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VICENTE DE SOUZA: INTERSECÇÕES E CONFLUÊNCIAS NA TRAJETÓRIA DE UM ABOLICIONISTA, REPUBLICANO E SOCIALISTA NEGRO BRASILEIRO

Vicente de Souza: intersections and confluences in the trajectory of an African Brazilian abolitionist, republican and socialist

Vicente de Souza: intersecciones y conflictos en la trayectoria de un abolicionista, republicano y socialista negro brasileño

Resumo

Voltado às continuidades e rupturas das lutas por liberdade e cidadania protagonizadas por trabalhadores entre as últimas décadas do século XIX e início do XX, este artigo elege como linha condutora a trajetória de Vicente de Souza, professor, médico, abolicionista, republicano e socialista negro, na cidade do Rio de Janeiro. O estudo vale-se, basicamente, da análise de textos de natureza diversa publicados em jornais, imagens, documentos do governo e de associações políticas, culturais e de socorro mútuo do Império e da Primeira República, a fim de problematizar práticas comuns às políticas de memória sobre pessoas negras livres no Brasil.

Palavras-chave:
Vicente de Souza; Liberdade; Cidadania; Trabalhadores; Pós-abolição

Abstract

Interested in the continuities and ruptures of the struggles for freedom and citizenship carried out by workers between the last decades of the nineteenth century and the beginning of the twentieth century, the present article chooses as a guiding line the trajectory of Vicente de Souza, Black teacher, physician, abolitionist, republican and socialist, in the city of Rio de Janeiro. The study is fundamentally based on the analysis of different texts published in newspapers, images, government documents and political, cultural and mutual aid associations of the Brazilian Empire and First Republic, in order to problematize the policies of memory about free black people in Brazil.

KeyWords:
Vicente de Souza; Freedom; Citizenship; Workers; Post-abolition

Resumen

Dedicado a las continuidades y rupturas de las luchas por libertad y ciudadanía protagonizadas por trabajadores entre las últimas décadas del siglo XIX y principios del siglo XX, este artículo elige como línea conductora la trayectoria de Vicente de Souza, profesor, médico, abolicionista, republicano y socialista negro, en la ciudad de Río de Janeiro. El estudio se basa fundamentalmente en el análisis de textos de naturaleza diversa publicados en periódicos, imágenes, documentos del gobierno y de asociaciones políticas, culturales y de socorro mutuo del Imperio y de la Primera República, a fin de problematizar prácticas comunes a las políticas de la memoria sobre las personas negras libres en Brasil.

Palabras clave:
Vicente de Souza; Libertad; Ciudadanía; Trabajadores; Post-abolición

Introdução

Tarde de 13 de maio de 1913, cemitério São João Batista, capital federal, 25º aniversário da abolição no Brasil. Atendendo ao convite enviado por Jansen Tavares, secretário do extinto Centro das Classes Operárias, “mais de mil pessoas”, muitas das quais representantes de diversas sociedades de trabalhadores, compareceram à inauguração do monumento ao dr. Vicente de Souza, “eminente batalhador da causa operária” e fundador daquela entidade. O busto fora assentado em um pedestal colocado sobre o jazigo do morto. Na frente, uma placa de mármore carregava a inscrição “Ao Abolicionista”; à direita, lia-se: “Ao Republicano - 15 de novembro de 1889”; e à esquerda, “Ao Socialista - 1º de maio de 1903”.1 1 O Paiz, 13 de maio de 1913, p. 2; ibidem 14 de maio de 1913, p. 3. Associações com presença confirmada: Círculo Operário da União; União dos Foguistas; Centro Comemorativo 1º de Maio; Sociedade de Resistências dos Cocheiros, Carroceiros e Classes Anexas; Associação Tipográfica Fluminense; Sociedade dos Artistas Brasileiros Trabalho, União e Moralidade; Operários da Imprensa Nacional; Operários da Casa da Moeda; Operários do Arsenal de Guerra; Operários Mecânicos do Teatro Municipal; Círculo Operário Fluminense; Liga Anticlerical; Liga Federal dos Empregados em Padaria; Club Recreativo Municipal São João Batista; Centro dos Operários Pintores; Centro Cívico Sete de Setembro; Centro Beneficente dos Operários Municipais; Sociedade de Resistência dos Trabalhadores do Trapiche de Café, Liga Maçônica Irá e Abolisan, União Portuguesa República da Gávea, Associação dos Empregados Barbeiros e Cabelereiros, e Centro Humanitário Lauro Sodré.

Semanas antes, ele recebera outra homenagem. Seguindo deliberação da assembleia do Partido Socialista Brasileiro tirada no contexto das comemorações do Dia do Trabalhador, duas comissões foram encarregadas de “depositar flores sobre os túmulos dos Srs. Dr. Vicente de Souza, Gustavo de Lacerda e [Luiz da] França e Silva, em reconhecimento aos seus esforços”.2 2 O Paiz, 1º de maio de 1913, p. 2. Para sínteses sobre o Partido Socialista Brasileiro, Gustavo Lacerda e Luiz de França e Silva, cf. Batalha, 2009: 233; 82; e 67-68, respectivamente. Ainda sobre Gustavo de Lacerda como prodigioso repórter e sindicalista fundador da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em 1908, cf. Sodré, 1999: 270, 307-310. Os três conhecidos líderes do movimento operário, atuantes desde as últimas décadas do século XIX na formação de organizações e partidos políticos, haviam falecido em momentos distintos: Luiz, em 24 de abril de 1894; Vicente, em 18 de setembro de 1908; e Gustavo, em 4 de setembro de 1909.

Como todo ato de memória, os dois eventos estavam carregados de significados (Le Goff, 2003LE GOFF, Jacques. História e memória. 5. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.: 419-476). Primeiro, porque a importância do mês de maio no Brasil se fazia dupla em virtude da concomitância entre a celebração do fim do escravismo e a denúncia das injustiças promovidas via trabalho assalariado. Ao aproximar realidades a priori incompatíveis ou antagônicas, as comemorações nacionais eram um convite para se pensar a escravidão e a liberdade também em suas semelhanças. Um sintoma disso vinha da recorrente referência aos termos do “passado” para descrever as agruras do “presente” (Duarte, 2002DUARTE, Leila. Pão e liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Rio de Janeiro: Aperj/Mauad, 2002.; Costa, 2012COSTA, Rafael Maul de Carvalho. A “escravidão livre” na Corte: escravizados moralmente lutam contra a escravidão de fato (Rio de Janeiro no processo da Abolição). 2012. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói.). Por outro lado, a celebração do legado de Vicente de Souza, em particular, se dava mediante o reconhecimento da intersecção e da confluência de três frentes de ação política que marcaram o período: abolicionismo, republicanismo e socialismo. O homenageado, tal como representado no monumento, era visto como alguém que se constituíra administrando a simultaneidade de suas principais influências doutrinárias. Assim, por mais que naqueles dias o socialismo fosse mais atual, sua imagem de legítimo defensor dos operários brasileiros não se sustentaria sem o pilar do abolicionismo.

