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PARECER AO ARTIGO “GESTOS NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM: UMA REVISÃO DA LITERATURA” NO CONTEXTO DA CIÊNCIA ABERTA

REVIEW OF THE ARTICLE “GESTURES IN THE TEACHING AND LEARNING PROCESS: A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW” IN THE CONTEXT OF OPEN SCIENCE

PARECER DEL ARTÍCULO “GESTOS EM EL PROCESSO DE ENSEÑANZA Y APRENDIZAJE: UMA REVISIÓN DE LA LITERATURA” EN EL CONTEXTO DE LA CIENCIA ABIERTA

Em 2021, a UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) traçou diretrizes para aprimorar a lisura do conhecimento científico, fazendo recomendações acerca da transparência dos processos de criação e avaliação deste conhecimento, organizadas sob o conceito Ciência Aberta. O termo é definido pela UNESCO como

Um construto inclusivo que combina diversos movimentos e práticas objetivando disponibilizar conhecimento científico multilíngue de forma aberta, acessível e reutilizável por todos para aumentar as colaborações científicas e o compartilhamento de informações para o benefício da ciência e da sociedade, e para abrir o processo de criação, avaliação e comunicação do conhecimento científico para os atores sociais, para além da comunidade científica tradicional.(https://www.unesco.org/en/articles/draft-recommendation-open-science-its-way-final-adoption, acesso em 29 out. 2022UNESCO. Draft recommendation on Open Science on its way to final adoption. Atualização em: 21 April 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.unesco.org/en/articles/draft-recommendation-open-science-its-way-final-adoption Acesso em: 29 out. 2022.
https://www.unesco.org/en/articles/draft...
, tradução autora).

Uma das dimensões da Ciência aberta diz respeito à transparência na avaliação, encorajando a revisão por pares aberta, uma vez que o modelo tradicional de avaliação por duplo-cego tem sofrido críticas como lentidão no processo e falta de reconhecimento pelo trabalho do parecerista (SILVA; SILVEIRA, 2019SILVA, F. C. C.; SILVEIRA, L. O ecossistema da Ciência Aberta. TransInformação, v. 31:e190001, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/2318-0889201931e190001
https://doi.org/10.1590/2318-0889201931e...
). Em consonância com essas diretrizes e tencionando atendê-las, periódicos de divulgação científica em todo o mundo têm buscado dar mais transparência no processo de avaliação por pares, abrindo a identidade dos autores e pareceristas. Nessa linha, o corpo editorial da Educação em Revista vem mediando encontros online entre autores e pareceristas. A premissa é de que essa dinâmica facilite o diálogo entre as partes, agregando transparência e agilidade ao processo de avaliação.

A presente resenha discorre sobre o artigo “Gestos no processo de ensino e aprendizagem: uma revisão da literatura”, submetido à Educação em Revista (ISSN online 0102-4698) em 18 de julho de 2022 e revisado pela autora em 12 de agosto de 2022 em um processo de avaliação por pares aberta. Neste artigo, os autores resumem estudos relevantes sobre gestualidade e suas potenciais contribuições tanto para a aprendizagem como para o ensino em diversas áreas do conhecimento como matemática, química e línguas, em diferentes níveis de ensino (educação infantil. ensino fundamental, médio e superior), e em contextos típicos e atípicos de aprendizagem. Dessa forma, as discussões trazidas são pertinentes para professores e alunos de diversos segmentos. De modo geral, os estudos revisados indicaram um efeito positivo dos gestos na aprendizagem de palavras, introdução de conceitos nas disciplinas de ciências e matemática, e também como ferramentas de inclusão de alunos com deficiência.

Uma revisão da literatura é um tipo de produção acadêmica que se propõe a traçar um panorama das pesquisas atuais em determinada área. Sua principal característica é o rigor dos procedimentos de seleção de corpus e de tratamento e análise dos dados de modo que o resultado seja passível de reprodução e atualização (ZAWACKI-RICHTER; KERRES; BEDENLIER; BOND; BUNTINS, 2020ZAWACKI-RICHTER, O.; KERRES, M.; BEDENLIER, S.; BOND, M.; BUNTINS, K. Systematic reviews in educational research Methodology, Perspectives and Application. Wiesbaden: Springer VS, 2020. https://doi.org/10.1007/978-3-658-27602-7 E-book.
https://doi.org/10.1007/978-3-658-27602-...
). As evidências coletadas nas pesquisas revisadas devem resultar em conclusões sólidas que informem o estado da arte na área e possíveis direções futuras. É nesse âmbito que se insere o artigo “Gestures in the teaching and learning process: a systematic literature review”.

