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Estrangeiras e nacionais: as maiores casas exportadoras de café em Santos (1897-1930) O autor agradece os comentários do editor Leonardo Weller e dos pareceristas que contribuíram para um avanço e melhor entendimento do trabalho, sendo que os eventuais erros e omissões são de minha inteira responsabilidade. Agradeço também ao prof. Renato Leite Marcondes (FEARP/USP) pelas sugestões sobre o artigo. Aproveito ainda para agradecer a historiadora Renata Cristina Silva pela sua ajuda no acesso aos relatórios da Associação Comercial de Santos.

Resumo

No período 1897-1930, as lavouras do estado de São Paulo responderam por aproximadamente dois terços das sacas de café exportadas pelo Brasil, grãos que eram negociadas no porto de Santos. Mas, quais eram as firmas responsáveis por exportar o café brasileiro no porto paulista? A historiografia convencionou apontar o domínio de empresas estrangeiras sobre a comercialização do café no período citado. Embasado nos arquivos da Associação Comercial de Santos e nas edições do Wileman’s Brazilian Review, o artigo demonstra que as casas inglesas e alemãs lideraram as exportações em Santos até 1913, mas, com o início da I Guerra Mundial em 1914 e na década de 1920, houve casas nacionais/brasileiras que lideraram a exportação e passaram rivalizar com firmas estrangeiras, sendo que estas firmas passaram a ser as estadunidenses.

Palavras-chave
Casas exportadoras; Café; Santos

Abstract

In the period 1897-1930, crops in the state of São Paulo accounted for approximately two thirds of the coffee bags exported by Brazil, beans that were traded in the port of Santos. But which were the companies responsible for exporting Brazilian coffee in the port of São Paulo? The historiography has agreed to point out the dominance of foreign companies over the commercialization of coffee in the aforementioned period. Based on the archives of Associação Comercial de Santos and editions of Wileman's Brazilian Review, the article demonstrates that English and German houses led exports in Santos until 1913 but, with the beginning of the World War I in 1914 and in the 1920s, there were national/Brazilian houses that led exports and began to compete with foreign firms, and these firms became US firms.

Keywords
Export houses; Coffee; Santos

1 – Introdução

Analisado pelo valor gerado, o café era a terceira principal commodity mundial no final do século XIX – ficava atrás somente do trigo e do petróleo. Em 1907, o Brasil era responsável por 78% das exportações mundiais de café, sendo que o porto de Santos (estado de São Paulo) exportava três quartas partes do café brasileiro, em um momento em que o grão nacional atendia 79% do consumo de café nos Estados Unidos, o principal mercado consumidor (Pendergrast 2002, 17Pendergrast, M. 2002. El Café: historia de la semilla que cambió el mundo. Buenos Aires: Javier Vergara Editor.; Samper e Fernando 2003, 444Samper, M. e R. Fernando. 2003. “Historical statistics of coffee production and trade from 1700 to 1960”. In The global coffee economy in Africa, Asia and Latin America, 1500-1989, editado por William G. Clarence-Smith e Steven Topik. New York: Cambridge Univ. Press.; Cunha 1992, 390Cunha, M. R. 1992. “Apêndice estatístico”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra.).

De modo geral, a cadeia do café paulista (São Paulo´s Coffee Commodity Chain) tinha do lado da produção o capital nacional na figura dos fazendeiros/cafeicultores e dos comissários e, de outra parte, representando o capital estrangeiro, os exportadores. Na zona portuária atuavam os agentes ligados ao comércio do café, respectivamente, os comissários e exportadores. Os comissários eram casas comerciais, ou mesmo indivíduos, com sede em Santos e Rio de Janeiro, e que tinham a função inicial de receber o café do fazendeiro em consignação e vendê-lo aos exportadores, cobrando uma comissão de 3% sobre o preço de venda; com o tempo, o comissário agregou a função creditícia, fornecendo empréstimos sob as safras a fim de financiar os custos agrícolas dos fazendeiros e, dessa forma, garantir maior volume de café a ser negociado com os exportadores. Os exportadores, por sua vez, representavam o elo da produção com o mercado externo, sendo um grupo concentrado em algumas grandes firmas, tendo forte presença do capital estrangeiro – principalmente casas inglesas, alemãs, francesas e estadunidenses – que adquiria o café no Brasil junto aos comissários e revendia aos importadores da Europa e Estados Unidos (Perosa 1980, 64–68Perosa, R. 1980. “Comércio e Financiamento na Lavoura de Café de São Paulo no início do século”. Revista de Administração de Empresa 20 (1): 63-78.; Topik e Samper 2006, 134Topik, S. e M. Samper. 2006. “The Latin American Coffee Commodity Chain: Brazil and Costa Rica”. In From silver to cocaine: Latin American commodity chains and the building of the world economy, 1500-2000, editado por Steven Topik, Carlos Marichal e Zephyr Frank. Durham e London: Duke University Press.; Moraes 2015, 58Moraes, R. I. 2015. “O financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil de 1850 a 1930”. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia de Marília.; Ponte 2002, 1102Ponte, S. 2002. “The ‘Latte Revolution’? Regulation, Markets and Consumption in the Global Coffee Chain”. World Development 30 (7): 1099-1122.; Talbot 1997, 62Talbot, J. M. 1997. “Where does your coffee dollar go? The division of income and surplus along the coffee commodity chain”. St Comp Int Dev 32: 56-91. ; Van Driel 2003, 87Van Driel, H. 2003. “The Role of Middlemen in the International Coffee Trade since 1870: The Dutch Case”. Business History 45 (2): 77-101.)1 1 Até meados do século XIX, o costume do cidadão estadunidense era comprar o grão verde do café nos armazéns e torrá-los em casa, operação que rotineiramente resultava em uma bebida cujo gosto final não era tão agradável pela dificuldade em encontrar a torra ideal do grão. Mas, em 1860, a firma Arbuckle Brothers & C., originária de Pittsburgh (EUA), iniciou a venda do café torrado em pacotes de 500 gramas, iniciativa seguida por outros grandes atacadistas do café e que contribuiu para expandir o consumo do grão nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX (Pendergrast 2002:67–74). .

Em relação ao porto de Santos, a presença do capital estrangeiro na exportação cafeeira é evidenciada a 22 de dezembro de 1870, quando foi constituída a Associação Comercial de Santos (ACS), em uma reunião que contou com a participação de 106 indivíduos, nacionais e estrangeiros, ligados ao alto comércio cafeeiro santista: comissários, exportadores, capitalistas, banqueiros, corretores e armadores2 2 A atuação da ACS visava diminuir os riscos do comércio cafeeiro, por exemplo, intimando exportadores que, uma vez tendo vendido o café, negavam-se a repassar o dinheiro aos comissários no prazo acordado de 30 dias; já em relação aos comissários, a ACS tentava, por exemplo, evitar a prática de reutilização dos sacos para acondicionar o café, o que poderia danificar o produto (Silva 2015a). . Silva (2015aSilva, G. P. 2015a. “O predomínio das casas estrangeiras sobre a exportação cafeeira em Santos no século XIX”. America Latina en la Historía Económica 22.) mostra que, no período 1873-1891, o número de casas comissárias de café no porto de Santos era duas vezes maior que o de casas exportadoras, sendo que as firmas comissárias eram, na maioria, iniciativas de fazendeiros mais abastados do interior paulista que passavam a financiar e comercializar as safras de outras unidades agrícolas com as casas exportadoras. De outra parte, as 12 maiores casas exportadoras de café no biênio 1885-1886 foram responsáveis por negociar 67% do café santista, sendo que entre elas havia apenas uma firma nacional, a casa J.F. de Lacerda & Cia., que era ladeada por outras 11 empresas originárias da Alemanha, Inglaterra, França e Estados Unidos3 3 No biênio 1885-1886, a única casa exportadora nacional listada entre as 12 maiores firmas exportadoras de café em Santos foi a J. F. de Lacerda & Cia., firma pertencente à família Lacerda Franco, representantes do grande capital cafeeiro paulista com fazendas nas vilas de Limeira, Araras, São Carlos e Rio Claro. Em que pese ela ter exportado 13% do café santista no referido biênio, a firma entraria em liquidação na década de 1890, tendo sido arrematada justamente por uma concorrente estrangeira, a alemã Theodor Wille & Co., em maio de 1893 (Silva 2015b). .

Os dados de Silva (2015aSilva, G. P. 2015a. “O predomínio das casas estrangeiras sobre a exportação cafeeira em Santos no século XIX”. America Latina en la Historía Económica 22.) estão em concordância ao consenso da historiografia econômica que reitera que a maioria das casas exportadoras de café era de origem estrangeira – empresas cujas sedes ficavam nos países supracitados – e conseguiram, desde as décadas finais do século XIX, controlar a exportação do café brasileiro, tanto no Rio de Janeiro4 4 A historiografia indica que também houve o domínio das empresas estrangeiras sobre o café saído do porto do Rio de Janeiro entre 1859-1879 e 1898-1899 (Guimarães e Greenhill 2021; Mello 2003). como em Santos, e manter este domínio até o final da Primeira República em 1930 (Prado Júnior 1969Prado Júnior, C. 1969. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense.; Delfim Netto 2009Delfim Netto, A. 2009. O problema do café no Brasil. Campinas: Facamp/ Editora da UNESP.; Cano 1981Cano, W. 1981. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz.; Perosa 1980Perosa, R. 1980. “Comércio e Financiamento na Lavoura de Café de São Paulo no início do século”. Revista de Administração de Empresa 20 (1): 63-78.; Pereira 1980Pereira, M. A. F. 1980. “Comissário de café no porto de Santos: 1870-1920”. Dissertação de mestrado, FFLCH/USP.; Greenhill 1992Greenhill, R. 1992. “E. Johnston: 150 anos de café”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra., 1995———. 1995. “Investment Group, Free-Standing Company or Multinational? Brazilian Warrant, 1909-52”. Business History 37 (1): 86-111.; Moraes 1988Moraes, M. L. P. M. 1988. “Atuação da firma Theodor Wille & Cia. no mercado cafeeiro do Brasil, 1844-1918”. Tese de doutorado, FFLCH/USP.; Fausto 2006Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Saes 1986aSaes, F. A. M. 1986a. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: Hucitec.; Holloway 1978Holloway, T. H. 1978. Vida e morte do Convênio de Taubaté. Rio de Janeiro: Paz e Terra.; Love 2006Love, J. 2006. “Autonomia e interdependência: São Paulo e a federação brasileira, 1889-1937”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Lalière 1909Lalière, A. 1909. Le café dans l’état de Saint Paul. Paris: Augustin Challamel.; Kisling 2020Kisling, W. 2020. “A microanalysis of trade finance: German bank entry and coffee exports in Brazil, 1880-1913”. European Review of Economic History 24 (2).).

O trabalho de Lanna (2019Lanna, B. D. 2019. “Casas exportadoras e importadoras no porto de Santos e a cadeia global do café, século XIX e início do XX”. História Econômica & História de Empresas 22 (2).) corrobora a tese da predominância do capital estrangeiro entre as casas exportadoras e importadoras em Santos por volta do ano 1913, ao apontar que poucas firmas nacionais – um exemplo seria a casa Prado, Chaves & Cia. – conseguiram converter-se em casas exportadoras e, em número ainda menor, rivalizar com suas congêneres estrangeiras como a firma alemã Theodor Wille & Co. que, além de liderar a exportação do café santista, concomitantemente, atuava na importação de artigos diversos ao mercado nacional (maquinaria, cutelaria, bens industriais) e agenciava firmas estrangeiras de navegação com linhas em Santos.

Por sua vez, o trabalho de Faleiros, ao reafirmar a forte presença do capital estrangeiro sobre a exportação do café nacional, traz também a ótica da geopolítica do café, ou seja, teria ocorrido uma transição no predomínio do capital estrangeiro atuante nos negócios de comercialização do café brasileiro marcada pela intensa competição entre firmas britânicas dominantes desde o século XIX vis-à-vis casas exportadoras alemãs e, principalmente, estadunidenses, que passaram a ter maior relevância ao término da I Guerra Mundial, em conjunto com a expansão dos investimentos estadunidenses na América Latina durante a década de 1920 (Faleiros 2020Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.).

Uma vez convencionado o predomínio do capital estrangeiro sobre a exportação cafeeira em Santos no século XIX e início do XX, uma questão que se coloca é se tal domínio se daria apenas no comércio exterior do café paulista ou em outras praças comerciais brasileiras? Ademais, esta presença do capital forâneo teria algum efeito adverso sobre a economia nacional? Em relação à primeira pergunta, o trabalho de Ridings (1994———.. 1994. Business Interest Groups in Nineteenth-Brazil. Cambridge: Cambridge University Press.) indica que a formação de várias Associações Comerciais no Brasil durante o século XIX – desde a Sociedade de Agricultura, Comércio e Indústria da Bahia (1832), a Associação Comercial do Rio de Janeiro (1834) e a ACS em Santos (1870) – era a expressão de grupos de interesse comercial cujos cargos mais relevantes eram ocupados, corriqueiramente, por indivíduos e firmas estrangeiras, sobretudo inglesas.

Quanto à segunda questão, em trabalho anterior, Ridings (1985Ridings, E. 1985. “Foreign Predominance among Overseas Traders in Nineteenth-Century Latin America”. Latin American Research Review 20 (2): 3-27.) demonstra que a forte presença do capital estrangeiro no comércio exterior do século XIX pode ser considerada um fenômeno presente em outros países latino-americanos – Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Peru e México – e que o fato de haver poucos agentes nacionais na função de comerciantes externos/exportadores gerava sérias implicações ao desenvolvimento destas nações: a perda de uma possibilidade de maior acumulação de capital e experiência empresarial que seria importante para a formação de outros negócios (como estabelecimentos industriais); o refluxo do capital via remessa de lucros ao final de cada ano para as matrizes no exterior, onde se situavam seus mercados consumidores, as fontes de financiamento e seus centros de comando; a disposição do capital estrangeiro em que os países latino-americanos se mantivessem de acordo com sua vocação agrária, o que se expressaria pelas poucas falas dos representantes estrangeiros das Associações e Câmaras Comerciais a favor de um projeto industrializante e de seus instrumentos como a elevação de tarifas alfandegárias.