Ocorre que, para além do que evidenciavam, as duas homenagens também criavam sentido pelo que silenciavam. Especificamente, o perfil racial dos homenageados. Tanto Vicente de Souza quanto Gustavo de Lacerda e Luiz da França e Silva foram homens que se viram e eram tidos como “mulatos”, algumas vezes “negros”, nunca como brancos. Porém, por ocasião daqueles tributos, esse foi um dado ausente nos comentários publicados em jornais como O Paiz e O Século. É, portanto, curioso que, no momento em que se comemorava a “redenção da raça negra” e se exaltava a figura do trabalhador num país fundado na escravidão de africanos e seus descendentes, a ascendência racial dos homenageados, sendo eles “homens de cor” escura, não fosse usada para fortalecer o discurso. Por certo, podia ser algo que não conviesse ou, então, nem precisassem mencionar, facilmente captado pela simples alusão aos nomes ou pelas fotografias que eventualmente ilustravam as notícias.3 3 Entendendo isso como um traço marcante da sociabilidade brasileira no pós-abolição. João Vargas opta por denominá-lo “hiperconsciência de raça”, uma habilidade que pressupõe o reconhecimento e a imediata negação da raça como uma ferramenta analítica e moralmente válida, tornando-a incapaz de desempenhar um papel central na determinação de relações sociais, hierarquias e distribuição de recursos, ainda que se esteja diante das inegáveis desigualdades sociorraciais. “[Essa] dialética permite-nos entender como um sistema que, na superfície, é desprovido de consciência racial está, na verdade, profundamente imerso em entendimentos racializados sobre o mundo social” (Vargas, 2004: 446).

Figura 1
Vicente de Souza.

Outra parte da justificativa para esse “silêncio da cor” estaria numa espécie de código de conduta implícito e vigente entre aquele grupo maior de operários e socialistas, algo que não necessariamente visava à desvalorização dos negros naqueles anos que se seguiram ao fim da escravidão e à criminalização de organizações que abertamente politizaram a raça na Primeira República, como a Guarda Negra (Pinto, 2018PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.). Quanto a isso, um resumo do protesto movido por Gustavo de Lacerda numa coluna de O Paiz, em 29 de junho de 1902, se faz oportuno. O artigo “Questão de Raça” fora motivado pelo que ele lera dias antes na seção em língua portuguesa do periódico Avanti! - Giornale Socialista Quotidiano. Numa “grande tirada contra os nossos operários”, o jornal ítalo-paulistano comentara os festejos do mês de maio, defendendo opiniões tais quais: “os trabalhadores entre nós são refratários à organização”, “nada do que é sério nesse sentido lhes agrada”. A contestação a esses prejuízos se fez mediante a recapitulação de feitos políticos da gente laboriosa nacional:

Não é muito verdadeira esta apreciação, feita em uma folha positivamente estrangeira, com caráter de folha colonial, embora se diga socialista, contra os nossos operários, que mal saídos de um regime tacanho, em que se lhes negava não só a educação comum, como todos os estímulos que dignificam o homem, formaram o efêmero partido operário que, se foi traído por burgueses e aniquilado durante a revolta, não deixou ainda assim de provar que eles não são menos entusiastas do que qualquer outro pelas conquistas da democracia moderna, nem excedidos pelo sentimento associativo e de solidariedade, que tanto exaltam os mais adiantados.4 4 O Paiz, 29 de junho de 1902, p. 2; grifo meu. Um resumo sobre fracasso de duas primeiras tentativas de criação de um partido operário, lideradas por Gustavo de Lacerda e França e Silva, encontra-se em Moraes Filho (1981: 17).

Sendo aqueles comentários já faltos de cabimento, o mais aviltante para ele era o Avanti! atribuir a “pecha de refratário aos negros, como uma nota de inferioridade, tendendo ao incentivo para a repulsa por parte das outras raças”. Como forma de desconstruir mais esse argumento, Lacerda ofereceu um apanhado sobre personagens mulatos devotados ao socialismo no Brasil: Octaviano Hudson, Mansos D’Asia, França e Silva, além dele próprio e Vicente de Souza, a quem se referiu nos seguintes termos: “É da mesma cor o professor distinto, o médico humanitário e bom, o companheiro leal e dedicado Dr. Vicente de Souza, que, depois de ter sido um dos mais ousados tribunos da abolição, é atualmente o tribuno valente do socialismo nesta capital”. De tal sorte, era tranquilo dizer que “nem o socialismo [era] um privilégio de cor, nem os operários brasileiros [eram] refratários às organizações partidárias e sérias”. As palavras expressas no jornal de São Paulo iam, assim, na contramão dos ideais do “verdadeiro socialismo”, “aquele que vê em cada homem um igual, um semelhante, um membro da grande família humana, agindo no seu meio segundo as suas aptidões e em qualquer parte em que se ache”.5 5 O Paiz, 29 de junho de 1902, p. 2. Embora defenda ser difícil achar “categorias e considerações explicitamente racistas ou discriminatórias entre os militantes anarquistas”, Luigi Biondi (1998: 144) também registra o recurso a “temas etnocêntricos” nas páginas do jornal La Battaglia, publicado em São Paulo entre 1904 e 1913.

Como fica evidente, para quem comungava do entendimento de Gustavo de Lacerda, não medir o valor de alguém pela cor de sua pele era um modo de fortalecer os valores mais caros à liberdade universal − uma estratégia para enfrentar os desafios do pós-abolição, se preferir. Eis uma chave de leitura de por que não se ressaltou o perfil racial de Vicente de Souza e dos outros colegas em maio de 1913. Ingenuidade seria cogitar que as pessoas pudessem não atentar para os diferentes tons de pele dos parceiros cotidianos só porque compartilhavam espaços de afirmação e defesa de direitos naquele início de século. Logo, acompanhar os caminhos trilhados por pessoas negras disputando sentidos de cidadania e humanidade nesse cenário mostra-se um exercício necessário para a percepção de práticas negligenciadas desde que lidas pelas lentes das promessas de redenção pela nacionalidade, pela mestiçagem ou mesmo pelas matrizes explicativas restritas à categoria de classe (Collins; Bilge, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.).

