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Radioembolização transarterial hepática como terapia neoadjuvante: relato de três casos

RESUMO

A radioembolização transarterial hepática com microesferas de ítrio-90 é uma modalidade paliativa de tratamento locorregional minimamente invasiva. O objetivo neoadjuvante deste tratamento ainda é controverso, mas casos selecionados de lesões consideradas inicialmente irressecáveis reenquadram-se como candidatos à terapia curativa após a radioembolização transarterial hepática. Relatamos três casos em que a radioembolização transarterial hepática foi utilizada como terapia neoadjuvante de forma efetiva possibilitando aplicação posterior de terapias potencialmente curativas.

Radioembolização; Neoplasias hepáticas; Colangiocarcinoma; Terapia neoadjuvante; Embolização terapêutica/métodos

ABSTRACT

Transarterial radioembolization (TARE) with yttrium-90 microspheres is a palliative locoregional treatment, minimally invasive for liver tumors. The neoadjuvant aim of this treatment is still controversial, however, selected cases with lesions initially considered unresectable have been enframed as candidates for curative therapy after hepatic transarterial radioembolization. We report three cases in which the hepatic transarterial radioembolization was used as neoadjuvant therapy in an effective way, allowing posterior potentially curative therapies.

Radioembolization; Liver neoplasms; Cholangiocarcinoma; Neoadjuvant therapy; Embolization, therapeutic/methods

INTRODUÇÃO

As neoplasias hepáticas primárias e secundárias são importante causa de mortalidade relacionada ao câncer. Ao diagnóstico, o tratamento curativo somente é possível em uma minoria destes pacientes, e as diversas modalidades paliativas de tratamento parecem ser as propostas terapêuticas melhores indicadas na condução da maioria destes pacientes.( 11. Murthy R, Kamat P, Nuñez R, Salem R. Radioembolization of yttrium-90 microspheres for hepatic malignancy. Semin Intervent Radiol. 2008;25(1):48-57.

2. Torre LA, Bray F, Siegel RL, Ferlay J, Lortet-Tieulent J, Jemal A. Global cancer statistics, 2012. CA Cancer J Clin. 2015;65(2):87-108.
- 33. Bergquist A, von Seth E. Epidemiology of cholangiocarcinoma. Best Pract Res Clin Gastroenterol. 2015;29(2):221-32. Review. )A radioembolização transarterial hepática (TARE) com microesferas de ítrio-90 é uma modalidade paliativa de tratamento locorregional minimamente invasiva. A indicação, em geral, ocorre diante da progressão das lesões hepáticas, a despeito do uso da terapia sistêmica convencional, terapia cirúrgica (ressecção ou transplantes) ou mesmo outras modalidades locorregionais, como quimioembolização ou ablação.( 11. Murthy R, Kamat P, Nuñez R, Salem R. Radioembolization of yttrium-90 microspheres for hepatic malignancy. Semin Intervent Radiol. 2008;25(1):48-57. , 44. Wang EA, Broadwell SR, Bellavia RJ, Stein JP. Selective internal radiation therapy with SIR-Spheres in hepatocellular carcinoma and cholangiocarcinoma. J Gastrointest Oncol. 2017;8(2):266-78. Review. , 55. Garrean S, Hering J, Saied A, Helton WS, Espat NJ. Radiofrequency ablation of primary and metastatic liver tumors: a critical review of the literature. Am J Surg. 2008;195(4):508-20. Review. )O objetivo neoadjuvante deste tratamento ainda é controverso, mas casos selecionados de lesões consideradas inicialmente irressecáveis ao submeterem-se à TARE reenquadram-se como candidatos à terapia curativa.( 44. Wang EA, Broadwell SR, Bellavia RJ, Stein JP. Selective internal radiation therapy with SIR-Spheres in hepatocellular carcinoma and cholangiocarcinoma. J Gastrointest Oncol. 2017;8(2):266-78. Review. , 66. Tohme S, Sukato D, Chen HW, Amesur, N, Zajko AB, Humar A, et al. Yttrium-90 radioembolization as a bridge to liver transplantation: a single-institution experience. J Vasc Interv Radiol. 2013,24(11):1632-8. , 77. Ettorre GM, Vennarecci G, Santoro R, Miglioresi L, Lepiane P, Colasanti M, et al. Experiences in hepatic surgery and transplantation after radioembolization. J Nucl Med Radiat Ther. 2011,2:1. )

OBJETIVO

Relatar três casos de tumores do fígado em que a radioembolização transarterial hepática foi utilizada como terapia neoadjuvante.

