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Contribuições Teórico-Metodológicas para a Pesquisa sobre Letramento na Escola1 1 Esta pesquisa não seria possível sem a contribuição valiosa dos membros do GPEALE da UFPE e da UFSJ, a quem agradecemos.

Resumo:

Este artigo tem por objetivo propor uma perspectiva teórico-metodológica para o estudo do letramento na escola que amplie a lente para além dos Novos Estudos do Letramento (NEL) com o pressuposto de que a complexa realidade da escola e da sala de aula não pode ser compreendida por uma abordagem única de pesquisa. O texto discute os aspectos ou as várias facetas que envolvem a perspectiva teórico-metodológica que tem sido construída ao longo dos últimos 15 anos pelo Grupo de Pesquisa em Alfabetização e Letramento (GPEALE). Tal abordagem inspira-se na etnografia derivada dos NEL, que adota uma perspectiva antropológica de pesquisa, articulando-a à concepção crítica da pedagogia e da alfabetização de Paulo Freire e à concepção de linguagem derivada dos estudos de Bakhtin. As análises indicam que o desenho metodológico adotado permitiu uma compreensão mais aprofundada e holística das práticas de letramento na escola ao utilizar-se de diferentes ferramentas de pesquisa para adensar a perspectiva etnográfica.

Palavras-chave:
Pesquisa; Letramento; Escola; Perspectiva Teórico-Metodológica

Abstract:

This article aimed at proposing a theoretical and methodological perspective for the study of literacy in school that goes beyond the New Literacy Studies (NLS) based on the assumption that the complex reality of schools and classrooms cannot be understood by a single research approach. The text discusses various aspects involving the theoretical-methodological perspective built over the last 15 years by the Research Group in literacy, Language and Decoloniality (GPEALE). This approach is inspired by the ethnography derived from the NLS, which adopts an anthropological perspective of research, articulating it to the critical pedagogy and literacy of Paulo Freire and to the conception of language derived from Bakhtin’s studies. The analysis indicated that the methodological design adopted allowed more in-depth and holistic understanding of literacy practices at the school through the use of different research tools to consolidate the ethnographic perspective.

Keywords:
Research; Literacy; School; Theoretical-Methodological Perspective

Introdução

A pesquisa sobre letramento na escola tem se ampliado ao longo das últimas décadas, quando a palavra e o conceito de letramento são inseridos no campo acadêmico brasileiro. Tradução da palavra literacy, os estudos do letramento têm sido influenciados pela perspectiva antropológica que surge em meados dos anos de 1980 do século XX, com a pesquisa seminal de Shirley Heath (1983HEATH, Shirley. Ways with Words. New York: Cambridge University Press, 1983.), Ways With Words, nos Estados Unidos, e Literacy in Theory and Practice de Brian Street (1984STREET, Brian. Literacy in Theory and Practice, Cambridge: Cambridge University Press, 1984.), na Inglaterra, dentre outros. Para esta perspectiva, o letramento é uma prática social situada de uso da escrita, permeada por relações de poder e ocorre em múltiplos espaços sociais, não apenas na escola. Assim, o mais adequado é considerá-lo no plural - letramentos.

No âmbito do Grupo de pesquisa em Alfabetizacão e Letramento (GPEALE), temos desenvolvido pesquisas desde o início dos anos 2000 buscando uma compreensão do letramento com o foco nos eventos e práticas de leitura e escrita em turmas do ensino fundamental. Ao longo desses quase 20 anos, vimos aprofundando-se a compreensão dos processos de letramento escolar com o foco nas práticas e eventos mediados por professores de escolas públicas em quatro cidades brasileiras: Belo Horizonte, São João del-Rei, Tiradentes e Recife.

Essa experiência tem nos instigado a refletir sobre as questões teórico-metodológicas que perpassam a pesquisa sobre os usos da leitura e da escrita na escola, indicando-nos a necessidade de articulação dos Novos Estudos do Letramento (NEL) com outros referenciais que possibilitem a ampliação da lente epistemológica para observar o letramento na escola. Assim, além dos NEL, Bakhtin e suas análises sobre a linguagem estão presentes desde o início, Paulo Freire e suas considerações sobre a alfabetização e a pedagogia têm sido incorporados mais recentemente.

Este artigo tem por objetivo, portanto, contribuir para a reflexão sobre uma perspectiva teórico-metodológica para o estudo do letramento na escola que amplie a lente para além dos NEL, com o pressuposto de que a complexa realidade da escola e da sala de aula não pode ser compreendida por uma única abordagem de pesquisa. Os estudos de Bakhtin, por exemplo, vêm sendo incorporados ao longo das últimas décadas não apenas por pesquisadores dos NLE no Brasil, como as pesquisas de Angela Kleiman (1995KLEIMAN, Angela (Org.). Os Significados do Letramento. Campinas: Mercado das Letras, 1995.), mas também no exterior, dentre eles James Paul Gee (1991GEE, James. The Narrativization of Experience in the Oral Style. In: MITCHELL, Candace; WEILER, Kathleen (Ed.). Rewriting Literacy: culture and the discourse of the other. New York: Bergin and Garvey, 1991. P. 77-102.) e David Barton (1994BARTON, David. Literacy: an introduction to the ecology so written language. Oxford, Cambridge: Blackwell, 1994.).

O texto organiza-se em três partes. Na primeira, apresentamos uma discussão sobre a perspectiva epistemológica que tem sido construída pelo GPEALE. Na segunda, descrevemos e discutimos o desenho metodológico tomando como objeto de análise a parte da implementação de um projeto de pesquisa concluído recentemente. Por fim, tecemos na última parte algumas reflexões que visam contribuir para o aprofundamento das questões teórico-metodológicas que envolvem a pesquisa sobre letramento na escola.