Em diálogo com análises desenvolvidas nas últimas quase quatro décadas por diferentes grupos de historiadores/as sociais no que toca as experiências de indivíduos e coletividades negras e as interseções entre escravidão e liberdade - considerando os limites e as potencialidades reconhecidos por Negro e Gomes (2006NEGRO, Antonio Luigi; GOMES, Flávio. Além de senzalas e fábricas: uma história social do trabalho. Tempo Social, v. 18, n. 1, p. 214-240, jun. 2006.) e Chalhoub e Silva (2009CHALHOUB Sidney; SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos AEL, v. 14, n. 26, p. 11-50, 2009.), em seus respectivos balanços historiográficos -, este artigo elege como linha condutora a trajetória de Vicente de Souza, um sujeito polivalente, nascido livre e “pardo” em 1852, que não só se destacou em todas as frentes de ação e cenários políticos em que esteve dos anos 1870 aos 1900, como também evidenciou as continuidades e rupturas das lutas por liberdade e cidadania no período. Professor, médico e editor de jornais; abolicionista, republicano e socialista; combatente de teorias raciais que incutiam a inferioridade de “negros e mestiços” e defensor da imigração de europeus como saída para o problema da alegada falta de mão de obra no País; e interlocutor de homens do governo e agitador político entre trabalhadores de baixo prestígio social no Império e na República, durante a escravidão e após o seu término oficial.

Como se verá, Vicente de Souza foi um homem que desafiou binarismos e exclusivismos, forjou-se no trânsito entre espaços conflitantes, não se eximindo de se posicionar sempre que julgou necessário. Tais características o tornam um tema de investigação histórica mais do que legítimo e desafiador, mesmo que os resultados alcançados não cheguem à produção de uma biografia exaustiva (Bourdieu, 2006BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (org.). Usos e abusos da história oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 183-191.; Levi, 2006LEVI, Giovanni. Usos da biografia, In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (org.). Usos e abusos da história oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV , 2006. p. 167-182.; Priore, 2009PRIORE, Mary Del. Biografia: quando o indivíduo encontra a história. Topoi, v. 10, n. 19, p. 7-16, jul.-dez. 2009.; Avelar, 2007AVELAR, Alexandre de Sá. A retomada da biografia histórica: problemas e perspectivas. Oralidades, v. 2, p. 45-60, 2007.; 2010AVELAR, Alexandre de Sá. A biografia como escrita da História: possibilidades, limites e tensões. Dimensões, v. 24, p. 157-172, 2010.). Ciente da impossibilidade de esgotar de modo sintético até mesmo as múltiplas entradas facultadas pelos registros de sua atuação pública, o que proponho aqui é um exercício de reconhecimento de algumas simultaneidades por meio das quais sou capaz de atribuir sentidos à sua vida, num diálogo do presente com o passado.

Este artigo, portanto, vale-se da confluência6 6 Para pensar essa confluência, destacaria alguns trabalhos fundamentais: Abreu, 2017; Albuquerque, 2009; Brasil, 2016; Chalhoub, 1996; 2012; Gomes, 2006; Loner, 2016; Mac Cord, 2012; Mattos, 1995; Nascimento, 2001; Souza, 2016; Velasco; Cruz, 2000 e 2010. do que tem sido produzido no âmbito dos campos da história social do trabalho, da liberdade e do pós-abolição, a fim de problematizar não apenas as práticas cotidianas de homens e mulheres contemporâneos a Vicente de Souza, como também o próprio silêncio historiográfico, atualizado por gerações, sobre o impacto da racialização e do racismo na vida do operariado na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do XX. Ao indagar sobre o alcance dessa sintonia entre sujeitos de ontem e de hoje, busco estabelecer um roteiro por meio do qual seja possível aprofundar os questionamentos sobre como têm se processado as políticas de memória sobre pessoas negras no Brasil, com destaque para aquelas que nasceram livres ou viveram na liberdade durante a maior parte do tempo.

Vicente de Souza, indivíduo coletivo

Encontrar o nome de Vicente de Souza nas referências bibliográficas que versam sobre as lutas políticas que marcaram a saída da escravidão, a instauração da República e outras agitações populares no Rio de Janeiro na virada do século XIX para o XX é tarefa a ser executada com relativa facilidade. Difícil é, a partir dessas referências esparsas, entender como esse sujeito conseguiu se manter ativo numa rede de disputas individuais e coletivas tão complexa. Via de regra, mesmo nos poucos resumos biográficos encontrados (Moraes Filho, 1981MORAES F FILHO, Evaristo de (org.). O socialismo brasileiro. Brasília: Editora UnB/Câmara dos Deputados, 1981.; Batalha, 2009BATALHA, Cláudio Henrique (org.). Dicionário do movimento operário: Rio de Janeiro do século XIX aos anos 1920, militantes e organizações>São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009.; Mattos, 2008MATTOS, Marcelo Badaró. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008. e 2009MATTOS, Marcelo Badaró. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008.; Alonso, 2012ALONSO, Angela. A teatralização da política: a propaganda abolicionista. Tempo Social − Revista de Sociologia da USP, v. 24, n. 2, p. 101-122, novembro de 2012.; Gomes, 2005GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005.), o que se percebe é o destaque a uma de suas frentes de atuação, seja o abolicionismo, o republicanismo ou o socialismo, uma vez que o objetivo dos pesquisadores é dar conta de temas outros, em que as ações do indivíduo servem, sobretudo, para demonstrar a factibilidade dos argumentos defendidos. Ou seja, o sujeito é atravessado e superado pelo cenário no qual se dá a sua própria existência.

Com efeito, ao me debruçar sobre uma coleção de jornais a fim de acompanhar os passos de Vicente de Souza nesse período, fui surpreendida por uma riqueza de detalhes que, em alguns casos, revelaram a reprodução de dados equivocados a seu respeito em publicações posteriores, o que, portanto, reforçava uma visão superficial a seu respeito. Um exemplo veio dos comentários sobre sua formação universitária. Diferentemente do informado por Paulo Berger, em seu Dicionário das ruas de Botafogo, Vicente não se formou em medicina na Bahia.7 7 Paulo Berger. Dicionário das ruas de Botafogo (IV Região Administrativa). Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1987. p. 64. Natural de Nazaré, Vicente de Souza fora um estudante de destaque do curso preparatório do Ginásio Baiano, em Salvador, quando se mudou para a Corte, onde finalizou os estudos de humanidades no Colégio Abílio, em 1872. Ambas as instituições de ensino eram propriedade do médico e professor baiano Abilio Cesar Borges.8 8 Gazeta de Notícias, 19 de setembro de 1908, p. 3. Dado a uma filantropia de base iluminista e cristã, que tanto defendia uma “educação moderna, branda, alegre, saudável e livre de castigos físicos” quanto endossava a “divisão natural da sociedade em classes inferior, média e superior” (Valdez, 2006VALDEZ, Diane. A representação de infância nas propostas pedagógicas do dr. Abilio Cesar Borges: o barão de Macahubas (1856-1891). 2006. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.: 13; 57), o futuro barão de Macaúbas teria sido o responsável pela transferência, bem como pela oferta do primeiro emprego de professor ao rapaz no Rio de Janeiro, garantindo-lhe condições mínimas para se manter como estudante da Faculdade de Medicina nos momentos iniciais. A partir de 1873, aos 20 anos de idade, Vicente começou a frequentar as cadeiras de Farmácia, até que alcançou o título de doutor em Medicina em 1879.9 9 Idem; O Século, 19 de setembro de 1908, p. 1.