RELATO DE CASO

Caso 1

Homem, 68 anos, com carcinoma hepatocelular multinodular, previamente tratado com TARE e ablação por radiofrequência, fora dos critérios para transplante hepático e sem sucesso na terapia de downstaging ( Figura 1A ). Realizada TARE ( Figura 1B ) e, após 7 meses, as lesões demonstraram redução de diâmetro com reenquadramento aos critérios de Milão ( Figura 1C ), possibilitando o transplante hepático ( Figura 1D ).

Figura 1
Paciente hepatopata, submetido a transplante hepático após radioembolização transarterial hepática. (A) Ressonância magnética demonstrando sinais de hapatopatia crônica e múltiplas lesões hipervasculares compatíveis com hepatocarcinoma. Paciente fora dos critérios de transplante hepático. (B) Angiografias das artérias hepáticas durante o procedimento de radioembolização. (C) Ressonância magnética pós-radioembolização transarterial hepática: redução e necrose das lesões. (D) Ressonância magnética demonstrando fígado transplantado

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 35 anos, apresentando colangiocarcinoma irressecável envolvendo as veias hepáticas direita e média, e remanescente hepático de 23% (segmento lateral do lobo hepático esquerdo) ( Figura 2A ). Submetida à TARE, evidenciou redução do volume tumoral após 90 dias, bem como da atividade glicolítica tumoral (SUV=4,4; era 10,4) ( Figura 2B ). No seguimento tardio de 9 meses, não mais se evidenciava invasão da veia hepática direita, com remanescente hepático de 63% ( Figura 2C ), permitindo a ressecção dos segmentos afetados ( Figura 2D ).

Figura 2
Paciente portadora de colangiocarcinoma, inicialmente não candidata a ressecção. (A) Lesão expansiva de 7,0 × 5,3cm, invadindo a veia cava e veias hepáticas direita e média, sugestiva de colangiocarcinoma. (B) Tomografia computadorizada por emissão de pósitrons pré e pós-tratamento. (C) Tomografia computadorizada pré-radioembolização transarterial hepática e de seguimento (9 meses pós-radioembolização transarterial hepática), a qual demonstra redução das dimensões da lesão e discreto contato com estruturas vasculares. (D) Aspecto do fígado na tomografia computadorizada após ressecção dos segmentos IV, VIII e caudado

Caso 3

Paciente do sexo masculino, 59 anos, hepatite vírus C e volumoso hepatocarcinoma (7,5cm) envolvendo os segmentos IVa/VIII ( Figura 3A ). Foi tratado com TARE objetivando controle tumoral local com radioembolização seletiva (lobo hepático direito e ramos do segmento IV) e hipertrofia compensatória dos segmentos não tratados (II e III) ( Figura 3B ). Dois meses após, os segmentos não tratados representavam 50% do volume hepático (representavam 26%) ( Figura 3C ) e o paciente foi submetido à hepatectomia direita ampliada ( Figura 3D ).

Figura 3
Radioembolização transarterial hepática pré-operatória, demonstrando efeito antitumoral e isquêmico. (A) Tomografia computadorizada com volumosa lesão sugestiva de hepatocarcinoma no lobo hepático direito. (B) Tomografia computadorizada por emissão de pósitrons de controle imediato após radioembolização transarterial hepática demonstrando distribuição do Y-90 no lobo direito e segmento IV, e ausência de captação nos segmentos II e III. (C) Reconstruções tomográficas evidenciando hipertrofia compensatória do lobo esquerdo após radioembolização transarterial hepática. (D) Peça cirúrgica ressecada − lobo direito e segmento IV

DISCUSSÃO

Mohamed et al., em sua série comparando quatro diferentes modalidades terapêuticas como ponte para transplante hepático, notaram que a TARE foi efetiva, assim como as demais, com a vantagem de menor toxicidade aguda (tanto quanto a radioterapia estereotática), possibilitando o transplante nos pacientes com lesões de maiores diâmetros.( 88. Mohamed M, Katz AW, Tejani MA, Sharma AK, Kashyap R, Noel MS, et al. Comparison of outcomes between SBRT, yttrium-90 radioembolization, transarterial chemoembolization, and radiofrequency ablation as bridge to transplant for hepatocellular carcinoma. Adv Radiat Oncol. 2016;1(1): 35-42. )

Em 2011, Ettore et al., publicaram sua casuística de pacientes nos estágios Barcelona Clinic Liver Cancer (BCLC) B e C fora dos critérios de Milão, obtendo conversão para o transplante hepático em 11%, os quais foram tratados com TARE, inicialmente apenas como modalidade paliativa.( 77. Ettorre GM, Vennarecci G, Santoro R, Miglioresi L, Lepiane P, Colasanti M, et al. Experiences in hepatic surgery and transplantation after radioembolization. J Nucl Med Radiat Ther. 2011,2:1. )