Tendo em vista os prejuízos ao desenvolvimento nacional implicados pelo predomínio do capital estrangeiro no comércio externo do café, a partir das análises de Ridings (1985Ridings, E. 1985. “Foreign Predominance among Overseas Traders in Nineteenth-Century Latin America”. Latin American Research Review 20 (2): 3-27., 1994———.. 1994. Business Interest Groups in Nineteenth-Brazil. Cambridge: Cambridge University Press.), é necessário considerar as afirmações de Saes (1986aSaes, F. A. M. 1986a. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: Hucitec.) sobre o avanço do grande capital cafeeiro – composto, na sua maioria, de fazendeiros paulistas que buscavam diversificar suas fontes de acumulação investindo em outras atividades como a indústria e bancos – pelos negócios do estado de São Paulo na década de 1890. Se este capital nacional adentrou ainda mais aos investimentos ferroviários, serviços urbanos, indústria e algumas atividades comerciais, teriam estes agentes nacionais rivalizado com as casas estrangeiras na exportação do café santista durante a Primeira República? Ou, de outra parte, vários destes fazendeiros teriam restringido sua presença na cadeia do café paulista às funções de produtores e comissariado?

Diante de algumas lacunas na historiografia sobre as casas exportadoras de café em Santos – como os poucos dados sobre as firmas exportadoras de café paulista entre 1914-1930 – e da centralidade deste porto na oferta mundial do grão no início do século XX, o presente artigo busca dar uma contribuição ao entendimento da comercialização externa do café paulista ao trazer o rol das 20 maiores firmas exportadoras de café em Santos no período 1897-1930. Tais dados servirão de base para responder à pergunta que será o fio condutor do trabalho: teriam as casas estrangeiras mantido seu domínio sobre as exportações de café em Santos do final do século XIX até 1930? A resposta a esta questão ajudará a estabelecer um diálogo com o consenso da historiografia de que tal domínio teria se mantido no século XX, além de permitir o resgate das assertivas de Ridings (1985Ridings, E. 1985. “Foreign Predominance among Overseas Traders in Nineteenth-Century Latin America”. Latin American Research Review 20 (2): 3-27., 1994———.. 1994. Business Interest Groups in Nineteenth-Brazil. Cambridge: Cambridge University Press.) sobre a predominância do capital estrangeiro na função de comercializar externamente a produção de diversos países latino-americanos desde o século XIX.

De maneira concomitante, a análise das maiores firmas exportadoras de café em Santos entre 1897-1930 deve ser efetuada em consonância com os pontos trazidos por Faleiros (2020Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.), a fim de evidenciarmos as possíveis transições ocorridas entre a posição de liderança nas exportações cafeeiras por empresas e suas nacionalidades, no âmbito do que ele chamou de geopolítica do café e que se traduziria na ascensão das casas alemãs e estadunidenses frente às firmas inglesas. Ademais, caso tal domínio forâneo seja evidenciado pelos dados, será necessário retomar o diálogo com o trabalho de Saes (1986aSaes, F. A. M. 1986a. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: Hucitec.) e pensar quais os limites enfrentados pelo capital nacional que explicariam a diminuta presença de firmas brasileiras como líderes na maior parte dos períodos analisados.

Para empreender a análise, a base de dados foi levantada em duas grandes fontes: os relatórios da Associação Comercial de Santos (ACS) que elaborava a lista das casas exportadoras que atuaram naquele porto para diversos anos, complementados pelas listas de exportadores de café publicada no Wileman’s Brazilian Review (WBR)5 5 As edições do Wileman’s Brazilian Review fazem parte do acervo eletrônico do projeto Memória Estatística do Brasil e estão disponíveis em: http://memoria.org.br/ia_visualiza_bd/colecao_wileman/wileman_sumario.php?p=1. . Estas duas fontes, principalmente para o recorte histórico de 1914-1930, foram poucos exploradas em trabalhos anteriores, de modo que o artigo visa dar uma contribuição original ao entendimento do comércio do café em Santos, a partir da análise das grandes casas exportadoras, e arrolar dados inéditos sobre as sacas de café negociadas por tais firmas.

De antemão, os dados analisados no artigo demonstram que no período 1897-1913 a exportação do café em Santos foi controlada pelas grandes firmas estrangeiras – inglesas, alemãs, francesas e estadunidenses – e, sendo que a única casa nacional a rivalizar com tais firmas forâneas naqueles anos foi a Prado, Chaves & Cia. Todavia, nos anos 1914-1930, que englobam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a década de 1920, houve um declínio nas cotas exportadas por firmas inglesas, alemãs e francesas, ao mesmo tempo que ocorreu a ascensão das casas exportadoras estadunidenses e, principalmente, das firmas nacionais, resultado que diverge dos apontamentos trazidos pela historiografia precedente e que indicavam um controle das firmas estrangeiras sobre a exportação cafeeira em Santos durante a Primeira República (1889-1930).

Na sequência, o trabalho vai se debruçar sobre as 20 maiores casas exportadoras nos três recortes temporais determinados anteriormente: os períodos 1897-1906, 1907-1913, 1914-1919 e 1920-1930.

2 - As casas exportadoras de café no porto de Santos no período 1897-1906

Na década de 1890, o café tinha um papel central na economia brasileira, pois o grão representava 64,5% do valor das exportações nacionais, seguido da borracha com 15%. O ano de 1897 marca a explicitação do problema do café brasileiro, sendo caracterizado por safras nacionais excessivas e formação de grandes estoques que se traduziram em uma queda de 43% no preço do café do ano de 1897 em relação ao ano anterior (Cunha 1992, 354Cunha, M. R. 1992. “Apêndice estatístico”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra.)6 6 Delfim Netto (-@ Delfim Netto 2009:40–49) aponta que a política monetária expansionista encetada na presidência do Marechal Deodoro pelo seu ministro da Fazenda, o jurista Rui Barbosa, teria aumentado o estoque de papel-moeda em circulação, deprimindo a taxa cambial do mil-réis (moeda brasileira) frente à libra esterlina. Dessa forma, ao remunerar melhor os produtores de café em moeda nacional, mesmo em um cenário em que os preços internacionais do café tivessem quedas – como nos anos de 1891 e 1893 – as lavouras continuaram se expandindo pelo interior do Brasil, sobretudo no estado de São Paulo. Este processo, tendo em vista a natureza da planta do café, que leva aproximadamente 5 anos para sua maturação e colheita inicial, explicaria o fato da safra cafeeira no Brasil em 1891 ter sido de 7,4 milhões de sacas de 60kg e, no ano de 1897, ter uma safra de 10,5 milhões de sacas – a safra mundial de café naquele ano foi de 15,37 milhões de sacas. O consumo mundial de café, por sua vez, era de 10,8 milhões de sacas em 1891, quando os estoques mundiais estavam 1,9 milhões de sacas; mas, em 1897, os estoques mundiais estavam 4 milhões de sacas e o consumo naquele ano seria de 14,6 milhões de sacas, ou seja, apenas a produção brasileira somada aos estoques existentes ao início da safra teriam suprido a demanda mundial de café. .

Em 1902, houve uma tentativa por parte dos governantes paulistas para conter o aumento da oferta por meio da proibição do plantio de novos cafezais. Todavia, o número de cafeeiros nas fazendas paulistas teve um acréscimo de 20% entre os anos de 1899 a 1905 que era devido à alta lucratividade envolvida na formação de cafezais, à baixa fiscalização do avanço da fronteira agrícola e à demanda dos colonos-imigrantes pelo trabalho em propriedades em que pudessem plantar seus alimentos, atividade possibilitada quando os cafezais estavam em formação (Perosa 1980, 70–71Perosa, R. 1980. “Comércio e Financiamento na Lavoura de Café de São Paulo no início do século”. Revista de Administração de Empresa 20 (1): 63-78.).

Tabela 1 -
As 20 maiores casas exportadoras de café em Santos, 1897-1906 – média anual das sacas exportadas (60kg) e participação percentual nas exportações totais

A tabela 1 demonstra o predomínio das firmas estrangeiras na comercialização do café em Santos: eram sete empresas alemãs, seguidas de seis casas inglesas, 3 companhias estadunidenses, mesmo número das francesas, restando apenas uma casa brasileira, a Prado, Chaves & Cia. (Marcovitch 2009, 46)7 7 A casa comissária e exportadora Prado Chaves & Cia. foi fundada em 1887 – cuja origem foi a Companhia Central Paulista criada em 1884 – e reunia membros da família Prado (Antônio, Martinho e Martinico), Antônio Elias Pacheco e Chaves e Elias Fausto Pacheco Jordão. Os Prado e os Pacheco e Chaves eram famílias compostas por indivíduos que se caracterizavam pela atuação diversificada na economia paulista – participações em ferrovias, bancos, casas comerciais, empresas de serviços públicos, indústrias. Este desprendimento em relação à lavoura como forma unívoca de acumulação passou a marcar os indivíduos que compunham a fração social chamada de grande capital cafeeiro [Perissinotto 1994; Silva (1995)]. . Ao analisar as margens de sacas anuais médias exportadas pelas maiores firmas – as vinte maiores empresas (87,2%), dez (70,7%) e cinco (51,7%) maiores empresas – constatamos um oligopólio destes maiores exportadores no período prévio, sobretudo das duas principais firmas, com uma liderança pronunciada da casa inglesa Naumann, Gepp & Co., que exportou 16,5% das sacas em Santos, pouco além da casa alemã Theodor Wille & Co., que exportou 15,1% das sacas.

Considerando a nacionalidade das casas exportadoras arroladas pela tabela 1, os dados validam a preponderância do capital estrangeiro na exportação cafeeira santista em concordância com os postulados trazidos ao princípio do artigo pela historiografia arrolada (Delfim Netto 2009Delfim Netto, A. 2009. O problema do café no Brasil. Campinas: Facamp/ Editora da UNESP.; Cano 1981Cano, W. 1981. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz.; Perosa 1980Perosa, R. 1980. “Comércio e Financiamento na Lavoura de Café de São Paulo no início do século”. Revista de Administração de Empresa 20 (1): 63-78.; Pereira 1980Pereira, M. A. F. 1980. “Comissário de café no porto de Santos: 1870-1920”. Dissertação de mestrado, FFLCH/USP.; Greenhill 1992Greenhill, R. 1992. “E. Johnston: 150 anos de café”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra., 1995———. 1995. “Investment Group, Free-Standing Company or Multinational? Brazilian Warrant, 1909-52”. Business History 37 (1): 86-111.; Moraes 1988Moraes, M. L. P. M. 1988. “Atuação da firma Theodor Wille & Cia. no mercado cafeeiro do Brasil, 1844-1918”. Tese de doutorado, FFLCH/USP.; Fausto 2006Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Saes 1986aSaes, F. A. M. 1986a. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: Hucitec.; Holloway 1978Holloway, T. H. 1978. Vida e morte do Convênio de Taubaté. Rio de Janeiro: Paz e Terra.; Lanna 2019Lanna, B. D. 2019. “Casas exportadoras e importadoras no porto de Santos e a cadeia global do café, século XIX e início do XX”. História Econômica & História de Empresas 22 (2).). Ademais, corroboram os apontamentos de Faleiros (2020Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.) ao constatarmos que geopoliticamente há uma disputa pela liderança das exportações cafeeiras santistas neste período entre as casas inglesas (32%) e alemãs (33,8%), com participação relativamente menor das firmas estadunidenses (15,3%), e uma ínfima posição das casas francesas (3%) e nacionais (3,9%), como levantado por Ridings (1985Ridings, E. 1985. “Foreign Predominance among Overseas Traders in Nineteenth-Century Latin America”. Latin American Research Review 20 (2): 3-27.).

A condição oligopólica obtida, principalmente, pelas firmas inglesas e alemãs foi construída por meio da alocação de seus agentes diretamente nas fazendas do interior paulista a partir da década de 1890, efetuando a compra das sacas junto ao produtor e, em alguns casos, financiando o custeio da lavoura e a expansão dos cafezais. Esta prática permitiu aos exportadores se apropriar de uma parte da renda cafeeira, tomando funções que antes eram dos comissários, garantir o fornecimento de café às suas respectivas unidades em Santos pelo vínculo mais estreito com os produtores e, ademais, exercer pressão baixista sobre as cotações a serem pagas aos fazendeiros, o que lhes permitia ter uma margem maior em relação aos preços que receberiam dos importadores quando da negociação das sacas em Santos (Delfim Netto 2009, 50–51Delfim Netto, A. 2009. O problema do café no Brasil. Campinas: Facamp/ Editora da UNESP.)8 8 Sobre a atuação da casa alemã Theodor Wille & Co. no financiamento de fazendeiros paulistas, ver Forner (2017, 43) e Marcondes (2018, 300-304). Em relação ao papel homônimo desempenhado pela a casa inglesa Naumann, Gepp & Co., ver Fontanari (2012:128) e Brasil (1913:716). .

Para a execução destas estratégias era de fundamental importância o acesso ao crédito. Neste sentido, havia uma vinculação entre sócios e diretores das grandes casas exportadoras em Santos e os bancos estrangeiros. Edward Johnston, proprietário da casa E. Johnston & Comp., constava na diretoria do London and Brazilian Bank em 1862, ao lado de importantes banqueiros e comerciantes londrinos, como Henry Louis Bischoffsheim (Guimarães 2011Guimarães, C. G. e R. Greenhill. 2021. “Trading in an emerging market: E. Johnston & Co. and the Brazilian coffee trade 1840-1880”. Revista de Historia Económica/Journal of Iberian and Latin American Economic History 39 (1): 157-190.)9 9 O London and Brazilian Bank era uma instituição que tinha como um de seus negócios a atuação no comércio de importação-exportação por meio da cobrança e desconto de cambiais e letras do comércio exterior, sendo a moeda estrangeira imprescindível na aquisição de mercadorias importadas (Saes 1986b). . Em relação ao English Bank of Rio de Janeiro, Saes (1988, 36———.. 1986b. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista, 1850-1930. São Paulo: IPE/USP.) afirma que ele “[...] expressa o interesse dos bancos estrangeiros pelos negócios de exportação e importação, em rápido crescimento e nucleados naquela cidade e porto [Santos]”. Por sua vez, o Brasilianische Bank für Deutschland, original da cidade germânica de Hamburgo, era parte da rede creditícia que interligava bancos teutônicos e casas exportadoras no Brasil, como a Theodor Wille & C., que também era acionista do Banco Anglo-Alemão e do London and Hanseatic Bank (Moraes 1988, 82Moraes, M. L. P. M. 1988. “Atuação da firma Theodor Wille & Cia. no mercado cafeeiro do Brasil, 1844-1918”. Tese de doutorado, FFLCH/USP.).

