realizando o exercício com o valor de t mantido como 0,307, uma mesma injeção de renda de 30 traria um acréscimo total de renda em Alto-Trás-os-Montes de 32,2 e, no Grande Porto, elevaria para 41,52. O impacto absoluto em Alto-Trás-os-Montes seria 22,4% menor do que no Grande Porto. Porém, o impacto relativo sobre a renda na primeira região (1,354%) ainda se manteria maior do que na segunda região (0,197%).

A conclusão óbvia é que o mesmo gasto tem um impacto proporcionalmente maior na região menos populosa e com economia pouco diversificada ao passo que esse impacto é proporcionalmente menor em uma região com dimensões metropolitanas. Em outras palavras, criar (ou encerrar) uma IES em uma região pequena como A terá um efeito relativo muito maior sobre a economia regional do que se ela fosse criada (ou fechada) em uma área metropolitana.

Outro aspecto a ser considerado sobre os multiplicadores é o montante de vazamento no primeiro ciclo de gastos. Nas regiões em que há uma elevada propensão a importar, caso ocorra uma injeção de renda, uma parcela importante desse volume sai de imediato do circuito em função das importações. Consequentemente, o multiplicador agirá sobre um montante bem menor que o montante inicial. Armstrong e Taylor (2000ARMSTRONG, H.; TAYLOR, J. Regional economics and policy. Oxford: Blackwell, 2000.) chamam a atenção para esse ponto e salientam a importância de se estimar o “vazamento” via importações do primeiro ciclo de gastos. Imagine-se a edificação de uma IES em uma região desprovida localmente de materiais de construção. O investimento inicial praticamente sairá todo da região através das importações, restando muito pouco para o efeito multiplicador interno.

Finalmente, há que se considerar que a análise do multiplicador é uma análise de curto prazo e, portanto, nada garante a sua estabilidade no tempo, por mais sofisticado e preciso que tenha sido o seu cálculo. Além disso, o seu funcionamento depende do pressuposto da existência de recursos ociosos, ou seja, não há restrições pelo lado da oferta. Por outro lado, a análise é feita tendo em conta a determinação de uma renda de equilíbrio - o que nem sempre é o caso em situações reais - e a condição 0<m<c<1 pode não ser verificada em determinadas regiões, o que significa um permanente vazamento de renda para todo gasto governamental lá realizado.

Neste sentido, quando o multiplicador keynesiano é aplicado à análise regional, os resultados têm que ser interpretados com muita cautela em função dos seguintes aspectos:

  • Cada região terá um multiplicador específico;

  • O tamanho do multiplicador depende do tamanho da região - as regiões grandes tendem a ter um multiplicador maior do que o das regiões pequenas;

  • O “vazamento” via importações do primeiro ciclo de gastos;

  • O impacto proporcional sobre a renda para a mesma injeção de gastos em duas regiões com o mesmo multiplicador também depende do tamanho delas; a menor terá um acréscimo proporcional em sua renda superior ao da maior região;

  • O multiplicador só tem validade no curto prazo, quando não existirem restrições pelo lado da oferta e quando 0<m<c<1;

  • Todos esses itens acima realçam o fato de que cada região terá que estimar o seu próprio multiplicador.

4 O multiplicador dos gastos das universidades

Em recente obra sobre o papel das universidades no desenvolvimento de seu entorno, Goddard e Vallance (2013GODDARD, J.; VALLANCE, P. The university and the city. Oxon: Routledge, 2013.) fazem uma distinção entre os benefícios “passivos” que uma região recebe pela presença de uma universidade e os “proativos”. Entre os primeiros estão os impactos sobre a renda e o emprego regional vinculado à universidade. Já os segundos - vistos mais adiante - são os que têm uma contribuição mais efetiva para o desenvolvimento das regiões e que, de fato, apontam os processos que permitem às IES cumprirem esse papel.