Uma Perspectiva Epistemológica para os Estudos do Letramento

Os NEL inauguram uma abordagem para a pesquisa sobre os usos da escrita na sociedade ao romper com a visão dicotômica e etnocêntrica que separa sujeitos letrados de não letrados, oralidade e escrita, analfabetos de alfabetizados, indicando uma compreensão mais aprofundada da complexidade das práticas sociais de uso da leitura e da escrita. Tal visão decorre do questionamento da concepção hegemônica de letramento como o domínio de um conjunto de habilidades de ler e escrever que estabelece um julgamento de valor excludente, inferiorizando aqueles que não se encaixam no padrão de letramento dominante na sociedade grafocêntrica, e imposto por organizações como a Unesco, que formula projetos de letramento para os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. A principal contribuição dos NEL, portanto, está em desconstruir essa visão dicotômica, introduzindo uma perspectiva de continum na relação oralidade e escrita, uma compreensão da pluralidade de práticas de uso da escrita na sociedade, problematizando os diferentes aspectos que as envolvem. Em contraposição a essa visão, Graff (1994GRAFF, Harvey. Os Labirintos da Alfabetização. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994., p. 37), historiador da cultura escrita, contribui para os NEL ao afirmar que

O que precisa ser apreendido é que o oral e o escrito, como o manuscrito e o impresso, não precisam ser colocados em oposição como simples opções. A história humana e os desenvolvimentos humanos não se realizam dessa forma. Em vez disso, eles permitiram que ocorresse um processo rico e profundo de interação e condicionamento recíprocos à medida que o letramento ganhava aceitação e influência [...] por muitos séculos, a própria leitura era uma atividade oral, frequentemente coletiva e não a atividade privada, silenciosa, que nós conhecemos hoje.

Na base dessa perspectiva, está a noção de que letramento é uma prática social situada, marcada ideologicamente, materializada por relações de poder (Street, 1984STREET, Brian. Literacy in Theory and Practice, Cambridge: Cambridge University Press, 1984.), muito mais que um conjunto de habilidades técnicas a serem aprendidas na escola, como indicam a maior parte das políticas curriculares para o letramento ao redor do mundo (Papen, 2016PAPEN, Uta. Literacy and Education: police, practice and public opinion. London, New York: Routledge , 2016.). Ao questionar os estudos da grande divisão (Ong, 1982ONG, Walter. Orality and Literacy. London, New York: Routledge , 1982.; Goody, 1977GOODY, Jack. The Domestication of the Savage Mind. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1977.), Street (1984) formula o modelo de letramento ideológico para a análise da pluralidade de práticas de leitura e escrita que ocorrem na sociedade em meio a relações de poder. Pluralidade esta, identificada já nos primeiros estudos dos NEL, quando Street (1984) descreve etnograficamente três práticas de letramento observadas numa vila no Irã, assim como Heath (1983HEATH, Shirley. Ways with Words. New York: Cambridge University Press, 1983.) observa diferentes práticas em três comunidades nos Estados Unidos. Essas etnografias permitem aos autores contraporem-se a uma visão restrita de escrita como uma técnica neutra, uma habilidade de codificar e decodificar que se aprende e se usa da mesma forma independente do contexto social e cultural, nomeado por Street como modelo de letramento autônomo.

O modelo de letramento ideológico inclui dois conceitos que têm sido importantes ferramentas na análise e compreensão do letramento em diferentes espaços sociais. Os conceitos de eventos e práticas de letramento. Cunhado por Heath (1983HEATH, Shirley. Ways with Words. New York: Cambridge University Press, 1983.), um evento de letramento é definido como qualquer situação de interação estruturada pela escrita. Nesta direção, a interdependência entre o oral e o escrito em eventos de letramento, perceptível nos estudos de Heath, constitui-se um dos focos das nossas análises, uma vez que as interações nas relações de ensino e aprendizagem incluem o oral, o escrito (impresso ou digital), tanto nas práticas de leitura quanto nas de produção de textos.

Entretanto, os NEL advertem que é fundamental ir além da mera descrição de eventos, uma vez que esta, por si só, não nos permite compreender a complexidade das situações que envolvem a leitura e a escrita. É necessário buscar inferir os padrões de uso da escrita presentes nos eventos a fim de compreender como as diferentes práticas de letramento se estabelecem na sociedade. Faz-se necessário inferir os valores ali presentes, as relações de poder que marcam a interação, os aspectos institucionais mais amplos que tomam parte numa determinada interação com a escrita. Para Barton (1994BARTON, David. Literacy: an introduction to the ecology so written language. Oxford, Cambridge: Blackwell, 1994., p. 7) práticas de letramento referem-se aos “[...] modos culturais gerais de usar a leitura e a escrita que as pessoas produzem num evento de letramento”. Ou, como defende Street (1997STREET, Brian. The Implications of the ‘New Literacy Studies’ for Literacy Education. English in Education, Oxfordshire, v. 31, n. 3, p. 45-59, 1997.), “This term enable us to specify the particularity of cultural practices with which uses of reading or writing are associated in given contexts” (p. 50).

O que as pessoas fazem com a leitura e a escrita na vida cotidiana baseia-se em padrões de uso historicamente criados e recriados pelos sujeitos e instituições. Portanto, os eventos de letramento não são construídos de forma aleatória, vinculam-se a diferentes práticas já estabelecidas socialmente, o que não significa que sejam imutáveis. As práticas de letramento características da escola contemporânea, por exemplo, não são as mesmas do início do século XX, embora possamos observar algumas semelhanças. Os materiais escolares mudaram em forma e conteúdo, os professores são formados com base noutras referências pedagógicas. A organização do currículo e a formulação das políticas educacionais também mudaram, a cultura escrita na sociedade mudou radicalmente, bem como os sujeitos que hoje frequentam a escola pública. Desse modo, os eventos são situações observáveis de uso da escrita que se reportam a diferentes práticas sociais a depender da instituição, dos sujeitos que ali interagem, do gênero que está sendo utilizado, do tempo histórico em que elas ocorrem, dentre outros fatores. Portanto, consideramos fundamental um desenho metodológico que permita estabelecer uma relação mais consistente entre as dimensões local e global, micro e macro envolvidas em qualquer evento de letramento, conforme reflexões de Brandt e Clinton (2002BRANDT, Deborah; CLINTON, Katie. Limits of the Local: expanding perspectives on literay as a social practice, Journal of Literacy Research, Thousand Oaks, v. 34, n. 3, p. 337-356, 2002.).