Acerca do modelo de compra do café por agentes no exterior, pode se ter como base o caso de um eventual importador em Nova Iorque (Estados Unidos) e a maneira como era o pagamento pela saca em Santos (Brasil). Neste esquema, havia uma centralidade dos bancos ingleses – posteriormente tendo como rivais os bancos germânicos – como intermediários nas operações de pagamento, ao serem os garantidores dos conhecimentos de embarque (bill of lading) que seriam emitidos pelos importadores nos Estados Unidos e descontados no Brasil para o pagamento dos exportadores em Santos, considerando que o primeiro banco estadunidense no estado de São Paulo viria a se instalar apenas em 1915 (Moraes 2015, 77Moraes, R. I. 2015. “O financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil de 1850 a 1930”. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia de Marília.; Saes 1986b, 225———.. 1986b. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista, 1850-1930. São Paulo: IPE/USP.).

Além dos bancos ingleses, os bancos alemães também se destacavam nos negócios de exportação no Brasil, como o Brasilianische Bank für Deutschland que financiava grandes casas exportadoras de café no Brasil – alemãs, inglesas e britânicas – por meio de linhas de crédito direto ou desconto de letras de câmbio garantidas por sacas de café a serem exportadas, contribuindo para ampliar a capacidade financeira destas firmas em oligopolizar as vendas do grão brasileiro (Kisling 2020, 10–19Kisling, W. 2020. “A microanalysis of trade finance: German bank entry and coffee exports in Brazil, 1880-1913”. European Review of Economic History 24 (2).).

Esta rede de investimentos estrangeiros permitiu a ampliação da presença da casa alemã Theodor Wille & Co. na economia paulista da primeira década do século XX. Mantinham-se os vínculos com grandes produtores de café – como Francisco Schmidt – aos quais financiava a lavoura para garantir a oferta do grão em Santos, bem como a firma agregou a função de agente de empresas alemãs de navegação, como da Hamburg-Südamerikanische Dampfschifffahrts-Gesellschaft (Hamburg-Süd). Este protagonismo da casa Wille & Co. foi ainda maior a partir do Plano de Valorização do Café em 1906 (Moraes 2015, 130–140Moraes, R. I. 2015. “O financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil de 1850 a 1930”. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia de Marília.).

3 - As casas exportadoras de café no porto de Santos no período 1907-1913

A persistência das safras majoradas, uma conjuntura de taxa cambial em elevação – cotação da borracha em alta no exterior – e preços do café no mercado internacional representando metade das cotações vistas no início da década de 1890, constituíram o quadro da mais séria crise que se avizinhava ao café brasileiro (Delfim Netto 2009, 61–64Delfim Netto, A. 2009. O problema do café no Brasil. Campinas: Facamp/ Editora da UNESP.; Fritsch 1989, 38Fritsch, W. 1989. “Apogeu e crise na Primeira República: 1900-1930”. In A Ordem do Progresso, editado por Marcelo P. Abreu. Rio de Janeiro: Campus.)10 10 A safra brasileira de café em 1906 foi de 20 milhões de sacas e a produção mundial totalizou 23,8 milhões de sacas. Por sua vez, o consumo mundial de café naquele ano foi de 17,1 milhões de sacas, sendo que os estoques alcançavam a cifra de 16,3 (Holloway 1978:103). . Este cenário levou os governantes, tanto no nível federal quanto dos principais estados cafeicultores (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo), a formularem medidas e/ou planos de intervenção no mercado do café (1906, 1917, 1921 e 1926) para elevar ou mesmo impedir a queda dos preços, considerando que a oferta brasileira representava um quase monopólio (Fausto 2006, 230–235Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Love 2006, 59Love, J. 2006. “Autonomia e interdependência: São Paulo e a federação brasileira, 1889-1937”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.).

O acordo firmado pelos governadores dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais em fevereiro de 1906, conhecido por Convênio de Taubaté, buscou implementar medidas efetivas para majoração do preço do café: 1) manutenção dos preços do café no patamar de 55-65 francos a saca; 2) tomada de um empréstimo externo de 15 milhões de libras esterlinas para intervir no mercado comprando as sacas dos fazendeiros; 3) aplicação de um imposto sobre o plantio de novos cafeeiros; 4) criação da Caixa de Conversão11 11 Aprovada no Congresso Nacional ainda em 1906, mas em projeto separado e posteriormente à aprovação do Convênio de Taubaté, a Caixa de Conversão surgiu em um contexto em que os membros da lavoura cafeeira demandavam uma taxa de câmbio a 12 pence/mil-réis, mas a taxa se encontrava ao patamar de 16 pence/mil-réis naquele ano e com perspectiva de alta, caso o Plano de Valorização fosse bem sucedido e as exportações de borracha continuassem em alta; ademais, havia o provável ingresso em maior escala dos empréstimos externos vinculados à Valorização de investimentos estrangeiros em ampliação pelo mundo. A Caixa de Conversão significou a adesão da economia brasileira ao Sistema Monetário do Padrão-Ouro, mesmo que na margem, pois apenas os bilhetes/notas emitidos pela Caixa eram lastreados pelas cambiais adquiridas pela Caixa à cotação de 15 pence/mil-réis – valor que se tinha como acima da cotação de mercado – e que, portanto, tinham a possibilidade de serem resgatados a este câmbio. De um lado, a Caixa de Conversão visava estabilizar o câmbio e diminuir a especulação cambial; entretanto, este órgão significou atrelar o nível de atividade da economia brasileira entre 1907-1914 aos saldos da balança de pagamentos, pois o superávits permitiam expandir o meio circulante emitido pela Caixa e favorecendo atividades econômicas nacionais, mas, crises externas que afetassem o ingresso de divisas no Brasil implicariam em saques junto à Caixa e na restrição do papel-moeda local (Torelli 2019:159–62). como um órgão destinado a estabilizar o câmbio, sobretudo ao impedir uma grande valorização; 5) proibição da exportação de cafés inferiores (Torelli 2019, 34Torelli, L. S. 2019. A política econômica de defesa do café: os debates parlamentares (1898-1920). 1ª ed. São Paulo: Chiado Books.; Mello 2009, 111Mello, J. M. C. 2009. O capitalismo tardio, Campinas: Facamp/Editora da UNESP.).

Algumas das medidas trazidas pelo Convênio acabaram por desagradar os representantes mineiros e fluminenses, como a preferência na exportação por cafés de melhor qualidade, tendo em vista que o café paulista era tido como superior ao dos outros estados pertencentes ao Convênio. Ademais, os custos do empréstimo externo a ser levantado para a compra e armazenagem do café poderiam mostrar-se excessivamente onerosos a estados que tinham uma receita de exportação vinculada ao café consideravelmente menor que São Paulo – em 1906, as fazendas de São Paulo produziram 75% do café brasileiro. Como resultado, o estado de São Paulo ficou isolado na condução do Convênio, tanto por parte dos estados vizinhos quanto pelos tradicionais credores externos do Brasil, posto que os Rothschild negaram a concessão de um empréstimo para iniciar o Plano de Valorização (Torelli 2019, 40Torelli, L. S. 2019. A política econômica de defesa do café: os debates parlamentares (1898-1920). 1ª ed. São Paulo: Chiado Books.; Saes 1995, 29Saes, M. S. M. 1995. “A racionalidade econômica da regulamentação no mercado brasileiro de café”. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-21122022-172902/publico/DrMariaSylviaMacchioneSaes.pdf
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
).

A solução ao impasse na forma de financiamento da compra do café a ser estocado veio através de um arranjo entre o estado de São Paulo e os agentes estrangeiros vinculados ao comércio do café no exterior que, por sua vez, possuíam ligações com bancos privados nos países consumidores. O resultado foi a formação, ainda em 1906, do Consórcio da Valorização, um grupo de agentes ligados ao negócio cafeeiro: Hermann Sielcken, um alemão da cidade de Hamburgo que atuava como representante da Crossman and Sielcken (importadores de café ao mercado estadunidense); Arbuckle & Co., casa exportadora de café e que também atuava como importadora ao mercado estadunidense; Theodor Wille & C., a maior casa exportadora de café em Santos à época; além de três firmas francesas do Hâvre; quatro casas de Hamburgo; dois bancos londrinos e um de Hamburgo (Holloway 1978, 61–71Holloway, T. H. 1978. Vida e morte do Convênio de Taubaté. Rio de Janeiro: Paz e Terra.).

Os principais membros do Consórcio – Sielcken, Arbuckle e Wille – atuavam como avalistas da tomada de empréstimos pelo estado de São Paulo, montante que se voltava aos pagamentos necessários à compra do café e, na sequência, à estocagem das sacas, principalmente, em portos estadunidenses e europeus (Holloway 1978, 79Holloway, T. H. 1978. Vida e morte do Convênio de Taubaté. Rio de Janeiro: Paz e Terra.; Montagner 2011, 30Montagner, D. 2011. “A gestão dos recursos do primeiro programa da valorização do café (1906-1914)”. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas.). As compras de café em nome do estado de São Paulo começaram a ser feitas em agosto de 1906 pelas casas exportadoras de Santos, sendo que, até o começo de 1908, haviam sido adquiridas quase 8,5 milhões de sacas de café. Desse montante, 72% das sacas haviam sido compradas pela casa alemã Theodor Wille & C.,12% pela casa brasileira Prado, Chaves & Cia., tendo o restante sido adquirido por outras firmas estrangeiras12 12 Empresas que intermediaram as compras de café em nome do estado de São Paulo até o final de 1907: Peimann, Ziegler & C. de Hamburgo, o Syndicato Europeu e Norte Americano, representado em Santos pela Theodor Wille de Hamburgo, a Crossmann & Sielcken de Nova Iorque, a F. A. Neubauer & C. de Hamburgo e Conrad Henrich Donner representados em São Paulo pela Casa Schmidt e Trost, a Societé Financière et Commerciale Franco-Brésilienne de São Paulo, a Prado, Chaves & C. de São Paulo-Santos e a Comptoir Commercial Anversois, Bunge & C. de Antuérpia (Montagner 2011:56). .

A historiografia econômica reconhece que a elaboração do Plano de Valorização permitiu ao capital estrangeiro ampliar sua capilaridade sobre a cadeia cafeeira paulista (Font 1985, 239Font, M. 1985. “Padrões de ação coletiva dos plantadores paulistas de café: 1932-1933”. In Economia e movimentos sociais na América Latina, editado por Bernardo Sorj, Fernando H. Cardoso e Maurício Font. São Paulo: Brasiliense.; Delfim Netto 2009, 71Delfim Netto, A. 2009. O problema do café no Brasil. Campinas: Facamp/ Editora da UNESP.; Holloway 1978, 98–99Holloway, T. H. 1978. Vida e morte do Convênio de Taubaté. Rio de Janeiro: Paz e Terra.; Bacha 1992, 41Bacha, E. L. 1992. “Política brasileira do café: uma avaliação centenária”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra.; Monbeig 1984, 112Monbeig, P. 1984. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec/Polis.; Perosa 1980, 67Perosa, R. 1980. “Comércio e Financiamento na Lavoura de Café de São Paulo no início do século”. Revista de Administração de Empresa 20 (1): 63-78.; Mello 2003, 373Mello, H. P. 2003. “Coffee and development of the Rio de Janeiro economy, 1888-1920”. In The global coffee economy in Africa, Asia and Latin America, 1500-1989, editado por William G. Clarence-Smith e Steven Topik. New York: Cambridge Univ. Press.). Os bancos internacionais forneceram os empréstimos, importadores armazenaram as sacas nos portos europeus e estadunidenses – função que passou a ser exercida em Santos pelo capital inglês da Brazilian Warrant & Co. a partir de 1909, junto da casa exportadora E. Johnston & C. – e um Comitê da Valorização formado majoritariamente por membros estrangeiros definiu os momentos de venda dos estoques13 13 No fim de 1908, havia quase 7 milhões de sacas que haviam sido adquiridas e que foram colocadas sob a égide do Comitê da Valorização, uma comissão de 7 membros, dos quais 4 eram indicados pela J. Henry Schroeder and C., 2 pelos bancos franceses (Societé Générale e Banque de Paris e Pays Bas) e 1 pelo estado de São Paulo, que veio a ser Paulo da Silva Prado, presidente da casa Prado, Chaves & Cia. (Holloway 1978:81). .

Não se deve supor também que os fazendeiros fossem os principais comensais à mesa farta da valorização. Pelo contrário, o bolo foi dividido desigualmente: banqueiros, grandes importadores liderados por Sielcken, exportadores, apropriaram-se mais uma vez das melhores fatias, com uma vantagem política adicional. Os comensais menores aceitaram a desigualdade da divisão, e os intermediários cessaram. Dentre as firmas comerciais estrangeiras estabelecidas no Brasil, Theodor Wille & C. foi a maior beneficiária da valorização, graças à posição estratégica que lhe atribuiu o Estado de São Paulo, tanto na realização das compras como na venda dos estoques

(Fausto 2006, 249Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.).

Dessa forma, no que tange ao quadro das casas exportadoras de café em Santos, o resultado foi a ampliação do controle do café brasileiro pela maior firma à época, a alemã Theodor Wille & C. – que de forma isolada exportou 38% do café santista na safra 1906-1907 – junto da consolidação da grande firma exportadora de capital nacional, a casa Prado, Chaves & Cia., conforme mostra a tabela 2 abaixo.

Tabela 2 -
As 20 maiores casas exportadoras de café em Santos, 1907-1913 – média anual das sacas exportadas (60kg) e participação percentual nas exportações totais (em%)

A tabela 2 demonstra a manutenção do número de firmas britânicas na exportação do café santista – no total de 6 casas – e um movimento de ampliação das firmas nacionais, que além da Prado, Chaves & Cia. tinham outras 4 casas, somando agora 5 firmas brasileiras, seguidas de 4 firmas estadunidenses, outras três alemãs, uma casa francesa – além da Rôxo & Cia. que não apresentou nacionalidade definida. As cifras referentes à concentração de mercado foram semelhantes às do período 1897-1906 e apontam para a oligopolização: as vinte maiores casas exportaram 88% das sacas, as dez maiores firmas negociaram 71% e as cinco principais açambarcaram 49% das exportações.

O principal destaque dentre as casas recai sobre a alemã Theodor Wille & Co., uma vez que ela detinha 20% do café embarcado no porto paulista no período 1907-1913 e teve uma exportação média de 2,1 milhões de sacas nos anos 1907-1913, uma expansão de 85% em relação ao período 1897-1906 (tabela 1). Da mesma forma, o desempenho da casa brasileira Prado, Chaves & Cia. – que ficou na segunda posição na amostra – apresentou uma trajetória ascendente, pois a exportação média de 1 milhão de sacas foi quase cinco vezes maior do que a firma negociara no período prévio.