Revisões de literatura podem seguir lógicas de síntese configurativa ou agregativa (ZAWACKI-RICHTER ET AL, 2020ZAWACKI-RICHTER, O.; KERRES, M.; BEDENLIER, S.; BOND, M.; BUNTINS, K. Systematic reviews in educational research Methodology, Perspectives and Application. Wiesbaden: Springer VS, 2020. https://doi.org/10.1007/978-3-658-27602-7 E-book.
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). Uma lógica configurativa é guiada por questões de sentido e interpretação fazendo uso de métodos exploratórios e iterativos que podem mudar ao longo do processo de revisão. Em uma lógica agregativa, as perguntas de pesquisa giram em torno de impactos e efeitos (de intervenções, por exemplo) e os métodos de análise são definidos a priori e seguidos rigorosamente (SANDELOWSKI ET AL. 2012SANDELOWSKI, M., VOILS, C. I., LEEMAN, J. & CRANDELL, J. L. Mapping the mixed methods-mixed research synthesis terrain. Journal of Mixed Methods Research, v. 6, n. 4, p. 317-331, 2012.). Nessa linha, o artigo orienta-se por uma lógica configurativa dado seu caráter exploratório, uma vez que os autores se propõem a “identificar pesquisas que tragam contribuições sobre como gestos podem auxiliar o processo de ensino-aprendizagem” (p.2, tradução minha). Além disso, não há a testagem de uma hipótese e as categorias de análise, segundo conversa com a primeira autora, emergiram naturalmente durante o processo de revisão da literatura.

Na Linguística, o uso de gestos em atos comunicativos é, tradicionalmente, objeto de estudo na Análise da conversação e, mais recentemente, da Linguística Cognitiva e também da Psicolinguística (CAVALCANTE, 2019CAVALCANTE, M. C. B. Perspectiva multimodal da aquisição da linguagem. In: MOTA, M. B.; NAME, C. Interface linguagem e cognição: contribuições da Psicolinguística. Tubarão/SC: Copiart, 2019p.68-88. ISBN: 978-85-8388-135-3). Segundo a autora, é da natureza humana usar gestos para interagir. Os gestos estão presentes na fase pré-linguística do desenvolvimento humano e também evoluem à medida que aprendemos a falar uma língua. Gesticular agrega um componente multimodal à fala, e compreender de que maneira gesto e oralidade se articulam pode informar as práticas de ensino e aprendizagem. Dado seu caráter interdisciplinar, pesquisadores de outras áreas têm nutrido interesse crescente pelo tema, como no caso dos autores da revisão, ambos pesquisadores em pesquisadores da área de Ensino de Ciências e Matemática. A linha de pesquisa na qual se inserem faz uma conexão importante entre as “ciências duras” e a psicologia da educação.

Na introdução do artigo, os autores trazem conceitos basais a partir da literatura relevante na área de forma clara e sucinta, situando a discussão sobre gestos no contexto da análise dos discurso. Destaca-se o uso de gestos não apenas para comunicar, mas também como forma de construir representações mentais dos conceitos estudados e expressar compreensão desses conceitos. Do ponto de vista didático, gestos intencionais são apontados na literatura como ferramentas eficientes de ensino. A pergunta de pesquisa estabalecida (What is the contribution of gestures (non-verbal communication) to the teaching and learning process?) cobriu o escopo de análise, porém havia detalhamentos trazidos posteriormente na revisão que poderiam ter sido antecipados por perguntas de pesquisa na introdução.

Em relação ao método, evidenciou-se a preocupação do(s) autor(es) em detalhar os procedimentos e critérios de inclusão e exclusão empregados na seleção dos estudos que compõem a revisão. Estes procedimentos já haviam sido utilizados em pesquisa anterior, trazendo mais confiabilidade ao método. A escolha das bases de dados consultadas foi justificada com base nas métricas disponíveis para análise; também constam informações como as palavras-chave utilizadas para fazer a busca e o recorte temporal que delimitou a pesquisa. A revisora enfatizou a importância de esclarecer o escopo do artigo, indicando se houve alguma delimitação dos tipos de gestos que os estudos revisados abordariam (linguagem corporal natural, gestos do contexto educacional que sejam mais conscientes, que visem explicar conceitos, demonstrar dúvida; resposta física total). Esse questionamento foi feito uma vez que os gestos são um canal não-verbal de comunicação bastante amplo e podem ou não ter usos pedagógicos.

