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Resenha

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Igor Lopes Rocha

Doutorando pela Universidade de Cambridge, Reino Unido. Economista, Mestre em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Contato: ilr23@cam.ac.uk

Modenesi, André de Melo et al. Sistema financeiro e política econômica em uma era de instabilidade: tendências mundiais e perspectivas para a economia brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier; São Paulo: Associação Keynesiana Brasileira, 2012

A recente coletânea de artigos sistematizada no livro "Sistema financeiro e política econômica em uma era de instabilidade: tendências mundiais e perspectivas para a economia brasileira" pelos economistas André de Melo Modenesi, Daniela Magalhães Prates, José Luís Oreiro, Luiz Fernando de Paula e Marco Flávio da Cunha Resende discute os desdobramentos da crise das finanças liberalizadas sobre o prisma crítico da macroeconomia Keynesiana. Os debates se voltam aos desencadeamentos da crise financeira internacional, especialmente sobre a Zona do Euro e o Brasil, bem como às respostas de política econômica empreendidas nessas regiões. Como fio condutor das análises destaca-se a "teoria keynesiana da demanda efetiva, de não neutralidade da moeda no curto e no longo prazos, e a crítica ao paradigma da autorregulação do mercado, dado o caráter inerentemente instável dos mercados liberalizados". Conforme destacado no texto preambular do livro, elaborado pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo, nesta obra a unidade teórica e a diversidade do tratamento oferecem uma profunda investigação sobre a crise. Tal obra recebe ainda contribuições de economistas estrangeiros, como Jan Kregel, Roberto Frenkel, Thomas Palley e Philip Arestis.

Sem sombra de dúvida o livro fornece uma importante contribuição à literatura heterodoxa, particularmente referente à teoria Keynesiana, o que diferencia a obra em questão das análises convencionais. Inserida nesse arcabouço teórico, a seleção de artigos mostra a importância de se considerar a interdependência entre o lado monetário e real das economias em um ambiente globalizado. Mais do que isso, frente ao caráter intrinsecamente instável das economias capitalistas, a obra remete à necessidade de intervenção do Estado não apenas como regulador dos mercados, mas também como promotor de um ambiente institucional favorável às decisões de gastos privados (consumo e investimento) impactando, assim, a demanda efetiva. Diferentemente do que vem sendo adotado por policymakers na Zona do Euro, a superação da crise não passa por ajustes recessivos, uma vez que estes apenas acentuam a restrição de demanda e renda, comprometendo ainda mais o dinamismo de suas economias.

Dito isso, a tratativa analítica do livro encontra-se organizada em três partes, a saber, (i) Sistema financeiro e crise: lições e perspectivas; (ii) A política econômica no Brasil após a crise; e (iii) Tendências e perspectivas para o crescimento econômico. Cabe à primeira parte – que se subdivide em três seções – analisar, de forma ampla, as particularidades da crise financeira global e os impactos sobre os países da Zona do Euro, elencando, ademais, ações para a retomada do crescimento. Para tanto, na primeira seção, procura-se entender as peculiaridades das crises financeiras nos países da periferia dentro do processo de globalização financeira acentuado após a década de 1980, ansiando políticas que as previnam e as atenuem. A crise financeira internacional é diagnosticada como oriunda das proposições neoliberais e do regime de acumulação liderado pelas finanças que esteve à mercê das elites mais ricas e poderosas em detrimento das políticas Keynesianas que buscassem a regulação dos mercados e o pleno emprego. Ademais, como mecanismo de superação da tragédia neoliberal, apresenta-se a estratégia novo-desenvolvimentista não baseada na dicotomia entre as proposições de desenvolvimento export-led ou wage-led, mas sim na associação de ambas para moldar uma estratégia investment-led, em que as economias possam galgar taxas de crescimento satisfatórias e sustentáveis.

Na segunda seção, as análises recaem sobre as origens, desdobramentos e soluções para a crise do Euro. Os artigos que tratam desta seção procuram sublinhar que a crise europeia constitui uma extensão da crise iniciada em 2007 nos Estados Unidos, caracterizada tanto pela duração quanto pela profundidade num processo depressivo análogo ao presenciado na década de 1930. Sublinha-se que o agravamento da crise do Euro se manifesta diante da má administração da crise pelas instituições formais da União Europeia e por órgãos ad hoc da Zona do Euro, em especial na relutância do Banco Central Europeu em atuar como lender of last resort. Essa dinâmica, expressa na profundidade do contágio da crise nos mercados europeus, seria reflexo das debilidades estruturais na formação da Zona do Euro diante da inexistência de uma união política e fiscal. Diferentemente do que vem sendo pregado por policymakers nos países europeus, uma "recuperação" via forte ajuste fiscal apenas comprometeria ainda mais o nível de atividade econômica e a taxa de desemprego. Assim, diferente das análises convencionais a solução para a crise no Velho Continente passa por políticas Keynesianas anticíclicas que permitam desobstruir o circuito dos gastos via recuperação das expectativas de investimento e redução da preferência pela liquidez. Para tanto, reitera-se a importância de ações coordenadas entre os países membros, aprofundando o processo de unificação política e a criação de um Estado supranacional. A seção se encerra com um overview sobre os desdobramentos da crise do Euro a partir da crise do subprime, salientando que esta evidenciou as limitações do sistema de regulação e supervisão bancária e financeira vigente, abrindo uma janela de oportunidades para a emergência de um novo paradigma financeiro e de uma nova ordem econômica global ainda que com contornos indefinidos.