De outra parte, a casa inglesa Naumann, Gepp & Co. perdeu protagonismo neste período ao exportar uma média de 886 mil sacas, cifra que representou 8% do comercializado pelas casas exportadoras santistas entre 1907-1913, sendo que, entre os anos 1897-1906, a Naumann, Gepp & Co. transacionou 16,5% do café santista. Segundo Dehne (2005, 519Dehne, P. 2005. “From ‘Business as Usual’ to a More Global War: The British Decision to Attack Germans in South America during the First World War”. Journal of British Studies 44 (3).), esta queda pode estar vinculada ao avanço das exportações cafeeiras com destino à Alemanha, que foram de 1,7 milhões de sacas no ano de 1905 para um total de 2,5 milhões de sacas em 1907, fazendo deste país o consumidor de 26% do café santista em um mercado controlado pelas firmas locais, sobretudo pela Theodor Wille & Co. (DEIC/SACOP 1907, 92DEIC/SACOP. 1905, 1907, 1914. “O Café: estatísticas de produção e exportação”. São Paulo: Duprat & Cia. e Fundação Seade.; 1909, 88DEIC/SACOP. 1905, 1907, 1914. “O Café: estatísticas de produção e exportação”. São Paulo: Duprat & Cia. e Fundação Seade.).

O resultado da exportação cafeeira no período 1907-1913, como seria de se esperar, foi afetado sobremaneira pela elaboração do Plano de Valorização do Café (1906). A liderança da casa alemã Theodor Wille & Co. e o segundo posto ocupado pela casa nacional Prado, Chaves & Co. podem ser explicados pelo papel que estas firmas tiveram como agentes na aquisição do café junto aos fazendeiros para estocagem e venda futura no mercado europeu e estadunidense, função que foi açambarcada por estas casas e suas ligações com financiadores externos – caso da aliança entre a Theodor Wille & Co. e o Brasilianische Bank fur Deutschland, ambos com sede na cidade alemã de Hamburgo – e, também, com grandes fazendeiros e a elite política paulista, que tinha os membros da família Prado como um de seus protagonistas (Fausto 2006, 249Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Montagner 2011, 68Montagner, D. 2011. “A gestão dos recursos do primeiro programa da valorização do café (1906-1914)”. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas.; Kisling 2020, 4Kisling, W. 2020. “A microanalysis of trade finance: German bank entry and coffee exports in Brazil, 1880-1913”. European Review of Economic History 24 (2).).

Considerando a nacionalidade das casas exportadoras arroladas pela tabela 2, os dados mostram que a geopolítica do café santista nos anos 1907-1913, nos termos levantados no trabalho de Faleiros (2020Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.), mantinha-se como no período 1897-1906: somadas, as casas alemãs e inglesas exportaram 51% das sacas. Todavia, esta cifra tinha alcançado 66% das sacas exportadas no período 1897-1906, traduzindo-se em um declínio nesta dominância teuto-britânica, que não se deu em virtude da queda generalizada das exportações de todas as casas destes países – o grande exemplo é a liderança atingida pela Theodor Wille & Co., que dobrou sua exportação média entre os períodos. Concomitantemente, houve um avanço nas exportações cafeeiras santistas pelas casas nacionais que, conforme a tabela 1, pode ser imputado mais às grandes somas de café negociadas pela firma Prado, Chaves & Cia. do que a um movimento de maior monta do capital nacional a substituir firmas estrangeiras.

A manutenção do controle europeu – principalmente germânico e inglês – sobre as sacas de café no porto de Santos suscitou contestações por parte do principal país consumidor do produto, os Estados Unidos, que, em 1911, tinham sido o destino de 44% do café negociado em Santos, momento em que o produto brasileiro supria 74% do consumo estadunidense de café. As contestações a princípio consideravam que o café brasileiro ingressava no mercado estadunidense livre de impostos, possibilitando um constante superávit na balança comercial favorável ao Brasil, todavia, a cadeia comercial do produto em Santos – casas exportadoras, bancos, companhias de navegação – era dominada por firmas europeias, sobretudo inglesas e alemãs (Cunha 1992, 371Cunha, M. R. 1992. “Apêndice estatístico”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra.; Bureau 1914, 36–39Bureau of Foreign and Domestic Commerce of United States - Bureau. 1914. “Banking and credit in Argentina, Brazil, Chile and Peru”. Washington, Government Printing Office.).

Para exemplificar, no ano de 1912, o Brasil teve um superávit no comércio com os Estados Unidos no valor de US$ 48 milhões, sendo que 67% do valor exportado pelo Brasil vinha das vendas de café. Concomitantemente, não havia sequer um banco estadunidense no estado de São Paulo antes de 1915 e, das 28 companhias de navegação listadas em Santos como exportadoras de café na safra 1912-1913, nenhuma era estadunidense. Na visão de congressistas daquele país, o capital europeu tinha uma rede articulada entre bancos, casas de exportação e companhias de navegação que permitia um maior financiamento das empresas europeias para a compra do café por parte de seus banqueiros congêneres, ao mesmo tempo que as companhias de navegação privilegiavam o transporte do café por empresas de mesma nacionalidade (Saes 1986b, 104———.. 1986b. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista, 1850-1930. São Paulo: IPE/USP.; Rinke 2014Rinke, S. 2014. “Alemanha e Brasil, 1870-1945: uma relação entre espaços”. História, Ciências, Saúde − Manguinhos 21 (1): 299-316.; Gonçalves 2008, 513Gonçalves, P. C. 2008. “Mercadores de braços: riqueza e acumulação na organização da emigração europeia para o novo mundo”. Tese de Doutorado, FFLCH/USP, São Paulo.)14 14 Em trabalho recente, Kisling (2022) demonstra que há uma correlação positiva entre o ingresso de bancos ingleses e, principalmente, alemães e a expansão das exportações de firmas destes países em mercados como o brasileiro entre 1881-1913. A instalação prévia de bancos alemães no Brasil, desde o final do século XIX, possibilitou às casas exportadoras e importadoras germânicas a obtenção de informações sobre o mercado local e o acesso ao crédito de longo prazo que se mostrava escasso na nascente rede bancárias brasileira. .

Outro ponto de queixa acerca do café santista nos Estados Unidos vinculava-se à alta das cotações na Bolsa de Nova Iorque, como resultado da retenção dos estoques a partir do Plano de Valorização, aliada a um controle rígido da oferta cafeeira no varejo daquele país por grandes firmas torradoras – como a própria Arbuckle Brothers & Co. Este controle impedia a queda do preço do café no varejo estadunidense em momento de safras excessivas nos países produtores e gerava grande insatisfação por parte dos consumidores (Fausto 2006, 246Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Pendergrast 2002, 142Pendergrast, M. 2002. El Café: historia de la semilla que cambió el mundo. Buenos Aires: Javier Vergara Editor.; Pelaez 1971, 60–61Pelaez, C. M. 1971. “Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café - 1906-1945: Teoria, Política e Medição”. Revista Brasileira de Economia 25 (4).; Delfim Netto 2009, 50Delfim Netto, A. 2009. O problema do café no Brasil. Campinas: Facamp/ Editora da UNESP.).

No começo de 1911, este sentimento foi canalizado pelo Congresso dos Estados Unidos que impeliu o procurador-geral a mover uma investigação contra o cartel cafeeiro e que se tornou um inquérito contra Hermann Sielcken e os demais integrantes do Comitê da Valorização, sob a alegação de que eles feriam as regras do livre comércio nos Estados Unidos. O resultado foi uma aceleração das vendas do café estocado nos armazéns estadunidenses até fevereiro de 1913, a dissolução do Comitê e sua substituição por um Conselho Consultivo composto por J. H. Schroeder & Co., Grossman & Sielcken, Theodor Wille & Co. e um representante do estado de São Paulo, figuras que seriam responsáveis pela venda das sacas que ainda estavam armazenadas em operações que se deram até o final da I Guerra Mundial.

As contestações por parte dos estadunidenses simbolizavam a discordância em relação ao controle exercido no oligopólio exportador do café santista pela firma alemã Theodor Wille & Co. entre 1907-1913. Porém, uma nova realidade se abriria com a I Guerra Mundial (1914-1918) e as hostilidades entre a economia alemã e dos demais países europeus, sobretudo da Inglaterra, cujas brechas seriam aproveitadas pelas casas brasileiras e estadunidenses no porto de Santos.

4 - A I Guerra Mundial e as casas exportadoras de café em Santos (1914-1919)

Para o setor cafeeiro do Brasil, os anos que antecederam a I Guerra Mundial se deram sob a égide das medidas de compra e estocagem das sacas que eram o cerne do Plano de Valorização. Considerando apenas a cotação do café santista em Nova Iorque como ponto para avaliação da efetividade do Plano, o preço majorado em 118% entre os anos 1907 e 1912 aponta para o sucesso do esquema valorizador comandado por Sielcken, Arbuckle e Wille no controle da oferta cafeeira que partia do Brasil e era revendida nos Estados Unidos e Europa (Delfim Netto 2009, 81Delfim Netto, A. 2009. O problema do café no Brasil. Campinas: Facamp/ Editora da UNESP.).

Mas, o cenário nacional de bonança econômica mudaria a partir de 1913. Esta nova fase teve como um dos marcadores a Segunda Guerra Balcânica, que se desenvolveu entre os meses de junho-julho de 1913, tendo sido um conflito que levou as nações avançadas a limitar a saída de capitais e gerou uma fuga de moeda estrangeira em países como o Brasil. Ademais, o Brasil teve um déficit comercial de 1,715 milhões de libras esterlinas, resultado negativo que tinha se dado pela última vez em 1887 e não seria repetido sequer nos anos da I Guerra Mundial (1914-1918) (Ipea 2021Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - Ipea. Ipeadata. “Dados macroeconômicos e regionais”. Acesso em: 26/01/2021. Disponível em: www.ipeadata.gov.br.
www.ipeadata.gov.br...
; Menezes 2016, 30–38Menezes, J. C. 2016. “Setor externo e política econômica do Brasil, 1913-1918”. Tese de doutorado, FFLCH/USP, São Paulo.; Franco e Lago 2012, 206Franco, G. H. B. e L. A. C. LAGO. 2012. “O processo econômico”. In A abertura para o mundo: 1889-1930, editado por L. M. A. Schwarcz. Rio de Janeiro: Objetiva.)15 15 O Brasil enfrentou fortes abalos financeiros e fiscais com o início da I Guerra Mundial em 1914. De uma parte, a fuga de cambiais levou o país a fechar a Caixa de Conversão – instituição criada para absorver os excessos de moeda estrangeira vindos a partir do Plano de Valorização do café, seja via empréstimos externos ou com a alta das cotações – e a negociar um novo Funding Loan em outubro de 1914, que proveu 15 milhões de libras esterlinas para cobrir os juros da dívida externa, sendo que o contrato suspendeu o pagamento de toda amortização. Por outro lado, a desvalorização cambial em 1914, ao encarecer bens estrangeiros, diminuiu a demanda por importações e afetou a arrecadação federal, cuja principal fonte de receita era o imposto sobre as importações, que caiu 44% em 1914 em relação ao ano de 1912 (Fausto 2006:251; Franco e Lago 2012:207). .

Com o início do conflito na Europa a 28 de julho de 1914, o preço do café santista negociado em Nova Iorque naquele ano teve uma queda de 20% em relação ao pico da cotação em 1912, em um momento que do porto de Santos saíam 72% das exportações cafeeiras do país, cuja receita vinda do grão diminuiu 32% em relação ao ano de 1912. Este resultado recai mais sobre a queda das cotações internacionais do que em relação à quantidade exportada, pois esta última pouco se alterou do patamar de 10 milhões de sacas que vinha dos anos anteriores (Samper e Fernando 2003, 457Samper, M. e R. Fernando. 2003. “Historical statistics of coffee production and trade from 1700 to 1960”. In The global coffee economy in Africa, Asia and Latin America, 1500-1989, editado por William G. Clarence-Smith e Steven Topik. New York: Cambridge Univ. Press.; Pestana 1927, 23Pestana, P. R. 1927. O café em São Paulo. DEIC/SAIC, São Paulo: Typographia Levy.).

Mudanças significativas no mercado mundial cafeeiro ocorreram do lado da demanda pelo grão, uma vez que o conflito aberto em 1914 se desenvolveu a princípio no continente europeu e amplamente pelos oceanos, tendo os ataques marítimos dificultado os fluxos comerciais entre a América Latina e a Europa. Estas dificuldades ajudam a explicar a queda das importações de café pelos europeus – que responderam por 55% das importações mundiais no ano de 1913 e que caiu para 45% no ano seguinte – e o aumento do papel consumidor dos Estados Unidos, cujas cifras passaram de 37% para 48%, respectivamente, convertendo-o no maior e mais seguro mercado consumidor de café – os Estados Unidos só ingressariam na guerra em fevereiro de 1917 e o conflito não se daria em seu território (Cunha 1992, 331Cunha, M. R. 1992. “Apêndice estatístico”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra.; Pendergrast 2002, 149Pendergrast, M. 2002. El Café: historia de la semilla que cambió el mundo. Buenos Aires: Javier Vergara Editor.).

Tabela 3 -
As 20 maiores casas exportadoras de café em Santos, 1914-1919 – média anual das sacas exportadas (60kg) e participação percentual nas exportações totais (em%)

A tabela 3 aponta que se mantinha o grande poder de mercado das 20 maiores casas sobre a venda do café em Santos, pois elas somaram 81% do grão exportado entre 1914-1919. Todavia, a conjuntura da I Guerra Mundial afetou o grau de concentração das sacas exportadas pelas maiores firmas, pois no período 1907-1913 as vinte principais casas haviam controlado 88% das vendas. Os dados da tabela apontam para uma desconcentração no controle da venda das sacas santistas nos anos 1914-1919, pois as dez maiores firmas foram responsáveis pela exportação de 62% do café e as cinco principais empresas por 40% das sacas negociadas, cifras inferiores às do período 1907-1913 – que foram de 71% e 49% respectivamente – e que corroboram a tese de uma desconcentração por parte dos grandes exportadores no período da I Guerra Mundial (Mello 2003, 373Mello, H. P. 2003. “Coffee and development of the Rio de Janeiro economy, 1888-1920”. In The global coffee economy in Africa, Asia and Latin America, 1500-1989, editado por William G. Clarence-Smith e Steven Topik. New York: Cambridge Univ. Press.).