Aliada à visão de letramento como uma prática social, acrescentamos a concepção de letramento crítico decorrente das reflexões de Paulo Freire sobre a alfabetização e a educação (Bartlett; Macedo, 2015BARTLETT, Lesley; MACEDO, Maria do Socorro Alencar Nunes. Aproximações entre a Concepção de Alfabetização de Paulo Freire e os Novos Estudos sobre o Letramento. In: Revista Brasileira de Alfabetização - ABAlf. Vitória, v. 1, n. 1, p. 227-236, jan./jun. 2015.). Esse pensador é responsável por introduzir o princípio educativo da compreensão crítica da realidade na qual estamos inseridos como condição para o processo educativo. Para Freire, a alfabetização deve basear-se na leitura crítica do mundo com vistas a uma educação para a transformação social (Freire; Macedo, 1990FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1990.). Situado no contexto histórico terceiro-mundista, Freire também procurou se atentar às lutas políticas pela libertação nacional nas Américas, África e Ásia. De Mao Tse-Tung na China a Ho Chi Minh no Vietnã, passando por Amílcar Cabral e Agostinho Neto na África em processo de descolonização portuguesa. Freire sofreu uma grande influência desses teóricos, que combinavam a formulação teórica nacionalista com a produção de um marxismo advindo das periferias estrategicamente em luta anti-imperialista por todo o mundo.

Mais especificamente, Freire também assume a perspectiva da descolonização do pensamento, tão bem explicada por Frantz Fanon (1968FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.) em seu Condenados da Terra, uma das obras-base de Pedagogia do Oprimido (1974). Para o educador pernambucano, a alfabetização é um ato político e não o resultado de um processo de repetição da palavra do outro, o colonizador, mas uma possibilidade de ter voz própria, de humanizar-se, de ser autor da própria história. A descolonização é estratégia de questionamento da desigualdade social que produz exclusão e é fundamental para a consolidação de uma civilização justa, igualitária e fraterna.

Sua perspectiva epistemológica aponta para a alfabetização como uma ação política cujo processo baseia-se na pedagogia da pergunta e do diálogo (Freire; Faundez, 1985FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985.) em direção a uma educação crítica e transformadora, uma educação para o ser mais. Em todos os seus livros, o diálogo aparece como uma categoria central ao discutir a pedagogia e a alfabetização2 2 Neste texto estamos tratando as palavras alfabetização e letramento como sinônimos, uma vez que literacy é a palavra utilizada na tradução da obra de Freire para a língua inglesa. Freire é conhecido no exterior como um pensador da educação e do letramento crítico. . Para Freire,

Se é dizendo a palavra com que, ‘pronunciando’ o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens. Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes (Freire, 1974FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974., p. 78-79).

Portanto, a educação libertadora que Freire defende tem como essência a dialogicidade e precisa fazer parte da relação professor-aluno, alfabetizador e alfabetizando. Trata-se de uma educação que confronta a pedagogia das respostas prontas. Faundez e Freire (1985) defendem que o que “[...] o professor deveria ensinar - porque ele próprio deveria sabê-lo - seria, antes de tudo, ensinar a perguntar. Porque o início do conhecimento, repito, é perguntar. E somente a partir de perguntas é que se deve sair em busca de respostas, e não o contrário” (p. 46).

Observa-se aqui um ponto de contato claro não apenas com os NEL, como já discutido, como também com a perspectiva dialógico/enunciativa de Bakhtin sobre a linguagem, para quem a língua é um processo vivo de interação verbal. Trabalhar com uma concepção enunciativa e/ou discursiva da linguagem significa, segundo o pensamento bakhtiniano, conceber a interação linguística como resultado do contexto sócio-histórico e da situação imediata de comunicação em que estão inseridos os interlocutores. Assim, os significados dos enunciados concretos construídos em eventos de letramento são produtos dessas condições de produção, tal como discutido por Kleiman (1995KLEIMAN, Angela (Org.). Os Significados do Letramento. Campinas: Mercado das Letras, 1995.).

O dialogismo bakhtiniano fundamenta-se numa concepção de linguagem como prática social, marcada ideologicamente, construída no processo de interação verbal entre sujeitos socialmente organizados. Para o autor, o diálogo é o traço fundamental da enunciação e ultrapassa a interação face-a-face. “Pode-se compreender o diálogo num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação face-a-face, mas toda comunicação verbal de qualquer tipo que seja” (1995, p. 123). Bakhtin (1995BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1995.) afirma que “[...] toda enunciação mesmo na forma imobilizada da escrita é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal (p. 98)” , assim, “[...] a relação dialógica é uma relação (de sentido) que se estabelece entre enunciados da comunicação verbal”, (1997, p. 345), sendo “[...] o sentido da palavra totalmente determinado por seu contexto” (1995, p. 106). Nas palavras do autor,

[...] o livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo, e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado (Bakhtin, 1995BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1995., p. 123).

Essa concepção de diálogo e do livro como um ato de fala impresso é vital para a reflexão e compreensão das práticas de letramento na escola, uma vez que boa parte do material que circula nas aulas é impresso. Partindo desse pressuposto, podemos compreender os eventos de letramento como marcados pela relação dialógica entre alunos e os gêneros que ele lê e escreve com a mediação do professor. Para Bakhtin (1997BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.), a compreensão “[...] implica uma responsividade e, por conseguinte, um juízo de valor” (p. 351), assim, a compreensão responsiva de um gênero é sempre dialógica. Desse modo, a linguagem que permeia os processos educativos precisa ser dialógica, instigar contrapalavras, produzir o senso crítico e a autoria, possibilitar que os alunos construam sua própria voz.