Há uma grande e já antiga presença na literatura de trabalhos analisando o impacto econômico regional das IES sobre a renda e o emprego. Basicamente são trabalhos que analisam o impacto sobre a demanda agregada regional, inspirados no multiplicador keynesiano. O enfoque metodológico busca avaliar o que seria a região com e/ou sem a IES. Em geral, seguem um procedimento padrão: delimitação regional, determinação do impacto direto e explicação dos impactos indiretos (algumas vezes também os induzidos).

A determinação do impacto direto consiste em medir o volume de gastos de grupos de atores diretamente vinculados à IES, ou seja, os gastos em consumo corrente e de investimento da instituição, os de consumo dos seus membros (professores e funcionários), os de consumo dos alunos oriundos de fora da região, e os dos visitantes residentes fora da região (participantes de congressos e seminario, familiares do staff e de alunos, etc). O que parece ser a parte mais simples nesses estudos muitas vezes requer um esforço considerável para a obtenção desses dados, sendo ilustrativo o esforço realizado por Fernandes (2009FERNANDES, J. O impacto econômico das instituições de ensino superior no desenvolvimento regional: o caso do Instituto Politécnico de Bragança. Tese (Doutoramento em Engenharia Industrial e de Sistemas/Engenharia Econômica)-Universidade do Minho, Braga, Portugal, 2009.) ao analisar o impacto do Instituto Politécnico de Bragança.

Da mesma forma, ao longo desse cálculo podem surgir opções conceituais que levam a grandes divergências de resultados, como é o caso da controvérsia sobre a adição dos gastos dos alunos residentes na região aos gastos dos alunos não residentes na região. Por exemplo, na análise realizada para o impacto regional do Instituto Politécnico de Setúbal, os gastos dos alunos representam 85% dos gastos diretos da IES. “No entanto, os alunos locais têm uma participação equivalente a 70% do total de gastos dos alunos. Caso eles não fossem adicionados, haveria uma redução próxima da metade do valor inicialmente calculado como impacto direto total da IES na região” (Carvalho; Nunes; Pinto, 2013CARVALHO, L.; NUNES, S.; PINTO, S. Impacto económico do Instituto Politécnico de Setúbal na Região de Setúbal. Setúbal: Instituto Politécnico de Setúbal, 2013., p. 54-55).

Quanto aos gastos indiretos e induzidos, é necessário considerar o efeito multiplicador do gasto inicial. Existem inúmeras técnicas, com maior ou menor grau de sofisticação, para isso. Florax (1992FLORAX, R. The university: a regional booster? Economic impacts of academic knowledge infrastructure. London: Avebury, 1992.), em um estudo seminal, classificou as análises sobre o impacto econômico das universidades em quatro grupos: (a) as que seguiam métodos específicos de contabilidade em consonância com Caffrey e Isaacs (1971CAFFREY, J.; ISAACS, H. Estimating the impact of a college or university on the local economy. American Council on Education, 1971.), cujo trabalho também é conhecido como modelo ACE (American Council on Education); (b) aquelas centradas em trabalhos que utilizavam o multiplicador de base econômica (Armstrong; Taylor, 2000ARMSTRONG, H.; TAYLOR, J. Regional economics and policy. Oxford: Blackwell, 2000.); (c) as que se baseavam no multiplicador keynesiano, conforme visto anteriormente; e (d) as fundamentadas nas técnicas de input-output. Embora essa divisão continue útil, os avanços e a sofisticação das técnicas baseadas em input-output, tais como as matrizes de Contabilidade Social e especialmente os Modelos de Equilíbrio Geral Computável, têm ampliado consideravelmente os estudos deste último grupo.

Ainda que as técnicas sejam diversas, a maioria desses modelos baseia-se em Keynes, na determinação da renda no curto prazo em uma economia aberta. Todos gozam das vantagens e sofrem dos males desse enfoque, havendo uma tendência a se superestimar o impacto regional das universidades na medida em que a capacidade de resposta da oferta no curto prazo é considerada infinita, sendo esse um dos motivos pelos quais é recomendável ter cautela com os resultados desses modelos (Goddard; Vallance, 2013GODDARD, J.; VALLANCE, P. The university and the city. Oxon: Routledge, 2013., p. 24). Com os modelos de equilibrio geral computável isso já não acontece. A maioria deles, de acordo com o seu “fechamento”, segue a lei geral da economia: um acréscimo de demanda implica em uma reação da oferta. Além dessa vantagem, esses modelos encontram-se entre os raros que permitem avaliar o impacto do lado da oferta (Horridge, 2001HORRIDGE, M. MINIMAL - A simplified general equilibrium model. Melbourne: Monash University, 2001.).