Esta desconcentração permitiu à casa brasileira Prado, Chaves & Cia. alcançar a liderança no período da I Guerra Mundial, mesmo diminuindo suas exportações médias – que havia sido de 1,03 milhões de sacas entre os anos 1907-1913 e passou a ser de 956 mil sacas nos anos 1914-1919. A casa posicionada no segundo lugar foi a inglesa Naumann, Gepp & Co. que, assim como a Prado, Chaves & Cia., manteve seu percentual de 8% do total das sacas exportadas no período e apresentou leve queda na exportação média – havia sido de 886,8 mil sacas nos anos 1907-1913 e caiu para 787 mil sacas no período da I Guerra Mundial. Merece ser notabilizado o desempenho da casa brasileira R. Alves Toledo & Cia. que exportou uma média de 756 mil sacas – antes ela exportara apenas 92,4 mil sacas – que representaram 8% das sacas totais exportadas, sendo que no período pré-I Guerra esta firma exportara apenas 1% das sacas.

Considerando a nacionalidade das casas exportadoras arroladas pela tabela 3, os dados demonstram as casas nacionais/brasileiras (25% das sacas exportadas) e estadunidenses (23% das sacas exportadas) – que somavam 5 firmas de cada nacionalidade – eram a maioria no rol das vinte principais empresas exportadoras de café em Santos durante o período 1914-1919 e controlaram a maior porção das sacas negociadas no porto santista. De outra parte, as firmas britânicas e germânicas – com 4 e 3 casas, respectivamente – tiveram declínio no grupo dos vinte maiores exportadores no período 1914-1919, movimento sintomático das agruras para o comércio com a Europa em meio à guerra, evento que também afetou as duas únicas firmas francesas e uma casa austríaca.

Considerando os dados das tabelas 1 e 2, que corroboram a ideia levantada por Faleiros (2020Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.) sobre a geopolítica do café, nota-se que as casas inglesas e alemãs rivalizavam, desde o final do século XIX, no controle da venda do café santista a ser exportado. Porém, esta disputa deixou de estar presente com o cenário da I Guerra Mundial – como aponta o período 1914-1919 do gráfico 1 – pois, neste último recorte temporal, foram as casas brasileiras e estadunidenses que se destacaram na disputa pela maior quantidade exportada do café santista, tornando necessária uma melhor compreensão de como se desenrolou a rivalidade entre as casas exportadoras de café em Santos durante a I Guerra Mundial.

As disputas comerciais entre as nações europeias pelo controle das commodities latino-americanas vinham desde o século XIX. No caso do Brasil, a Inglaterra tinha uma preeminência dada por sua presença como financiadora da dívida externa brasileira desde a década de 1820, formando uma rede de negócios composta por firmas britânicas nos segmentos exportadores brasileiros: ferrovias16 16 A mais rentável ferrovia britânica na América Latina no século XIX era a The São Paulo Railway Company, inaugurada em 1867 e que interligava a cidade de São Paulo ao porto de Santos, monopolizando a oferta cafeeira que vinha do interior paulista (Abreu 2017:7). , companhias de navegação, seguradoras e casas de exportação-importação que, juntos, permitiam à Inglaterra ser o principal mercado fornecedor e consumidor da economia brasileira na década de 1870. Com o avanço das exportações de café e borracha desde o final do século XIX até 1914, os Estados Unidos se converteram no maior consumidor para as exportações brasileiras – 38% das exportações brasileiras foram para os Estados Unidos entre 1908-1912 – mas, a Inglaterra mantinha-se como a maior fornecedora para a economia nacional, pois 27% das importações brasileiras eram de produtos de origem britânica (Glade 2009, 28Glade, W. 2009. “A América Latina e a Economia Internacional, 1870-1914”. In História da América Latina, volume IV: de 1870 a 1930, organizado por L. Bethell. São Paulo: Editora da USP.; Abreu 2017, 15Abreu, M. P. 2017. “Negócios britânicos no Brasil: Da maturidade à irrelevância, 1850-1950”. Texto para discussão, No. 659. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Departamento de Economia, Rio de Janeiro.; Singer 2006, 404Singer, P. 2006. “O Brasil no contexto do capitalismo internacional: 1889-1930”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por B. Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.).

De outra parte, a formação do Império Alemão nos anos 1870 faria, com o passar do tempo, surgir um concorrente ao domínio britânico sobre a economia brasileira. Na década de 1870, enquanto a Inglaterra era o destino de 39% das exportações e respondia por 53% das importações ao Brasil, a Alemanha tinha as cifras de 5,9% e 6,5%, respectivamente. Mas, no período 1908-1912, quando a Inglaterra já havia perdido faixas no comércio externo brasileiro – em que pese ser ainda o maior fornecedor nacional – a Alemanha tornara-se o destino de 14% das exportações brasileiras e fornecendo 16% das importações ao país, a ponto de ter se tornado o segundo maior importador da economia nacional. Este aumento da importância germânica no comércio externo do Brasil se calcava em um elemento semelhante às bases britânicas, ou seja, a formação de uma rede produtivo-comercial composta por: bancos alemães no Brasil, casas importadoras e exportadoras – sendo a Theodor Wille & Co. a principal firma – companhias de navegação alemã nos portos brasileiros, somadas ao fato da Alemanha ter um setor industrial moderno com grandes empresas (Bayer, Siemens, Basf e AEG, por exemplo) (Singer 2006, 405Singer, P. 2006. “O Brasil no contexto do capitalismo internacional: 1889-1930”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por B. Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Rinke 2014Rinke, S. 2014. “Alemanha e Brasil, 1870-1945: uma relação entre espaços”. História, Ciências, Saúde − Manguinhos 21 (1): 299-316.)17 17 Em 1910, havia no estado de São Paulo quatro bancos estrangeiros registrados, sendo 2 ingleses, um franco-italiano e o alemão Brasilianische Bank fur Deutschland (Saes 1986b:104). .

Com o início da I Guerra Mundial, esta rivalidade entre ingleses e alemães pelo controle dos nexos comerciais entre Europa e América Latina foi redefinida. A comunidade britânica em vários países sul-americanos – sobretudo na Argentina e no Brasil – passou a demandar da Coroa Inglesa ações efetivas contra os interesses econômicos das firmas germânicas atuantes na América Austral. No caso do Brasil, que se manteve neutro em relação ao conflito até setembro de 1917, os britânicos na praça comercial do Rio de Janeiro e Santos alegavam que a ausência de sanções permitia às firmas alemãs a manutenção do domínio sobre as exportações de café e, com estes lucros, financiar o esforço bélico do Império Alemão (Dehne 2005, 520–522Dehne, P. 2005. “From ‘Business as Usual’ to a More Global War: The British Decision to Attack Germans in South America during the First World War”. Journal of British Studies 44 (3).).

Estas pressões, iniciadas ainda em 1914 e reforçadas em 1915, tornaram-se uma campanha aberta inclusive contra empresas britânicas, como as companhias de navegação inglesas que foram acusadas de falta de patriotismo por aceitarem os fretes de café por parte das firmas alemãs no Brasil. A resposta às demandas de sua comunidade comercial no Brasil veio em março de 1916, quando o Comitê Executivo de Comércio da Coroa Britânica tornou pública a Lista Negra (Black List), com empresas de países inimigos que tinham atuação na economia brasileira e que, uma vez constando na Lista, deveriam ser excluídas de relações comerciais (Dehne 2005, 534Dehne, P. 2005. “From ‘Business as Usual’ to a More Global War: The British Decision to Attack Germans in South America during the First World War”. Journal of British Studies 44 (3).)18 18 A publicação da Black List não se restringiu ao Brasil, tendo sido publicadas listas de empresas consideradas inimigas em outros países, como no caso da Argentina, em que a Black List foi publicada a 23 de junho de 1915. . No caso do Brasil, para definir as nacionalidades das empresas na Lista manteve-se a prática de considerar uma firma estrangeira quando ela tivesse sua sede em um outro país, considerando-se sua jurisdição sendo pertencente a esta outra nação, sendo este o caso da Theodor Wille & Co. que, apesar de ter filiais em Santos e Rio de Janeiro, tinha sua sede na cidade alemã de Hamburgo e, por isso, foi colocada na Lista Negra em 24 de março de 1916, em uma ação que se repetiu com outras firmas alemãs que exportavam café em Santos (Marques 2015, 243; TBR, 24/12/1918, 3The Brazilian Review - TBR. “A Weekly Record of Trade and Finance”. Rio de Janeiro, edições selecionadas.)19 19 Outras casas exportadoras registradas no porto de Santos foram colocadas na Black List: Diebold & Co. (24/03/1916); Nossack & Co. (10/11/1916); Schmidt, Trost & Co. (10/11/1916); G. Trinks & Co. (24/11/1917); Eugen, Urban & Co. (24/03/1916) e Zerrener, Bulow & Co. (16/03/1917). .

A casa alemã Theodor Wille & Co. liderava as exportações cafeeiras em Santos até a safra 1913-1914. Com o início da I Guerra em meados de 1914, a queda nas sacas exportadas por esta firma se deve, em um primeiro momento, ao fechamento do mercado europeu aos países que compunham as Potências Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria e Império Turco-Otomano). Mas, a partir da publicação da Lista Negra em março de 1916, acrescida do ingresso dos Estados Unidos no confronto em 1917 – que buscou romper ligações com firmas germânicas – o que se viu foi a supressão do papel da Theodor Wille & Co. como exportadora de café em Santos, pois a firma, nas safras 1917-1918 e 1918-1919, não teve sequer uma saca embarcada em seu nome20 20 No caso da Theodor Wille & Co., as medidas de restrição comercial britânicas se deram sobre os agentes envolvidos na exportação cafeeira, pressionando bancos londrinos a recusarem saques de letras de câmbio lastreadas em café da firma germânica, interpelando companhias de outros países – como as holandesas – a aceitarem remessas de mercadorias apenas de casas da mesma nacionalidade, forçando empresas no Brasil a não fornecerem sacos para acondicionar café da casa alemã (Moraes 1988:270–75). .

De outra parte, o cenário da I Guerra Mundial permitiu a ascensão de agentes exportadores nacionais, sendo o mais representativo a casa Prado, Chaves & Cia, maior firma exportadora de café do Brasil e líder nas vendas em Santos na safra 1917-1918 e 1918-1919. Neste período, o estreito relacionamento dos membros da família Prado com os governantes do estado de São Paulo possibilitou à casa exportadora brasileira assumir a função – originalmente executada pela Theodor Wille & Co. entre 1907-1908 – de agente de compras de sacas de café que seriam retidas, tendo em vista que, em 1918, havia a perspectiva de uma enorme safra para a metade do ano21 21 O consumo mundial de café no ano de 1918 foi de 15,9 milhões de sacas, sendo que o prognóstico somente para a safra brasileira naquele ano era de 15 milhões de sacas, acrescidas de uma média de 6 milhões de sacas que seriam produzidas pelos demais países, em um momento que já havia mais de 7 milhões de sacas de café no estoque mundial, sendo que 78% eram de estoques brasileiros (Cunha 1992:311, 331). . Posicionados como grandes banqueiros (comandavam o Banco do Comércio e Indústria de São Paulo) e exportadores, a casa Prado, Chaves & Cia. efetuou as compras de mais de 3 milhões de sacas juntos aos fazendeiros no 2º Plano de Valorização do Café (1917-1918), que lhe permitiu consolidar-se como a maior casa exportadora em Santos no período (Levi 1977, 256–257Levi, D. E. 1977. A família Prado. São Paulo: Cultura 70.; Fausto 2006, 250Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.)22 22 O Banco do Comércio e Indústria de São Paulo (Comind) foi criado em 1890 por membros do grande cafeeiro paulista, com destaque para a figura de Antônio da Silva Prado, que dirigiu o banco até 1920 e o tornou o principal banco privado no estado de São Paulo entre 1900-1920. Seu filho Paulo Prado, por sua vez, era o representante do estado de São Paulo no Conselho Federal do Café que definia as compras das sacas e a venda dos estoques da Valorização. .

Como denotado pela tabela 3, não somente as firmas brasileiras ganharam participação de mercado na exportação cafeeira em Santos durante a I Guerra Mundial. As casas estadunidenses passaram a rivalizar com as firmas nacionais, sendo a principal representante dos Estados Unidos a casa Hard, Rand & Co. Estas grandes firmas estadunidenses, que atuavam tanto na compra das sacas no Brasil quanto na negociação do grão direto em Nova Iorque e Nova Orleans – os dois maiores centros comercializadores do café desembarcado nos Estados Unidos – viram uma ampliação na demanda pela bebida nos anos da I Guerra Mundial, tanto pelo forte consumo do café pelas tropas estadunidenses enviadas à Europa, quanto pelas reexportações que as casas estadunidenses puderam atender, tendo em vista a derrocada das firmas alemãs (Pendergrast 2002, 150–154Pendergrast, M. 2002. El Café: historia de la semilla que cambió el mundo. Buenos Aires: Javier Vergara Editor.).

Para esta ampliação do papel econômico dos Estados Unidos na região, as fragilidades apontadas anteriormente pelos congressistas estadunidenses tiveram de ser corrigidas, como a ausência de bancos que, interligados às casas exportadoras, pudessem criar uma rede produtivo-comercial que rivalizasse com as inglesas e germânicas. Dessa forma, entre 1914 e 1917, o The First National City Bank of New York criou uma dúzia de filiais em países latino-americanos, sendo que o escritório na cidade de São Paulo data de 1915 e se tornaria uma agência de rua em 1917. De maneira estrutural, o que se descortinava era uma mudança nas relações comerciais do Brasil, conduzindo os Estados Unidos à condição de principal mercado consumidor das exportações brasileiras e, ao mesmo tempo, como o maior fornecedor de importações ao país em 1919 – movimentos que seriam ampliados na década de 1920 e visto em outros países da América Latina (Garcia 2006, 411–412Garcia, E. V. 2006. Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920. Brasília: Editora da Universidade de Brasília/Funag.; Thorp 2009, 86Thorp, R. 2009. “A América Latina e a Economia Internacional, da Primeira Guerra Mundial à Grande Depressão”. In História da América Latina, volume IV: de 1870 a 1930, organizado por Leslie Bethell. São Paulo: Editora da USP.).