A Operação Metodológica do GPEALE

Nesta seção, discutimos os aspectos ou as várias facetas que envolvem a perspectiva teórico-metodológica que temos construído e reconstruído ao longo dos últimos 15 anos. Tal abordagem inspira-se na etnografia derivada dos NEL, que adota uma perspectiva antropológica de pesquisa (Street, 1984STREET, Brian. Literacy in Theory and Practice, Cambridge: Cambridge University Press, 1984.; 2010STREET, Brian. Os Novos Estudos sobre o Letramento: histórico e perspectivas. In: MARINHO, CARVALHO (Org.). Cultura Escrita e Letramento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. P. 33-53.; 2014STREET, Brian. Letramentos Sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2014.; Barton; Hamilton; Ivanic, Roz 2000BARTON, David; HAMILTON, Mary. Literacy Practices. In: BARTON, David; HAMILTON, Mary; IVANIC, Roz. Situated Literacies. London: Routledge, 2000.; Heath; Street, 2008HEATH, Shirley; STREET, Brian. On Ethnography. New York and London: Teachers College Press, 2008., dentre outros), articulando-a à concepção crítica da pedagogia e da alfabetização de Paulo Freire e a concepção de linguagem derivada dos estudos de Bakhtin. Consideramos que esta articulação nos permite uma atitude mais compreensiva do trabalho do professor e da complexidade das práticas de letramento na sala de aula, no sentido de identificar os princípios que organizam as ações dos sujeitos na construção de eventos de letramento produzindo, com isso, uma cultura escrita na/da sala de aula. Partimos do pressuposto de que as respostas para a questão da escolarizacão da leitura e da escrita não vem somente de comparações quantitativas entre escolas, mas fundamentalmente “[...] do exame dos processos vivos de educação que ocorrem dentro das salas de aula” (Mehan, 1979MEHAN, Hugh. Learning Lessons: the social organization of the classroom. Cambridge: Harvard University Press, 1979., p. 8), através da análise de eventos próprios desse espaço social, como os eventos de letramento escolar. Entretanto, nos alerta Rockwell (1985ROCKWELL, Elsie. Etnografia y Teoria de la Investigación Educativa. México: DIE-CINVESTAV-IPN, 1985., p. 15) que

Lo importante es interpretar el fenómeno estudiado a partir de sus relaciones con el contexto social más amplio y no sólo en función de sus relacione internas. Metodológicamente, esto implica complementar la información de campo con información referida a otros ordenes sociales (por ejemplo, a la estructura y la política educativa del país), y por otra parte, buscar interpretaciones y explicaciones a partir de elementos externos a las situaciones particulares que se observan.

Reafirmando o letramento como um processo múltiplo e plural, Rogers (2001ROGERS, Alan. Problematizing Literacy and Development. In: STREET, Brian (Ed.). Literacy and Development: ethnographic perspectives. London; New York: Routledge ; Taylor & Francis Group, 2001., p. 207-208) reafirma a perspectiva etnográfica como a proposta metodológica que melhor possibilita esse tipo de abordagem e compreensão do fenômeno do letramento:

Ethnographic studies have thus revealed that instead of one universal literacy (a set of skills), there are different forms of literacy, different literacies [...] in place of a static definition of literacy which applies to all persons for all time (the skill of decoding words from texts), we are faced with a changing scenario in which people are both subjects of change and objects of change.

Desse modo, o desenho metodológico que vem sendo construído e experimentado no GPEALE tem como princípio analisar e compreender as práticas de letramento na escola, produzindo ferramentas de pesquisa que contribuam para que se estabeleçam relações entre os dados da sala de aula e do espaço escolar e o contexto mais amplo.

Neste texto, tomaremos como exemplo a descrição e análise da implementação de um projeto de pesquisa recém-concluído que teve como foco as práticas de letramento de uma escola pública da Rede Municipal de Recife, com o objetivo de mapear, analisar e compreender tais práticas em turmas do 1º ao 5º ano. Contávamos com uma equipe de mestrandas e doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, que, sob a nossa orientação, pode implementar tal projeto.

A decisão de investigar uma mesma escola foi um grande desafio para o grupo de pesquisa. Como buscar uma escola que aceitasse esse modelo de pesquisa, uma vez que implicava na presença de cinco pesquisadoras cotidianamente nas salas de aula? Por que pesquisar uma mesma escola e não escolas distintas? Nossa reflexão é a de que, ao investigar os anos iniciais de uma mesma escola, produzindo dados no mesmo espaço de tempo, poderíamos construir uma visão mais ampliada das práticas de letramento, aproximando-se de forma mais aprofundada do fenômeno do letramento na escola. Até então, a experiência do GPEALE tinha como foco a investigação dos anos iniciais em escolas diferentes de redes de ensino distintas, o que dificultava, de certo modo, produzir uma visão do conjunto das práticas de letramento de uma mesma escola, identificar e analisar os padrões de cada sala de aula e o lugar que a leitura e a escrita ocupa nos anos iniciais como um todo.