Vários trabalhos enquadráveis em alguns desses grupos foram realizados em Portugal. Entre os que merecem destaque, o de Silva e Santos (2005SILVA, J.; SANTOS, S. A análise input-output na avaliação do impacto econômico das universidades: o caso da Universidade do Algarve. In: CONGRESSO DA APDR, 11, Faro: APDR, 2005. Anais... ), que utilizou uma matriz de input-output para analisar o impacto da Universidade do Algarve (obtendo um multiplicador agregado de renda de 1,34), e o de Fernandes (2009FERNANDES, J. O impacto econômico das instituições de ensino superior no desenvolvimento regional: o caso do Instituto Politécnico de Bragança. Tese (Doutoramento em Engenharia Industrial e de Sistemas/Engenharia Econômica)-Universidade do Minho, Braga, Portugal, 2009.), que analisou o impacto da presença do Instituto Politecnico de Bragança. Este último utilizou um multiplicador regional ad hoc de 1,7 baseado na média de outros estudos semelhantes presentes na literatura internacional.

O trabalho de Fernandes (2009FERNANDES, J. O impacto econômico das instituições de ensino superior no desenvolvimento regional: o caso do Instituto Politécnico de Bragança. Tese (Doutoramento em Engenharia Industrial e de Sistemas/Engenharia Econômica)-Universidade do Minho, Braga, Portugal, 2009.) propõe uma simplificação da metodologia de Caffrey e Isaacs (1971CAFFREY, J.; ISAACS, H. Estimating the impact of a college or university on the local economy. American Council on Education, 1971.) e teve como desdobramento a aplicação dessa metodologia em um exaustivo trabalho realizado por sete institutos politécnicos (Bragança, Castelo Branco, Leiria, Portalegre, Setúbal, Viana do Castelo e Viseu) através de um projeto conjunto, segundo Carvalho, Nunes e Pinto (2013CARVALHO, L.; NUNES, S.; PINTO, S. Impacto económico do Instituto Politécnico de Setúbal na Região de Setúbal. Setúbal: Instituto Politécnico de Setúbal, 2013.) e Nicolau et al. (2014NICOLAU, A. et al. Os impactos dos institutos politécnicos na economia local: uma primeira reflexão, Lisboa: Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), 2014.). Apesar de estarem localizados em sete diferentes subregiões de Portugal, todos utilizaram o mesmo multiplicador ad hoc de 1,79 9 Faggian e Biagi (2003) calcularam multiplicadores keynesianos para as 20 regiões da Itália. O valor em cada uma delas foi diferente. Atribuíram as variações ao grau de abertura das regiões; à diversidade de recursos e suas respectivas produtividades marginais; ao nível de riqueza, distribuição da renda e à consequente diferença no padrão de consumo. . O nível de atividade econômica gerada por unidade monetária de financiamento público em cada subregião considerada variou de 2,63 a 8,07, tendo como média aritmetica 4,2 (Nicolau et al., 2014NICOLAU, A. et al. Os impactos dos institutos politécnicos na economia local: uma primeira reflexão, Lisboa: Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), 2014.). Tais valores são muito altos e pouco usuais na literatura pertinente.