Dali em diante, seguiu tocando paralelamente as profissões de professor e médico, ainda que a primeira muitas vezes se sobressaísse à segunda. Se por preferência, facilidade ou necessidade é difícil de saber. O fato é que, enquanto acumulava experiência em colégios particulares − Externato das Laranjeiras, Externato Jasper, Colégio Victorio, Colégio Alberto Brandão, Externato Gama, Externato Bittencourt e Colégio Venerando - e no Liceu de Artes e Ofícios, Vicente de Souza prestou vários concursos públicos para compor o corpo docente dos Colégios Naval e Pedro II.10 10 O Globo, 2 de setembro de 1877, p. 4; Gazeta de Notícias, 11 de abril de 1876, p. 4; 15 de abril de 1880, p. 2; 10 de julho de 1880, p. 3; 4 de junho de 1881, p. 5; 5 de agosto de 1881, p. 4; 31 de maio de 1882, p. 4; 2 de janeiro de 1883, p. 4; 7 de agosto de 1883, p. 2; 29 de julho de 1884, p. 2. Entre 1878 e 1884, teria participado de 7 seleções para as cadeiras de Filosofia, Português e Literatura Geral e Latim. Foi aprovado para esta última, ingressando no ano letivo de 1885.11 11 Gazeta de Notícias 19 de setembro de 1908, p. 3; A Reforma, 11 de outubro de 1878; Gazeta de Notícias, 1º de fevereiro de 1879, p. 2; 1º de março de 1879, p. 1; 10 de julho de 1879, p. 2; 29 de junho de 1880, p. 1; 15 de dezembro de 1882, p. 2; 6 de março de 1883, p. 1; 16 de setembro de 1884, p. 2; 6 de outubro de 1884, p. 1; Corsário, 8 de março de 1883, p. 3.

Mas, voltando no tempo, foi naqueles primeiros anos na Corte que se iniciaram suas articulações políticas, acadêmicas e literárias, que resultaram no estabelecimento de vínculos − como fundador, orador oficial, sócio, presidente, colaborador, visitante etc. − com pelo menos 50 associações até 1908, quando veio a falecer em decorrência de um epitelioma, contra o qual nem os médicos europeus puderam. A variedade de interlocutores já era considerável ainda nos anos 1870, quando integrou o Atheneu Pedagógico, o Instituto dos Acadêmicos, o Alpha Literário, o Club Republicano, bem como quando realizou a conferência inaugural da Liga Operária, discursando sobre o tema “O operário perante os séculos”, em fevereiro de 1878.12 12 Gazeta de Notícias, 5 de maio de 1877, p. 3; Diário do Rio de Janeiro, 21 de julho de 1878, p. 2; Gazeta de Notícias, 19 de julho de 1877, p. 1; 14 de janeiro de 1878, p. 1; O Repórter, 16 de março de 1879, p. 2; O Globo, 9 de fevereiro de 1878, p. 3. Isso sem falar do vínculo duradouro com a Imperial Associação Tipográfica Fluminense, como sócio honorário, e de sua mais lembrada conferência, “Império e escravidão; o Parlamento e a pena de morte”, promovida pela entidade, em parceria com a Sociedade Brasileira Ensaios Literários, em março de 1879, no Teatro São Luiz (Souza, 1879SOUZA, Vicente de. Império e escravidão; o Parlamento e a pena de morte. Tipografia de Molarinho & Montalverne, 1879.).

Esse discurso revelava um orador abolicionista, republicano e socialista, que, recém-doutor, se mantinha a serviço do associativismo operário. Com esse perfil, Vicente de Souza chamava para si a simpatia e firmava a interlocução com segmentos sociais com os quais outros “homens de cor” combativos, como José do Patrocínio, Ferreira de Menezes e André Rebouças, parecem não ter estabelecido tão fina sintonia, pelo menos não nos termos em que procedeu nas duas últimas décadas do Oitocentos. É preciso lembrar que, em relação aos conflitos raciais abertos, é sabido que Vicente de Souza protagonizou uma acirrada polêmica, juntamente com José do Patrocínio, contra insultos racistas dirigidos a eles por Silvio Romero em 1881 - episódio este analisado por Ana Flávia Magalhães Pinto (2016PINTO, Ana Flávia Magalhães. José do Patrocínio: abolição, racismo e uma pedra no caminho chamada Sílvio Romero. In: PINTO, Ana Flávia Magalhães; CHALHOUB, Sidney (org.). Pensadores negros − pensadoras negras: Brasil, séculos XIX e XX. Cruz das Almas: EDUFRB; Belo Horizonte:Fino Traço, 2016.). Seja como for, o que se viu em 1879 era só um resultado parcial. Muitos outros desdobramentos ora mais, ora menos dinâmicos estavam por ser vividos.

Indiscutivelmente, a atuação de Vicente de Souza não se fez discretamente. Até mesmo Joaquim Nabuco, em sua versão sobre o que teria sido o início da campanha abolicionista na Corte, o reconheceu entre os protagonistas:

Dentre aqueles com quem mais intimamente lidei em 1879 e 1880, e que formavam comigo um grupo homogêneo, a nossa pequena igreja, as principais figuras eram André Rebouças, Gusmão Lobo e Joaquim Serra... A igreja fronteira era a de José do Patrocínio, Ferreira de Menezes, Vicente de Souza, Nicolau Moreira, depois João Clapp com a Confederação Abolicionista. (Nabuco, 1899NABUCO, Joaquim. Minha formação. Revista Brazileira, v. 17, p. 176, 1899.: 176)13 13 Essa versão seria endossada por Evaristo de Moraes (1986) em A Campanha Abolicionista (1879-1888).

Além dos marcos que privilegiam a iniciativa parlamentar e a perspectiva “nabuquista”, tal como fizera na década anterior, Vicente de Souza novamente se valeu de múltiplos espaços para pautar as bandeiras da abolição, da república e da causa operária. Tanto que, até onde pude alcançar, se manteve ativo na mobilização de dezenas de associações, muitas das quais sugerem sua capacidade de articular trabalhadores populares nas fileiras abolicionistas, com destaque para a Associação Operária Emancipadora Vicente de Souza, fundada em 1882, da qual era patrono. Uma medida dessa intensa agitação pode ser alcançada por meio da lista a seguir, composta pelo nome das associações e o ano dos primeiros registros de sua participação encontrados em diferentes jornais, o que, ademais, aponta para certas opções de sua atuação política e cultural:

Na década de 1880, a despeito dos altos e baixos e das reservas do Partido Republicano em relação à “questão do elemento servil” (Boehrer, s.d.BOEHRER, George C. A. Da Monarquia à República: história do Partido Republicano do Brasil (1870-1889). Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura/Serviço de Documentação, s/d.), Vicente de Souza se manteve firme na condenação da Monarquia durante o período em que os liberais estiveram no poder e no posterior retorno dos conservadores. Como disse ele:

E, nascendo ambos da mesma origem; e subsistindo ambos nos mesmos meios; e tendendo ambos ao mesmo fim; império e escravidão identificam-se; império e escravidão consubstanciam-se. [...]