A Definição do Lócus de Investigação

O primeiro passo foi buscar uma escola que aceitasse o desafio de ser parceira no projeto de pesquisa. Recorremos às indicações da secretaria municipal de educação de Recife, pois precisávamos de escolas próximas à UFPE para facilitar o deslocamento das pesquisadoras. A equipe visitou a primeira escola, expôs o projeto de pesquisa ao corpo docente e à direção, possibilitando o diálogo sobre quaisquer dúvidas ou questionamentos do projeto. Atribuímos a negativa da primeira à constatação de que muitas das pesquisas em educação pouco dialogam com o campo de investigação, com o lócus da pesquisa, com a escola. Conforme falas das professoras “A gente abre a sala de aula, e o pesquisador não volta, não aparece nem para agradecer!”, “Uma moça veio assistir minhas aulas, até minhas atividades eu cedi, nem fui convidada para a defesa. Ela sumiu! Cadê o trabalho, espero até hoje!”, “O pessoal da universidade vem aqui, faz os trabalhos, mas não temos retorno nenhum!”. Essas falas evidenciam o quanto os processos de pesquisa precisam ser revistos no que diz respeito à necessidade de se estabelecer uma relação de parceria (Macedo, 1998MACEDO, Maria do Socorro Alencar Nunes. A Dinâmica Discursiva na Sala de Aula e a Apropriação da Escrita. 1998. 188 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1998.) com os sujeitos da escola.

Buscamos uma segunda escola, por indicação de uma pesquisadora do grupo que conhecia a coordenadora pedagógica do turno da tarde. Realizamos o mesmo processo. Muitas perguntas foram feitas, principalmente sobre a permanência das pesquisadoras em sala de aula e como a prática das professoras seria apresentada nos textos acadêmicos a serem produzidos. Afirmamos nosso compromisso em estabelecer uma relação de parceria, disponibilizando os dados da pesquisa e apresentando resultados parciais ao longo do processo. Deixamos claro que nosso objetivo não era estabelecer uma avaliação positiva ou negativa da prática docente, mas buscar uma compreensão mais aprofundada dos processos de letramento, ressaltando a importância para o campo acadêmico de conseguirmos implementar esse desenho metodológico. Após a reunião, enviamos uma cópia do projeto que seria lido por todas as docentes para subsidiar a decisão em participar da pesquisa.

Presumimos que a aceitação desta escola se relacionou à postura positiva da gestão e da coordenação ao entender a nossa necessidade enquanto pesquisadoras, como também na forma persuasiva das gestoras e do grupo do GPEALE ao apresentarem o projeto de pesquisa. O que nos pareceu é que a escola compreendeu que a presença da universidade poderia ser positiva e acarretar benefícios para a mesma no que se refere às possibilidades de reflexão da prática docente e dos processos que envolvem a leitura e a escrita nos anos iniciais.

A Pesquisa de Campo

A fim de nos prepararmos para um trabalho organizado e coeso, a ida a campo foi definida de acordo com a disponibilidade de cada pesquisadora e em acordo com as professoras das turmas que seriam investigadas. Decidimos, ainda, discutirmos sobre formas de observação da sala de aula a partir da experiência de cada uma e de textos sobre etnografia na educação já lidos e debatidos no grupo, como por exemplo Etnografia como uma Lógica de Investigação, de Green, Dixon e Zaharlic (2001GREEN, Judith; DIXON, Carol; ZAHARLICK, Amy. Ethnography as a Logic of Inquiry. In: FLOOD, James; JENSEN, Julien; LAPP, Diane; SQUIRE, James (Ed.). Handbook on Teaching the English Language Arts. New York: Macmillan, 2001.), dentre outros. Tratamos da importância de se refletir sobre a lógica que orienta a investigação no sentido de uma explicitação da relação entre as questões e os objetivos da pesquisa, o processo de produção e a análise de dados. A pesquisa etnográfica não é um processo linear, no qual todas as decisões sobre o estudo são tomadas a priori. Trata-se de um processo recursivo, por meio do qual questões são geradas, refinadas, revisadas (Heath; Street, 2008HEATH, Shirley; STREET, Brian. On Ethnography. New York and London: Teachers College Press, 2008.) e, nesse processo, a produção de dados é orientada e reorientada podendo surgir novas perguntas, novos procedimentos de pesquisa podem ser incorporados. Decisões sobre o trabalho de campo são tomadas antes, durante e após a conclusão do processo de produção dos dados, uma vez que a perspectiva etnográfica implica necessariamente em mudanças ao longo do processo.

Sabendo da importância de se observar o primeiro dia de aula (Macedo, 2005MACEDO, Maria do Socorro Alencar Nunes. Interações nas Práticas de Letramento: o uso do livro didático e da metodologia de projetos. São Paulo: Martins Fontes , 2005.), todas as pesquisadoras estiveram presentes na escola na abertura do ano letivo. Decidimos, ainda, acompanhar cotidianamente o primeiro mês para nos familiarizarmos com a rotina das turmas, captar as regularidades das ações, com o objetivo de, a partir do segundo mês, diminuir a intensidade das observações, reduzindo-as para duas ou três vezes na semana. Outra decisão importante foi acompanhar todas as aulas e não apenas aquelas que normalmente as professoras denominam como aula de português ou aula de alfabetização, para diversificar as fontes de dados e, dessa forma, produzir uma visão mais ampla e holística das práticas de letramento. O pressuposto é o de que as práticas de letramento na escola são construídas em qualquer disciplina do currículo, e não apenas nas “[...] aulas de língua portuguesa ou alfabetização”, pressuposto também defendido por Papen (2016PAPEN, Uta. Literacy and Education: police, practice and public opinion. London, New York: Routledge , 2016.) na etnografia que produziu mais recentemente sobre os primeiros anos escolares, no Reino Unido. Nossos dados evidenciam, por exemplo, que em todas as aulas há a presença de eventos de leitura de textos envolvendo conhecimentos os mais diversos, inclusive os conhecimentos específicos do sistema de escrita.