Em um trabalho muito citado sobre o impacto da Universidade de Portsmouth (UK) os multiplicadores encontrados do tipo 1 (efeitos diretos e indiretos) e do tipo 2 (efeitos diretos, indiretos e induzidos) foram respectivamente: multiplicadores de produto, 1,24 e 1,73; de renda, 1,16 e 1,66; de emprego 1,55 e 1,79. O autor comparou os seus resultados com os de seis outros estudos sobre universidades inglesas e conclui que todos os resultados, embora variassem, eram condizentes com os de Portsmouth (Harris, 1997, p. 619-620). No Brasil, um estudo sobre as universidades estaduais paranaenses, estimou um multiplicador tipo II de renda de 2,34 e um multiplicador de emprego de 2,53 (Rolim; Kureski, 2007ROLIM, C.; KURESKI, R. Impacto econômico de curto prazo das universidades estaduais paranaenses - 2004. Revista Paranaense de Desenvolvimento, v. 112, n. 3, p. 111-130, 2007.). Outro estudo, realizado na Espanha para a Comunidade Valenciana, estimou multiplicadores que, na média, eram: produção, 1,75; renda, 2,25; emprego, 2,39 (Pastor et al., 2013PASTOR, J.; PÉREZ, F.; GUEVARA, J. Measuring the local economic impact of universities: an approach that considers uncertainty. Higher Education, 65, p. 539-564, 2013.). Ainda em Espanha, Garrido e Gallo-Rivera (2010GARRIDO, R.; GALLO-RIVERA, M. The impact of the university upon local economy: three methods to estimate demand-side effects. The Annals of Regional Science, v. 44, p. 39-67, 2010.) realizaram um estudo em que calculam o impacto da Universidade de Alcalá sobre a Comunidade de Madri utilizando três métodos. Os multiplicadores encontrados variaram de 1,77 a 2,04. Consideram que seus resultados estão abaixo dos verificados em universidades americanas que variaram de 2,32 a 2,57.

Os estudos sobre os Institutos Politécnicos em Portugal foram realizados com muito esforço e tiveram que superar restrições de toda a ordem. No entanto, tendo em conta o desenvolvido nesta seção e nas duas anteriores, evidencia-se que as limitações inerentes ao enfoque tornam praticamente impossível afirmar com precisão o impacto econômico das IES sobre as respectivas regiões, podendo-se ter, no máximo, uma ideia de sua importância para a demanda agregada regional no curto prazo.

5 O multiplicador é X, a renda é Y% do PIB. E Agora?

Na perspectiva do desenvolvimento regional, qual é a importância do multiplicador ser maior ou menor que x e da IES representar y% da renda regional? A resposta de um cético seria: nenhuma. Ele poderia argumentar não só que os mesmos impactos seriam obtidos caso o montante gasto com a IES (seja para criá-la ou mantê-la) fosse distribuído pela população da região, mas também que a função primodial de uma IES não é criar demanda agregada regional, mas novos conhecimentos para a sociedade que a mantém e, quiçá, para a humanidade. Além disso, esse mesmo cético poderia ressaltar que a criação ou manutenção de uma IES longe dos grandes centros seria apenas uma forma de tranferência e não a criação de novos recursos. Argumento que ficaria mais robusto dentro de uma configuração setorial, em que uma política de educação superior deveria concentrar os recursos nos grandes centros na medida em que a sua contribuição para o conhecimento seria maior, o que estaria em consonância com as evidências empíricas (Vinhais, 2013VINHAIS, H. Estudo sobre o impacto da expansão das universidades federais no Brasil. Tese (Doutoramento)-FEA-USP, São Paulo, 2013.).

Embora o cético não esteja totalmente correto, na medida em que outras variáveis, tais como a estrutura de consumo local, o volume e composição das importações regionais, o papel mais amplo das IES, etc. teriam que ser consideradas, ele também não estaria totalmente errado no curto prazo. Se o debate se centrasse na discussão “efeitos multiplicadores versus argumentação cética” seria de difícil sustentabilidade para a causa de Tormes e mais favorável à de Paris. O ponto central, no entanto, é que a temporalidade presente no conceito de desenvolvimento regional é o longo prazo e, nessa perspectiva, outros elementos que não sejam somente os impactos dos efeitos multiplicadores são mais importantes, ainda que muito mais difíceis de serem quantificados.

Dessa forma, a justificativa para criar ou encerrar uma IES em qualquer região se prende muito mais à contribuição que ela poderá trazer para a trajetória de crescimento e desenvolvimento regional do que aos eventuais acréscimos de curto prazo à sua demanda agregada. O debate, portanto, é saber se ela - de fato - está (estará) contribuindo para a inovação e o aumento da competitividade das atividades econômicas da região.