O império, cidadãos, vive apoiando-se nas armas que oprimem, na opressão que abate, no abatimento que embrutece, no embrutecimento que mata, na morte que aniquila... e até o aniquilamento moral que é pior do que a decomposição dos órgãos.

A escravidão vive e alimenta-se na ignorância que deprime, na depressão que rebaixa, no rebaixamento que avilta, no aviltamento que torna o homem repelente a seus próprios olhos. (Souza, 1879SOUZA, Vicente de. Império e escravidão; o Parlamento e a pena de morte. Tipografia de Molarinho & Montalverne, 1879.: 11-12)14 14 Ao condenar a escravidão dos negros na América, que contou com o protagonismo português, Vicente de Souza não deixou de reconhecer a participação de africanos no comércio transatlântico de carne humana: “Ela, pujante pela natureza, vigorosa como as árvores de suas florestas virgens, livre como os ventos que se embatem na face dos seus oceanos, ela, a nossa pátria, era abatida até o aviltamento, aviltada até a repugnância, servindo de asilo aos filhos das florestas africanas - homens impertérritos como o baobá de seu solo; mas brutais como a selvageria do hipopótamo; selvagens como a brutalidade de suas guerras” (Souza, 1879/1986: 14-15).

Tal como defendido nesse discurso de 1879, em que condenou a proposta da pena de morte ao escravizado que cometesse crimes graves como meio de ser submetido às galés perpétuas, Vicente daria outra demonstração de fé na opção republicana nos debates de formação da Sociedade Central de Imigração em 1883. Compondo a diretoria da entidade presidida pelo tenente-general Beaurepaire Rohan, vice-presidida por Alfredo de Escragnolle Taunay, e que tinha André Rebouças como primeiro secretário, ele chegou a apresentar uma nota pública se desligando do projeto pouco depois do lançamento, por considerar que havia excesso de boa vontade com o governo imperial:

O manifesto, há dias publicado, deu ocasião para ser vangloriado o influxo benéfico da monarquia, e foi por isso que recusei-me, em sessão de 11, subscrevê-lo.

O discurso do vice-presidente na sessão instaladora de 17, em nome da Sociedade Central de Imigração, ferindo crenças, agredindo convicções, foi ainda o inoportuno louvor à monarquia.

Republicano professo, não posso estar de acordo com quem pospõe o futuro do meu país no presente de uma instituição irracional e exótica na América.15 15 Gazeta de Notícias, 19 de novembro de 1883, p. 3; grifos meus.

Não obstante, procurado pelos líderes da sociedade para demovê-lo da decisão, acabou voltando atrás e se fez comprometido, por algum tempo, com várias ações da entidade, que dependiam até mesmo de um bom diálogo com o governo imperial.16 16 Gazeta de Notícias, 27 de novembro de 1883, p. 2; 6 de março de 1884, p. 2; 3 de setembro de 1886, p. 1. A possibilidade de fortalecer de alguma maneira a crítica ao latifúndio, à “moribunda oligarquia rural” e à escravidão, e quiçá a sua vaidade podem ter falado mais alto.17 17 Sobre as características da instituição e o perfil hegemônico de seus membros, cf. Michael Hall (1976).

Por seu turno, a aposta no direito político do voto foi outro meio pelo qual Vicente de Souza buscou defender seus ideais e, até mesmo, a si próprio como sujeito capaz de impulsionar mudanças. Em janeiro de 1877, aos 25 anos de idade, “solteiro, professor, filho de Joaquim Theodoro de Souza”, domiciliado à Rua das Laranjeiras n. 12, declarando rendimento anual de 2.400 réis, portanto, elegível, ele constava entre os eleitores do 24º quarteirão da freguesia de Nossa Senhora da Glória.18 18 Diário do Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1877, p. 3. Manteve a condição de eleitor mesmo após a reforma eleitoral de 1881, afirmação que se sustenta no registro de sua participação como mesário da segunda seção da freguesia do Espírito Santo em 1886.19 19 Gazeta da Tarde, 12 de janeiro de 1886, p. 1.

Uma vez proclamada a República, pôde gozar um pouco mais de espaço político governamental, ainda que por tempo limitado. Afora o convite para compor a equipe de reforma do ensino, por ordem do marechal Deodoro, coube a ele concorrer à vaga de deputado federal nas eleições de setembro de 1890, sendo reconhecido nas chapas tanto do Club Tiradentes quanto dos diferentes setores do Partido Operário, identificados como “operários puritanos” e “operário independentes”.20 20 Gazeta de Notícias, 30 de novembro de 1889, p. 1; O Paiz, 1º de julho de 1890, p. 3; 22 de julho de 1890, p. 2; 5 de setembro de 1890, p. 3. Dessa vez, entretanto, não foi eleito. Já nas eleições realizadas em 1892, na conturbada gestão de Floriano Peixoto, saiu como candidato do governo e ganhou, mas não levou. No pleito aberto para escolher o substituto de Aristides Lobo, eleito para o Senado, foi o mais votado, recebendo apenas 1.583 votos, um número considerado irrisório perante o tamanho do eleitorado do Distrito Federal. Todavia, não foi a baixa participação popular que justificou a sua degola, mas, o fato de desempenhar o cargo de diretor do Diário Oficial desde novembro do ano anterior, conforme argumentos do parlamentar Luiz Murat, defendidos perante a Comissão de Petição e Poderes da Câmara.21 21 O Paiz, 4 de agosto de 1892, p. 1; 26 de agosto de 1892, p. 1; 10 de setembro de 1892, p. 2; Sentindo-se injustiçado, Vicente de Souza escreveu uma longa carta, publicada em O Paiz, por meio da qual dizia, entre outras coisas: “Tenho um nome a zelar, conquanto obscuro, feito à custa de muito trabalho e sacrifício; e não me sujeitarei a ser arrastado, em público, como autor dos dislates que qualquer comissão de poderes, negócios e conveniências me queira atribuir”.22 22 O Paiz, 12 de setembro de 1892, p. 3.

O caso, obviamente, guarda muitas outras minúcias que renderiam um outro texto. Por ora, cabe dizer que esse episódio parece ter sido decisivo para a forma como Vicente de Souza passaria a priorizar sua atuação política dali em diante. Se, no início de 1890, ele abrira as portas de sua casa para oferecer “um curso de democracia, com o fito de habilitar os cidadãos ao perfeito conhecimento das doutrinas republicanas”;23 23 Gazeta de Notícias, 1o de fevereiro de 1890, p. 1; O Paiz, 22 de fevereiro de 1890, p. 2. ;as frustrações de 1892 o fizeram não só pedir exoneração do Diário Oficial, como também se dedicar ainda mais às organizações operárias, à defesa do socialismo e às questões do ensino, como fica sugerido no quadro a seguir, que também é formado pelo nome das entidades e pelo ano dos primeiros registros da participação de Vicente de Souza.