Desde o princípio sabíamos da relevância de produzirmos dados a partir de diferentes fontes, tanto em relação à observação da sala de aula quanto em relação aos documentos oficiais da política de rede municipal de Recife, o acompanhamento das políticas públicas de alfabetização e letramento no âmbito do MEC, a necessidade de entrevistar as docentes, dentre outras. Desse modo, foram produzidas notas de campo de todas as aulas observadas, todas as docentes foram entrevistadas uma ou duas vezes, a depender da necessidade de esclarecimento de algum elemento da prática, não compreendido apenas pelas notas de campo. Tratando da entrevista de pesquisa, Bourdieu (1997BOURDIEU, Pierre. A Miséria do Mundo. Petrópolis: Vozes, 1997.) nos alerta para o fato de que na interrogação científica, por mais que se tente evitar a violência simbólica, todo tipo de distorção atravessa as relações de pesquisa e, por isso, é preciso dar atenção a tais distorções e tentar dominá-las (sendo impossível anulá-las), por meio de uma reflexividade reflexa, “[...] esforçando-se para fazer um uso reflexivo dos conhecimentos adquiridos da ciência social para controlar os efeitos da própria pesquisa” (p. 694). Entendemos que esse alerta se estende a todo processo de pesquisa qualitativa que produz um contato direto entre pesquisador e pesquisado, como a observação em sala de aula.

Importante destacar que muitas das aulas foram gravadas em áudio, o que auxiliou a sistematização das notas de campo e a recursividade própria do trabalho etnográfico. Em apenas uma das turmas esse tipo de dado não pôde ser produzido, não foi autorizado pela professora, evidenciando que o processo de produção de dados envolve tensões e nem sempre ocorre como o esperado. Os dados em áudio permitiram, ainda, abordar de modo mais aprofundado as interações em sala de aula, aproximando-se da linguagem pedagógica construída nesse espaço interacional. Apesar dos inúmeros benefícios, não podemos deixar de considerar que os dados produzidos em áudio, como qualquer dado de pesquisa, são seletivos. Por trás do uso de áudio-gravações existem os interesses, as questões e objetivos do pesquisador que condicionam a produção dos dados, definindo o que será gravado. Portanto, o processo de produção de dados, seja em áudio ou por meio de outros instrumentos, não é neutro, é marcado pelo ponto de vista teórico-metodológico do pesquisador. Além disso, o material impresso utilizado nas aulas (tais como atividades avulsas, livro didático, cadernos dos alunos,) também foi objeto de interesse.

Além das observações de aulas, documentos e entrevistas, decidimos aplicar um questionário a todas as docentes do primeiro ao quinto ano da Rede Municipal de Recife com o sentido de mapear o perfil sociocultural e conhecer algumas tendências em relação às suas práticas culturais tais como leitura, uso da internet, cinema e outros eventos culturais presentes na cena contemporânea de Recife, bem como observar aspectos relativos à vida profissional, tais como tempo de docência, formação acadêmica, materiais pedagógicos mais utilizados, dentre outros. Esses dados, já publicados (Macedo, 2019MACEDO, Maria do Socorro Alencar Nunes. Perfil Sociocultural dos Professores de 1 ao 5 ano da Rede Municipal de Recife. Revista Cocar, Belém, v. 13, n. 26, maio/ago. 2019.), foram decisivos na compreensão mais global dos sujeitos da pesquisa, compreendendo-os a partir do contexto mais amplo no qual estão inseridos. A articulação entre dados quantitativos e dados qualitativos também esteve presente em pesquisas anteriores do GPEALE, como se observa em Macedo (2004MACEDO, Maria do Socorro Alencar Nunes. Interações nas Práticas de Letramento: o uso do livro didático e da metodologia de projetos. 2004. 318 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.) e Almeida (2012ALMEIDA, Ana Caroline de. Ensino Fundamental de Nove Anos: alfabetização e letramento com crianças de seis anos. 2012. 154 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei, 2012.).

O processo de produção de dados por meio das observações ocorreu durante todo o ano letivo de 2016, com exceção da turma do terceiro ano, em função do afastamento da professora no terceiro mês. Além disso, houve interrupção das observações por um período de mais ou menos 20 dias devido a uma greve de professores por melhores condições de trabalho. São situações não previstas no planejamento que acabam interferindo na dinâmica do trabalho de campo, constituindo o processo e os resultados da investigação.

Durante as observações, outra situação não prevista precisou ser considerada. A equipe de pesquisadoras começa a perceber a importância da sala de leitura no desenvolvimento das práticas de letramento na escola, uma vez que, semanalmente, as turmas tinham atividades neste espaço, numa parceria entre a professora da turma e a professora da sala de leitura, função bastante comum noutras escolas da rede municipal de Recife. Desta forma, uma redefinição da pesquisa foi necessária para incorporar a sala de leitura como um lócus de investigação.

Paralelamente ao trabalho de observação e gravação de aulas, a equipe reunia-se semanalmente para discutir os dados, tomar decisões, compartilhar experiências. Foi um processo colaborativo e dialógico no enfrentamento das demandas da pesquisa, do desafio de participar do processo de cada turma sem assumir a função docente, como algumas professoras demandavam.

O Tratamento do Conjunto dos Dados

As análises do questionário3 3 Os dados do questionário, respondidos de forma impressa, foram tabulados a partir da inserção de cada um no formulário do Google Docs a fim de facilitar a produção de gráficos. aplicado a todas as professoras dos anos iniciais da Rede Municipal de Recife buscaram identificar tendências no perfil das docentes, dentre elas o nível de escolarização da família e delas próprias, a renda familiar, atividades culturais preferidas, a relação com a leitura de variados gêneros e com a internet, o tempo no exercício da profissão, quantidade de turnos e de escolas em que trabalham, participação em processos de formação continuada, dentre outras. Esse processo foi realizado concomitantemente ao trabalho com os dados da sala de aula e as entrevistas.

Quanto aos dados de cunho etnográfico, cada pesquisadora fez um mapeamento geral que foi discutido nas reuniões do grupo de pesquisa com o objetivo de selecionar aquelas mais significativas na representação dos padrões e rotinas construídas em cada turma. Escolhidas as aulas, o próximo passo foi a realização de um mapeamento dos eventos de letramento de cada aula com o foco nas situações que envolviam leitura, escrita, análise do sistema de escrita, em quaisquer das aulas observadas (português, matemática, ciências, história, geografia, etc.).