A ideia de inovação associada ao conhecimento não precisa se referir à fronteira do conhecimento tecnológico e nem mesmo à perspectiva de um novo equipamento. Em determinados contextos regionais, melhorar o manejo da tração animal na região trará um grande impacto na produtividade. Em outros, encontrar uma simples reorganização do trabalho poderá trazer grande acréscimo de eficiência. Trata-se, portanto, da adoção do princípio de que o fundamental para a região será a IES ampliar o seu núcleo/centro de difusão tecnológica tornando-o um centro de difusão de conhecimento aplicado para a economia local.

Como dimensionar esses impactos é ainda uma questão em aberto. Várias tentativas estão em andamento. O Relatório Russell de 2002 é um dos mais antigos (Molas-Gallart et al., 2002MOLAS-GALLART, J.; SALTER, A.; PATEL, P.; SCOTT, A.; DURAND, X. Measuring third stream activities - Final Report to the Russell Group of Universities. Sussex: SPRU/University of Sussex, 2002.). A OCDE coordenou vários estudos regionais considerando o apoio das IES ao desenvolvimento regional (OECD, 2007OECD. OECD DATA, From Data.OECD. 2013Org. Available at: https://data.oecd.org/tax/tax-revenue.htm.
https://data.oecd.org/tax/tax-revenue.ht...
). Nesses estudos quatro grandes dimensões eram consideradas na análise das IES, a saber:

  • Contribuição da pesquisa à inovação regional;

  • Contribuição do ensino e aprendizagem para o mercado de trabalho e profissionalização;

  • Contribuição ao desenvolvimento social, cultural e ambiental;

  • Capacitação institucional para a cooperação regional.

Outro exemplo significativo é o do projeto E3M (2012E3M Project (European Indicators and Ranking Methodology for University Third Mission). Conceptual framework for third mission indicator conception. Brussels: European Union (Education and Culture DG - Lifelong Learning Programme), 2012.), que delimitou três grandes grupos de atividades relacionadas à Terceira Missão: transferência de conhecimento e inovação, formação contínua e compromisso social. Este projeto sugeriu quase uma centena de indicadores, sendo 28 para educação continuada, 31 para inovação e transferência de tecnologia, e 36 para engajamento social. O Quadro 2 é uma simples amostra da riqueza do conjunto de indicadores.

Quadro 2
Exemplos de indicadores para a Terceira Missão

O projeto U-Map (van Vught et al., 2011VUGHT, F. V. et al. U-Map, A University Profiling Tool - 2011 Update Report. Twente: University of Twente/ CHEPS, 2011.) apresenta um conjunto mais simples de indicadores para o engajamento regional de uma IES. Considera apenas três indicadores, os quais, ainda que simplificadamente, podem apontar um maior envolvimento das instituições com a sua região:

  • Percentual de matriculas no 1º ano de estudantes oriundos da região;

  • Percentual de graduados da IES trabalhando na região;

  • Importancia das fontes de recursos locais/regionais no orçamento da IES.

Em um trabalho recentemente elaborado pela Universidade de Twente para o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), são apontadas cinco áreas em que os Institutos Politécnicos poderiam dar uma contribuição relevante para o desenvolvimento das regiões em que estão localizados (CHEPS, 2013CENTRE FOR HIGHER EDUCATION POLICY STUDIES (CHEPS). Policy challenges for the Portuguese Polytechnic Sector: a report for the Portuguese Polytechnics Coordinating Council. Twente: CHEPS/University of Twente, 2013.):

  • Estímulo à inovação;

  • Apoio à formação de clusters de atividades inovadoras;

  • Retenção de talentos;

  • Desenvolvimento cultural;

  • Desenvolvimento de capital humano.

Embora o estudo do CHEPS se refira aos Institutos Politécnicos Portugueses, essas atividades podem ser generalizadas para qualquer tipo de IES e de região. Qualquer IES, em qualquer região, cumprindo-as a contento, estará dando um grande suporte ao desenvolvimento regional.