Em revisão sistemática, Braat et al., apresentaram estudos que apontam evidências do benefício do uso neoadjuvante da TARE no colangiocarcinoma intra-hepático e nas metástases hepáticas, além do hepatocarcinoma.( 99. Braat MN, Samim M, van den Bosch MA, Lam MG. The role of (90)Y-radioembolization in downstaging primary and secondary hepaticmalignancies: a systematic review. Clin Transl Imaging. 2016;4:283-95. Review. )

Não houve casos de progressão de doença durante o tempo de espera para intervenção cirúrgica. Todos os pacientes relatados estão em acompanhamento (média de 25,6 meses após o tratamento cirúrgico definitivo; variando de 8 a 35 meses) e sem recidiva de doença.

Em nossos casos, a TARE foi uma terapia efetiva, combinando simultaneamente o efeito antitumoral (citotoxicidade induzida pela radiação) e o efeito isquêmico com hipertrofia dos segmentos não embolizados, possibilitando o emprego posterior de terapias potencialmente curativas.( 99. Braat MN, Samim M, van den Bosch MA, Lam MG. The role of (90)Y-radioembolization in downstaging primary and secondary hepaticmalignancies: a systematic review. Clin Transl Imaging. 2016;4:283-95. Review. , 1010. Zori AG, Ismael MN, Limaye AR, Suman A, Soldevila-Pico C, Andreoni KA. Transarterial Radioembolization as Bridge Therapy for Patients with Early Stage Hepatocellular Carcinoma Undergoing Liver Transplantation and Universiy of Florida Experience. Gastroenterology. 2017;152:(5):S1177. )

REFERENCES

  • 1
    Murthy R, Kamat P, Nuñez R, Salem R. Radioembolization of yttrium-90 microspheres for hepatic malignancy. Semin Intervent Radiol. 2008;25(1):48-57.
  • 2
    Torre LA, Bray F, Siegel RL, Ferlay J, Lortet-Tieulent J, Jemal A. Global cancer statistics, 2012. CA Cancer J Clin. 2015;65(2):87-108.
  • 3
    Bergquist A, von Seth E. Epidemiology of cholangiocarcinoma. Best Pract Res Clin Gastroenterol. 2015;29(2):221-32. Review.
  • 4
    Wang EA, Broadwell SR, Bellavia RJ, Stein JP. Selective internal radiation therapy with SIR-Spheres in hepatocellular carcinoma and cholangiocarcinoma. J Gastrointest Oncol. 2017;8(2):266-78. Review.
  • 5
    Garrean S, Hering J, Saied A, Helton WS, Espat NJ. Radiofrequency ablation of primary and metastatic liver tumors: a critical review of the literature. Am J Surg. 2008;195(4):508-20. Review.
  • 6
    Tohme S, Sukato D, Chen HW, Amesur, N, Zajko AB, Humar A, et al. Yttrium-90 radioembolization as a bridge to liver transplantation: a single-institution experience. J Vasc Interv Radiol. 2013,24(11):1632-8.
  • 7
    Ettorre GM, Vennarecci G, Santoro R, Miglioresi L, Lepiane P, Colasanti M, et al. Experiences in hepatic surgery and transplantation after radioembolization. J Nucl Med Radiat Ther. 2011,2:1.
  • 8
    Mohamed M, Katz AW, Tejani MA, Sharma AK, Kashyap R, Noel MS, et al. Comparison of outcomes between SBRT, yttrium-90 radioembolization, transarterial chemoembolization, and radiofrequency ablation as bridge to transplant for hepatocellular carcinoma. Adv Radiat Oncol. 2016;1(1): 35-42.
  • 9
    Braat MN, Samim M, van den Bosch MA, Lam MG. The role of (90)Y-radioembolization in downstaging primary and secondary hepaticmalignancies: a systematic review. Clin Transl Imaging. 2016;4:283-95. Review.
  • 10
    Zori AG, Ismael MN, Limaye AR, Suman A, Soldevila-Pico C, Andreoni KA. Transarterial Radioembolization as Bridge Therapy for Patients with Early Stage Hepatocellular Carcinoma Undergoing Liver Transplantation and Universiy of Florida Experience. Gastroenterology. 2017;152:(5):S1177.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    9 Abr 2019
  • Aceito
    3 Out 2019
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