De posse dos mapas de eventos, cada pesquisadora selecionou os mais significativos que seriam analisados em profundidade. A descrição dos eventos incluía não apenas uma narrativa do ocorrido, mas inferências das pesquisadoras com base nas teorias e conceitos que dão sustentação à pesquisa com vistas a produzir uma compreensão do letramento na escola, das suas variadas facetas, das relações de poder envolvidas na relação professora-alunos. Em alguns casos, foi possível avançar para um mapeamento de sequências discursivas (Macedo, 2005MACEDO, Maria do Socorro Alencar Nunes. Interações nas Práticas de Letramento: o uso do livro didático e da metodologia de projetos. São Paulo: Martins Fontes , 2005.; Macedo; Mortimer; Green, 2004MACEDO, Maria do Socorro Alencar Nunes; MORTIMER, Eduardo Fleury; GREEN, Judith. A Constituição das Interações em Sala de Aula e o Uso do Livro Didático: análise de uma prática de letramento no primeiro ciclo. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n. 25, p. 18-29, 2004.), instrumentos importantes para uma melhor compreensão das interações entre professora e alunos. O mapa de eventos aliado ao uso da sequência discursiva, permite evidenciar como a interação entre alunos e professora foi construída durante os eventos de letramento, quais os padrões interacionais recorrentes na sala de aula e como o tempo foi gasto na realização desses eventos, conforme se observa, por exemplo, na tese de Magda Dezotti (2019DEZOTTI, Magda. Eventos e Práticas de Letramento Literário na Transição do 5º ao 6º Ano do Ensino Fundamental. 2019. 314 f. Tese (Doutorado em educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2019.) e na dissertação de Érica F. Lima (2017LIMA, Érica Feijó Souza. Eventos de Letramento na Produção de Textos: uma perspectiva etnográfica. Dissertação. 2017. 314 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017.), alguns dos resultados já publicados.

Devemos destacar que o trabalho de transcrição dos áudios da sala de aula é minucioso e desafiador devido à simultaneidade das ações que ali ocorrem. Como se sabe, toda transcrição exige escolhas que refletem o ponto de vista do pesquisador, logo, não é um processo imparcial. Reflete as condições de produção da pesquisa, ou seja, os objetivos, os referenciais teórico-metodológicos que a embasam e as crenças do pesquisador sobre os sujeitos participantes. Portanto, a transcrição de um texto sempre envolve a transcrição de um contexto conforme nos indica Bucholtz (1999BUCHOLTZ, Mary. The Politics of Transcription, Journal of Pragmatics, Amsterdã, v. 32, p. 1439-1465, 1999.).

A valorização do contexto nas práticas e eventos de letramento também é clara nas contribuições de Freire (2011FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1981/2011., p. 43) quando se refere à leitura e à escrita. Para esse autor, o contexto é determinante para a compreensão das práticas da escrita, para tanto defende a alfabetização como ato de conhecimento, como ato de criação e ato político que demanda esforço de leitura do mundo e da palavra, e afirma que “[...] agora já não é possível texto sem contexto”. Na mesma perspectiva, Bakhtin (1995BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1995.) chama atenção para o caráter social da língua e do discurso, que não se resume a um sistema abstrato de normas, mas se constitui da participação dos sujeitos na cadeia de interação verbal.

Desse modo, a transcrição e organização dos dados da sala de aula foi feita em três níveis. O primeiro refere-se ao mapeamento de todas as aulas observadas, com descrições rápidas dos eventos de letramento ocorridos em cada aula, conforme indicamos acima. O segundo refere-se à seleção das aulas a serem analisadas e à elaboração de mapas de eventos. O terceiro, refere-se à identificação de sequências discursivas.

Tendo em vista o volume grandioso de dados, decidimos que a partir da leitura mais geral de cada turma elegeríamos um foco de análise de acordo com os padrões de recorrência identificados, com o objetivo de evidenciar as características das práticas de letramento predominantes em cada sala de aula. Assim, nas turmas do primeiro e segundo anos, nossas análises focaram-se nos eventos ligados à apropriação do sistema de escrita alfabética, aspecto recorrente nas duas turmas, uma vez que as crianças se encontram em pleno processo de alfabetização. Na turma do terceiro ano, elegemos os eventos de letramento focados na produção de textos (Lima, 2017LIMA, Érica Feijó Souza. Eventos de Letramento na Produção de Textos: uma perspectiva etnográfica. Dissertação. 2017. 314 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017.) por considerarmos que a prática da professora evidenciava aspectos inovadores no tratamento desse processo de escrita. Em todos os eventos analisados foi possível observar o foco nas condições de produção do texto escrito, especialmente a definição de objetivos, de interlocutores e a especificidade do gênero, indicando uma aproximação com a concepção de linguagem como uma prática social e discursiva. No quarto ano (Araújo, 2017ARAÚJO, Rayra Farias. Eventos de Leitura numa Turma de Quarto Ano: uma perspectiva enunciativa e etnográfica. 2017. 202 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017.), o foco predominante foram os eventos de leitura, compreendida como uma prática que atravessa a maior parte dos eventos escolares em todas as áreas do conhecimento. Já no quinto ano (Dezotti, 2019DEZOTTI, Magda. Eventos e Práticas de Letramento Literário na Transição do 5º ao 6º Ano do Ensino Fundamental. 2019. 314 f. Tese (Doutorado em educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2019.), o foco foram os eventos de letramento mediados por textos literários, ao percebermos que essa prática foi recorrente na turma e no espaço da biblioteca.