Recentemente houve em Portugal um grande esforço no sentido de construir um sistema de indicadores para o impacto regional dos institutos politécnicos (Saúde et al., 2017SAÚDE, S. et al. Indicadores de desempenho para as instituições de ensino superior politécnico: investigação aplicada, criação cultural e impacto regional. Lisboa: Edições Sílabo, 2017.). O trabalho é muito promissor pois foi além das simples perspectivas de curto prazo. Foram propostos 23 indicadores distribuídos em cinco dimensões:

  • Prestação de serviços;

  • Produção científica e artística;

  • Investigação colaborativa;

  • Transferência de conhecimento;

  • Impacto societal.

Embora o objetivo inicial do trabalho fosse construir um sistema de uso imediato dos indicadores, isso não foi alcançado porque, para a quantificação de muitos deles, a base estatística portuguesa ainda não é suficiente.

Os esforços neste outro tipo de enfoque tem sido promissores. Porém, a elaboração de indicadores da contribuição das IES para o desenvolvimento das suas regiões e das metodologias para quantificá-los permanece, no entanto, como um grande desafio em aberto.

Considerações finais

Este artigo objetivou contribuir para o debate corrente em Portugal sobre a possibilidade de concentrar recursos para expandir as IES mais pressionadas pela demanda, situadas mais próximas ao litoral, ou de se reduzir/encerrar aquelas com um número diminuto de matrículas, situadas no interior do país, particularmente os institutos politécnicos.

Procurou-se mostrar que a importância de uma IES para o desenvolvimento da sua região não está apenas na manutenção da demanda agregada regional, mas fundamentalmente na sua contribuição para o incremento da inovação e da competitividade regional no longo prazo. Assim sendo, a argumentação mais sólida para a justificativa de criação ou manutenção de uma IES em determinada região não está nos efeitos multiplicadores de renda e emprego que ela gera na economia regional no curto prazo, uma vez que isso não é suficiente. A justificativa terá que ir além e mostrar como a IES vem contribuindo e poderá contribuir para a trajetória de desenvolvimento regional de longo prazo.

Os tomadores de decisão envolvidos em um processo de criação ou fechamento de uma IES poderiam ampliar a acuidade desse processo, considerando atentamente os seguintes pontos:

  1. A estrutura da economia regional;

  2. A contribuição que a IES traz (trará) para a trajetória de desenvolvimento regional;

  3. A existência de um diagnóstico socioeconômico da região embasando o plano de ação da IES;

  4. O grau de engajamento da IES com a região e com seus desafios;

  5. A consistência entre os cursos e disciplinas ofertadas e os projetos de investigação em andamento com o potencial econômico da região;

  6. O potencial interno para o desenvolvimento das principais dimensões da Terceira Missão: ensino continuado; inovação e transferência de tecnologia; e engajamento social;

  7. No curto prazo, considerar a propensão marginal regional a investir em bens locais, a magnitude do multiplicador, e se as condições para seu uso estão presentes, tendo-se em mente que esses parâmetros são únicos para cada região e para cada IES.

Aos leitores brasileiros deixamos a recomendação de prudência na busca de similaridades com o Brasil, tendo em conta o contexto da expansão do ensino superior em Portugal.