O balanço sobre as exportações cafeeiras em Santos no período da I Guerra Mundial (safras 1913-1914 a 1918-1919) mostra um quadro que diverge em relação aos anos precedentes do conflito bélico. A guerra trouxe óbices à atuação das empresas alemãs – sobretudo com a divulgação da Black List – e, também, para outras europeias, uma vez que os combates se deram em seus territórios e nos oceanos, dificultando as compras e o transporte do café. Ao mesmo tempo, as casas nacionais/brasileiras e estadunidenses, no agregado, tornaram-se as maiores exportadoras do café santista. Entretanto, antes de asseverar que tais mudanças seriam de longo prazo na cadeia do café paulista – o que poderia contradizer o domínio pleno das casas estrangeiras assentado na historiografia tradicional e no trabalho de Ridings (1985Ridings, E. 1985. “Foreign Predominance among Overseas Traders in Nineteenth-Century Latin America”. Latin American Research Review 20 (2): 3-27.), bem como o avanço do grande capital (Saes 1986aSaes, F. A. M. 1986a. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo: Hucitec.) cafeeiro na comercialização externa do café – faz-se necessário analisar as exportações cafeeiras em Santos na década de 1920.

5 - As casas exportadoras de café em Santos na década de 1920 (1920-1930)

Com o término da I Guerra Mundial ao final de 1918, os preços internacionais do café – como de outras commodities – apresentaram forte tendência de alta. A cotação do Santos tipo 4 no porto estadunidense de Nova Iorque elevou-se em 87% no ano de 1919 em relação ao ano anterior, como resultado da recomposição de estoques por parte das nações consumidoras, da retenção de sacas de café no Brasil junto ao 2º Plano de Valorização conduzido entre meados de 1917 até agosto de 1918 – desta vez contando com o financiamento interno organizado pelo Governo Federal e o estado de São Paulo – e, também, pela quebra na safra em virtude da forte geada que atingiu os cafezais paulistas em junho de 1918 (Fausto 2006, 254Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Cunha 1990, 379Cunha, M. R. 1992. “Apêndice estatístico”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra.; Franco e Lago 2012, 213Franco, G. H. B. e L. A. C. LAGO. 2012. “O processo econômico”. In A abertura para o mundo: 1889-1930, editado por L. M. A. Schwarcz. Rio de Janeiro: Objetiva.).

Todavia, o ano de 1920 seria marcado pelo início de uma recessão econômica que se estenderia pelo ano seguinte, atingindo grandes países consumidores de café como os Estados Unidos que, em 1920, tinha no Brasil a origem de 51,6% de suas importações de café, número que equivalia a 60,6% do exportação cafeeira nacional, sendo que do porto de Santos saíam 40% do café brasileiro. Em relação ao ano de 1919, a cotação da saca de café santista em Nova Iorque decresceu 40% no ano de 1920 e 50% no ano seguinte, condição agravada pela perspectiva de uma grande safra para 1921, que chegou a 16,2 milhões de sacas, enquanto a safra de 1918-1919 tinha sido de 8,9 milhões de sacas e o consumo mundial de café nos anos 1920-1921 girava em torno de 18 milhões de sacas (Fausto 2006, 256Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Samper e Fernando 2003, 457Samper, M. e R. Fernando. 2003. “Historical statistics of coffee production and trade from 1700 to 1960”. In The global coffee economy in Africa, Asia and Latin America, 1500-1989, editado por William G. Clarence-Smith e Steven Topik. New York: Cambridge Univ. Press.).

Em março de 1921 iniciou-se o Terceiro Plano de Valorização do café, conduzido de forma conjunta pelo estado de São Paulo e o Governo Federal, que se utilizou de crédito concedido pela Carteira de Redesconto do Banco do Brasil para comprar e retirar do mercado 1,5 milhões de sacas até o final daquele ano. Entretanto, somente o crédito em moeda nacional não foi suficiente para monta desta operação, de modo que, em maio de 1922, o Governo Federal tomou empréstimo de 9 milhões de libras esterlinas junto aos bancos Rothschild, Baring Brothers e J. Henry Schroeder (Fausto 2006, 258Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Pelaez 1971, 70Pelaez, C. M. 1971. “Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café - 1906-1945: Teoria, Política e Medição”. Revista Brasileira de Economia 25 (4).).

A Terceira Valorização pode ser considerada como exitosa, uma vez que houve elevação das cotações do café nos mercados consumidores e no porto de Santos, possibilitando auferir bons preços às 4,5 milhões de sacas que haviam sido estocadas e foram vendidas até 1924, permitindo ao Governo Federal quitar o empréstimo externo vinculado à Valorização. Este cenário alvissareiro era ainda mais pronunciado considerando-se a forte expansão econômica dos Estados Unidos a partir de 1922 e o aumento na demanda por café na década marcada pela proibição do consumo de bebidas alcoólicas na sociedade estadunidense, bem como a recuperação das economias europeias a partir de 1924 (Fausto 2006, 259Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Pelaez 1971, 70Pelaez, C. M. 1971. “Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café - 1906-1945: Teoria, Política e Medição”. Revista Brasileira de Economia 25 (4).).

Ainda na presidência de Arthur Bernardes houve a elaboração do que se chamou de Defesa Permanente do Café (1924-1930), em que a Valorização seria colocada nas mãos do estado de São Paulo (decreto federal nº 4.868 de 07/11/1924) junto com o recebimento por parte dos paulistas dos armazéns reguladores. Em dezembro de 1924 foi criado o Instituto Paulista de Defesa Permanente do Café – chamado posteriormente de Instituto do Café do Estado de São Paulo (ICESP) – cujas principais funções seriam: 1) controlar as entradas de café no Porto de Santos já a partir dos armazéns localizados nas ferrovias do interior; 2) realização de empréstimo a juros decrescidos; 3) comprar as sacas de café quando necessário para regularizar a oferta. O financiamento destas operações se daria através do recém-criado Banco do Estado de São Paulo (1926) e teria como garantia o Fundo de Capital constituído pelo ICESP através de um empréstimo de 10 milhões de libras esterlinas junto ao banco Lazard Brothers, que era lastreado na cobrança de uma taxa de um mil-réis ouro sobre cada saca de café transportada nas estradas de ferro paulistas (Faleiros e Nunes 2016, 166Faleiros, R. N. e I. NUNES. 2016. “Estrutura e financiamento do Serviço de Defesa do Café no Espírito Santo entre 1927 e 1930”. In Sistemas de transporte e formações econômicas regionais, organizado por R. N. Faleiros e I. Nunes. Vitória: Edufes.; Perissinotto 2000, 309Perissinotto, R. M. 2000. “Estado, capital cafeeiro e crise política na década de 1920 em São Paulo, Brasil”. Hispanic American Historical Review 80 (2): 299-332.).

Apesar da articulação do estado de São Paulo com outros estados produtores de café – Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Espírito Santo – em 1925 e 1927, com vistas a regular oferta de café permitida a chegar nas zonas portuárias, o fato é que o caráter “permanente” da Valorização e as cotações em alta do café no mercado internacional entre 1924-1929 serviram como indutores à expansão dos cafezais no Brasil e no mundo. Em 1920, a produção mundial de café foi 23,9 milhões de sacas, mas, em 1929, esta cifra foi de 41 milhões de sacas, sendo que 75% desta produção foi cultivada no Brasil, em um ano em que das lavouras paulistas saiu 67% da oferta nacional de café (Faleiros e Nunes 2016, 166Faleiros, R. N. e I. NUNES. 2016. “Estrutura e financiamento do Serviço de Defesa do Café no Espírito Santo entre 1927 e 1930”. In Sistemas de transporte e formações econômicas regionais, organizado por R. N. Faleiros e I. Nunes. Vitória: Edufes.; Cunha 1992, 314Cunha, M. R. 1992. “Apêndice estatístico”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra.).

Mas, se o final dos anos 1920 foi pontuado pela crise, o decênio também se caracterizou pelo auge produtivo na economia cafeeira paulista da Primeira República e, dessa forma, suscitando a questão sobre quais foram as principais casas exportadoras de café durante os anos 1920.

Tabela 4 -
As 20 maiores casas exportadoras de café em Santos, 1920-1930 – média anual das sacas exportadas (60kg) e participação percentual nas exportações totais (em%)

O primeiro fato da tabela 4 a ser destacado é em relação à menor concentração das sacas exportadas pelas maiores casas na década de 1920 em relação aos períodos anteriores. No período 1897-1913, as 20 maiores casas exportadoras santistas açambarcavam 88% das sacas negociadas, porém, este número caiu para 81% durante a I Guerra Mundial e, entre os anos 1920-1930, esta cifra regrediu para 70%, diminuição vista de forma semelhante em relação às negociações do café controladas pelas 10 maiores casas e pelas 5 maiores firmas, que ficaram em 51% e 32% respectivamente – durante a I Guerra Mundial estas cifras foram de 62% e 40%.

No que tange as firmas, os dados da tabela 4 confirmam a tendência apontada por Melo (2003, 373Mello, H. P. 2003. “Coffee and development of the Rio de Janeiro economy, 1888-1920”. In The global coffee economy in Africa, Asia and Latin America, 1500-1989, editado por William G. Clarence-Smith e Steven Topik. New York: Cambridge Univ. Press.) de um mercado cafeeiro com menor grau de concentração nos anos 1920 uma vez que, comparado aos três períodos anteriores trazidos nas tabelas 1 a 3, nenhuma casas exportadora arrolada na tabela 4 conseguiu de forma individual exportar mais que 8% das sacas no período, sendo que, por exemplo, durante a I Guerra Mundial a casa brasileira Prado, Chaves & Cia. respondeu por 10% das exportações e, ademais, entre 1897-1906, a firma britânica Naumann Gepp & Co. e a germânica Theodor Wille & Co. chegaram a negociar mais de 15% das sacas cada firma.

A liderança nas exportações cafeeiras ficou com a casa alemã Theodor Wille & Co., que exportou uma média de 760.014 sacas, o equivalente a 8% do café negociado em Santos no período 1920-1930 e repetindo uma posição de dominância que já havia alcançado nos anos 1907-1913. O retorno do controle do café santista às mãos da Theodor Wille & Co. se deu de maneira surpreendente ao considerarmos que, nas safras 1917-1918 e 1918-1919, esta firma não exportou uma saca sequer de café em Santos – junto às sanções impostas pela Black List inglesa. Todavia, a Theodor Wille & Co. se fez presente como exportadora em todos os anos no período 1920-1930, exemplificando o retorno das empresas alemãs ao Brasil na década de 1920 – em 1928, a Alemanha era o 2º maior destino das exportações brasileiras (Garcia 2006, 90–96Garcia, E. V. 2006. Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920. Brasília: Editora da Universidade de Brasília/Funag.).

Considerando a nacionalidade das casas exportadoras arroladas pela tabela 4, os dados demonstram que nos anos 1920 ocorria uma transição na geopolítica do café transacionado em Santos – nos termos de Faleiros (2020Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.) – em que as casas alemãs e inglesas, que foram dominantes no cômputo geral das exportações entre 1897-1913, encontravam-se em posição inferior na comparação com a fatia de mercado das casas brasileiras e estadunidenses. Este movimento visto entre as casas exportadoras do café santista expressava uma mudança de maior vulto que era a diminuição dos investimentos britânicos no Brasil – bem como no restante da América Latina – e a busca por parte das empresas germânicas por fornecedores alternativos – como a Colômbia – no contexto de majoração dos preços do café em meio à Defesa Permanente pós-1924 (Abreu 2017, 17Abreu, M. P. 2017. “Negócios britânicos no Brasil: Da maturidade à irrelevância, 1850-1950”. Texto para discussão, No. 659. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Departamento de Economia, Rio de Janeiro.; Faleiros 2020, 43Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.).

Apesar das críticas às cotações do café brasileiro a partir da Defesa Permanente por parte de políticos dos Estados Unidos, o que também se nota pelo gráfico 4 é o avanço das casas estadunidenses no controle das sacas vendidas em Santos, cuja maioria era adquirida por firmas importadoras daquela nação. Estas firmas viram a demanda pelo café se expandir nos anos 1920 em virtude da Lei Seca – que proibiu a fabricação, comércio, transporte, exportação e importação de bebidas alcoólicas entre 1920-1933 – e da propaganda realizada por firmas importadoras e atacadistas estadunidenses – algumas financiadas pelo governo brasileiro – para difundir os benefícios do consumo do café. Entretanto, não se pode olvidar que o aumento da presença de firmas estadunidenses no controle da exportação cafeeira santista se dava em consonância a uma maior presença dos capitais e empresas estadunidenses na América Latina pós-I Guerra Mundial, por exemplo, com a presença de 61 filiais de bancos estadunidenses na região no ano de 1926, sendo uma delas a filial do The First National City Bank of New York – que se instalara em 1915 na cidade de São Paulo – e que buscava replicar os serviços de intermediação financeira vinculados ao pagamentos das sacas de café, como era realizado desde o século XIX pelos congêneres britânicos e alemães no suporte às suas casas exportadoras (Thorp 2009, 90–92Thorp, R. 2009. “A América Latina e a Economia Internacional, da Primeira Guerra Mundial à Grande Depressão”. In História da América Latina, volume IV: de 1870 a 1930, organizado por Leslie Bethell. São Paulo: Editora da USP.; Saes 1986b, 109———.. 1986b. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista, 1850-1930. São Paulo: IPE/USP.).

Todavia, a tabela 4 traz um fato que não foi devidamente explorado por Faleiros (2020Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.) e Ridings (1985Ridings, E. 1985. “Foreign Predominance among Overseas Traders in Nineteenth-Century Latin America”. Latin American Research Review 20 (2): 3-27.), tampouco pela historiografia tradicional sobre as casas exportadoras: o avanço das casas brasileiras no controle do café negociado em Santos, sendo que a maior presença do capital nacional iniciara-se ainda na I Guerra Mundial e foi mantida nos anos 1920. As evidências historiográficas não permitem que se faça a afirmação de que os bancos nacionais tenham mimetizado a capacidade dos bancos estrangeiros (como o inglês London and Brazilian Bank, o alemão Brasilianische Bank für Deutschland ou o estadunidense National City Bank) de servir de suporte aos negócios de exportação das casas brasileiras em outros países, por exemplo, no fornecimento de crédito de longo prazo a partir de filiais espalhadas pelo mundo (Saes 1986b, 121———.. 1986b. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista, 1850-1930. São Paulo: IPE/USP.). Dessa forma, o avanço das casas nacionais deve ter sua análise mais calcada em fatores internos à economia do café paulista naqueles anos 1920.