A propósito, os fatos que se sucederam após a degola são os que mais alcançaram o interesse dos pesquisadores (Carvalho, 1987CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi São Paulo: Companhia das Letras, 1987.; Chalhoub, 1996CHALHOUB Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperiai. São Paulo: Companhia das Letras , 1996.; Meade, 1999MEADE, Teresa A. “Civilizing” Rio: Reform and Resistance in a Brazilian City, 1889-1930. University Park: The Pennsylvania State University Press, 1999.; Needell, 1996NEEDELL, Jeffrey D. The Revolta Contra a Vacina of 1904: The Revolt against “Modernization” in Belle Époque Rio de Janeiro. In: ARROM, Silvia M.; ORTOLL, Servando (ed.). Riots in the Cities: Popular Politics and the Urban Poor in Latin America, 1765-1910. Wilmington, DE: Scholarly Resources Inc., 1996. p. 155-194.; Moraes Filho, 1981MORAES F FILHO, Evaristo de (org.). O socialismo brasileiro. Brasília: Editora UnB/Câmara dos Deputados, 1981.; Gomes, 2005GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005.; Batalha, 2007BATALHA, Cláudio Henrique. A difusão do marxismo e os socialistas brasileiros na virada do século XIX. In: MORAES, João Quartim de (org.). História do marxismo no Brasi. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. V. 2, p. 9-41.; Mattos, 2008MATTOS, Marcelo Badaró. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008.). É desse período que datam a articulação com o Centro Socialista de Santos (1895-1896); a organização do Centro das Classes Operárias (1901); a fundação do Partido Socialista Coletivista, juntamente com Gustavo de Lacerda (1902); a mobilização e a mediação de greves, com destaque para as paralisações dos trabalhadores do Novo Lloyd Brasileiro (1903); e o envolvimento na Revolta da Vacina, momento em que se ressalta a influência positivista de Vicente de Souza (1904)SOUZA, Vicente de. Império e escravidão; o Parlamento e a pena de morte. Tipografia de Molarinho & Montalverne, 1879..

É nesse contexto que iremos encontrá-lo, além do mais, numa reunião promovida pela Federação dos Estudantes Brasileiros em 1902, para a qual fora convidado a demonstrar a tese “Emilio Zola, socialista”, falando sobre os romances Germinal, Fecundidade e Trabalho, perante uma plateia formada por algumas personalidades da cena cultural e outros tantos representantes das associações de trabalhadores: Centro das Classes Operárias, Associação dos Operários no Brasil, Liga dos Chapeleiros, Associação dos Sapateiros, União dos Marceneiros, Congresso União dos Operários das Pedreiras, Partido Socialista Coletivista, entre outras.24 24 O Paiz, 1º de dezembro de 1902, p. 2.

Com efeito, acredito que ter ficado nítido que o fato de a sua militância socialista se tornar mais visível a partir daí se coloca como situação diversa do início da adesão efetiva de Vicente de Souza ao socialismo. Muito mais do que a emergência, o que se assistiu nos primeiros anos de República, recheados de desenganos para setores mais radicais e segmentos subalternizados da sociedade, foi o realce do socialismo em suas proposições democráticas. Nada tendo de empiricamente alienígena, tais ideias políticas foram postas em diálogo com as demandas dos trabalhadores no pós-abolição. Nesse sentido, o nosso professor-médico-ativista foi um valioso tradutor dessa dinâmica, conforme observou Cláudio Batalha (2007BATALHA, Cláudio Henrique. A difusão do marxismo e os socialistas brasileiros na virada do século XIX. In: MORAES, João Quartim de (org.). História do marxismo no Brasi. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. V. 2, p. 9-41.: 27-28):

[...] no caso dos socialistas brasileiros não são alguns expoentes do movimento republicano que aderem ao socialismo, mas militantes sem experiência de elaboração teórica que subitamente se veem à frente da nova corrente. A principal exceção é, talvez, o caso de Vicente de Souza, que já era um orador republicano de certa importância e membro destacado do Clube Republicano Tiradentes.

E a despeito de ele não ter condensado suas elaborações teóricas sobre o assunto em livros ou obras de fôlego, seus artigos publicados em vários jornais, os resumos de suas conferências e outras formas indiretas de registro de suas ideias, em sua opacidade e indícios, estão aí a desafiar a habilidade de leitura de quem se dedica ao ofício da historiografia (Darnton, 1986DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986.; Ginzburg, 1989GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras , 1989.).

Assim, a percepção dos elos entre o abolicionismo, o republicanismo e o socialismo na trajetória de Vicente de Souza como uma sequência cronológica de fases, além de produzir pontos cegos, é problemática por induzir a um entendimento compartimentado, que reduz a complexidade de suas experiências. A observação dos vínculos estabelecidos com dezenas de associações tende a permitir, em vez disso, o reconhecimento de o quanto um vínculo orientava o outro e como juntos foram importantes na condução de seus passos na sociedade imperial e na republicana, no período escravista e no pós-abolição.

Para além da História: desdobramentos das políticas de memória acerca da trajetória de Vicente de Souza

Na sala de reuniões do Centro das Classes Operárias, a comissão está reunida: Alfredo José Leocadio, mestre carpinteiro; José de Almeida Costa Lima, mestre de oficina; Crimínio Rodrigues Ferreira, mestre ferreiro; Candido Francisco Ferreira, mestre de fundição; Emilio Caetano de Magalhães, carpinteiro; Manoel de Sousa Lima, torneiro mecânico; João Gualberto de Queiroz, modelador.

Em silêncio aguardam, olhando de vez em quando o grande relógio de pêndulo que, a um canto, tiquetaqueia lugubremente. Vicente de Souza, que convocou a reunião, está atrasado. Compreensível: médico, professor da faculdade, político, é um homem de múltiplas atividades. Mesmo assim a demora preocupa, quanto mais não seja, pela urgência do momento: coisas estão acontecendo, coisas sérias, que precisam ser analisadas e debatidas, a fim de que eles possam decidir as posições a serem adotadas.

Um processo com o qual, são obrigados a admitir, não estão familiarizados. O movimento sindical é relativamente novo no Brasil, como o é a própria classe operária; afinal, a escravatura foi abolida há apenas quinze anos. As formas de organização obreiras estão chegando ao Brasil, sim, mas principalmente a São Paulo. Os trabalhadores do Rio são inexperientes na luta política. Precisam de pessoas como Vicente de Souza que os aconselhem sobre o que fazer.