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  • WATSON, D. et al. The engaged university: international perspectives on civic engagement. London: Routledge , 2011.
  • 1
    O índice de envelhecimento é a relação entre o número de pessoas com 65 e mais anos por cada 100 pessoas menores de 15 anos. Valores superiores a 100 indicam a existência de mais idosos que jovens na população.
  • 2
    Muitos autores portugueses usam a expressão interior para o litoral. Preferimos utilizar Leste para o litoral.
  • 3
    O decreto criou as universidades de Aveiro, Minho, Nova de Lisboa e o instituto Universitário de Évora (dois anos depois renomeado Universidade de Évora); os institutos politécnicos de Covilhã (Universidade da Beira Interior em 1986), Faro, Leiria, Setúbal, Tomar, Vila Real (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro em 1986); antigas IES transformadas em institutos politécnicos, Coimbra, Lisboa, Porto e Santarém. Em 1976 mais duas universidades são criadas, a Universidade dos Açores e a Universidade do Algarve em Faro. Esta última incorpora o Instituto Politécnico de Faro em 1979. Em 1988 é criada a Universidade da Madeira.
  • 4
    Recentemente o Decreto Lei 65/2018, passou a autorizar o doutoramento nos Institutos Politécnicos. No entanto, as regras para a necessária autorização de funcionamento dos cursos pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) ficaram muito mais exigentes. Além disso, para que as alterações do DL 65/2018 passem a valer, no que se refere à autorização da concessão do grau de doutor, ainda é necessária a alteração da lei 46/86 das Bases do Sistema Educativo. Em consequência, até o momento (setembro de 2019), nenhum Instituto Politécnico oferece cursos de doutoramento.
  • 5
    Magalhães e Santiago (2012MAGALHÃES, A. M.; SANTIAGO, R. Governance, public management and administration of higher education in Portugal. In: NEAVE, G.; AMARAL, A. Higher education in Portugal 1974-2009: a nation, a generation. London: Springer, 2012. p. 227-248. ) consideram o período 1986-1996 a Década da Massificação.
  • 6
    O ensino superior em Portugal é fundamentalmente público, porém não gratuito. Desde o período salazarista eram cobradas propinas (mensalidades) e taxas que eram proporcionalmente caras na época. No período posterior ao 25 de Abril de 1974 o valor das propinas (fixo durante o salazarismo) era relativamente simbólico. O ensino superior privado foi autorizado em 1986 e em 1992 o valor das propinas no setor público foi atualizado e desde então passaram por sucessivos aumentos de tal forma que hoje representam parcela importante no orçamento das famílias (Cabrito, 2002CABRITO, B. O financiamento do ensino superior. Lisboa: Educa, 2002.). Em 2010/2011 o valor anual médio em Euros das propinas nas universidades era, respectivamente, 1.146,00 nas públicas e 3.951,00 nas privadas (Cerdeira et al., 2015CERDEIRA, L.; CABRITO, B.; PATROCÍNIO, T.; MACHADO, M.; BRITES, R. Custos dos estudantes do ensino superior português - Relatório CESTES: Para a compreensão da condição social e econômica dos estudantes de ensino superior. Lisboa: Educa . 2015.).
  • 7
    Embora na sua essência seja uma instituição privada, a Universidade Católica (1971) é vista de maneira diferenciada.
  • 8
    Alto-Trás-os-Montes é a denominação na classificação NUTS 2002. Em 2015 foi publicada uma nova versão (NUTS 2013) em que ela foi subdividida em duas e recebeu alguns acréscimos (Alto Tâmega e Terras de Trás-os-Montes). O Grande Porto também sofreu alterações e passou a ser Área Metropolitana do Porto. O processo de ajuste das séries históricas portuguesas à nova classificação, embora avançado, ainda está em andamento. Dessa forma, para assegurar a comparabilidade entre os dados utilizados, preferiu-se manter a classificação NUTS 2002.
  • 9
    Faggian e Biagi (2003FAGGIAN, A.; BIAGI, B. Measuring regional multipliers: a comparison between two different methodologies for the case of the Italian regions. Scienze Regionali: Italian Journal of Regional Science, v. 1, n. 2, p. 33-58, 2003.) calcularam multiplicadores keynesianos para as 20 regiões da Itália. O valor em cada uma delas foi diferente. Atribuíram as variações ao grau de abertura das regiões; à diversidade de recursos e suas respectivas produtividades marginais; ao nível de riqueza, distribuição da renda e à consequente diferença no padrão de consumo.
  • *
    Os autores agradecem os comentários e sugestões do professor José Ferreira Gomes bem como de dois pareceristas anônimos da revista. Obviamente, a responsabilidade pelas falhas e omissões é dos autores.
  • JEL I23, R11.

Disponibilidade de dados

Citações de dados

OECD. OECD DATA, From Data.OECD. 2013Org. Available at: https://data.oecd.org/tax/tax-revenue.htm

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2019
  • Aceito
    02 Mar 2020
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