Um dos fatores a favorecer o avanço do grande capital cafeeiro paulista no comércio de exportação cafeeira está na constatação de que, ao considerar o período 1903-1939, os anos em que a exportação do café em Santos tivera a maior geração de receitas, encontra-se justamente entre 1924-1929, quando se organiza a Defesa Permanente do Café (Luna e Klein 2019, 281Luna, F. V. e H. S. Klein. 2019. História econômica e social do Estado de São Paulo, 1850-1950. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.). Este fato pode ter feito com que a acumulação de capital pelos membros do complexo cafeeiro paulista se desse em bases mais elevadas e possibilitado a alguns agentes, que anteriormente eram apenas fazendeiros ou comissários, tenham adentrado ao comércio externo do café, bem como casas exportadoras nacionais já consolidadas tenham passado a registrar lucros maiores e, dessa forma, auferido um maior montante de capital próprio ou buscado empréstimos de terceiros – mesmo que a juros maiores e prazos menores do que os obtidos pelas casas estrangeiras – para açambarcar uma maior quantidade de sacas de café (Greenhill 2003, 188–189———. 2003. “State intervention in the brazilian coffee trade during the 1920s: a case study for New Institutional Economics?”. In The new institutional economics and third world development, editado por J. Harriss, J. Hunter e C. M. Lewis. London and New York: Taylor & Francis.; Cano 1981, 70–71Cano, W. 1981. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz.).

Outro ponto vinculado às medidas no âmbito da Defesa Permanente, e que pode ter auxiliado as casas nacionais, encontra-se no controle estrito pelo Instituto do Café do Estado de São Paulo (ICESP) sobre as sacas a serem negociadas. O ICESP implantou um modelo de vendas que limitava o número de sacas que sairiam dos armazéns nas ferrovias do interior e chegariam até Santos – com o intuito de elevar as cotações. Dessa forma, o ICESP impedia a ação oligopsônica das maiores casas exportadoras estrangeiras, que costumeiramente tendiam a comprar de uma só vez um grande volume de café no momento em que a quase totalidade da safra chegava ao porto, o que dava aos exportadores um poder de barganha usado para derrubar o preço do café adquirido. Com a ação de limitar de 36 mil para 26 mil as sacas que ingressariam diariamente em Santos, esta medida pode ter acirrado a competição pelas sacas e a pulverização do café adquirido por uma maior quantidade de casas exportadoras, inclusive nacionais (Perissinotto 2000, 325Perissinotto, R. M. 2000. “Estado, capital cafeeiro e crise política na década de 1920 em São Paulo, Brasil”. Hispanic American Historical Review 80 (2): 299-332.).

A soma dos fatores acima arrolados relativos à conjuntura do comércio cafeeiro em Santos na década de 1920 pode ter favorecido a expansão do capital nacional no rol das principais firmas exportadoras. A ilustrar este avanço temos o exemplo da família Almeida Prado, representantes do grande capital cafeeiro na região de Jaú – que teve seu auge na produção de café na década de 1920 – e que, liderados por Vicente de Paula de Almeida Prado23 23 Vicente de Paula de Almeida Prado nasceu em Jaú (SP) no dia 17 de dezembro de 1876. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1900 e começou a exercer a advocacia em sua terra natal, assumindo mais tarde a diretoria do Banco de Melhoramentos de Jaú. Na década de 1910 tornou-se chefe político de prestígio e um dos líderes do Partido Republicano Paulista, em cuja legenda se tornou deputado e senador estadual. Abandonando a carreira política para dedicar-se a atividades privadas, fundou e dirigiu uma empresa exportadora de café, a Almeida Prado & Cia., mais tarde Almeida Prado S.A. Comissária-Exportadora, e a Armazéns Gerais Anchieta, ambas em Santos (SP), além da Companhia Nacional de Seguros Ipiranga, na capital paulista. Em 1927, ele assumiu a superintendência do Banco de São Paulo, da qual se afastou no período de setembro a novembro de 1931, quando ocupou a presidência do Banco do Brasil. Foi também grande proprietário rural, com terras em Araçatuba (SP). Para mais informações, vide: (https://www18.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/prado-vicente-de-paula-de-almeida) , comandavam duas casas exportadoras na lista das 20 maiores firmas no período 1820-1930 trazida pela tabela 4: a Almeida Prado & Cia. (8ª maior casa exportadora) e a Cia. Paulista de Exportação (17ª maior casa exportadora), sendo que a evolução destas duas firmas, e de outras 6 casas brasileiras (S. A. Levy & C.; Martins, Wright & Co.; Lima, Nogueira & Co.; Silva, Ferreira & Cia.; J. C. Mello & Cia.; Cia. Leme Ferreira e Raphael Sampaio & Cia.) serviu para compensar o declínio na fatia exportada de casas tradicionais (Prado, Chaves & Cia. e R. Alves, Toledo & Cia.) e permitir ao capital nacional uma posição de liderança – dividida com as casas estadunidenses nas vendas externas do café santista ao final da Primeira República (DOESP 28/12/1927, 9606DOESP. 1927. “Diário Oficial do Estado de São Paulo: ata da Cia. Paulista de Exportação”. São Paulo: Fundação Seade, 28 dez.; Faleiros 2010, 330Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.).

6 – Considerações finais

O artigo buscou retratar as companhias exportadoras de café em Santos no período 1897-1930, quando este porto era a principal zona de negociação do café exportado pelo Brasil. O diálogo com a historiografia precedente se deu na tentativa de confirmar a veracidade da afirmação sobre a hipótese de as casas estrangeiras terem dominado plenamente as exportações cafeeiras em Santos no período da Primeira República (18891-1930), fato que teria representado uma menor participação de agentes nacionais em uma das principais etapas do circuito de comercialização do café.

Os dados coligidos nas tabelas ao longo do artigo corroboram os apontamentos dos trabalhos prévios, considerando-se o período 1897-1906 e os anos 1907-1913. Nestes anos, é possível constatar um oligopólio formado pelas vinte maiores casas exportadoras de café – de um total de 70 firmas – que, reunidas, controlavam em média 87% das exportações do grão em Santos, a destacar que as cinco principais casas eram responsáveis por uma média de 50% do café negociado no porto paulista.

Ao detalharmos as firmas exportadoras o período 1897-1913, torna-se evidente o controle exercido pelas empresas estrangeiras – alemãs, inglesas, francesas e estadunidenses – que sempre se fizeram presentes em maior número do que as firmas nacionais na amostra das vinte maiores empresas e, considerando apenas o estrato superior das cinco principais exportadoras, nota-se que ele foi composto por companhias inglesas e alemãs, países que haviam formado uma rede produtivo-comercial composta por bancos, empresas de navegação e firmas industriais que davam suporte às casas exportadoras no Brasil. Tais casas, por sua vez, executaram estratégias para garantir as sacas que seriam exportadas – concessão de crédito aos fazendeiros, fazendas próprias – e, dessa forma, puderam superar a maioria das firmas nacionais, sendo a casa Prado, Chaves & Cia. a única a rivalizar contra o capital estrangeiro antes da I Guerra Mundial. Até 1913, os dados indicam que a grande casa exportadora de café em Santos era a alemã Theodor Wille & Co., que executou as estratégias apontadas anteriormente e, ademais, tornou-se protagonista na compra de café a ser estocado quando do Plano de Valorização (1906), posição que lhe permitiu exportar 20% do café santista, o que representa o dobro em relação à casa Prado, Chaves & Cia. que ficou em segundo lugar no período 1907-1913.

Porém, em oposição à ideia de um controle permanente do capital estrangeiro sobre as exportações cafeeiras em Santos, a análise dos dados referentes ao período da I Guerra Mundial (1914-1919) indica que na amostra das vinte maiores casas exportadoras estavam em maior número, justamente, as companhias nacionais/brasileiras, seguidas pelas estadunidenses. Esta alteração se deu em virtude das dificuldades de comercialização com a Europa e as disputas entre Inglaterra e Alemanha – com a publicação da Black List britânica para o Brasil – acrescidas da entrada dos Estados Unidos no confronto. Estes eventos marcaram uma queda de participação das firmas inglesas no topo da exportação cafeeira em Santos, a exclusão da alemã Theodor Wille & Co. do mercado santista e, como resposta, a ascensão das firmas nacionais e estadunidenses. As últimas – por exemplo, a firma Hard. Rand & Co. – aumentaram suas cotas na exportação do café ao formar na economia brasileira uma rede produtivo-comercial do capital estadunidense que, na década de 1920, marcariam os Estados Unidos como principal destino das exportações brasileiras e maior fornecedor de bens importados.

No período da I Guerra, a liderança da casa brasileira Prado, Chaves & Cia., seguida do terceiro lugar da R. Alves, Toledo & Cia., demonstra que o capital nacional pôde rivalizar com as firmas estrangeiras na exportação do café em Santos nos anos do conflito. Em especial, a Prado, Chaves & Cia., valendo-se das agruras atravessadas pela Wille & Co., converteu-se no grande agente do comércio do café santista nos anos da guerra, inclusive, assumindo o papel de executora das compras de café junto aos fazendeiros para o 2º Plano de Valorização (1917-1918).

Por fim, os anos 1920 devem ser caracterizados a partir de um olhar bifronte: de um lado, a tradicional firma germânica Theodor Wille & Co. voltou a exportar café em Santos e teve a liderança naquela década, seguida da estadunidense Hard, Rand & Co. e da inglesa Naumann, Gepp, & Co., em uma disputa na geopolítica do café que marcou a ascensão das casas estadunidenses frente às inglesas, conforme apontado por Faleiros (2020Faleiros, R. N. 2020. “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”. In História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por G. Grandi e R. N. Faleiros. . Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec.). De outra parte, das 20 maiores exportadoras do café santista na última década da Primeira República, 11 delas eram brasileiras e, classificadas por nacionalidade, elas responderam pela maior porção do café negociado no período.

Este fato diverge do consenso historiográfico sobre o domínio do capital estrangeiro na comercialização externa do café santista – que teria se dado entre 1889-1930 – bem como, da afirmação do cenário de ausência de agentes nacionais como grandes comerciantes externos nas praças latino-americanas, como levantado por Ridings (1985Ridings, E. 1985. “Foreign Predominance among Overseas Traders in Nineteenth-Century Latin America”. Latin American Research Review 20 (2): 3-27.). A maior presença do capital nacional entre as grandes casas exportadoras de café em Santos, que parecia ocasional na conjuntura da I Guerra Mundial (1914-1918), consolidou-se na década de 1920 em meio às medidas da Defesa Permanente do Café e das ações do ICESP. Neste cenário, houve uma expansão das atividades e da presença dos membros do grande capital cafeeiro – como a família Almeida Prado – na etapa de comercialização externa do café no auge da acumulação desta atividade durante a Primeira República, o que possibilitou às casas brasileiras rivalizarem com as tradicionais firmas estrangeiras, como apontado por Saes (1985Saes, M. S. M. 1995. “A racionalidade econômica da regulamentação no mercado brasileiro de café”. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-21122022-172902/publico/DrMariaSylviaMacchioneSaes.pdf
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
) e, ademais, em um movimento que se tornaria ainda maior depois da II Guerra Mundial, segundo Greenhill (2003———. 2003. “State intervention in the brazilian coffee trade during the 1920s: a case study for New Institutional Economics?”. In The new institutional economics and third world development, editado por J. Harriss, J. Hunter e C. M. Lewis. London and New York: Taylor & Francis.).

6 - Referências bibliográficas

6 - Referências bibliográficas
  • Associação Comercial de Santos - ACS. 1899-1902. “Relatório da Associação Comercial de Santos”. Santos, Rio de Janeiro: União Typographica, anexo nº 57.
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O autor agradece os comentários do editor Leonardo Weller e dos pareceristas que contribuíram para um avanço e melhor entendimento do trabalho, sendo que os eventuais erros e omissões são de minha inteira responsabilidade. Agradeço também ao prof. Renato Leite Marcondes (FEARP/USP) pelas sugestões sobre o artigo. Aproveito ainda para agradecer a historiadora Renata Cristina Silva pela sua ajuda no acesso aos relatórios da Associação Comercial de Santos.

  • Classificação JEL:

    N56, N76, N96.
  • O autor agradece os comentários do editor Leonardo Weller e dos pareceristas que contribuíram para um avanço e melhor entendimento do trabalho, sendo que os eventuais erros e omissões são de minha inteira responsabilidade. Agradeço também ao prof. Renato Leite Marcondes (FEARP/USP) pelas sugestões sobre o artigo. Aproveito ainda para agradecer a historiadora Renata Cristina Silva pela sua ajuda no acesso aos relatórios da Associação Comercial de Santos.
  • 1
    Até meados do século XIX, o costume do cidadão estadunidense era comprar o grão verde do café nos armazéns e torrá-los em casa, operação que rotineiramente resultava em uma bebida cujo gosto final não era tão agradável pela dificuldade em encontrar a torra ideal do grão. Mas, em 1860, a firma Arbuckle Brothers & C., originária de Pittsburgh (EUA), iniciou a venda do café torrado em pacotes de 500 gramas, iniciativa seguida por outros grandes atacadistas do café e que contribuiu para expandir o consumo do grão nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX (Pendergrast 2002:67–74Pendergrast, M. 2002. El Café: historia de la semilla que cambió el mundo. Buenos Aires: Javier Vergara Editor.).
  • 2
    A atuação da ACS visava diminuir os riscos do comércio cafeeiro, por exemplo, intimando exportadores que, uma vez tendo vendido o café, negavam-se a repassar o dinheiro aos comissários no prazo acordado de 30 dias; já em relação aos comissários, a ACS tentava, por exemplo, evitar a prática de reutilização dos sacos para acondicionar o café, o que poderia danificar o produto (Silva 2015aSilva, G. P. 2015a. “O predomínio das casas estrangeiras sobre a exportação cafeeira em Santos no século XIX”. America Latina en la Historía Económica 22.).
  • 3
    No biênio 1885-1886, a única casa exportadora nacional listada entre as 12 maiores firmas exportadoras de café em Santos foi a J. F. de Lacerda & Cia., firma pertencente à família Lacerda Franco, representantes do grande capital cafeeiro paulista com fazendas nas vilas de Limeira, Araras, São Carlos e Rio Claro. Em que pese ela ter exportado 13% do café santista no referido biênio, a firma entraria em liquidação na década de 1890, tendo sido arrematada justamente por uma concorrente estrangeira, a alemã Theodor Wille & Co., em maio de 1893 (Silva 2015b———.. 2015b. “As brechas ao capital nacional: a liderança da casa J. F. de Lacerda & Cia. sobre a exportação cafeeira em Santos na década de 1880”. Economia e Sociedade 24: 541-571.).
  • 4
    A historiografia indica que também houve o domínio das empresas estrangeiras sobre o café saído do porto do Rio de Janeiro entre 1859-1879 e 1898-1899 (Guimarães e Greenhill 2021Guimarães, C. G. e R. Greenhill. 2021. “Trading in an emerging market: E. Johnston & Co. and the Brazilian coffee trade 1840-1880”. Revista de Historia Económica/Journal of Iberian and Latin American Economic History 39 (1): 157-190.; Mello 2003Mello, H. P. 2003. “Coffee and development of the Rio de Janeiro economy, 1888-1920”. In The global coffee economy in Africa, Asia and Latin America, 1500-1989, editado por William G. Clarence-Smith e Steven Topik. New York: Cambridge Univ. Press.).
  • 5
    As edições do Wileman’s Brazilian Review fazem parte do acervo eletrônico do projeto Memória Estatística do Brasil e estão disponíveis em: http://memoria.org.br/ia_visualiza_bd/colecao_wileman/wileman_sumario.php?p=1.
  • 6
    Delfim Netto (-@ Delfim Netto 2009:40–49Delfim Netto, A. 2009. O problema do café no Brasil. Campinas: Facamp/ Editora da UNESP.) aponta que a política monetária expansionista encetada na presidência do Marechal Deodoro pelo seu ministro da Fazenda, o jurista Rui Barbosa, teria aumentado o estoque de papel-moeda em circulação, deprimindo a taxa cambial do mil-réis (moeda brasileira) frente à libra esterlina. Dessa forma, ao remunerar melhor os produtores de café em moeda nacional, mesmo em um cenário em que os preços internacionais do café tivessem quedas – como nos anos de 1891 e 1893 – as lavouras continuaram se expandindo pelo interior do Brasil, sobretudo no estado de São Paulo. Este processo, tendo em vista a natureza da planta do café, que leva aproximadamente 5 anos para sua maturação e colheita inicial, explicaria o fato da safra cafeeira no Brasil em 1891 ter sido de 7,4 milhões de sacas de 60kg e, no ano de 1897, ter uma safra de 10,5 milhões de sacas – a safra mundial de café naquele ano foi de 15,37 milhões de sacas. O consumo mundial de café, por sua vez, era de 10,8 milhões de sacas em 1891, quando os estoques mundiais estavam 1,9 milhões de sacas; mas, em 1897, os estoques mundiais estavam 4 milhões de sacas e o consumo naquele ano seria de 14,6 milhões de sacas, ou seja, apenas a produção brasileira somada aos estoques existentes ao início da safra teriam suprido a demanda mundial de café.
  • 7
    A casa comissária e exportadora Prado Chaves & Cia. foi fundada em 1887 – cuja origem foi a Companhia Central Paulista criada em 1884 – e reunia membros da família Prado (Antônio, Martinho e Martinico), Antônio Elias Pacheco e Chaves e Elias Fausto Pacheco Jordão. Os Prado e os Pacheco e Chaves eram famílias compostas por indivíduos que se caracterizavam pela atuação diversificada na economia paulista – participações em ferrovias, bancos, casas comerciais, empresas de serviços públicos, indústrias. Este desprendimento em relação à lavoura como forma unívoca de acumulação passou a marcar os indivíduos que compunham a fração social chamada de grande capital cafeeiro [Perissinotto 1994; Silva (1995Silva, S. S. 1995. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-ômega.)].
  • 8
    Sobre a atuação da casa alemã Theodor Wille & Co. no financiamento de fazendeiros paulistas, ver Forner (2017, 43) e Marcondes (2018, 300-304). Em relação ao papel homônimo desempenhado pela a casa inglesa Naumann, Gepp & Co., ver Fontanari (2012:128Fontanari, R. 2012. O problema do financiamento: uma análise histórica sobre o crédito no complexo cafeeiro paulista Casa Branca (1874-1914). São Paulo: Cultura Acadêmica Editora.) e Brasil (1913:716Brasil. 1913. Impressões do Brazil no século XX. Lloyd’s Greater Britain Publishing Company, Arquivo Municipal de Cubatão.).
  • 9
    O London and Brazilian Bank era uma instituição que tinha como um de seus negócios a atuação no comércio de importação-exportação por meio da cobrança e desconto de cambiais e letras do comércio exterior, sendo a moeda estrangeira imprescindível na aquisição de mercadorias importadas (Saes 1986b———.. 1986b. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista, 1850-1930. São Paulo: IPE/USP.).
  • 10
    A safra brasileira de café em 1906 foi de 20 milhões de sacas e a produção mundial totalizou 23,8 milhões de sacas. Por sua vez, o consumo mundial de café naquele ano foi de 17,1 milhões de sacas, sendo que os estoques alcançavam a cifra de 16,3 (Holloway 1978:103Holloway, T. H. 1978. Vida e morte do Convênio de Taubaté. Rio de Janeiro: Paz e Terra.).
  • 11
    Aprovada no Congresso Nacional ainda em 1906, mas em projeto separado e posteriormente à aprovação do Convênio de Taubaté, a Caixa de Conversão surgiu em um contexto em que os membros da lavoura cafeeira demandavam uma taxa de câmbio a 12 pence/mil-réis, mas a taxa se encontrava ao patamar de 16 pence/mil-réis naquele ano e com perspectiva de alta, caso o Plano de Valorização fosse bem sucedido e as exportações de borracha continuassem em alta; ademais, havia o provável ingresso em maior escala dos empréstimos externos vinculados à Valorização de investimentos estrangeiros em ampliação pelo mundo. A Caixa de Conversão significou a adesão da economia brasileira ao Sistema Monetário do Padrão-Ouro, mesmo que na margem, pois apenas os bilhetes/notas emitidos pela Caixa eram lastreados pelas cambiais adquiridas pela Caixa à cotação de 15 pence/mil-réis – valor que se tinha como acima da cotação de mercado – e que, portanto, tinham a possibilidade de serem resgatados a este câmbio. De um lado, a Caixa de Conversão visava estabilizar o câmbio e diminuir a especulação cambial; entretanto, este órgão significou atrelar o nível de atividade da economia brasileira entre 1907-1914 aos saldos da balança de pagamentos, pois o superávits permitiam expandir o meio circulante emitido pela Caixa e favorecendo atividades econômicas nacionais, mas, crises externas que afetassem o ingresso de divisas no Brasil implicariam em saques junto à Caixa e na restrição do papel-moeda local (Torelli 2019:159–62Torelli, L. S. 2019. A política econômica de defesa do café: os debates parlamentares (1898-1920). 1ª ed. São Paulo: Chiado Books.).
  • 12
    Empresas que intermediaram as compras de café em nome do estado de São Paulo até o final de 1907: Peimann, Ziegler & C. de Hamburgo, o Syndicato Europeu e Norte Americano, representado em Santos pela Theodor Wille de Hamburgo, a Crossmann & Sielcken de Nova Iorque, a F. A. Neubauer & C. de Hamburgo e Conrad Henrich Donner representados em São Paulo pela Casa Schmidt e Trost, a Societé Financière et Commerciale Franco-Brésilienne de São Paulo, a Prado, Chaves & C. de São Paulo-Santos e a Comptoir Commercial Anversois, Bunge & C. de Antuérpia (Montagner 2011:56Montagner, D. 2011. “A gestão dos recursos do primeiro programa da valorização do café (1906-1914)”. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas.).
  • 13
    No fim de 1908, havia quase 7 milhões de sacas que haviam sido adquiridas e que foram colocadas sob a égide do Comitê da Valorização, uma comissão de 7 membros, dos quais 4 eram indicados pela J. Henry Schroeder and C., 2 pelos bancos franceses (Societé Générale e Banque de Paris e Pays Bas) e 1 pelo estado de São Paulo, que veio a ser Paulo da Silva Prado, presidente da casa Prado, Chaves & Cia. (Holloway 1978:81Holloway, T. H. 1978. Vida e morte do Convênio de Taubaté. Rio de Janeiro: Paz e Terra.).
  • 14
    Em trabalho recente, Kisling (2022———.. 2022. “‘Los von London’: A comparative, empirical analysis of German and British global foreign banking and trade development, 1881–1913”, Economic History Review: 1- 32.) demonstra que há uma correlação positiva entre o ingresso de bancos ingleses e, principalmente, alemães e a expansão das exportações de firmas destes países em mercados como o brasileiro entre 1881-1913. A instalação prévia de bancos alemães no Brasil, desde o final do século XIX, possibilitou às casas exportadoras e importadoras germânicas a obtenção de informações sobre o mercado local e o acesso ao crédito de longo prazo que se mostrava escasso na nascente rede bancárias brasileira.
  • 15
    O Brasil enfrentou fortes abalos financeiros e fiscais com o início da I Guerra Mundial em 1914. De uma parte, a fuga de cambiais levou o país a fechar a Caixa de Conversão – instituição criada para absorver os excessos de moeda estrangeira vindos a partir do Plano de Valorização do café, seja via empréstimos externos ou com a alta das cotações – e a negociar um novo Funding Loan em outubro de 1914, que proveu 15 milhões de libras esterlinas para cobrir os juros da dívida externa, sendo que o contrato suspendeu o pagamento de toda amortização. Por outro lado, a desvalorização cambial em 1914, ao encarecer bens estrangeiros, diminuiu a demanda por importações e afetou a arrecadação federal, cuja principal fonte de receita era o imposto sobre as importações, que caiu 44% em 1914 em relação ao ano de 1912 (Fausto 2006:251Fausto, B. 2006. “Expansão do café e política cafeeira”. In História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III (4v.). O Brasil Republicano, 1º volume: Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), editado por Boris Fausto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.; Franco e Lago 2012:207Franco, G. H. B. e L. A. C. LAGO. 2012. “O processo econômico”. In A abertura para o mundo: 1889-1930, editado por L. M. A. Schwarcz. Rio de Janeiro: Objetiva.).
  • 16
    A mais rentável ferrovia britânica na América Latina no século XIX era a The São Paulo Railway Company, inaugurada em 1867 e que interligava a cidade de São Paulo ao porto de Santos, monopolizando a oferta cafeeira que vinha do interior paulista (Abreu 2017:7Abreu, M. P. 2017. “Negócios britânicos no Brasil: Da maturidade à irrelevância, 1850-1950”. Texto para discussão, No. 659. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Departamento de Economia, Rio de Janeiro.).
  • 17
    Em 1910, havia no estado de São Paulo quatro bancos estrangeiros registrados, sendo 2 ingleses, um franco-italiano e o alemão Brasilianische Bank fur Deutschland (Saes 1986b:104———.. 1986b. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista, 1850-1930. São Paulo: IPE/USP.).
  • 18
    A publicação da Black List não se restringiu ao Brasil, tendo sido publicadas listas de empresas consideradas inimigas em outros países, como no caso da Argentina, em que a Black List foi publicada a 23 de junho de 1915.
  • 19
    Outras casas exportadoras registradas no porto de Santos foram colocadas na Black List: Diebold & Co. (24/03/1916); Nossack & Co. (10/11/1916); Schmidt, Trost & Co. (10/11/1916); G. Trinks & Co. (24/11/1917); Eugen, Urban & Co. (24/03/1916) e Zerrener, Bulow & Co. (16/03/1917).
  • 20
    No caso da Theodor Wille & Co., as medidas de restrição comercial britânicas se deram sobre os agentes envolvidos na exportação cafeeira, pressionando bancos londrinos a recusarem saques de letras de câmbio lastreadas em café da firma germânica, interpelando companhias de outros países – como as holandesas – a aceitarem remessas de mercadorias apenas de casas da mesma nacionalidade, forçando empresas no Brasil a não fornecerem sacos para acondicionar café da casa alemã (Moraes 1988:270–75Moraes, M. L. P. M. 1988. “Atuação da firma Theodor Wille & Cia. no mercado cafeeiro do Brasil, 1844-1918”. Tese de doutorado, FFLCH/USP.).
  • 21
    O consumo mundial de café no ano de 1918 foi de 15,9 milhões de sacas, sendo que o prognóstico somente para a safra brasileira naquele ano era de 15 milhões de sacas, acrescidas de uma média de 6 milhões de sacas que seriam produzidas pelos demais países, em um momento que já havia mais de 7 milhões de sacas de café no estoque mundial, sendo que 78% eram de estoques brasileiros (Cunha 1992:311, 331Cunha, M. R. 1992. “Apêndice estatístico”. In 150 anos de café, editado por Edmar L. Bacha e Robert Greenhill. Rio de Janeiro: Salamandra.).
  • 22
    O Banco do Comércio e Indústria de São Paulo (Comind) foi criado em 1890 por membros do grande cafeeiro paulista, com destaque para a figura de Antônio da Silva Prado, que dirigiu o banco até 1920 e o tornou o principal banco privado no estado de São Paulo entre 1900-1920. Seu filho Paulo Prado, por sua vez, era o representante do estado de São Paulo no Conselho Federal do Café que definia as compras das sacas e a venda dos estoques da Valorização.
  • 23
    Vicente de Paula de Almeida Prado nasceu em Jaú (SP) no dia 17 de dezembro de 1876. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1900 e começou a exercer a advocacia em sua terra natal, assumindo mais tarde a diretoria do Banco de Melhoramentos de Jaú. Na década de 1910 tornou-se chefe político de prestígio e um dos líderes do Partido Republicano Paulista, em cuja legenda se tornou deputado e senador estadual. Abandonando a carreira política para dedicar-se a atividades privadas, fundou e dirigiu uma empresa exportadora de café, a Almeida Prado & Cia., mais tarde Almeida Prado S.A. Comissária-Exportadora, e a Armazéns Gerais Anchieta, ambas em Santos (SP), além da Companhia Nacional de Seguros Ipiranga, na capital paulista. Em 1927, ele assumiu a superintendência do Banco de São Paulo, da qual se afastou no período de setembro a novembro de 1931, quando ocupou a presidência do Banco do Brasil. Foi também grande proprietário rural, com terras em Araçatuba (SP). Para mais informações, vide: (https://www18.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/prado-vicente-de-paula-de-almeida)

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Editor Responsável:

Leonardo Weller

Disponibilidade de dados

Citações de dados

Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - Ipea. Ipeadata. “Dados macroeconômicos e regionais”. Acesso em: 26/01/2021. Disponível em: www.ipeadata.gov.br

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Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - Ipea. Ipeadata. “Dados macroeconômicos e regionais”. Acesso em: 26/01/2021. Disponível em: www.ipeadata.gov.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2022
  • Aceito
    21 Mar 2023
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