Finalmente, ele chega. Agitado, esfuziante: desculpem, companheiros, desculpem o atraso, tive outra reunião, vocês sabem como essas coisas são. Os homens - a irritação instantaneamente desfeita - cumprimentam-no com efusão e até com veneração. Porque este mulato, nascido na Bahia, já é uma figura lendária no Rio - e no Brasil. Veterano da campanha abolicionista e das lutas pela República, Vicente de Souza foi aos poucos se voltando à causa da transformação radical da sociedade. Adepto do socialismo (palavra um tanto enigmática para estes homens), ele organizou várias uniões obreiras, depois congregadas no Centro, que ajudou a fundar e preside. Trajetória surpreendente, considerando que ele é um legítimo autodidata, em termos de agitação sindical. (Scliar, 1992SCLIAR, Moacyr. Sonhos tropicais. São Paulo: Companhia das Letras , 1992.: 133-134; grifos meus)

O trecho transcrito corresponde ao momento em que o escritor Moacyr Scliar introduz a figura de Vicente de Souza aos/às leitores/as de Sonhos tropicais, romance biográfico dedicado à memória do médico sanitarista Oswaldo Cruz. Numa narrativa recheada de sujeitos identificados a partir de suas características fenotípicas, como meio de asseverar cenários de conflitos entre pobreza e riqueza, ignorância e sabedoria, Vicente é incorporado à trama como uma espécie de antítese do próprio Oswaldo, o sujeito que conquistou respeito até mesmo da elite pensante francesa. As limitações imputadas ao médico baiano radicado no Rio, com efeito, não se limitam ao contraste com aquele que se seria posteriormente reconhecido como um herói da saúde pública brasileira, após ter enfrentado uma massa de ignorantes, a fim de combater a varíola, a peste bubônica e a febre amarela que ameaçavam assolar a capital federal no início do século XX.

Páginas adiante, Scliar constrói um diálogo entre Vicente e Horácio José da Silva, o legendário Prata Preta do bairro da Saúde, outro a resistir ao projeto de Oswaldo Cruz. Dessa vez, a elaboração ficcional serve para evidenciar uma desconexão entre o homem de fino de trato, frequentador de bons cafés e salões, mas que se pretendia liderança popular; e o outro, que estaria efetivamente na linha de frente da “Revolta da Vacina”, forjando estratégias de guerrilha urbana capazes de enganar e afugentar as forças policiais. Sem espaço para o reconhecimento de articulações anteriores, o que se vê na narrativa é um sujeito de pele mais clara que tenta manobrar a força física de outro de tez intransigentemente escura, líder de um mundo apresentado como paralelo, repleto de todo o atraso e doenças que o doutor Cruz, em parceria com a Prefeitura, lutava para suplantar, nem que fosse na marra (ibidem: 157-160).

Não fosse essa camada de leitura sobre a trajetória de Vicente de Souza e de quebra sobre as movimentações populares e operárias suficientemente conflitante com as abordagens recentes da história social do trabalho e do pós-abolição, a adaptação deste romance para o cinema, realizada pelo diretor André Sturm, em 2001, trouxe mais algumas inquietações. O filme, que reproduz o mesmo título da obra de Scliar, além de reforçar a impressão de Vicente de Souza ter sido um manipulador das classes baixas, cria na audiência a impressão de que ele teria sido um homem branco, uma vez que Antonio Grassi foi o ator escalado para viver o “médico mulato”.25 25 O filme Sonhos Tropicais (2001), dirigido por André Sturm, está disponível no Youtube, por meio do link: https://youtu.be/fieH3FqzrZ0.

Se as compartimentalizações da experiência político-ideológica de Vicente de Souza, no âmbito dos estudos históricos, já têm produzido uma série de filtros de leitura que comprometem o entendimento da própria viabilidade da sua trajetória, a exemplo do problematizado neste artigo, é preciso reconhecer que o campo de disputas de narrativas em que tem se dado a produção de sentidos e as políticas de memória sobre as experiências negras na liberdade e no pós-abolição é muito mais amplo, complexo e controverso. O desafio que está posto aos recentes estudos e abordagens sobre trajetórias negras não se encerra no mero reconhecimento desses sujeitos históricos nas fontes documentais que sobreviveram à seletividade humana e à ação do tempo, mas numa crítica profunda da matriz de pensamento que organiza as possibilidades de interlocução com o passado e o desdobramento desse diálogo nos termos do tempo presente.