Com base nessa discussão, ao final da primeira parte do livro são destacadas as debilidades e perspectivas de regulação do sistema financeiro internacional. Deste modo, ressaltam-se as peculiaridades da crise com o surgimento do chamado Shadow Banking System (SBS), o qual permitiu que as instituições financeiras se alavancassem em patamares sem precedentes e estendessem suas operações de crédito ocultando o risco envolvido em seus balanços. Além disso, por meio deste tipo de inovação os bancos e instituições financeiras conseguiam burlar as normas prudenciais dos Acordos de Basileia ao se alavancarem sem terem de reservar os coeficientes de capital exigidos pelas normas reguladoras. É por essa via que o Acordo de Basileia II se mostrou ineficiente em evitar crises sistêmicas como a do subprime, expondo a necessidade de adoção de instrumentos mais rígidos para conter inovações financeiras. Embora o Acordo de Basileia III, de 2010, tenha incorporado avanços significativos ao tornar mais rigoroso o modelo de regulação, este ainda está longe de ser uma ferramenta efetiva de prevenção das crises. Por fim, retoma-se a discussão a respeito do controle dos fluxos de capitais especulativos, destacando a fragilidade do modelo vigente de regulação vis-à-vis experiências recentes sobre o movimento de capitais adotado por algumas economias emergentes. Dito isso, em uma perspectiva Keynesiana, essa parte do livro se encerra em favor de um ajuste fino na regulação dos fluxos de capitais especulativos como forma de atenuar o caráter pró-cíclico dos fluxos de capitais internacionais, expressos em momentos de Boom e Bust, a fim de garantir maior estabilidade dos mercados financeiros e melhor margem de manobra para as políticas anticíclicas em tempos de crise.

Na segunda parte do livro, as análises se voltam aos impactos da crise no Brasil. Derivam-se relevantes contribuições a respeito do perfil da política econômica brasileira no pós-crise, discutindo o seu perfil a partir das ações adotadas pelo Estado durante o colapso financeiro americano. Particularmente, sublinha-se o papel do crédito e dos bancos públicos como ferramentas anticíclicas, associadas em menor escala às políticas fiscal e monetária implementadas no período. A despeito das positivas mudanças na política econômica por parte do Ministério da Fazenda e do Banco Central, não houve de fato uma real aproximação às recomendações de cunho pós-Keynesiano, uma vez que estas carecem de consolidação em tempos normais, isto é, não somente em momentos de crise. Assim, reitera-se a necessidade de tornar a política fiscal mais ativa a fim de evitar a perda de dinamismo da economia brasileira. Para tanto, o desafio do governo reside na cisão entre o regime macro e as proposições do "Novo Consenso Macroeconômico" baseado na taxa natural de desemprego e na neutralidade da moeda. Uma política econômica verdadeiramente Keynesiana estaria alicerçada em ações que estabilizassem o nível de investimentos a fim de combater a atual dinâmica de stop and go da economia, com rebates positivos sobre os níveis de renda, emprego e estabilização dos preços. Desse modo, faz-se necessário o rompimento, ou pelo menos flexibilização, do regime macroeconômico baseado na cantilena neoliberal que no país continua assentada no "tripé", estabelecido em 1999, com o regime de metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante.

É inserido nesses anseios que a última parte do livro trata das tendências e perspectivas do crescimento econômico do país. Tratando de avaliar a condução da política macroeconômica contemporânea, exploram-se temas referentes a uma agenda de política econômica que vise superar os problemas sociais e econômicos do país por meio de uma trajetória de crescimento mais robusta e sustentável. Alguns temas de caráter estrutural, como a questão produtiva, são abordados qualificando o papel do Estado como indutor do desenvolvimento, dado que este é o único agente capaz de subsidiar as decisões capitalistas de investir produtivamente. Dentro de um ambiente econômico caracterizado pela incerteza, caberia ao Estado promover ações que impulsionassem a taxa de investimento com políticas que impactassem positivamente a formação das expectativas dos empresários. Além do mais, caberia a esse agente singular assegurar as condições para se promover um funding de longo prazo para financiar as empresas. Enfatiza-se a necessidade de políticas que visem estimular a demanda efetiva assim como um nível de taxa de câmbio e juros compatível a uma taxa de crescimento sustentado no longo prazo. Ao traçar tais ações, caberia aos policymakers zelar por um patamar estável dos níveis de preços, pelo equilíbrio no balanço de pagamentos e pelo investimento em inovações tecnológicas para que ocorresse uma efetiva mudança estrutural. Especialmente sobre a questão da restrição externa, a análise abrange os demais países do BRICS, examinando o modo pelo qual tais economias em desenvolvimento reagem às crises externas e às mudanças nos fluxos de capitais internacionais.

Esta última parte do livro discute, ademais, o tema da distribuição de renda e o combate à pobreza na América Latina, mostrando que a região possui a maior taxa de concentração de renda do mundo. Dado que este problema carrega um forte componente estrutural, representado por um nível de pobreza muito superior ao grau de desenvolvimento dos países, as políticas de combate à pobreza na região devem visar um projeto que busque a construção de uma rede de proteção social por meio da universalização de políticas distributivas, como forma de promover um desenvolvimento mais igualitário, conforme seguido pelos hoje considerados países desenvolvidos. Todos esses pontos, colocados na última parte do livro, encerram uma importante gama de reflexões acerca dos problemas enfrentados nas economias capitalistas, iluminando uma imprescindível agenda de política econômica em favor do desenvolvimento do país. Neste contexto, portanto, os problemas enfrentados pelas economias discutidas nesta obra devem ser vistos fora da caixa neoliberal e as ilusões produzidas pela panaceia das finanças liberalizadas devem ser combatidas a fim de gerar uma era mais próspera às nações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Set 2013
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