As análises dos dados tomaram como princípio o contraste entre as turmas, aulas, eventos de letramento e sequências discursivas. Quando contrastamos as cinco turmas, podemos observar as especificidades bem como as semelhanças entre as práticas letradas ali construídas. Por meio do contraste, pudemos identificar os padrões de interação mediada pela escrita recorrentes entre as turmas e em cada uma delas. O contraste nos permitiu observar e compreender o foco da ação docente e perceber como a leitura e a produção de textos só aparece na sala de aula de forma mais intensa a partir do terceiro ano, provavelmente devido à crença de que crianças do primeiro e do segundo anos que ainda não dominam o sistema de escrita não podem escrever textos nem ler individualmente. Por meio do contraste, pudemos destacar um padrão recorrente em todas as turmas: todos os eventos de leitura e produção de textos eram realizados coletivamente. A leitura e escrita de textos individualmente não ocorreu nas aulas observadas. A imersão no campo, com as observações cotidianas no primeiro mês e em média três vezes por semana a partir do segundo mês, possibilitou constatar que o ensino do sistema de escrita, nos dois primeiros anos, ocorreu em todas as aulas de todas as disciplinas e não apenas nos momentos de trabalho com a alfabetização reconhecidos pelas professoras.

Em que medida a escola participou desse processo de seleção e análise dos dados? Desde o princípio foi colocada a proposta de as professoras frequentarem nossas reuniões na universidade e terem acesso aos dados que estavam sendo produzidos. Entretanto, o dia a dia do trabalho docente não possibilita que isso ocorra. São várias as dificuldades que a docente tem de se afastar da escola, por um dia que seja, para refletir sobre sua prática seja porque faltam docentes seja porque têm de cumprir uma carga horária de trabalho na escola. Além disso, os professores participam mensalmente de encontros de formação oferecidos pela Escola de Formação Paulo Freire, da Secretaria Municipal, o que dificulta serem liberados em dia diferente. Por outro lado, ainda que em desacordo com o planejado, o diálogo sobre os dados ocorreu no momento das entrevistas quando a pesquisadora tratava de situações observadas, em conversas informais durante as observações, em que a docente costumava pedir a opinião da pesquisadora sobre algum assunto ou questão tratada naquele momento, e após a conclusão da primeira versão da tese ou dissertação, quando as pesquisadoras realizaram devolutivas das análises para o conjunto de professores da escola antes da defesa. Por fim, uma devolutiva dos dados do questionário foi realizada numa palestra para os docentes da rede municipal que participavam de um dos encontros do referido centro de formação. O artigo publicado foi encaminhado posteriormente a todos os docentes da rede.

Considerações Finais

Neste texto apresentamos uma perspectiva teórico-metodológica para o estudo do letramento na escola que teve como fundamento os NEL, a Pedagogia de Paulo Freire e a teoria da enunciação de Bakhtin. A articulação dessas três epistemologias na construção de uma lente para observar o fenômeno do letramento parte do pressuposto de que apenas o conceito de letramento ideológico, cunhado por Street (1984STREET, Brian. Literacy in Theory and Practice, Cambridge: Cambridge University Press, 1984.), eventos (Heath, 1983HEATH, Shirley. Ways with Words. New York: Cambridge University Press, 1983.) e práticas de letramento (Street, 1997; Barton, 1994BARTON, David. Literacy: an introduction to the ecology so written language. Oxford, Cambridge: Blackwell, 1994.), não são suficientes para uma análise da complexidade do fenômeno do letramento na escola. Por isso buscamos, desde o princípio, o conceito de língua como um fenômeno que se dá na interação verbal, cunhado por Bakhtin e a concepção de alfabetização como um ato político, apresentada por Freire.

Tomando o letramento na escola como uma prática socialmente situada e construída na interação entre os sujeitos alunos e professor, consideramos fundamental o uso de uma metodologia de pesquisa que possibilite a imersão no contexto da escola e da sala de aula, com uma presença estendida em aulas de todas as disciplinas uma vez que a leitura e a escrita são práticas que atravessam todo o currículo em ação. Alguns dos achados da pesquisa só foram possíveis por causa desse formato, como por exemplo a percepção da importância da sala de leitura na formação dos alunos, a presença marcante da literatura infantil no cotidiano dos alunos, a constatação de que a maior parte do tempo dos dois primeiros anos na referida escola é dedicada ao ensino do sistema de escrita. Além disso, a percepção de que a leitura é realizada em situações predominantemente coletivas, com uma ausência significativa de atividades de leitura individual e silenciosa, dentre outros. Desse modo, foi possível observar a multiplicidade de eventos de letramentos no ensino fundamental, reafirmando a pluralidade de usos e funções que a leitura e a escrita assumem na sociedade e na escola.

Tal formato nos permitiu, ainda, compreender de forma mais aprofundada as tendências do perfil das docentes em relação ao perfil mais geral das professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Recife e compreender porque a leitura literária faz parte do cotidiano da escola, não apenas porque há políticas públicas de leitura que afetaram a escola nas últimas décadas, mas porque a maior parte das docentes da rede identificam-se como leitoras, como sujeitos que participam de várias atividades culturais na cidade, além de frequentarem ações de formação continuada. Por fim, esperamos que esse texto contribua para uma reflexão teórico-metodológica mais aprofundada sobre os estudos do letramento na escola.

Referências

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Notas

  • 1
    Esta pesquisa não seria possível sem a contribuição valiosa dos membros do GPEALE da UFPE e da UFSJ, a quem agradecemos.
  • 2
    Neste texto estamos tratando as palavras alfabetização e letramento como sinônimos, uma vez que literacy é a palavra utilizada na tradução da obra de Freire para a língua inglesa. Freire é conhecido no exterior como um pensador da educação e do letramento crítico.
  • 3
    Os dados do questionário, respondidos de forma impressa, foram tabulados a partir da inserção de cada um no formulário do Google Docs a fim de facilitar a produção de gráficos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2019
  • Aceito
    27 Jan 2020
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