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  • 1
    O Paiz, 13 de maio de 1913, p. 2; ibidem 14 de maio de 1913, p. 3. Associações com presença confirmada: Círculo Operário da União; União dos Foguistas; Centro Comemorativo 1º de Maio; Sociedade de Resistências dos Cocheiros, Carroceiros e Classes Anexas; Associação Tipográfica Fluminense; Sociedade dos Artistas Brasileiros Trabalho, União e Moralidade; Operários da Imprensa Nacional; Operários da Casa da Moeda; Operários do Arsenal de Guerra; Operários Mecânicos do Teatro Municipal; Círculo Operário Fluminense; Liga Anticlerical; Liga Federal dos Empregados em Padaria; Club Recreativo Municipal São João Batista; Centro dos Operários Pintores; Centro Cívico Sete de Setembro; Centro Beneficente dos Operários Municipais; Sociedade de Resistência dos Trabalhadores do Trapiche de Café, Liga Maçônica Irá e Abolisan, União Portuguesa República da Gávea, Associação dos Empregados Barbeiros e Cabelereiros, e Centro Humanitário Lauro Sodré.
  • 2
    O Paiz, 1º de maio de 1913, p. 2. Para sínteses sobre o Partido Socialista Brasileiro, Gustavo Lacerda e Luiz de França e Silva, cf. Batalha, 2009: 233; 82; e 67-68, respectivamente. Ainda sobre Gustavo de Lacerda como prodigioso repórter e sindicalista fundador da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em 1908, cf. Sodré, 1999: 270, 307-310.
  • 3
    Entendendo isso como um traço marcante da sociabilidade brasileira no pós-abolição. João Vargas opta por denominá-lo “hiperconsciência de raça”, uma habilidade que pressupõe o reconhecimento e a imediata negação da raça como uma ferramenta analítica e moralmente válida, tornando-a incapaz de desempenhar um papel central na determinação de relações sociais, hierarquias e distribuição de recursos, ainda que se esteja diante das inegáveis desigualdades sociorraciais. “[Essa] dialética permite-nos entender como um sistema que, na superfície, é desprovido de consciência racial está, na verdade, profundamente imerso em entendimentos racializados sobre o mundo social” (Vargas, 2004VARGAS, João H. Costa. Hyperconsciousness of Race and Its Negation: The Dialectic of White Supremacy in Brazil. Identities: Global Studies in Culture and Power, v. 11, n. 4, p. 443-470, 2004.: 446).
  • 4
    O Paiz, 29 de junho de 1902, p. 2; grifo meu. Um resumo sobre fracasso de duas primeiras tentativas de criação de um partido operário, lideradas por Gustavo de Lacerda e França e Silva, encontra-se em Moraes Filho (1981MORAES, Evaristo de. A campanha abolicionista (1879-1888). Brasília: Editora UnB, 1986.: 17).
  • 5
    O Paiz, 29 de junho de 1902, p. 2. Embora defenda ser difícil achar “categorias e considerações explicitamente racistas ou discriminatórias entre os militantes anarquistas”, Luigi Biondi (1998BIONDI, Luigi. Anarquistas italianos em São Paulo. O grupo do jornal anarquista La Battaglia e a sua visão da sociedade brasileira: o embate entre imaginários libertários e etnocêntricos. Cadernos AEL, n. 8-9, p. 117-149, 1998.: 144) também registra o recurso a “temas etnocêntricos” nas páginas do jornal La Battaglia, publicado em São Paulo entre 1904 e 1913.
  • 6
    Para pensar essa confluência, destacaria alguns trabalhos fundamentais: Abreu, 2017ABREU, Martha. Da senzala ao palco - canções escravas e racismo nas Américas, 1870-1930. Campinas: Editora da Unicamp, 2017.; Albuquerque, 2009ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: Abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.; Brasil, 2016BRASIL, Eric. Carnavais atlânticos: cidadania e cultura negra no pós-abolição. Rio de Janeiro e Port-of-Spain, Trinidad (1838-1920). 2016. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói.; Chalhoub, 1996; 2012CHALHOUB Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista São Paulo: Companhia das Letras , 2012.; Gomes, 2006GOMES, Flávio. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.; Loner, 2016LONER, Beatriz. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande. 2. ed.Pelotas: Editora UFPel, 2016.; Mac Cord, 2012MAC CORD, Marcelo. Artífices da cidadania: mutualismo, educação e trabalho no Recife oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp , 2012.; Mattos, 1995MATTOS, Marcelo Badaró. Trajetórias entre fronteiras: o fim da escravidão e o fazer-se da classe trabalhadora no Rio de Janeiro. Revista Mundos do Trabalho, v. 1, n. 1, p. 51-64, jan.-jun. de2009.; Nascimento, 2001NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. A ressaca da marujada: recrutamento e disciplina na Armada Imperial. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001.; Souza, 2016; Velasco; Cruz, 2000VELASCO e CRUZ, Maria Cecília. Da tutela ao contrato: “homens de cor” brasileiros e o movimento operário carioca no pós-abolição. Topoi, v. 11, n. 20, p. 114-135, jan.-jun. 2010. e 2010VELASCO e CRUZ, Maria Cecília. Tradições negras na formação de um sindicato: Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, Rio de Janeiro, 1905-1930. Afro-Ásia, n. 24, p. 243-290, 2000..
  • 7
    Paulo Berger. Dicionário das ruas de Botafogo (IV Região Administrativa). Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1987. p. 64.
  • 8
    Gazeta de Notícias, 19 de setembro de 1908, p. 3.
  • 9
    Idem; O Século, 19 de setembro de 1908, p. 1.
  • 10
    O Globo, 2 de setembro de 1877, p. 4; Gazeta de Notícias, 11 de abril de 1876, p. 4; 15 de abril de 1880, p. 2; 10 de julho de 1880, p. 3; 4 de junho de 1881, p. 5; 5 de agosto de 1881, p. 4; 31 de maio de 1882, p. 4; 2 de janeiro de 1883, p. 4; 7 de agosto de 1883, p. 2; 29 de julho de 1884, p. 2.
  • 11
    Gazeta de Notícias 19 de setembro de 1908, p. 3; A Reforma, 11 de outubro de 1878; Gazeta de Notícias, 1º de fevereiro de 1879, p. 2; 1º de março de 1879, p. 1; 10 de julho de 1879, p. 2; 29 de junho de 1880, p. 1; 15 de dezembro de 1882, p. 2; 6 de março de 1883, p. 1; 16 de setembro de 1884, p. 2; 6 de outubro de 1884, p. 1; Corsário, 8 de março de 1883, p. 3.
  • 12
    Gazeta de Notícias, 5 de maio de 1877, p. 3; Diário do Rio de Janeiro, 21 de julho de 1878, p. 2; Gazeta de Notícias, 19 de julho de 1877, p. 1; 14 de janeiro de 1878, p. 1; O Repórter, 16 de março de 1879, p. 2; O Globo, 9 de fevereiro de 1878, p. 3.
  • 13
    Essa versão seria endossada por Evaristo de Moraes (1986) em A Campanha Abolicionista (1879-1888).
  • 14
    Ao condenar a escravidão dos negros na América, que contou com o protagonismo português, Vicente de Souza não deixou de reconhecer a participação de africanos no comércio transatlântico de carne humana: “Ela, pujante pela natureza, vigorosa como as árvores de suas florestas virgens, livre como os ventos que se embatem na face dos seus oceanos, ela, a nossa pátria, era abatida até o aviltamento, aviltada até a repugnância, servindo de asilo aos filhos das florestas africanas - homens impertérritos como o baobá de seu solo; mas brutais como a selvageria do hipopótamo; selvagens como a brutalidade de suas guerras” (Souza, 1879VALDEZ, Diane. A representação de infância nas propostas pedagógicas do dr. Abilio Cesar Borges: o barão de Macahubas (1856-1891). 2006. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas./1986SOUZA, Robério. Trabalhadores dos trilhos: imigrantes e nacionais livres, libertos e escravos na construção da primeira ferrovia baiana (1858-1863). Campinas: Editora da Unicamp , 2016.: 14-15).
  • 15
    Gazeta de Notícias, 19 de novembro de 1883, p. 3; grifos meus.
  • 16
    Gazeta de Notícias, 27 de novembro de 1883, p. 2; 6 de março de 1884, p. 2; 3 de setembro de 1886, p. 1.
  • 17
    Sobre as características da instituição e o perfil hegemônico de seus membros, cf. Michael Hall (1976)HALL, Michael. Reformadores de classe média no Império brasileiro e a Sociedade Central de Imigração. Revista de História, v. 53, n. 105, p. 148-160, 1976..
  • 18
    Diário do Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1877, p. 3.
  • 19
    Gazeta da Tarde, 12 de janeiro de 1886, p. 1.
  • 20
    Gazeta de Notícias, 30 de novembro de 1889, p. 1; O Paiz, 1º de julho de 1890, p. 3; 22 de julho de 1890, p. 2; 5 de setembro de 1890, p. 3.
  • 21
    O Paiz, 4 de agosto de 1892, p. 1; 26 de agosto de 1892, p. 1; 10 de setembro de 1892, p. 2;
  • 22
    O Paiz, 12 de setembro de 1892, p. 3.
  • 23
    Gazeta de Notícias, 1o de fevereiro de 1890, p. 1; O Paiz, 22 de fevereiro de 1890, p. 2.
  • 24
    O Paiz, 1º de dezembro de 1902, p. 2.
  • 25
    O filme Sonhos Tropicais (2001), dirigido por André Sturm, está disponível no Youtube, por meio do link: https://youtu.be/fieH3FqzrZ0.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2018
  • Aceito
    28 Fev 2019
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