Na seção de Resultados e discussão, os autores apontam (por meio de representação gráfica) para o aumento de pesquisas na área de gestos no ensino e aprendizagem ao longo dos anos - um dado de suma importância, uma vez que justifica a relevância da pesquisa apresentada em função do crescente interesse pelo tema. Sugestões feitas pela revisora nessa seção abordaram questões de apresentação dos dados dos estudo que compõem a revisão para fins de organização e também de clareza das categorias de análise criadas a fim de refinar a especificidade de cada uma das subseções.

Em suma, os estudos revisados indicaram a eficiência dos gestos em diversos aspectos: como ferramenta para o ensino de novos conceitos e, entre estudantes, evidenciando engajamento cognitivo em tarefas difíceis e também na integração de conteúdos. Estudos orientados sob uma perspectiva metacognitiva, na qual o participante precisa refletir sobre os gestos que utiliza (por exemplo, assistindo a uma gravação da aula) tiveram efeito positivo na autopercepção da relação corpo-fala tanto entre alunos quanto entre professores de graduação. O uso de gestos também foi referido pelos autores como um indicador importante do processamento cognitivo, podendo revelar o que está passando pela mente do estudante, ou seja, demonstrando sinais de empenho ou dificuldade. Em contextos de aprendizagem atípica (ex. síndrome de Down, transtorno do espectro autista), os estudantes apresentaram maior dificuldade na execução de gestos; deficiências na fala também eram acompanhadas de uma análoga deficiência na expressão gestual. No âmbito do ensino de segunda língua, a associação entre gestos e palavras facilita a retenção de vocabulário; gestos também favorecem a aquisição de relações temporais e nuances de prosódia (ex. fonologia, entonação).

A conclusão retoma a relevância do trabalho e os pontos mais importantes discutidos ao longo da análise, reiterando a função da gestualidade não apenas na expressão, mas também como recurso didático e indicador de aprendizagem. A retomada dos dados dos estudos acompanhados das informações de autor e data facilita a conexão entre o que foi apresentado e discutido anteriormente e que está sendo, naquele ponto, retomado. Os autores ressaltam as implicações dos resultados para instrução, apontando para o treinamento de professores como direção possível e necessária na construção de gestos como ferramentas semióticas de ensino para incentivar o pensamento crítico. Sem dúvida, promover momentos de (auto)reflexão e discussão entre pares na formação docente continuada é parte fundamental do processo de fomentar o uso de gestos em sala de aula por professores e por alunos.

REFERÊNCIAS

  • CAVALCANTE, M. C. B. Perspectiva multimodal da aquisição da linguagem. In: MOTA, M. B.; NAME, C. Interface linguagem e cognição: contribuições da Psicolinguística. Tubarão/SC: Copiart, 2019p.68-88. ISBN: 978-85-8388-135-3
  • SANDELOWSKI, M., VOILS, C. I., LEEMAN, J. & CRANDELL, J. L. Mapping the mixed methods-mixed research synthesis terrain. Journal of Mixed Methods Research, v. 6, n. 4, p. 317-331, 2012.
  • SILVA, F. C. C.; SILVEIRA, L. O ecossistema da Ciência Aberta. TransInformação, v. 31:e190001, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/2318-0889201931e190001
    » https://doi.org/10.1590/2318-0889201931e190001
  • UNESCO. Draft recommendation on Open Science on its way to final adoption. Atualização em: 21 April 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.unesco.org/en/articles/draft-recommendation-open-science-its-way-final-adoption Acesso em: 29 out. 2022.
    » https://www.unesco.org/en/articles/draft-recommendation-open-science-its-way-final-adoption
  • ZAWACKI-RICHTER, O.; KERRES, M.; BEDENLIER, S.; BOND, M.; BUNTINS, K. Systematic reviews in educational research Methodology, Perspectives and Application. Wiesbaden: Springer VS, 2020. https://doi.org/10.1007/978-3-658-27602-7 E-book.
    » https://doi.org/10.1007/978-3-658-27602-7 E-book

Editado por

Editora-chefe: Suzana dos Santos Gomes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2022
  • Aceito
    05 Dez 2022
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